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O benefício assistencial de prestação continuada

O benefício assistencial de prestação continuada

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Consoante prescreve o artigo 203, caput, da Constituição Federal, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social. Desta forma, os benefícios de caráter assistencial têm natureza não-contributiva, possuindo, dentre os seus objetivos a proteção à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso, mediante o pagamento de um salário mínimo, desde que preenchidos os requisitos elencados no inciso V, do art. 203, da CF, regulamento pela Lei n.° 8.742/93 e Decreto n.° 1744/95.

Trata-se do benefício de prestação continuada, destinado ao idoso ou pessoa portadora de deficiência, que não tenham condições de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua própria família.

O benefício, com a Lei Fundamental de 1988 passou a ser de um salário mínimo, lembrando que tal benefício foi instituído sob a denominação de "renda mensal vitalícia", pela Lei n.° 6.179/74.

Este benefício, segundo conceito formulado por Sérgio Pinto Martins, constitui-se em "[...] um benefício de trato continuado, que é devido mensal e sucessivamente" [1].

Como já salientado, ele é devido a pessoa portadora de deficiência, que consoante a dicção do art. 20, § 2.º, da Lei n.° 8.742/93, é "[...] aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho". Desta forma, não basta a simples alegação de que o indivíduo não pode exercer atividade laborativa. Tal situação pode, quando muito, gerar direito ao benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, que exigem contribuição.

A característica da deficiência, para os efeitos da Lei n.° 8.742/93 é, além da incapacidade para o trabalho, a impossibilidade de vida independente.

Ademais, consoante pontificou Luiz Alberto David Araújo, na obra denominada "A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência" (Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 1997, p. 12): "O que define a pessoa portadora de deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência."

Desta forma, a pessoa portadora de deficiência, para os efeitos da Lei n.° 8.742/93 é aquela que apresenta incapacidade para o trabalho e para a vida independente, e que tal condição lhe cause dificuldade de integração social.

Também é devido ao idoso. Segundo o art. 20, caput, da Lei n.° 8.742/93 (LOAS [2]), idoso para os fins do benefício é aquele que tem idade igual ou superior a 70 setenta anos. Essa idade, todavia, foi reduzida para 67 anos, a partir de 01 de janeiro de 1998, ex vi do que prescreve o art. 38, da LOAS.

Com o advento do Estatuto do Idoso, instituto pela Lei n.° 10741, de 1.° de outubro de 2003, a idade foi reduzida para 65 anos (art. 34, caput), com vigência para 90 dias após a sua publicação (art. 118) [3].

Os requisitos da deficiência e da idade são alternativos, devendo, ainda, ser cumulados com outros requisitos, constantes do artigo 20, da Lei n.° 8.742/93.

O § 4.º prevê que o benefício não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, ressalvado o de assistência médica.

O requisito mais controverso, porém, encontra-se no § 3.º, do art. 20, da LOAS. Este dispositivo prescreve, in verbis:

Art. 20

[...]

§ 3.º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

O primeiro ponto a ser destacado, e que não causa maiores problemas é que o conceito de família, para a Lei n.° 8.742/93, abarca o conjunto de pessoas que vivam sob o mesmo teto. Além disso, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16, da Lei n.° 8.213/91. Assim, família, para os efeitos da Lei n.° 8.742/93, compreende o cônjuge, companheira ou companheiro, filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido [4]. O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho, nos termos do § 2.º, do art. 16, da Lei n.° 8.213/91.

Por outro lado, não entram no conceito de família, irmão maior de 21 anos não inválido ou menor de 21 anos emancipado, etc. Ademais, aqueles que compõem o núcleo familiar, para os efeitos da LOAS, devem viver sob o mesmo teto.

Todavia, o conceito previsto no § 1.º, do art. 20 da Lei n.° 8.742/93 deve ser analisado em cada caso concreto, ante o dever de solidariedade familiar prevista nos artigos 229 e 230, da Lei Fundamental e dos artigos 1694 e seguintes do Código Civil vigente.

O ponto polêmico reside no conceito de hipossuficiência econômica exigida pelo § 3.º, do art. 20, da LOAS, que estabelece como parâmetro o valor de ¼ do salário mínimo.

Assim, família hipossuficiente é aquele em que a renda per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo vigente (Lei n.° 8.742/93, art. 20, § 3.º, in fine e arts 5.º, III e 6.º, II, do Decreto n.° 1744/95)

Tem-se argumentado quanto a constitucionalidade do parâmetro previsto no art 20, § 3.º, da LOAS, sobretudo porque tem-se entendido que o mesmo limita o alcance de norma constitucional.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN 1.232/DF, em 27.08.98 concluiu pela constitucionalidade do § 3.º do artigo 20, da Lei n.° 8.742/93. Todavia, o Ministro Néri da Silveira, no julgamento do recurso extraordinário 286.543-5 afirmou que o limite previsto no § 3.º, do art. 20, da LOAS "[...] não encontra fundamento de validade jurídica na Lei Maior vigente".

O Tribunal Regional da 3.ª Região pronunciou-se pela constitucionalidade do § 3.º, do art. 20, da Lei n.° 8.742/93, mas sem que o mesmo fosse aplicado com uma norma restritiva à concessão do benefício:

O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93 goza de

presunção de constitucionalidade, aliás reconhecida de maneira indireta, pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.232-1.

Não se pode interpretar o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93 como restritor à concessão de benefícios assistenciais quando a renda per capita familiar seja superior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, quando no caso concreto estão presentes todos os requisitos justificadores da concessão do benefício, pois tal interpretação é odiosa, por contrariar os princípios do instituto em questão [5].

A 5.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, firmou posição no sentido de que o § 3.º do artigo 20, da LOAS deve ser interpretado conjuntamente com outras normas que tratam da assistência social aos necessitados e sob a égide da Carta Política. Segundo o entendimento esposado pela 5.ª Turma do TRF 4.ª Região, não há razão plausível para se dar tratamento diferenciado entre o que se considera miserável para os fins da Lei n.° 9.533/97, que trata do programa federal de garantia de renda mínima e da Lei n.° 10.219/2001, que trata do programa de Bolsa Escola, já que nestas leis, presume-se miserável aquele que tiver renda mensal per capita inferior a ½ salário mínimo. Assim se pronunciou a 5.ª Turma do TRF 4.ª Região:

Se, naqueles ordenamentos, se considera miserável quem tem renda inferior a meio salário mínimo, esse mesmo critério pode e deve ser aplicado aos aspirantes ao benefício assistencial de que trata a Lei n.° 8.742/93. Não há como se admitir parâmetros diversos para situações idênticas, se, na realidade, importa mesmo saber quem é miserável, nos termos da lei [6].

Por outro lado, o parâmetro fixado no citado dispositivo não tem o condão de vincular o julgador, sendo norma dirigida, tão-somente, à autoridade administrativa, como um sinal objetivo a atuação do mesmo, podendo o magistrado, no sistema processual da livre convicção, fazer "[...] uso de outros fatores que tenham a potencialidade de comprovar a condição de miserável do autor e da sua família" (TRF 3.ª Região. AC 511439. 5.ª T. Rel. Des Fed. Johonson Di Salvo, DJU 02.05.2002).

O que se deve ter em mente, todavia, é que o benefício assistencial é destinado aos miseráveis, aqueles que se encontram em situação de desamparo. Consoante prescreve o artigo 1.° da Lei n.° 8.742/93, a assistencial social "[...] é política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais",

Maria do Carmo Brant de Carvalho, no artigo "Assistência Social como Política Pública", inserta no caderno "Assistência Social: Parâmetros e Problemas", publicado pelo Ministério da Assistência e Previdência Social [7], tece o seguinte comentário acerca do tema:

O que se quer ressaltar é que os mínimos sociais não são imutáveis. Eles tendem a se alterar pressionados pela ação coletiva dos cidadãos, pelo avanço da ciência, pelo grau e perfil da produção econômica, pelas forças políticas etc. É este conjunto de fatores que move e determina o que denominamos padrão de qualidade de vida dos cidadãos.

Os mínimos sociais estabelecem padrões de qualidade de vida referenciados na busca da eqüidade possível. Portanto, devem estar próximos da qualidade de vida média presente numa nação.

Os mínimos sociais são abrangentes. Não se referem apenas às condições de saúde e sobrevivência dos indivíduos, mas são garantias do exercício da cidadania a que todos os cidadãos têm direito.

Por estas razões, o benefício assistencial não tem o condão de complementação de renda familiar, já que assim o fazendo, não age provendo os mínimos sociais, que no seu conceito não envolve recursos destinados a complementação de renda.

Neste sentido, inclusive, decidiu o E. TRF 3.ª Região que, "O benefício de prestação continuada não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria" (AC 876500. 9.ª Turma. Rel. Des. Fed. Marisa Santos. DJU, 04.09.2003).

A alegação de que a o autor postulante ao benefício é pobre, não lhe dá o direito ao mesmo. É preciso lembrar que, no Brasil, milhões de pessoa vivem na pobreza e o benefício de prestação continuada não lhes é dirigido. Para os fins assistenciais, pobreza e miserabilidade são situações distintas [8].

Outro ponto a ser destacado, consiste no fato de que gastos com remédios, mesmo que altos, não podem entrar na aferição da miserabilidade.

A Seguridade Social, consoante norma constitucional, é tripartida na Previdência Social, Assistência Social e Saúde. Gastos com remédios envolvem não a proteção propiciada pela Assistência Social, mas sim, pelo outro braço da Seguridade Social, a Saúde.

Esta ponto ficou mais claro com a promulgação do Estatuto do Idoso, que prevê no artigo 15, § 2.º, o dever do Poder Público de fornecer ao idoso, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, além de próteses, órteses e outros recursos necessários ao tratamento, habilitação ou reabilitação [9].

É preciso salientar, ainda, que a análise da situação de miserabilidade deve ser feita em cada caso concreto. O parâmetro da Lei n.° 8.742/93 (§ 3.º, art. 20), trata de uma presunção absoluta de hipossuficiência econômica, ou seja, a pessoa portadora de deficiência ou idoso que tenha renda per capita inferior a ¼ de do salário mínimo, faz jus ao benefício.

Acima desse parâmetro, não há vedação à concessão do benefício, mas a presunção da hipossuficiência é relativa, devendo o magistrado aferir o caso concreto, podendo utilizar-se de outros parâmetros ou normas, com as já citadas leis n.° 9.533/97 e n.° 10.219/2001.

Por fim, a Assistência Social, realizada pelo Estado, tem lugar quando a família não cumpre seu papel social. Mister se faz lembrar que a Constituição Federal prevê o dever dos pais de assistir os filhos menores e os maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (CF, art. 229). Ademais, a família tem o dever de amparar as pessoas idosas (CF, art. 230). Estes dois dispositivos conjugados deixam claro que o Estado deverá intervir quando a família não puder faze-lo, prestigiando, assim, o dever de solidariedade que deve imperar as relações familiares.

O Código Civil prevê, em consonância com a solidariedade familiar, o instituto dos alimentos, prescrevendo o direito-dever recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, à prestação de alimentos (CC/02, art. 1696), que são destinados a atender às necessidades de subsistência (CC/02, art. 1694, § 2°).

O Estado, portanto, deverá intervir, através da Assistência Social, quando aquele de quem se reclama alimentos não pode fornecê-los sem desfalque do necessário ao seu sustento (CC/02, art. 1695, in fine).

Por esta razão, conforme salientado alhures, o § 1.º do artigo 20, da LOAS não pode ser interpretado de forma absoluta, devendo o juiz ater-se as peculiaridades de cada caso.


NOTAS

01. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social, p. 484.

02. Lei Orgânica da Assistência Social.

03. O texto foi publicado no DOU em 03/10/2003.

04. Persiste a idade de 21 anos, já que o texto não faz qualquer alusão a maioridade ou menoridade civil, mas apenas a "menor de 21 anos".

05. TRF 3.ª Região. AC 695851. Processo 200103990247626/SP. 1.ª T. 19.03.2002.

06. TRF 4.ª Região. AGA 117888. Processo 200204010461951/PR. 5.ª T. 13.02.2003.

07. www.mpas.gov.br., consultado em 11.11.2002.

08. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o vocábulo "miserável" tem o significado de "muito pobre", "paupérrimo", o que denota que os aquele miserabilidade e pobreza são conceitos distintos. Pode-se dizer que a miserabilidade é uma pobreza mais intensa.

09. Para os efeitos do Estatuto do Idoso, entende-se como idoso às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos (art. 1.º).


BIBLIOGRAFIA

BITTENCOURT, Edgard de Moura. Alimentos. 4. ed. São Paulo: Leud, 1979.

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

FARIAS, José Fernando de Castro. A Origem do Direito de Solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

FIÚZA, Ricardo (coord.). Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.

GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Direito dos idosos. São Paulo: LTr, 1997.

________. Curso de direito previdenciário. 2. ed. São Paulo: LTr, tomo I, 2001.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

www.mpas.gov.br


Autor

  • Marcos César Botelho

    Marcos César Botelho

    Advogado da União, Coordenador-Geral de Atos Normativos na CONJUR do Ministério da Defesa. Doutorando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino - Bauru/SP. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direitio Público - Brasília/DF.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOTELHO, Marcos César. O benefício assistencial de prestação continuada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 179, 1 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4654. Acesso em: 26 abr. 2024.