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Uma decisão que foge à razoabilidade jurídica

Uma decisão que foge à razoabilidade jurídica

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O artigo comenta recente decisão do presidente interino da Câmara dos Deputados que resolveu anular o procedimento de impedimento da Presidente da República.

Agiu mal, fora da razoabilidade, o presidente da Câmara dos Deputados, ao assinar decisão que anula a tramitação do impedimento da atual presidente da República.

A razoabilidade, em tema de direito, consiste em agir com bom senso, prudência, moderação, tomar atitudes adequadas e coerentes, levando-se em conta a relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade a ser alcançada, bem como as circunstâncias que envolvem a prática do ato.

Em seu despacho publicado na edição do Diário da Câmara do dia 10 do corrente mês de maio, o deputado derruba as sessões do plenário que trataram do processo na Casa entre os dias 15 e 17 de abril e determina que o processo, que está no Senado, volte à Câmara. Maranhão determina que a Casa terá cinco sessões para refazer a votação no plenário.

O impeachment já avançou no Senado, tendo relatório aprovado por comissão especial, e a votação é prevista para o próximo dia 11 do mês corrente, quando os senadores decidirão sobre o afastamento por 180 dias de Dilma.

O principal argumento para invalidar a sessão é que os partidos não poderiam ter fechado questão ou dado orientação em relação ao voto dos parlamentares, uma vez que, segundo o presidente interino, “os parlamentares deveriam votar de acordo com suas convicções pessoais e livremente”. O pepista também diz que o fato de os deputados terem anunciado publicamente seus votos caracteriza pré-julgamento e clara ofensa ao amplo direito de defesa consagrado na Constituição.

O congressista alega ainda que a defesa de Dilma deveria ter sido ouvida por último no momento da votação. Há ainda uma alegação técnica de que o resultado da votação teria que ser encaminhado ao Senado por resolução e não por ofício, como teria ocorrido.

A decisão é errônea, uma vez que afronta o princípio da preclusão, que norteia os atos procedimentais e ainda, por ato unilateral, anula decisão emanada do colegiado. Estamos falando em decisão colegiada, em ato jurídico coletivo.

Se não bastassem, mais dois argumentos: foi dada a Presidente da República o rito de defesa, de forma que os debates que se seguiram, em sessão aberta, por dois dias, foram apresentados para, inclusive, apresentar argumentos em favor ou contra o impedimento; a duas, o rito traçado pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão na ADPF 378, em dezembro de 2015, objeto de recurso de embargos de declaração, foi obedecido.

Ademais, a matéria já está no Senado Federal, com ato confirmatório dado por Comissão para ela formada que entendeu por dar seguimento ao impeachment. O processo é um caminhar para frente. A presidente da República foi intimada e apresentou defesa técnica, em vários momentos do procedimento, seja na Câmara dos Deputados, seja no Senado Federal, isto se bastasse a natureza procedimental, não processual, do rito ocorrido na casa parlamentar que representa o povo brasileiro.

Somente cabe, no jargão jurídico, a autoridade “chamar à ordem o processo” caso haja uma evidente nulidade, um ato teratológico, algo que parece não ter havido. O devido processo legal foi seguido, sendo dado o devido contraditório.

Havia um recurso da AGU pendente, datado de 25 de abril, em que o advogado-geral José Eduardo Cardozo requeria a nulidade da votação.

Há nítido vício postulatório, pois a Advocacia Geral da União não defende interesses políticos e partidários, mas, sim, da União Federal.

Mesmo assim o citado remédio processual foi acolhido, anulando decisão emanada de 367 deputados federais que votaram a favor do impeachment.

A AGU diz no documento que os líderes não poderiam ter feito a orientação partidária antes da votação, porque isso viola a “formação da livre e pessoal convicção dos deputados”. O texto cita decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos que reconheceriam que julgamentos políticos realizados pelo Congresso são obrigados a respeitar a imparcialidade. “Nesse sentido, ter-se um posicionamento derivado de orientação partidária, antes das alegações, ofende o devido processo legal e nulifica o julgamento, por impedir a imparcialidade”, cita o texto.

O órgão responsável pela defesa de Dilma critica os motivos apresentados pelos deputados para aprovarem o pedido de impeachment, que citaram a família, Deus, a corrupção, entre outros. Segundo a AGU, há uma “completa desconexão” entre a acusação e a fundamentação dos votos dos parlamentares.

A Advocacia-Geral da União argumentou que, no dia da votação, o discurso do relator, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), violou os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que não foi dado espaço para que a defesa se manifestasse. Cardozo chegou a pedir para fazer a defesa de Dilma antes da votação, o que foi negado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Por último, a AGU argumentou que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados estabelece que o resultado da votação deveria ter sido materializado na forma de “edição de resolução”, e não na forma de ofício encaminhado ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ora, Resolução é uma norma jurídica destinada a disciplinar atos de interesse interno da casa parlamentar. No caso, a decisão foi tomada, razão pela qual ela foi comunicada ao Senado Federal por oficio. Ademais, não cabe falar em nulidade diante de meras imperfeições conceituais, que não trazem prejuízo jurídico.

Toda a argumentação posta se acaba na medida em que o processo de impedimento tem índole política como já expressava Hamilton.

O juízo do impeachment é político, já dizia Hamilton. Hoje, Dilma Rousseff não tem condições políticas para governar o Brasil. Sua derrota, na matéria em discussão, na Câmara dos Deputados foi expressiva. Dos 81 senadores, 50 estão a favor de sua saída e 20 contra.

É uma questão aritmética.

Alexander Hamilton (1755-1804), um dos pais fundadores dos Estados Unidos e um dos mais influentes promotores da Constituição americana, que ele ajudou a escrever, já havia antecipado que o impeachment seria um julgamento eminentemente político. Em ensaios, conhecidos como “os artigos federalistas”, Hamilton escreveu que um processo de impeachment “dificilmente deixaria de agitar as paixões de toda a sociedade e de dividi-la em partidos mais ou menos amistosos ou hostis em relação ao acusado.”. “Em muitos casos, o processo de impeachment se conectará com as facções preexistentes e mobilizará todas as animosidades, parcialidades, influências e interesses de um lado e de outro.”, escreveu Hamilton. “Nesses casos, sempre haverá o grande perigo de que a decisão será tomada mais de acordo com as forças comparativas dos partidos do que pela real demonstração de inocência ou culpa.”.

Isso foi recentemente realçado pelo Ministro Celso de Mello, em julgamento na matéria, lembrando lições que vão de Epitácio Pessoa a Carlos Maximiliano. Aliás, foi lembrado que há poucos anos o Supremo Tribunal Federal não conheceu de ação direta de inconstitucionalidade sobre interpretação de texto normativo do Parlamento, Regimentos Internos, por entender que não cabe ao Judiciário modificar interpretação do Legislativo nesses casos. Isso nos faz lembrar a velha “teoria dos atos políticos”, matéria que fica fora da cognição do STF, pois o mérito do ato político é insindicável.

Não há que se falar em voto de consciência se os parlamentares, de forma expressa, manifestaram o que pensavam sobre a matéria.

No MS 34.181, a matéria já foi debatida. O Deputado Federal Paulo Teixeira questionou o fato de líderes partidários terem encaminhado os votos da bancada durante a votação na Câmara. Segundo ele, a orientação de votos é proibida pela lei do impeachment (lei 1.079/50) e teria “violentado o direito dos parlamentares à liberdade do juízo subjetivo de apreciação”. Para ele, além de interferir na imparcialidade da atuação dos parlamentares como julgadores do pedido de autorização para abertura do processo de impeachment, a possibilidade de encaminhamento das bancadas pelos líderes também deixou de observar o artigo 192 do Regimento Interno da Câmara.

Na decisão, o ministro Fux destacou que não cabe ao Supremo decidir sobre uma questão interna da Câmara. De acordo com ele, o STF já assentou que os atos classificados como interna corporis não estão sujeitos ao controle judicial, tendo em vista sua apreciação estar restrita ao âmbito do Poder Legislativo.

“Resta claro que o ato praticado pelo impetrado, diante da situação fática descrita pelo impetrante, envolveu a interpretação de dispositivos regimental e legal, restringindo-se a matéria ao âmbito de discussão da Câmara dos Deputados. Dessa forma, afigura-se incabível o mandado de segurança, pois não se trata de ato sujeito ao controle jurisdicional.”.

O Plenário já havia decidido sobre a matéria, não cabendo a um presidente que substitui outro, que está impedido, pronunciar-se sobre o caso.

Afronta-se com essa decisão a segurança jurídica, garantia necessária nas relações de direito.

O presidente interino da Câmara dos Deputados acabou voltando atrás. O recuo de Maranhão se deu por meio de uma breve nota em que ele diz, em cinco linhas, que revoga a decisão por ele proferida “em 9 de maio de 2016, por meio da qual foram anuladas as sessões do plenário da Câmara dos Deputados ocorridas nos dias 15, 16 e 17 de abril de 2016, nas quais se deliberou sobre a denúncia por crime de responsabilidade número 1/2015″.

Na verdade, sua decisão foi nula, uma vez que afrontou o elemento competência própria do ato jurídico e, como ato nulo, não gerou efeitos. Uma autoridade monocrática não pode anular um ato que é próprio do colegiado.

Revoga-se um ato que se encontra no caminho da conveniência e oportunidade. Em verdade, anulou-se um ato viciado em elemento indispensável à sua validade, que é a sua competência. Ele não tinha competência, repita-se, para substituir o colegiado.


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