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O grave agravo no 18º exame da OAB.

A que veio o Exame da Ordem?

O grave agravo no 18º exame da OAB. A que veio o Exame da Ordem?

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Queremos tão somente alertar os examinandos sobre as “armadilhas” a que se sujeitarão e principalmente aos examinadores que devem se ater a princípios éticos mais sólidos ao elaborarem as provas do Exame Unificado.

"A nossa época é a época da crítica, à qual tudo tem que submeter-se. A religião, pela sua santidade, e a legislação, pela sua majestade, querem igualmente subtrair-se a ela. Mas então suscitam contra elas justificadas suspeitas e não podem aspirar ao sincero respeito, que a razão só concede a quem pode sustentar o seu livre e público exame. " ( Immanuel Kant )

Não queremos neste artigo desmerecer a necessidade do Exame da OAB para o ingresso da atividade da advocacia, até porque se fosse utilizado no passado, nos moldes como é feito nos dias atuais e mesmo com os erros recorrentes, com certeza teríamos profissionais mais qualificados para elaboração das questões prático-profissionais, o contrário do que ocorreu na prova de 2ª fase de Direito Tributário do XVIII Exame.

Queremos tão somente alertar os examinandos sobre as “armadilhas” a que se sujeitarão e principalmente aos examinadores que devem se ater a princípios éticos mais sólidos ao elaborarem as provas do Exame Unificado.

A banca responsável pela prova de Tributário é elaborada por Procuradores, alguns até com título de mestrado, o que agrava ainda mais o episódio que passaremos a discorrer.

Começaremos nossa crítica transcrevendo um trecho que denota uma gritante falha de silogismo racional no enunciado da referida questão:

- “A despeito dos bons fundamentos em favor de Fulano de Tal, sua ação anulatória foi julgada improcedente.”

Conforme grifamos na construção de parte do enunciado acima, como pode-se afirmar que bons fundamentos possam findar em uma ação improcedente?

Das duas uma, ou quem redigiu o enunciado colocou uma pitada de ironismo, ou, o que acreditamos ser o real propósito: confundir o examinado na interpretação do problema apresentado.

A peça a que referimos e segundo gabarito de correção é um Agravo Interno a ser interposto ante o juízo negativo de indeferimento de recurso de apelação no TJ, uma decisão monocrática de inadmissibilidade conforme previsão do Art. 557 do Código de Processo Civil - CPC. Mas, queremos chamar a atenção do amigo leitor, ao “nível de criatividade” do formulador da questão ao criar a ficção jurídica processual jamais vista em qualquer sistema jurídico existente no mundo (pelo menos no Civil Law e Common Law que conhecemos).

O enunciado não apontou as razões do indeferimento do Desembargador Relator, que por não se tratar de atropelo de temática já sumulada na forma vinculante, só restaria a hipótese de “Recurso Prejudicado” (quando a ação perde seu objeto).

Alguns examinados teriam até condições de prever estas razões, desde que consultados um Código de Processo Civil comentado e um grande repertório de jurisprudência, o que não é permitido pelo edital do concurso.

Mas os examinadores dão uma dica “preciosa”, vejam:

- “Não há, na decisão monocrática do Desembargador Relator, qualquer obscuridade, contradição ou omissão que justifique a interposição de Embargos de Declaração”.

Com essa afirmativa, os próprios examinadores que construíram o enunciado, alertam os examinados para que não incorram no mesmo erro que cometeram nas suas empreitadas jurídicas reais do dia a dia:

-  Processo n. 0003703-23.1993.4.02.5001 do TRF-2 e;

- TRF-1 AGRAVO REGIMENTAL NA APELAÇÃO CIVEL : AGRAC 892369220104013800 MG 0089236-92.2010.4.01.3800.

Nos supracitados processos, os patrocinadores ao interporem Embargos de Declaração, obtiveram o beneficio do Princípio da Fungibilidade Recursal, e foram recebidos como Agravo Interno (ou Agravo Regimental para alguns), principio este que segundo edital, de forma implícita no sub item 4.2.6.1, é vedado.

Reforçamos, os Embargos citados não foram denegados, mas recepcionados como Agravo Interno sob o véu protetor da lógica racional do Processo Civil Moderno, conforme a lúcida e precisa doutrina do eminente professor Guilherme Freire de Barros Teixeira (Bases científicas para um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2009, p.155):

             “Modernamente, o processo não deve ser concebido como um fim em si mesmo,... o processo não pode ficar “preso” a regras de cunho eminentemente formal ou ao exagero e desarrazoado tecnicismo...”.

 O aberratio finis legis não para por aí, como em uma grande obra de Shakespeare, tem que se ter um gran finale, como o que segue apontado pelo casuístico examinador:

- “Elabore a peça processual adequada ao reexame da matéria no âmbito do próprio Tribunal de Justiça, indicando o prazo legal para interposição do recurso e os fundamentos que revelam a(s) inconstitucionalidade(s) da TIP.” (grifo nosso).

O Agravo Interno, conforme configurado no art. 557, §1° do CPC, deveria combater as alegações denegatórias do Relator, alegações essas que não estavam presentes no enunciado, pior, os eminentes examinadores ainda exigiram uma digressão ao solicitar que a referida peça processual contivesse a fundamentação do processo que o originou, o que data máxima vênia, é reiteradamente improcedente em nossos tribunais, sob risco de atropelar o Princípio da Supressão de Instância.

Como pode a OAB submeter os Bacharéis de Direito a responder uma questão dessa sob a alegação de que o principal objetivo do Exame é colocar no mercado de trabalho profissionais mais capacitados?

Uma coisa é certa, se na prática, um advogado discutir fundamentos de ação originária em um Agravo Interno, como quis o examinador, o operador do direito não logrará êxito, ao contrário, como prevê o §2º do mesmo art. 557, será condenado a pagar uma multa entre 1% e 10% do valor corrigido da causa, além de novos depósitos de preparo recursal a qualquer outro recurso interposto.

São episódios como esse que se propagam como ‘rastro de pólvora’ na sociedade, mostrando a realidade para o que veio o Exame Unificado da OAB.

Não adianta divulgar aos quatro cantos do mundo midiático, o enorme volume de pessoas que pleiteiam ingressar nas fileiras da advocacia, sem mostrar a realidade fática desse mercado: menos de 10% dos Bacharéis de Direito que conseguem passar pelo Exame de Ordem, continuam nas atividades após três anos de advocacia.

Então, para que serve de fato esse ‘filtro’?

Urge repensar a forma como o Exame Unificado está sendo realizado.

A OAB, como uma das poucas instituições sérias que restou em um Brasil infestado de corrupção em todas as esferas dos Poderes, deve fazer o papel de fomentador das mudanças necessárias para de fato virmos a ser um Estado Democrático de Direito, lição a começar dentro da própria casa, dentre outras ações, com um exame de proficiência mais justo e voltado de fato para a prática da advocacia.

  

* O artigo refere-se a questão da peça prático-profissional de Direito Tributário do XVIII Exame da OAB, realizado em 17.01.2016 em todo território nacional, que poderá ser acessado no site da FGV/OAB: http://oab.fgv.br/


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