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O brasileiro nato e a possibilidade de extradição

O brasileiro nato e a possibilidade de extradição

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O presente artigo visa tratar da extradição do brasileiro nato e analisar a recente decisão da Suprema Corte em extraditar uma brasileira que renunciou à sua nacionalidade, trazendo mudanças no entendimento firmado até o presente momento.

1 – INTRODUÇÃO:

A Constituição Federal veda a extradição do brasileiro nato, trazendo em seu texto que apenas o brasileiro naturalizado, em casos específicos e como forma de exceção, pode ser extraditado. A nacionalidade é um dos pilares defendidos pelo Estado, a começar quando o país visa proteger o direito à nacionalidade, até mesmo do apatridia, e a conceder alguns direitos excepcionais aos nacionais, em detrimento dos estrangeiros, sendo essa diferenciação trazida apenas pela Constituição Federal.

2 – BRASILEIRO NATO E NATURALIZADO: CONCEITO E A PERDA DA NACIONALIDADE

A nacionalidade é uma matéria disciplinada pelo direito interno, regulada pela Constituição Federal no art. 12 e pela Lei 818/49, que dispõe sobre a aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade. Conforme Paulo Henrique Gonçalves Portela, a nacionalidade “é o vínculo jurídico-político que une uma pessoa física a um Estado, do qual decorrem uma série de direitos e obrigações reciprocas.” [1]

Não pode este conceito ser confundido com cidadania, Portela ensina “cidadania é a possibilidade de exercício dos direitos políticos.”

Existem duas espécies de nacionalidade: a originária e a derivada. De acordo com Emerson Penha Malheiros, citando José Afonso da Silva: [2]

Faz-se uma distinção entre nacionalidade originária ou primária, atribuída no instante do nascimento, e a nacionalidade derivada ou secundária, atribuída em outro momento posterior.

A nacionalidade originária ou primária se demonstra mediante dois critérios incidentes no instante do nascimento do ser humano: ius solis e ius sanguinis. Já a derivada ou secundária observa o ius domicilii, ius labori e o ius communicatio.

As formas de atribuição de nacionalidade variam entre os Estados, mas, em qualquer deles, não depende da vontade do indivíduo a atribuição da nacionalidade primária, que decorre da ligação do fato natural do nascimento com um critério estabelecido pelo Estado. Já a atribuição da nacionalidade secundária depende da manifestação volitiva da pessoa.

Dessa forma, entende-se que a nacionalidade originária, inerente ao brasileiro nato, é aquela adquirida no nascimento, seja pelo critério sanguíneo ou pelo critério territorial e a nacionalidade derivada, adquirida pelo brasileiro naturalizado, adquire-se por vontade da pessoa.

A perda da nacionalidade brasileira encontra-se no artigo 12, § 4.º, da Constituição Federal, estabelecendo que se perde a nacionalidade brasileira ao adquirir outra, salvo nos casos: “a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.” [3]

Sendo assim, uma vez adquirida nova nacionalidade, exceto nos casos previstos em lei, passa-se a ser estrangeiro, podendo então sofrer as diferenciações trazidas pela Constituição Federal.

3 - EXTRADIÇÃO:

 

Regulada pelo Estatuto do Estrangeiro, Lei 6815/80, sobre o conceito de extradição, leciona PORTELA:

Extradição é o ato pelo qual um Estado entrega a outro Estado um indivíduo acusado de ter violado as leis penais deste outro ente estatal ou que tenha sido condenado por descumpri-las, para que neste seja submetido a julgamento ou cumpra a pena que lhe foi aplicada, respondendo, assim, pelo ilícito que praticou.

Sobre o processamento do pedido de extradição, Carlos Eduardo Rios do Amaral: [4]

O pedido é recebido pelo Ministério das Relações Exteriores, que o remeterá ao Ministério da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando e, uma vez este efetivamente preso, será colocado à disposição do Supremo Tribunal Federal. Não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do STF. Essa prisão provisória, em razão do pedido extradicional, perdurará até decisão final do STF, não se admitindo liberdade vigiada, prisão domiciliar, e nem a prisão albergue, salvo casos excepcionalíssimos.

O julgamento da extradição passiva se dará pelo Plenário desta excelsa corte constitucional, que se limitará a analisar a legalidade e procedência do pedido extradicional. Dessa decisão colegiada não caberá recurso, apenas embargos de declaração, para os fins de aclaramento do acórdão proferido. Se julgado improcedente o pleito extradicional, novo pedido só poderá ser formulado se fundado em outro fato.”

 O Supremo Tribunal Federal é o órgão competente para verificar a legalidade do pedido de extradição feito por outro país e o Presidente da República é quem decide se deve ou não acontecer a extradição.

4 - A EXTRADIÇÃO DE BRASILEIRO NATO

 

A regra é que o brasileiro nato nunca será extraditado. De acordo com a Constituição Federal, art. 5º, LI, que dispõe que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.”

Em vista da vedação da extradição do brasileiro nato, o STF recentemente admitiu a extradição de uma mulher que deixou de ser brasileira nata ao adquirir voluntariamente outra nacionalidade. O caso concreto é sobre Cristina Cláudia Sobral, que era brasileira, nascida no Rio de Janeiro e tornou-se americana voluntariamente – pois já possuía o green card - onde passou a residir nos Estados Unidos da América.  Cristina é suspeita de ter assassinado seu marido e sob essas acusações, retornou ao Brasil. Os Estados Unidos pediu sua extradição, ela, por sua vez, impetrou o mandado de segurança 33.864 alegando que nenhum brasileiro nato seria extraditado. Entretanto, foi decidido por 3 votos a 2 que ao renunciar voluntariamente a sua nacionalidade, ela deixou de ser brasileira, tornando-se uma estrangeira de nacionalidade americana. Os votos a favor foram dos Ministros Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber. [5]

A decisão é inédita e foi tomada no dia 19 de abril de 2016, mudando anterior entendimento do Supremo Tribunal, qual seja, o brasileiro nato não podia ser extraditado. Neste sentido, veja o informativo de jurisprudência 309 do STF, onde traz a decisão monocrática do Ministro Celso de Mello nos autos do habeas corpus 83113/DF, decidindo que o brasileiro nato não pode ser extraditado em hipótese nenhuma: [6]

E M E N T A: EXTRADIÇÃO. CONFLITO POSITIVO DE NACIONALIDADES. DUPLA NACIONALIDADE. POSSE CONCOMITANTE DA NACIONALIDADE BRASILEIRA PRIMÁRIA OU ORIGINÁRIA. CRITÉRIOS CONSTITUCIONAIS DO JUS SOLI E DO JUS SANGUINIS. EXTRADIÇÃO REQUERIDA AO GOVERNO DO BRASIL. INADMISSIBILIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL ABSOLUTA, TRATANDO-SE DE BRASILEIRO NATO (CF, art. 5º, LI). POSSIBILIDADE, NO ENTANTO, DE APLICAÇÃO EXTRATERRITORIAL DA LEI PENAL BRASILEIRA. HIPÓTESE DE EXTRATERRITORIALIDADE CONDICIONADA. CONSIDERAÇÕES DE ORDEM DOUTRINÁRIA E DE CARÁTER JURISPRUDENCIAL.

- O brasileiro nato, quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do delito, não pode ser extraditado, pelo Brasil, a pedido de Governo estrangeiro, pois a Constituição da República, em cláusula que não comporta exceção, impede, em caráter absoluto, a efetivação da entrega extradicional daquele que é titular, seja pelo critério do "jus soli", seja pelo critério do "jus sanguinis", de nacionalidade brasileira primária ou originária.

Esse privilégio constitucional, que beneficia, sem exceção, o brasileiro nato (CF, art. 5º, LI), não se descaracteriza pelo fato de o Estado estrangeiro, por lei própria, haver-lhe reconhecido a condição de titular de nacionalidade originária pertinente a esse mesmo Estado (CF, art. 12, § 4º, II, "a").

- Se a extradição não puder ser concedida, por inadmissível, em face de a pessoa reclamada ostentar a condição de brasileira nata, legitimar-se-á a possibilidade de o Estado brasileiro, mediante aplicação extraterritorial de sua própria lei penal (CP, art. 7º, II, "b", e respectivo § 2º) - e considerando, ainda, o que dispõe o Tratado de Extradição Brasil/Portugal (Artigo IV) -, fazer instaurar, perante órgão judiciário nacional competente (CPP, art. 88), a concernente "persecutio criminis", em ordem a impedir, por razões de caráter ético-jurídico, que práticas delituosas, supostamente cometidas, no exterior, por brasileiros (natos ou naturalizados), fiquem impunes. Doutrina. Jurisprudência.

Vale dizer que o STF faz a avaliação de legalidade do pedido de extradição, sendo que se o essa avaliação é negativa, fica o Presidente da República impedido de autorizar a entrega ao Estado solicitante, do extraditando. Entretanto, se a avaliação pelo STF decide que pode-se conceder a extradição, cabe ao Presidente da República decidir sobre a mesma.

Neste sentido, Alexandre de Moraes: [7]

Findo o procedimento extradicional, se a decisão do STF, após a análise das hipóteses materiais e requisitos formais, for contrária à extradição, vinculará o Presidente da República, fincando vedada a extradição. Se, entretanto, a decisão for favorável, o Presidente da República, discricionariamente, determinará ou não a extradição, pois não pode ser obrigado a concordar com o pedido de extradição, mesmo que lealmente correto e deferido pelo STF, uma vez que o deferimento u recusa do pedido de extradição é direito inerente à soberania.

Dessa forma, necessário se faz aguardar até a manifestação do Chefe do Executivo Federal sobre o caso.

5 - CONCLUSÃO:

O posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal traz uma grande mudança no ordenamento, pois divide os posicionamentos até então já consolidados: brasileiro nato, em hipótese alguma, pode ser extraditado. A divergência de pensamento começa dentro do próprio STF, com a não unanimidade de votos, e declina entre os grandes doutrinadores constitucionalistas e internacionalistas (visto que a matéria é interessante aos dois ramos do Direito). Sendo assim, resta claro que esse posicionamento trará muitos reflexos no Direito, sendo necessário aguardar para saber como ficará o caso concreto.

REFERENCIAS:

[1] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 3.ed. – Salvador: Juspodvm, 2011.

[2] MALHEIROS, Emerson Penha. Manual de Direito Internacional Privado. 2.ed.-São Paulo: Atlas, 2012.

[3] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

[4] AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Como tramita o processo de extradição do Brasil. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2009-fev-23/tramita-processo-extradição-brasil-ela-acontece>.Acesso em: 23 de mai. 2016.

[5] GOMES, Luiz Orlando. STF decide: brasileiro nato pode perder a nacionalidade e ser extraditado. Disponível em: < http://jota.uol.com.br/stf-decide-brasileiro-nato-pode-perder-nacionalidade-e-ser-extraditado>. Acesso em: 26 de mai. 2016.

[6] Informativo 309 STF. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo309.htm>.Acesso em: 26 de mai. 2016.

[7] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada legislação constitucional. 7. ed. - São Paulo: Atlas, 2007.



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