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O papel do gestor público no século XXI

O papel do gestor público no século XXI

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Os gestores públicos precisam evoluir, não somente em práticas de gestão, mas primordialmente em cultura. É necessário desvincular projetos e ações do caráter politiqueiro, estabelecer parcerias, estimular a participação social e pensar estratégias de longo prazo.

O papel do administrador público, na evolução política/administrativa histórica brasileira, sempre apresentou extrema relevância para o cenário socioeconômico, apesar dos regimes e métodos de gestão adotados ao longo dos anos. Porém, em momento algum, o papel do gestor público deixou de estar vinculado à participação da sociedade, à boa-governança e à ética.

Um dos temas recorrentes entre pesquisadores, gestores e estudiosos da administração pública brasileira tem sido a dinâmica de um processo de reforma e contra-reforma, que é possível visualizar nas diversas experiências de reforma administrativa do país. Esse processo é descrito por Castor e José (1998) como um embate entre dois sistemas de força: de um lado, a burocracia em seu sentido corporativo, centralizadora e, portanto, infensa às mudanças na organização e nas formas de operar do aparelho do Estado; e, de outro, as forças inovadoras, que, não raramente, encontram muitas dificuldades para implementarem de maneira efetiva projetos de reforma. Essas “forças inovadoras” procuram introduzir, nas organizações públicas, uma cultura de flexibilidade e de gestão empreendedora que lhes permita atuar de forma ágil e eficiente, num mundo de rápidas transformações.

A história da gestão pública no Brasil visualiza um cenário reflexo do processo de colonização, em uma cultura identificada e impregnada no valor das importações. Embora no Brasil haja pessoas criativas, o processo de inovação ficou comprometido e submetido aos estrangeiros. Assim, “A importação de tecnologias administrativas no Brasil é um processo histórico e cultural tanto da administração pública quanto da administração privada”. (Santana, 2006, p.3). Na gestão privada, dada a incorporação de modernas técnicas administrativas estrangeiras, a evolução e incorporação de processos de inovação ocorreram de forma mais dinâmica. Já na gestão pública, em virtude dos regimes de governo que se instauraram ao longo dos anos, o processo de inovação em métodos e processos administrativos torna-se lento e pouco expressivo.

O setor público, diante das transformações socioeconômicas, na dimensão de sua função de regulador, fomentador da educação e cultura, promotor de políticas de proteção ambiental, de saúde e segurança, enfim, gerador de qualidade de vida, precisa acompanhar e, como primeiro setor da economia, estar à frente deste processo. Torna-se imprescindível que “governos e serviços públicos se envolvam em processos contínuos de inovação: soluções convencionais e conhecidas parecem simplesmente não mais atender e somente se conseguirá fazer frente aos novos desafios com sucesso por meio de respostas criativas”. (SCHWELLA, 2006, p.1).

No momento atual, de internacionalização de políticas socioeconômicas e ambientais, de complexidade dos mercados e busca constante por inovação, o gestor público está desafiado a acompanhar a evolução e reorganizar o processo de gestão, conduzindo mudanças, inserção da participação social e estabelecimento de estratégias complexas e contínuas, que se repercutam em qualidade de vida da população e gerem em longo prazo desenvolvimento sustentável.

Este artigo contempla aspectos que estão diretamente relacionados ao papel do gestor público, e que, se incluídos no processo de gestão, contribuirão para torná-lo mais sério e direcionado aos propósitos da ciência política.

Num primeiro momento, trata-se das premissas sobre o gestor público, com o intuito de identificar sua atuação profissional. Num segundo momento, discute-se a importância do gestor público considerar os métodos administrativos de planejamento, direção, controle e avaliação – PDCA, que, se utilizados com disciplina e conhecimento, podem contribuir para a organização interna e otimização dos resultados da gestão pública. Num terceiro momento, enfoca-se no primeiro setor como ente responsável por contribuir para o processo de desenvolvimento sustentável, por estar diretamente vinculado à realidade econômica, social, política, cultural e ecológica, em esfera internacional e ao mesmo tempo local. No quarto item, toma forma o processo de inovação versus gestão pública, mostrando a necessidade do gestor público em incorporar pesquisa, ciência e a tecnologia nas práticas de gestão, em busca de estratégias criativas que amenizem os crescentes problemas sociais e contribuam para melhorias contínuas. Posteriormente, elenca-se estratégias capazes de gerar inovação e se repercutirem em desenvolvimento sustentável. Por fim, a ética é o alicerce fundamental que condiciona um gestor público de qualidade.

A visão do administrador público se concentra na qualidade da prestação de serviços, sendo que os objetivos e respectivos resultados devem estar relacionados aos interesses sociais. Pois, para Cruz (2006, p.2) “as pessoas que pagam impostos - contribuintes, esperam, e merecem, um serviço público de boa qualidade. E a equipe que presta o serviço precisa saber bem o que se espera dela e o que é necessário fazer e como buscar caminhos para melhorar”.

Dessa forma, o gestor público deve apresentar um perfil não apenas objetivo, mas também subjetivo - que se volte ao social, à cidadania, e deve abranger conhecimentos acerca do direito administrativo e representação diante de contatos políticos administrativos. Também é importante a visão global de gestão, para estabelecer estratégias, firmar parcerias com os demais setores, despertar a participação e estabelecer uma sistemática interação entre planos, metas padrões, orçamento anual e plano plurianual, contemplando projetos, programas e ações que gerem desenvolvimento socioeconômico e ambiental, “obedecendo aos princípios da boa governança: transparente, mensurável, coerente, longo prazo, integridade (cumprimento da lei)”. (LEVY, 2006, p.5).

Dessa forma,

“Pode-se entender por plano a definição de objetivos a serem alcançados e de prazos a serem cumpridos, a indicação de atividades, programas ou projetos correspondentes ou necessários a realização dos objetivos definidos, bem como a identificação dos recursos financeiros, técnicos, administrativos, políticos necessários; e por diretor, as diretrizes estabelecidas em conformidade com a proposta social que se pretende alcançar, que constituem uma referência para as ações do poder público municipal e dos agentes privados.” (CARVALHO, 2006, p.134).

Cabe ao gestor público perceber a dimensão que representa o plano diretor para a gestão pública municipal a longo prazo e sua orientação para o desenvolvimento sustentável e assegurar a eficaz aplicação de sua metodologia, que requer: a leitura da realidade municipal por técnicos de diversas áreas do conhecimento atuando num processo interdisciplinar; a leitura comunitária através de oficinas participativas regionalizadas; a identificação e análise dos fatores relevantes que condicionam o uso e a ocupação do território, bem como o desenvolvimento econômico e social do município, suas tendências e potencialidades.

No momento histórico atual, a rediscussão sobre desenvolvimento sustentável torna-se evidente, trazendo consigo novos problemas e velhos dilemas acerca da realidade econômica, social, política, cultural e ecológica, em esfera internacional e ao mesmo tempo local. Concomitantemente, surge a preocupação com a gestão pública e seus métodos e práticas político/administrativas incoerentes com a realidade, ideologias e contradições, contestação da ética, políticas socioeconômicas que não se repercutem em desenvolvimento, enfim, o setor público, atrelado ao regime democrático brasileiro, tem sido alvo de debates e demonstra a necessidade de reorganização, e a figura do gestor público é considerada peça fundamental.

O setor público possui grande responsabilidade na implementação, direcionamento e regulamentação de políticas que sejam fundamentadas sob o enfoque do desenvolvimento, seja em esfera municipal, estadual ou federal, inserindo tais cenários num contexto globalizado, pois os projetos e ações precisam atender às normas internacionais, ao mercado, às demandas, abrangendo aspectos macroeconômicos e serem elaboradas a partir dos fatores microeconômicos de cada dimensão geográfica, sem perder sua identidade local/regional.

Desta forma, o primeiro passo da gestão pública é propor estratégias que visem estimular o processo de crescimento econômico e, a partir disso, ter competência na eficaz aplicação do retorno gerado, em prol da melhoria da qualidade de vida da população, desempenhando o papel de regulador das transações de mercado, no que tange ao controle, fiscalização, geração de novas oportunidades, infraestrutura etc. A partir do crescimento e da eficaz aplicação dos recursos sociais, surge por consequência o desenvolvimento. A gestão pública deve propor projetos e implementar ações, considerando que, para que haja sustentabilidade, é necessário manter e melhorar a qualidade de vida da população, de forma harmônica e gradativa. Também, é necessário que se mantenha a estabilidade das condições através de esforços e políticas para que a situação, seja da população ou de determinados setores econômicos, não se precarize diante das crises. Mas, como o próprio desenvolvimento gera a pobreza e retorna ao círculo vicioso, a responsabilidade e os esforços são gradativos e permanentes.

O gestor público, em grande parte, não está conseguindo ser agente catalisador de inovações transformadoras. Isso, segundo Cruz (2006, p.1), ocorre por dois motivos: “a má fama do setor público alimentado pela formação cultural da sociedade que tende a associar organizações públicas a imobilismo, bem como a falta de preparação e comprometimento com a missão organizacional dos gestores públicos”.

Quanto ao primeiro, é questão puramente cultural, cuja origem é o processo de estruturação política/administrativa brasileiro, bem como pelos métodos de ensino e investimentos em C&T insuficientes para desenvolver capital social, criatividade, massa crítica interativa e ativa, cidadania deliberativa - participação cidadã consciente e efetiva na gestão e, desta forma, diante do processo histórico de pouca inovação e falta de comprometimento, passa-se a desacreditar na eficiência da gestão pública.

No segundo apontamento, a inércia organizacional neste setor, muitas vezes, coincide com a falta de capacitação e comprometimento dos gestores públicos. Porém, ainda com Cruz, “o setor público pode (e em muitos casos ocorre), ser um ente propulsor de inovação tanto quanto empresas de outros setores, desde que utilize sua capacidade intelectual e saiba congregar a capacidade intelectual da sociedade e entidades afins, na busca por resultados eficazes”.

Os gestores públicos precisam evoluir, não somente em métodos e práticas de gestão, mas primordialmente em cultura. É necessário desvincular os planos, projetos e ações do caráter partidário, eleitoreiro, politiqueiro, estabelecer parcerias e a interação com o primeiro, segundo e terceiro setores, estimular a participação social, a fim de pensar estratégias de longo prazo. Para isso, torna-se necessário repensar a estrutura de inovação brasileira e, sobretudo, na gestão pública, considerando que este processo depende de um conjunto de fatores agregados, como pesquisa básica, pesquisa aplicada, recursos humanos e financeiros, mas primordialmente interesse político.

Contudo, para Nussenzveig (1994), o desenvolvimento se mede pela capacidade de gerar, de forma autônoma, conhecimentos, transmití-los e utilizá-los, assentando-se no tripé: ciência e tecnologia, educação e política econômica-industrial. E a isso se acrescenta política social.


CONCLUSÃO

A política é ciência importante para a sociedade e não pode ser interpretada erroneamente, como ocorre em muitos casos em que os gestores públicos utilizam-se de práticas politiqueiras sustentadas em jogos de interesses partidários, ou mesmo em interesses próprios, abrangendo uma visão simplista e de curto prazo. As práticas políticas devem evoluir. Os gestores públicos possuem a responsabilidade pelo processo de evolução, ou mesmo, revolução na gestão pública, pois o processo de mudança implica tanto na reorganização institucional/organizacional, quanto na quebra de paradigmas culturais do próprio cenário público, político e social.

A capacitação dos gestores representam um passo primordial no processo de discussão acerca de métodos de gestão compatíveis com a realidade do setor público. O despertar da participação consciente e ativa da sociedade no processo de gestão é outro requisito que deve ser levado mais a sério, já que o objetivo da gestão pública se volta em totalidade aos interesses sociais. Mas, para que haja tais mudanças, o processo deve ser amparado pelo cumprimento das leis.

A gestão pública não pode ser comparada à gestão privada, pois apresenta particularidades, mas toda a ciência administrativa parte do pressuposto de que, para ser eficaz, torna-se necessária a consideração dos métodos de planejamento, direção, controle e avaliação – PDCA. Esta prática precisa ser difundida e utilizada pelos gestores públicos para a otimização dos recursos, em busca de resultados satisfatórios, maior qualidade na prestação dos serviços e maximização dos benefícios sociais.

Diante do contexto local/regional e global, e, por consequência, das necessidades sociais quanto à saúde, educação, segurança, saneamento, emprego/renda, lazer etc., a responsabilidade do gestor público tem sido ampliada e passa a considerar, além dos aspectos micro, os aspectos macroeconômicos de desenvolvimento, incorporando leis e normas internacionais. Neste contexto, o gestor público deve ser um agente catalisador de inovações transformadoras, sejam em métodos e práticas administrativas, ou no processo de firmar parcerias com todos os setores e atores sociais, para implementar estratégias e melhorias contínuas que se traduzam em desenvolvimento sustentável, dentro e além de sua governança.

Entretanto, acima de qualquer método e estratégia de gestão, o que torna um gestor público um profissional capacitado, comprometido e acreditado, está a ética. Se o gestor público seguir os princípios da ética, certamente estará atento à capacitação, à concretização de metas e desempenho satisfatório em prol da coletividade, à incorporação da inovação, ao estabelecimento de parcerias e definição de estratégias duradoras, enfim, à busca pelo desenvolvimento sustentável. Sem a disciplina e seriedade da conduta ética, nenhum esforço é mérito.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADRIGAL, Alexis Gabriel. O papel do gestor público no século XXI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4579, 14 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45791. Acesso em: 25 abr. 2024.