Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/49646
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A lei antiterrorismo e o retrocesso do Direito Penal

A lei antiterrorismo e o retrocesso do Direito Penal

Publicado em . Elaborado em .

O texto traz uma breve análise sobre o impacto da lei antiterrorismo no nosso sistema constitucional-penal e suas incongruências punitivas.

Em meio ao caos político que domina os nossos noticiários e as discussões do dia-a-dia, foi recentemente sancionada a Lei nº. 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo), que, dada a sua importância e principalmente o seu conteúdo com diversas incongruências punitivas, não recebeu a devida atenção da sociedade.

Verifica-se, num plano imediato, que a referida lei tem por missão regular o inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal, atendendo, assim, um dos mandados de criminalização expressos na Carta Republicana. Contudo, num plano mediato, tem-se que a norma busca atender os anseios e receios de organismos internacionais, tais como, o financiamento do terrorismo, a realização das Olímpiadas, etc.

Pois bem. Muito embora, numa análise preliminar, seja até defensável a criação de uma lei antiterror neste momento[1], o seu conteúdo punitivo é extremamente assustador por violar princípios e garantias fundamentais, importando modelos claros do direito penal do inimigo que são constitucionalmente incompatíveis com o nosso ordenamento jurídico.

Evidente que não pretendemos esgotar nesse artigo um tema de tamanha complexidade e que necessita uma análise mais aprofundada, mas trataremos especialmente daqueles vícios constitucionais e dogmáticos que mais nos chamam a atenção.

Logo de plano, é possível constatar que a redação típica do crime de terrorismo (artigo 2º) é composta por termos extremamente vagos e abertos a discricionariedade, destacando-se, dentre outros, o elemento subjetivo de dolo específico, a “finalidade de provocar terror social”.

Mas, afinal, o que é “terror social”? Seria o pavor ou medo extremo provocado em razão de um perigo à sociedade? Mas qual tipo de perigo, imediato ou não? E qual sociedade, a comunidade local, a cidade, o País? Não há respostas precisas para definir os termos utilizados.

Dessa forma, é possível perceber, com uma leitura ainda que superficial, que o legislador se utilizou de inúmeros termos e expressões com conteúdo semântico extremamente vago e impreciso na construção do tipo de terrorismo.

Não restam dúvidas, portanto, que o mencionado dispositivo viola os nossos princípios constitucionais-penais da legalidade e da taxatividade dos tipos penais, uma vez que, com a redação estabelecida na lei, torna-se inviável a plena compreensão e alcance da norma incriminadora.

Além disso, não há menor clareza na definição do bem jurídico tutelado, desrespeitando sobremaneira a teoria constitucional do delito, eis que, ao que se demonstra, buscou-se criar um injusto penal de perigo abstrato.

Seguindo a leitura da lei, é possível se deparar no seu artigo 5º com mais um delírio punitivo[2] do nosso legislador, consistente na criminalização dos atos preparatórios do terrorismo.

Sem adentrar no mérito da possibilidade de se punir ou não atos preparatórios em razão da profundidade necessária para se debater o tema, o mencionado dispositivo é claramente inconstitucional por dois motivos: (i) violação clara do princípio da legalidade e da taxatividade e (ii) violação do princípio da proporcionalidade, pois a pena prevista[3] é maior que para o crime tentado (Art. 14, II, CP)[4].

Esse absurdo punitivo estampado no artigo 5º da Lei Antiterrorismo demonstra, de maneira assustadora – frise-se –, como o legislador importou instrumentos jurídicos do Direito Penal do Inimigo se realizar qualquer filtro constitucional, sem nem ao menos verificar a sua adequação e necessidade à realidade pátria.

E mais, se não combatida pela via da inconstitucionalidade, a Lei Antiterrorismo traz autorização legal para os agentes do Estado realizarem ações no melhor estilo “Minority Report”[5], punindo pessoas (que serão consideradas como inimigos da sociedade) por previsões de crimes que nem sequer tiveram início, sendo este o começo do fim das garantias individuais.

Por fim, vale destacar mais um dispositivo da lei em apreço, o seu artigo 12, que autoriza o Juiz, de ofício – frise-se –, decretar medidas assecuratórias de crime que nem sequer tenha sido efetivamente iniciado (vide a criminalização dos atos preparatórios), violando frontalmente o princípio do juiz natural.[6]

Além dos problemas e questionamentos estampados nesse artigo, é possível verificar muitos outros na norma recém sancionada[7], os quais aumentam ainda mais a preocupação sobre a aplicação e a real necessidade de importarmos uma legislação de terceira velocidade do direito penal, claramente incompatível com o nosso sistema constitucional-penal e com as garantias asseguradas pelos tratados de direitos humanos.

Em suma, podemos concluir que a Lei Antiterrorismo se mostra extremamente punitiva, portanto, inadequada à realidade brasileira, bem como traz, sem aplicar minimante os filtros constitucionais, conceitos e instrumentos do Direito Penal do Inimigo – que claramente não tem demonstrado a eficiência esperada na “Guerra ao Terror” –, correndo , ainda, um grande risco, tendo em vista o quadro político-social que estamos vivendo, de ter sua finalidade desviada para “combater inimigos internos” em nome do bem-estar da sociedade.

Bibliografia:

  1. http://jota.uol.com.br/por-que-nao-precisamos-de-uma-lei-antiterrorismo-os-delirios-punitivos-do-pl-20162015
  2. http://www.cartacapital.com.br/politica/projeto-de-lei-antiterrorismo-para-quem.html
  3. http://www.conjur.com.br/2016-mar-22/academia-policia-lei-132602016-ato-terrorista-hermeneutica-constitucional


[1] É imprescindível mencionar que a necessidade de uma lei antiterrorismo para realidade brasileira é extremamente questionável, ainda mais se levarmos em conta que estamos adotando praticamente os mesmos métodos e institutos punitivos utilizados pelos EUA e países Europeus, os quais se mostraram totalmente ineficientes na chamada “Guerra ao Terror”.

[2] http://jota.uol.com.br/por-que-nao-precisamos-de-uma-lei-antiterrorismo-os-delirios-punitivos-do-pl-20162015

[3] Art. 5º. Pena - a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.

[4] Art. 14, II. Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

[5]http://www.conjur.com.br/2016-mar-22/academia-policia-lei-132602016-ato-terrorista-hermeneutica-constitucional

[6] Artigo 8º - Garantias judiciais. Pacto San Jose da Costa Rica. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (G.N.)

[7] Apesar de trazer uma “excludente de tipicidade” em relação aos movimentos sociais, ainda existe a discussão sobre a sua aplicação ou não às manifestações populares – principalmente àquelas com maior intensidade em relação à violência.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.