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Uma visão constitucional da citação no âmbito do Processo Penal

Uma visão constitucional da citação no âmbito do Processo Penal

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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A CITAÇÃO

Estudou-se em resumos anteriores que o respeito ao princípio constitucionalmente assegurado do contraditório (art. 5°, LV, CF/88) é uma condição sine qua non do devido processo legal e, por consegüinte, de validade da própria atividade jurisdicional criminal. Indissoluvelmente aliado ao sobredito princípio está a garantia da ampla defesa do acusado que abrange, dentre outros direitos, o de ter conhecimento amplo, pormenorizado e prévio dos fatos que lhe são imputados.

Nesse contexto, surge o instituto da citação como o ato processual com o qual, nos dizeres de Frederico Marques, "se dá conhecimento ao réu da acusação contra ele intentada a fim de que possa defender-se e vir integrar a relação processual". [1]

Guilherme de Souza Nucci define a citação como sendo "o chamamento do réu a juízo, dando-lhe ciência do ajuizamento da ação, imputando-lhe a prática de uma infração penal, bem como oferecendo-lhe a oportunidade de se defender pessoalmente e através de defesa técnica. Trata-se de um corolário natural do devido processo legal, funcionalmente desenvolvido através do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LIV e LV [CF/88])". [2]

Efetivamente, fere as regras do bom senso a possibilidade de uma pessoa ser processada ou condenada sem que lhe seja dado conhecimento da acusação que pesa sobre ela, permitindo-lhe ingressar na relação processual e defender-se. Para isso serve a citação, para dar ciência de uma ação penal e, com isso, proporcionar a defesa.

José Francisco Cagliari bem aborda o tema, lecionando que, in verbis:

"É pela citação que se concretiza o direito fundamental à ampla defesa e ao contraditório, constitucionalmente garantido (CF, art. 5°, LV). Constituindo, seguramente, o mais importante ato de comunicação processual, elemento essencial do contraditório e imprescindível ao exercício do direito de defesa, a citação é tão indispensável que a sua falta é considerada nulidade absoluta (CPP, art. 564, III, e, primeira parte), conquanto sanável, como adiante se verá (CPP, art. 570)". (3)

De fato, tamanha é a importância da citação para o desenvolvimento válido da relação processual que o artigo 564, III, e, do CPP, prevê que "a nulidade ocorrerá nos seguintes casos: [...] III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: [...] e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa" (grifei).

A jurisprudência também sedimentou o posicionamento que a falta de citação gera nulidade absoluta dos atos processuais. Vejamos:

"A citação é o canal de comunicação aberto pelo Estado-juiz em direção ao acusado para noticiá-lo da existência de uma imputação e convocá-lo a contrariá-la. Tal comunicação, que se traduz num dos enfoques do princípio constitucional do contraditório, deve ser efetiva, inquestionável, induvidosa. Por isso, está cercada de formalidades que não podem ser postergadas. A comunicação falha, deficiente, bloqueada, corresponde à falta de comunicação e vicia de modo incurável o processo" (TACrimSP, HC 119.796, RT 578/364).

O artigo 570 do CPP, entretanto, consagrando o princípio da instrumentalidade, norteador do sistema processual, permite que a falta de citação seja sanada caso "o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argüi-la". Determina, todavia, que o juiz deverá ordenar a suspensão ou o adiamento do ato, "quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte".

O Código de Processo Penal dispõe sobre o instituto da citação a partir de seu artigo 351.


ESPÉCIES DE CITAÇÃO E SEUS EFEITOS

A doutrina classifica a citação em dois tipos: a real, também chamada pessoal, e a ficta. A primeira é a regra, a segunda, a exceção.

Dá-se a citação real quando o ato é feito diretamente à pessoa do acusado. Já a citação ficta ocorre quando, esgotados todos os meios possíveis para a citação pessoal, a ciência do conteúdo do ato é feita indiretamente ao acusado, por meio de editais, presumindo-se, por ficção normativa, que o mesmo tenha tido conhecimento da imputação. Trata-se, esta última, de uma exceção à regra geral da citação pessoal, devendo ser utilizada subsidiariamente, nas hipóteses previstas nos artigos 361, 362 e 363 do CPP.

No direito processual brasileiro, a citação pessoal é feita por meio de mandado, expedido, via de regra, pelo juiz da causa. Diz-se via de regra pois pode a citação ser levada a termo por carta precatória (art. 353, CPP), rogatória (art. 368) e de ordem (prevista nas leis de organização judiciária e regimentos internos dos tribunais), resultando de um ato de cooperação jurisdicional. Outrossim, também é possível que, nos casos de acusado militar, a citação seja feita por intermédio de superior hierárquico (art. 358, CPP).

A citação ficta, por sua vez, somente poderá ser feita por meio de editais, não sendo permitida na seara penal, como o é no processo civil, a citação por hora certa.

O ato citatório, concluído de forma regular, completa a relação jurídica processual e, a partir daí, tem o condão de atribuir ao réu a responsabilidade de comparecer aos atos processuais para os quais for intimado e de comunicar ao juízo eventual mudança de endereço, sob pena de, não o fazendo, ser-lhe aplicada a regra do artigo 367 do CPP, que determina o prosseguimento do processo à sua revelia.

Lembra-nos Mirabete que, ao contrário do que ocorre com o processo civil, a citação não previne a jurisdição, que ocorre com a distribuição (art. 75, CPP), nem tampouco interrompe a prescrição, o que ocorre com o recebimento da denúncia ou da queixa e, numa fase posterior, com a pronúncia ou sentença condenatória recorrível (art. 117, CP). [4]

Comparecendo o acusado ou seu procurador perante o competente juízo criminal, os efeitos decorrentes da citação ficta serão os mesmos da citação pessoal. Entretanto, não comparecendo nem constituindo advogado, ocorrerá a suspensão do processo (art. 366, CPP), que será estudado posteriormente, ainda neste resumo.

Por fim, insta observar que, consoante se depreende dos artigos 66, caput, e 78, caput, da Lei n° 9.099/95, a citação do acusado nos casos de competência dos Juizados Especiais Criminais será sempre pessoal, não se admitindo a citação ficta. Por isso, dispõe o parágrafo único do artigo 66 da referida lei que, "não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei".


CITAÇÃO POR MANDADO

O artigo 351 do Código de Processo Penal determina que a citação deverá ser feita por mandado quando o réu estiver no território sujeito à jurisdição do juiz que a houver ordenado. Esta é a regra, porém, excepcionada pela citação do militar (art. 358, CPP) e por aquela a ser realizada em território estrangeiro (art. 368, CPP), que serão estudadas oportunamente.

Guilherme Nucci afirma que a citação por mandado "é a forma usual de citação, valendo-se o juiz do oficial de justiça, que busca o acusado, dando-lhe ciência, pessoalmente, do conteúdo da acusação, bem como colhendo o seu ciente". [5]

Doutrinadores de renome salientam que a citação por mandado é ato privativo do oficial de justiça, não sendo validamente considerada se feita, por exemplo, por escrivão. [6] Infere-se tal entendimento do disposto no artigo 357, que explicita como requisitos da citação a "leitura do mandado ao citando pelo oficial e entrega da contrafé, na qual se mencionarão dia e hora da citação" (inciso I - grifei) e a "declaração do oficial, na certidão, da entrega da contrafé, e sua aceitação ou recusa" (inciso II - grifei). Estes são considerados requisitos extrínsecos da citação, uma vez que se referem às formalidades que devem ser obedecidas quando de sua execução.

Cumpre ressaltar, entretanto, que há opinão divergente. Grinover, Scarance e Gomes Filho, por exemplo, advogam a tese de que o importante é atingir-se a finalidade do ato processual e, sob esse prisma, a citação feita por escrivão – que também tem fé pública – seria perfeitamente válida. [7]

O artigo 352 do CPP elenca os chamados requisitos intrínsecos da citação, ou seja, aqueles elementos que devem necessariamente constar do mandado. São eles: o nome do juiz (inciso I), o nome do querelante nas ações iniciadas por queixa (inciso II), o nome do réu, ou, se for desconhecido, os seus sinais característicos (inciso III), a residência do réu, se for conhecida (inciso IV), o fim para que é feita a citação (inciso V), o juízo e o lugar, o dia e a hora em que o réu deverá comparecer (inciso VI) e, por fim, a subscrição do escrivão e a rubrica do juiz (inciso VII).

Grinover, Scarance Fernandes e Gomes Filho, respaldados pela jurisprudência, [8] esclarecem que a falta de atendimento aos requisitos extrínsecos ou intrínsecos da citação comprometem irremediavelmente a própria finalidade do ato, posto que pode ensejar precariedade no pleno conhecimento, pelo acusado, da imputação e dos demais elementos indispensáveis ao efetivo atendimento do chamado judicial. Assim sendo, nulo será o mandado e, por conseguinte, a citação. [9] Não se pode perder de vista, entretanto, o princípio da instrumentalidade do processo e as orientações do já estudado artigo 570 do CPP.

O STF manifestou-se no sentido de que a omissão em relação a qualquer das formalidades da citação por mandado faz presumir que o ato omisso não tenha sido praticado (RT 637/328).

Embora não expressamente previsto, nossos tribunais não têm admitido como válida a citação realizada com menos de vinte e quatro horas do interrogatório (RT 550/333). Isto porque, nas palavras de Mirabete, "é natural que o citando necessite de certo prazo para atender outros afazeres e obrigações e tomar as precauções necessárias para chegar ao local à hora marcada". [10]

Esclarece o insigne estudioso que a citação pode ser feita em qualquer dia e a qualquer hora, devendo o oficial de justiça procurá-lo, caso não encontre o acusado nos endereços contidos no mandado e tenha notícias outras sobre seu paradeiro, nos limites do território da circunscrição do juiz processante para fins de proceder à citação. Não o encontrando de forma alguma, deverá certificar nos autos tal fato, declarando estar o acusado em lugar "incerto e não sabido". [11]


CITAÇÃO POR CARTA PRECATÓRIA, ROGATÓRIA E DE ORDEM

Estando o acusado em lugar conhecido, porém em território fora da jurisdição do juiz processante, deverá ser citado por meio de carta precatória. É isso o que determina o artigo 353 do CPP.

Depreende-se do artigo 355, caput, do mesmo diploma legal que a citação por precatória é feita, em última análise, por meio de mandado, que será expedido pelo juízo deprecado. Nesse diapasão, deverá o ato preencher os requisitos intrínsecos e extrínsecos anteriormente vistos (arts. 352 e 357, CPP), além das formalidades específicas constantes no artigo 354, que consistem na indicação do juiz deprecado e do juiz deprecante (inciso I), da sede da jurisdição de um e de outro (inciso II), do fim para que é feita a citação, com todas as especificações (inciso III) e do juízo do lugar, do dia e da hora em que o réu deverá comparecer (inciso IV).

O juiz deprecante, portanto, solicita ao juiz deprecado – num ato de cooperação jurisdicional – a expedição do competente mandado de citação ao acusado que se encontre na jurisdição deste. Cumprida a precatória, é ela devolvida ao juiz de origem.

É possível, contudo, que o acusado não esteja mais no território de competência do juiz deprecado, tendo-se mudado para outra área de jurisdição. Nesses casos, sempre atento ao prazo mínimo de 24 horas entre a citação e a data do interrogatório, deverá o juiz deprecado encaminhar a precatória para ser cumprida pelo juiz em cujo território se encontra o acusado. Essa é a chamada precatória itinerante, cuja previsão legal encontra-se no §1° do artigo 355 do CPP: "Verificado que o réu se encontra em território sujeito à jurisdição de outro juiz, a este remeterá o juiz deprecado os autos para efetivação da diligência, desde que haja tempo para fazer-se a citação".

Não havendo tempo hábil para o cumprimento da precatória ou na hipótese de ter o acusado retornado ao território do juiz deprecante ou, ainda, verificando-se que o réu se oculta para não ser citado (art. 355, §2°, CPP), o juiz deprecado, certificado os motivos, restituirá a precatória à origem para as providências cabíveis.

Autoriza ainda o CPP que, em caso de urgência, seja a precatória expedida por via telegráfica, na forma prescrita no artigo 356.

No tocante à carta rogatória, a atual redação do artigo 368 do CPP preconiza que "estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento". De igual forma, o artigo 369 preceitua que "as citações que houverem de ser feitas em legações estrangeiras serão efetuadas mediante carta rogatória".

Seja qual for a situação, a citação do acusado que estiver em local conhecido no exterior será feita pessoalmente, expedindo-se carta rogatória a ser cumprida por juiz estrangeiro. Segundo orienta o artigo 783 do CPP, "as cartas rogatórias serão, pelo respectivo juiz, remetidas ao Ministro da Justiça, a fim de ser pedido o seu cumprimento, por via diplomática, às autoridades estrangeiras competentes".

Decorre, portanto, de um ato de cooperação internacional e, como tal, deverá ser dirigido, pelas vias diplomáticas, às autoridades estrangeiras competentes. Lembra-nos Guilherme Nucci que em países que não cumprem rogatória, a citação deverá ser feita por edital, como o era antes das alterações feitas pela Lei n° 9.271/96. [12]

Por se tratar de um ato citatório de esperada demora para cumprimento, prevê o artigo 368 a suspensão do prazo prescricional até a efetivação do mesmo.

José Francisco Cagliari ressalta que o Código de Processo Penal não explicitou os requisitos das cartas rogatórias, razão pela qual, utilizando-se o instituto da analogia (art. 3°, CPP), devem ser aplicadas as normas constantes nos artigos 202 e 210 do Código de Processo Civil. Outrossim, quanto aos requisitos relativos a formalização do pedido, observar-se-á as regras ditadas pela Portaria n° 26, de 14/08/1990, dos Ministérios das Relações Exteriores e da Justiça. [13]

Finalizando o presente tópico, esclareça-se que a citação por carta de ordem é aquela determinada pelos Tribunais nos processos de sua competência originária, ou seja, emana de órgão jurisdicional de grau superior para cumprimento por de grau inferior, realizada pelo magistrado do território onde se encontra o acusado.

As considerações a serem feitas para a citação feita por carta de ordem são, mutatis mutandis, as mesmas já expostas para as cartas precatórias.


CITAÇÃO DE MILITAR, FUNCIONÁRIO PÚBLICO E RÉU PRESO

O artigo 358 do CPP estabelece que a citação do militar far-se-á por intermédio do chefe do respectivo serviço. Guilherme Nucci justifica tal providência tendo em vista o resguardo das dependências militares, bem como da hierarquia e da disciplina inerentes à conduta militar. [14]

Na citação do militar, portanto, o oficial de justiça não irá ao quartel à procura do acusado. O juiz, preservando a intangibilidade da área militar, não expedirá um mandado, mas apenas um ofício diretamente ao superior do acusado, que o fará chegar ao destinatário, dando-lhe ciência de todos os termos do ato citatório. Para tanto, deverá o ofício encaminhado conter todos os requisitos do mandado, evitando-se, assim, qualquer prejuízo à defesa.

Via de regra, o militar superior comunica ao juiz que autorizou o comparecimento do subordinado no dia e hora marcados. Assevera Mirabete que se for comprovado que não houve tal autorização, a citação não é válida, devendo ser expedido um outro ofício. [15]

Se o militar estiver em território não afeto ao exercício jurisdicional do juiz da causa, deverá ser expedida carta precatória, solicitando-se ao juiz deprecado que expeça o ofício requisitório. Caso o superior hieráquico informe que o militar se encontre em lugar incerto e não sabido, caberá a citação por edital. [16]

O funcionário público, por sua vez, será citado regularmente por mandado. Contudo, visando a evitar que a falta do mesmo traga graves danos ao serviço público e também no intuito de que seu chefe superior possa substituir o funcionário quando de sua ausência, preceitua o artigo 359 do CPP que "o dia designado para funcionário público comparecer em juízo, como acusado, será notificado assim a ele como ao chefe de sua repartição".

Note-se que há dupla exigência: mandado para o funcionário público e ofício requisitório à sua chefia. De acordo com Nucci, "faltando um dos dois, não está o funcionário obrigado a comparecer, nem pode padecer das conseqüências de sua ausência, como a revelia". [17]

Mirabete afirma que se o funcionário estiver afastado do cargo, temporária (férias, licença, suspensão, etc.) ou definitivamente (aposentadoria, exoneração, etc.), não será necessária a comunicação ao superior hierárquico. [18]

Para a citação do réu preso há exigência legal de que a mesma seja feita por meio de requisição dirigida ao diretor do estabelecimento prisional onde se encontra recolhido o acusado. Essa providência se justifica a medida que, sem a autorização do diretor, não será possível o réu ausentar-se do cárcere. Ademais, cabe ao responsável pelo estabelecimento prisional tomar as precauções necessárias para que o preso seja escoltado ao fórum.

Para alguns doutrinadores, tais como Magalhães Noronha [19] e Greco Filho [20], e também para a maioria da jurisprudência (inclusive para o STF) [21] a requisição é, per si, a citação, desde que consagre todos os requisitos de validade de um mandado ou, prescindindo de alguma formalidade, seja o vício sanado na forma do artigo 570 do CPP. Entende Greco Filho que, "é certo que a defesa ficaria melhor assegurada se, além da requisição, que atenderia ao aspecto administrativo da apresentação, também se fizesse a citação por mandado. Todavia, a providência não é prevista em lei, de modo que a requisição efetiva integralmente a citação. Ademais, presente o réu ao interrogatório e esclarecida a acusação do juiz, não há mais nulidade a considerar nos termos do art. 570 do Código". [22]

Ocorre, entretanto, que renomados estudiosos, como Grinover, Scarance, Gomes Filho, Nucci e Mirabete, [23] apregoam que o ofício requisitório não é suficiente para garantir concretamente ao réu preso a amplitude de defesa assegurada no texto constitucional e nas disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo governo brasileiro. [24] Os citados doutrinadores defendem a tese de que o réu preso deve ser pessoalmente citado, por meio de mandado, no presídio em que se encontrar recolhido, assegurando-lhe, destarte, a antecedência necessária à preparação de sua defesa, sem os riscos que poderiam ocorrer quanto a correta e tempestiva informação repassada-lhe pelo diretor do estabelecimento prisional.

Há alguns julgados que corroboram tal posicionamento. Vejamos:

"o réu preso há de ser necessária e obrigatoriamente citado, para que possa preparar a sua defesa e constituir, se for o caso, defensor... Se admitida apenas e tão somente a requisição e não a citação do réu preso, estaria este em uma situação processual não apenas anômala, mas também totalmente diferenciada e inferiorizada processualmente relativamente ao réu solto." (TJSP, Ap. Crim. 118.395-3/8)

"a surpresa não se coaduna com a moralidade exigida pelo processo penal e ela surge quando se requisita sem citação." (TACrimSP, Ap. 425-743-1)

"A regra do art. 360, CPP, diz respeito à regularidade da administração penitenciária, não afastando, em absoluto, a realização da citação por mandado do réu preso, providência imprescindível para o pleno exercício de defesa, em consonância com o princípio do devido processo legal." (STJ, Resp 44.153-SP)

Quanto à aplicação do artigo 570 do CPP para sustentar a dispensabilidade do mandado nos casos de réu preso, o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu que essa regra "diz respeito a réus que comparecem espontaneamente em juízo, ainda que o façam para argüir o defeito da citação. Diversa é a situação do réu requisitado à direção do presídio." (Ap. 118.395-3/8).


CITAÇÃO POR EDITAL

A citação por edital é a única forma admitida no Direito Processual Penal para a efetivação da citação ficta que, como se viu, é medida de exceção, subsidiária, que somente poderá ser levada a termo após a absoluta impossibilidade de cientificação pessoal do acusado sobre os fatos que lhe estão sendo imputados.

Grinover, Scarance e Gomes Filho ensinam que a citação por edital "constitui uma forma indireta de comunicação processual, porquanto se acredita que através da publicidade dada ao edital a notícia sobre a existência do processo chegue até o citando [...] Diante da existência de obstáculos insuperáveis para a citação pessoal, tenta-se transmitir ao citando o conhecimento desejado, através de certas formalidades tendentes a dar publicidade ao ato citatório ". [25]

Assim, prevê o artigo 361 do CPP que "se o réu não for encontrado, será citado por edital, com o prazo de 15 (quinze) dias".

Guilherme Nucci salienta que o esgotamento dos meios de localização do acusado "é providência indispensável para validar a fictícia citação por edital. Se o acusado tiver vários endereços nos autos, incluindo os constantes no inquérito, deve ser procurado em todos eles, sem qualquer exceção. Caso haja alguma referência, feita por vizinho ou parente, de onde se encontra, também deve aí ser procurado. Se possível, ofícios de localização devem ser expedidos, quando pertinentes". [26]

Nesse sentido, decidiu o STJ que "é nula a citação por edital se não esgotadas as diligências necessárias para o chamamento do réu, via mandado, em processo onde tem notícia de dois endereços" (HC 7.967-SP). Também o STF manifestou-se proclamando que a citação por edital só é cabível, sob pena de nulidade, depois de esgotados os meios pessoais para encontrar-se o acusado (RHC 61.406-0-RJ, RT 586/403). [27]

Grinover, Scarance Fernandes e Gomes Filho alertam que a posterior verificação de que o acusado tinha endereço conhecido pelo juízo ou que tal conhecimento era possível, implicará em nulidade da citação por edital, precipitadamente determinada. [28]

Nessa seara, questão importante é a citação por edital de acusado que se encontrava preso nos limites jurisdicionais do juízo. Segundo a Súmula 351 do STF, "é nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da Federação em que o juiz exerce a sua jurisdição". A Suprema Corte orienta que não há que se falar em nulidade se o acusado estiver preso em outra unidade da Federação e tal fato não é do conhecimento do juiz da causa. Porquanto inexista um sistema único nacional de cadastro de presos, não se exige que a justiça estadual diligencie em todos os estabelecimentos penais das demais unidades da Federação a fim de localizar o acusado. [29]

Mirabete ensina que a prova de que o acusado não foi encontrado e de que foram envidados todos os esforços para tanto é feita pela certidão lavrada pelo oficial de justiça encarregado da execução do mandado de citação pessoal. [30] De acordo com a jurisprudência é nula a citação quando não for exarada tal certidão (RT 593/399, 608/350). Igualmente, a certidão considerada imprestável, lacônica ou incompleta não poderá, validamente, ensejar a citação por edital, que, se ocorrer, deverá ser anulada (JTACrSP 69/175, 75/401).

Outras hipóteses admitidas para a citação por edital estão previstas nos artigos 362 e 363 do Código de Processo Penal.

O primeiro refere-se ao réu que se oculta para não ser citado. Quando da existência de fatos seguros e concretos, que deixem transparecer de forma clara a intenção do réu de esquivar-se do ato citatório, o artigo 362 autoriza que a citação seja feita por edital e com um prazo menor, apenas cinco dias, encerrando um caráter punitivo à medida. Grinover, Scarance e Gomes Filho asseveram que, nesse caso há "o propósito deliberado de evitar a citação pessoal; aqui há uma suspeita de estar o mesmo ciente da existência do processo, procurando, maliciosamente, criar empecilhos à efetivação do ato". [31]

Frise-se que a manobra fraudulenta do réu há de estar inequivocamente demonstrada, com fundados indícios de que o acusado esteja se ocultando, sob pena de nulidade da citação feita por edital (art. 564, III, e, CPP). [32]

Pelo artigo 363 do CPP, depreende-se duas outras hipóteses onde será cabida a citação por edital: quando inacessível, em virtude de epidemia, de guerra ou por outro motivo de força maior, o lugar em que estiver o réu (inciso I) e quando incerta a pessoa que tiver de ser citada (inciso II).

A inacessibilidade do local onde estiver o réu deve ser inequivocamente caracterizada, restando comprovada a impossibilidade de citação do pessoal do acusado, considerando os sérios riscos aos quais o oficial encarregado estaria sujeito. Se assim não for, o ato citatório estará fadado à nulidade.

Segundo a doutrina, [33] a redação do inciso II do artigo 363 merece reparo quanto à impropriedade terminológica do legislador. Não é possível, no ordenamento jurídico pátrio, a imputação de crime a "pessoa incerta", pois a instauração de ação penal exige a acusação de fato delituoso a pessoa determinada. Por isso, o referido dispositivo deve ser interpretado à luz dos artigos 41 e 365, II, do CPP, ou seja, "quando não se conhece a identidade por inteiro ou a qualificação do acusado, o edital deve ser publicado com os esclarecimentos pelos quais se possa ser ele identificado. Essas indicações precisam ser tais que o citando se reconheça na descrição, de modo a poder atender o chamamento judicial". [34]

O artigo 365 estabelece os requisitos intrínsecos do edital de citação, orientando que o mesmo, sob pena de nulidade, deverá indicar: o nome do juiz que a determinar (inciso I); o nome do réu, ou, se não for conhecido, os seus sinais característicos, bem como sua residência e profissão, se constarem do processo (inciso II); o fim para que é feita a citação (inciso III); o juízo e o dia, a hora e o lugar em que o réu deverá comparecer (inciso IV); e o prazo, que será contado do dia da publicação do edital na imprensa, se houver, ou da sua afixação (inciso V).

Grinover, Scarance e Gomes Filho advertem que o atendimento às formalidades da citação por meio de edital "representa condição indispensável para que se alcance a ficção de conhecimento da imputação estabelecida pelo legislador", ensinando que "a menção a esses dados deve ser clara e precisa, especialmente no que se refere à identificação do citando, finalidade do chamamento e data, hora e local do interrogatório, sob pena de comprometimento da finalidade do ato e conseqüente invalidade". [35]

Quanto à finalidade do ato citatório, o STF já sumulou sua orientação de que "não é nula a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia" (Súmula 366). Outrossim, decidiu nossa Suprema Corte que a citação é nula se houver erro na indicação da pessoa do acusado, tornando ineficaz a convocação pretendida (RT 597/347). Também já foram julgadas inválidas citações por edital onde a data e o horário de comparecimento não constem de forma inequívoca (STF, RT 542/434, 545/461, RTJ 59/62).

A fim de reputar-se a citação por edital validamente realizada, faz-se necessário, ainda, o atendimento do preconizado no parágrafo único do artigo 365 do CPP: "o edital será afixado à porta do edifício onde funcionar o juízo e será publicado pela imprensa, onde houver, devendo a afixação ser certificada pelo oficial que a tiver feito e a publicação provada por exemplar do jornal ou certidão do escrivão, da qual conste a página do jornal com a data da publicação". Busca-se, com isso, dar um mínimo de divulgação aos termos da citação.

Grinover, Scarance e Gomes Filho lecionam que a afixação do edital à porta do edifício onde funcionar o juízo e a publicação pela imprensa, onde houver, são providências cumulativas que representam formalidades essenciais à validade do ato, resultando em nulidade sua inobservância (art. 564, IV, CPP). Em que pese o entendimento os ilustres escritores, a jurisprudência vem atenuando o rigor no atendimento a essas exigências, tendo o Plenário do STF se manifestado pela desnecessidade da afixação do edital, se não ocorreu prejuízo ao reú e o vício não foi argüido desde logo (HC 50.892). Quanto a publicação pela imprensa, o STF só a tem exigido nas comarcas em que haja imprensa oficial ou previsão de verba para publicação em órgão particular (RHC 64.468-6-SP, HC 67.428-3-SP).

Por derradeiro, cumpre apontar que o Código de Processo Penal estabelece prazos distintos para o cumprimento da citação por meio de edital, de acordo com a hipótese a ser considerada. A regra para quando o réu não for localizado é de quinze dias (art. 361), podendo ser reduzido para cinco dias caso esteja se ocultando para não ser citado (art. 362). Em se tratando de lugar inacessível, o prazo será fixado pelo juiz entre quinze e noventa dias, considerando as circunstâncias (art. 363, I, c/c art. 364, 1ª parte, CPP). Se "incerta" a pessoa a ser citada, o prazo será de trinta dias (art. 363, II, c/c art. 364, in fine, CPP).

Somente resultará cumprida a citação por edital após o decurso do prazo aplicável a cada hipótese, que, diga-se de passagem, deve constar do edital e será contado consoante o artigo 798, §1°, do CPP. Mais uma vez, frise-se, não é possível a designação do interrogatório em data anterior ao termo final da citação, conforme já proclamado pelo STF ao determinar que o dia designado para o comparecimento e interrogatório não pode estar compreendido no prazo do edital (HC 68.092-5-SP).


A SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL

As suspensões do processo e do prazo prescricional estão previstas na nova redação dada pela Lei n° 9.271/96 ao artigo 366 do Código de Processo Penal. Preceitua a referida norma que "se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312".

Essa nova regra vem a atender antiga reivindicação da doutrina e, nos dizeres de Grinover, Scarance e Gomes Filho, "tem, antes de tudo um fundamento constitucional". Verbis:

"É que o contraditório, em seu primeiro momento, deve corresponder à informação, pela qual se fará possível o exercício do direito de defesa, e essa necessidade de informação fica praticamente infirmada pela ficção de uma citação editalícia. O segundo fundamento liga-se a um aspecto de política judiciária. A experiência demonstra que se um acusado não é encontrado para ser pessoalmente citado, tampouco será encontrado para cumprir a pena imposta em sentença condenatória prolatada à revelia". (36)

José Francisco Cagliari ensina que a nova disciplina da situação do réu revel citado por edital coaduna-se com as normas transnacionais da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, referendada pelo governo brasileiro com a edição do Decreto n° 678/92. Tal Convenção estabelece, em seu artigo 8°, n° 2, que toda pessoa acusada de delito tem direito à comunicação prévia e pormenorizada dos fatos que lhe são imputados, à concessão de tempo e dos meios adequados para preparar sua defesa e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor. [37]

As condições expostas no artigo 366 para a suspensão do processo e do prazo prescricional são cumulativas e, portanto, devem concorrer os fatos de ter havido citação por edital, de o réu não ter comparecido em Juízo para o interrogatório e de não haver advogado constituído nos autos.

A despeito da ausência do acusado, o §1° do artigo 366 autoriza ao juiz a produção antecipadas de provas consideradas urgentes. Visando a resguardar os princípios do contraditório e da ampla defesa, devem o Ministério Público e um defensor dativo participarem na produção da prova.

Guilherme Nucci [38] explica que a finalidade das modificações trazidas pela Lei n° 9.271/96 à redação do artigo 366 foi a de garantir a ampla defesa e o contraditório efetivos do acusado, razão pela qual apregoa que a produção antecipada de provas somente deve ocorrer como medida excepcional, plenamente justificada, segundo a avaliação dos fatos e circunstâncias do delito, "a fim de assegurar os elementos probatórios contra a ação do tempo, sendo que, apenas o perigo do perecimento de suas fontes autoriza tal providência". [39] Para o renomado professor, "cabe ao prudente critério do magistrado decidir a respeito da urgência da prova, sem haver qualquer tipo de generalização". [40]

Corroborando tal entendimento, o STJ decidiu que "a determinação da produção antecipada de provas, nos termos do art. 366 do CPP, com a redação dada pela Lei 9.271/96, adstringe-se à discricionaridade do magistrado que preside o processo, não gerando constrangimento desde que devidamente fundamentada" (HC 8.590-SP).

Compartilham deste posicionamento Mirabete [41] e Antônio Magalhães Gomes Filho. [42] Este último, abordando o assunto ora estudado, defende que "somente em circunstâncias muito especiais é possível adiantar providências processuais: em primeiro lugar, é exigível pelo menos a razoável probabilidade do futuro reconhecimento do direito posto como fundamento da cautela (fumus boni juris); além disso, também deve estar demonstrado o perigo de insatisfação daquele direito, em face da demora na prestação jurisdicional definitiva (periculum in mora)". Complementando sua tese, Gomes Filho esclarece que "essa antecipação na colheita da prova não deverá ser, certamente, uma rotina nos casos em que houver a suspensão do processo, diante da ausência do réu citado por edital, mas providência resultante da avaliação do risco concreto de impossibilidade na obtenção futura das informações necessárias ao êxito da persecução". [43]

A maior discussão gira em torno da prova testemunhal, pois, para alguns doutrinadores, tais como Tourinho Filho, a testemunha deve ser sempre ouvida antecipadamente, visto que pode ser traída por sua memória. Alicerçada numa interpretação extensiva do artigo 92 do CPP, essa parte minoritária da doutrina considera toda prova testemunhal como urgente. Outros estudiosos, já mencionados anteriormente, primando pelo caráter excepcional da medida, preferem crer que somente ao juiz cumpre definir, face ao caso concreto, se a produção de esta ou daquela prova pode ser revestida do caráter da urgência.

Embora ainda não pacificada a matéria, o STJ se posicionou pela negativa do argumento de que toda prova testemunhal deve ser genericamente considerada como urgente: "cabe ao juiz, dentro de seu prudente arbítrio, decidir sobre a conveniência e oportunidade da produção antecipada de provas, quando incontestável o caráter urgente, não configurado na espécie, uma vez que o fundamento utilizado consiste na mitigação ou perda da memória dos fatos pela testemunha" (RT 767/550).

O caput do art. 366, ora em análise, prevê ainda que, nos termos do disposto no art. 312 do CPP, o juiz pode decretar a prisão preventiva do acusado. É mister verificar-se que o simples fato de o réu não ter se manifestado frente ao chamamento judicial não é motivo suficiente para a decretação de sua prisão. A medida coercitiva, de acordo com a doutrina, [44] somente se justifica nas hipóteses elencadas nos artigos 312 e 313 do CPP.

Havendo elementos que indiquem que está ameaçada a aplicação da lei penal, como, por exemplo, a comprovação de que o réu se oculta para não ser citado, o fato de ter desaparecido logo após a prática do crime ou mesmo a circunstância de não possuir residência fixa ou emprego, é de bom tom que o juiz decrete a prisão preventiva do acusado.

Discorrendo acerca da decretação da prisão preventiva contida no caput do artigo 366, Gomes Filho adverte que "não será admissível nos casos em que a restrição da liberdade não é normalmente esperada". E continua, verbis:

"Não se trata aqui, como apressadamente se poderia supor, de um corolário automático da suspensão do processo pela ausência do réu. Semelhante entendimento viria a colidir, inclusive, com o preceito constitucional da presunção de inocência (art. 5°, LVII [CF/88]), que embora não vede as prisões anteriores à condenação torna, certamente, inadmissível a prisão processual obrigatória, banida de nossa legislação pela Lei n. 5.349, de 1967". (45)

Nesse mesmo sentido, nossos Tribunais têm decidido que "a simples revelia do réu não é motivo suficiente para embasar o decreto de prisão preventiva, se não demonstrada a presença do periculum libertatis, a justificar a necessidade da custódia antes de uma condenação definitiva" (TJSP, RT 750/620). E, verbis:

"apesar de a Lei n. 9.271/96 autorizar o magistrado a decretar a prisão preventiva, esta só poderá ocorrer em casos especiais, como, por exemplo, para garantia da ordem pública ou econômica, ou para segurança da produção das provas urgentes ou da aplicação da lei penal, isto é, o novo sistema não restaurou a prisão preventiva obrigatória simplesmente porque o réu, citado por edital, deixou de constituir advogado e não compareceu ao interrogatório" (TACrimSP, RT 740/609).

Questão bastante polêmica entre nós é a relativa ao tempo máximo de duração da suspensão do prazo prescricional quando da suspensão do processo, vez que a lei não fixou limite para seu término. Pudesse a prescrição ficar suspensa indefinidamente, estar-se-ia ampliando, indevidamente, o rol de delitos imprescritíveis previstos nos incisos XLII e XLIV do art. 5° da CF/88.

Por falta justamente dessa previsão legal, a doutrina têm apresentado várias soluções. Mirabete, por exemplo, acredita que o razoável seria fixar o termo final da suspensão prescricional no máximo lapso previsto em lei: vinte anos (art. 109, I, CP). A posição majoritária, entretanto, tem entendimento diverso. Segundo Guilherme Nucci, José Francisco Cagliari e Damásio de Jesus, [46] fiéis representantes da ala predominante, o limite da suspensão do curso prescricional deve corresponder aos prazos do art. 109 do CP, considerando-se o máximo abstratamente imposto para a pena privativa de liberdade referente ao crime em comento. A justifica é a de que "se, para permitir a perda da punibilidade pela prescrição, o legislador entendeu adequados os prazos do art. 109, da mesma forma devem ser apreciados como justos na disciplina da suspensão do prazo extintivo da pretensão punitiva". [47]

Nucci, de forma didática explica sua posição, verbis:

"Assim, por ausência de previsão legal, tem prevalecido o entendimento de que a prescrição fica suspensa pelo prazo máximo em abstrato previsto para o delito. Depois, começa a correr normalmente. Isso significa que, no caso de furto simples, cuja pena máxima é de quatro anos, a prescrição não corre por oito anos. Depois, retoma seu curso, finalizando com outros oito anos, ocasião em que o juiz pode julgar extinta a punibilidade do réu". [48]

Parece, verdadeiramente, ser essa a orientação que deve prevalecer. Pelo menos é entendimento que logrou ser atendido pelo STJ (HC 7.052/RJ).


VISÃO GERAL SOBRE A INTIMAÇÃO E A NOTIFICAÇÃO

Os atos de comunicação processual não se resumem apenas a citações. O Código de Processo Penal prevê como outras formas de se estabelecer o contato com as partes as intimações e as notificações.

Doutrinariamente, há distinção entre intimações e notificações, muito embora o Código de Processo Penal, vez ou outra, faça uso de ambos os termos como se sinônimos fossem. Mirabete, seguindo a doutrina, define intimação como a "ciência dada à parte, no processo, da prática de um ato, despacho ou sentença. Refere-se ela, portanto, ao passado, ao ato já praticado". Para o autor, notificação é a "comunicação dada a parte ou a outra pessoa, do lugar, dia e hora de um ato processual a que deve comparecer. Refere-se ao futuro, ao ato que vai ser praticado". [49] Na esteira desses pensamentos, Pontes de Miranda explica que "a intimação supõe que se haja praticado um fato. É cognição do pretérito pelo interessado. A notificação refere-se ao futuro da atividade de quem foi notificado, quanto a certo ponto". [50]

Os artigos 370 a 372 do CPP tratam das intimações lato sensu, aí compreendidas as notificações. Dispõe o artigo 370 que, como regra, às intimações deverão ser aplicadas as mesmas disposições referentes às citações. Contudo, note-se que os dispositivos retromencionados apresentam algumas regras particulares às intimações que, em síntese, correspondem à possibilidade de serem feitas por escrivão (art. 370, §§2° e 3°), realização por simples requerimento despachado (art. 371) e efetivação pelo próprio juiz, na presença das partes, ocorrendo hipótese de adiamento de ato da instrução criminal (art. 372).

A redação atual do artigo 370, §1°, admite a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente pela publicação no órgão incumbido pela publicidade dos atos judiciais da comarca, desde que inclua-se o nome do acusado. Atente-se que tal dispositivo não é aplicado ao Ministério Público e ao defensor nomeado, pois para esses a intimação deverá ser sempre pessoal (art. 370, §4°, CPP).

Prevê ainda o §2° do art. 370 que "caso não haja órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo". O artigo 67, caput, da Lei n° 9.099/95, por exemplo, estabelece que "a intimação far-se-á por correspondência, com aviso de recebimento pessoal ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado, ou, sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória, ou ainda por qualquer meio idôneo de comunicação".

Bem resumindo o tema, Grinover, Scarance e Gomes Filho propugnam que, in verbis:

"Sendo assim, no nosso processo penal as intimações são realizadas, em regra, pessoalmente (por mandado, precatória, rogatória), pela imprensa (nos casos acima indicados) ou ainda mediante correspondência com aviso de recebimento. Não sendo possível a localização pessoal, nem sendo caso de publicação pela imprensa ou expedição de correspondência, as intimações serão feitas por edital, atendidas as mesmas prescrições que a lei estabelece para as citações, seja quanto às hipóteses de cabimento, seja quanto às formalidades, prazos, etc." [51]

O artigo 564 do Código de Processo Penal dispõe três casos de nulidades que podem ser argüidas em casos específicos onde há necessidade de intimação. São eles: a ausência de intimação para a sessão do julgamento pelo Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia (inciso III, g); a falta de intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei (inciso III, h); e a ausência de intimação, nas condições previstas em lei, para ciência de sentenças e despachos de que caiba recurso (inciso III, o). Tendo em vista previsão expressa do artigo 572 do CPP, os vícios relativos às duas primeiras hipóteses são considerados de nulidade relativa, somente sanável nos termos do artigo 570 do mesmo diploma legal.

Grinover, Scarance e Gomes Filho também consideram causa de nulidade a falta de inclusão do nome do acusado nas intimações feitas a advogados pela imprensa, conforme estabelece o art. 370, §1°, do CPP.

Questão bastante interessante é a da intimação da sentença prevista no artigo 392 do Código de Processo Penal. Afirma a doutrina que, sob o manto dos princípios da ampla defesa e da paridade de armas, consagrados na Constituição Federal de 1988, a exclusividade ou alternatividade determinadas nos incisos do citado dispositivo infraconstitucional não podem prevalecer. Assim, em respeito à autodefesa, à defesa técnica e à igualdade entre acusação e defesa, a intimação da sentença deverá ser feita, necessariamente, ao réu, preso ou não, e ao seu defensor, constituído ou dativo. Esse entendimento está jurisprudencialmente solidificado. [52]

Finalizando o tema, insta trazer a baila questão polêmica que tem dividido opinões. Trata-se da intimação da defesa da audiência designada no juízo deprecado. Diz o artigo 222 do Código de Processo Penal que: "a testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes".

Dissertando sobre o assunto, José Francisco Cagliari afirma que a maioria da jurisprudência propugna pela necessidade de ser a defesa intimada apenas da expedição da carta precatória, cabendo-lhe diligenciar no sentido de ter ciência da data designada para a realização do ato (STF, RT 609/447; RTJ 63/776, 95/547; STJ, RT 716/517, 730/480; JSTJ 32/100 e outros). [53] A despeito das orientações jurisprudênciais, assevera o ilustre autor que a doutrina vem reconhecendo a necessidade de a defesa e o acusado serem cientificados não apenas da expedição da carta precatória, mas também da data designada para a realização da audiência. [54] Esse posicionamento, com toda certeza, parece ser o que melhor atende ao princípio da ampla defesa, constitucionalmente assegurado.


Notas

1 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, vol. II, p. 171.

2 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003. p. 543.

3 CAGLIARI, José Francisco. Citações e intimações. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Tratado temático de processo penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 267.

4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2000. p.426.

5 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 541.

6 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 427; MARQUES, José Frederico. Op. Cit. p. 174. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 291.

7 Nesse sentido, Ap. 478.905/2, JTACrim 93/72. Em sentido contrário, Ap. 285.611, RT 587/350, TACrimSP.

8 TACrimSP, HC 119.796, RT 578/364.

9 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 7ª ed., 2001. p. 107.

10 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 428.

11 Ibidem.

12 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 555.

13 CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. p. 273.

14 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 547.

15 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 429.

16 Ibidem.

17 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 547.

18 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 430.

19 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 183, p. 198.

20 GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit. p. 292.

21 TACrimSP, RT 665/307, 678/342, 706/330, 710/297, 715/478, 729/556, TJSP, RT 709/324, 716/433, STF HCs 69.350 e 71.839.

22 GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit. p. 292.

23 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. pp. 108-9; NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. pp. 547-8; MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 430.

24 O artigo 8°, n. 2, b e c , da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, asseguram ao acusado, respectivamente, a comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada e a concessão do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa.

25 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 110.

26 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 549.

27 Nesse sentido: STF, RT 609/445, 612/436, 658/369, 668/382, 678/395; STJ, RT 726/613 e outros.

28 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 112.

29 Nesse sentido: STF, RT 539/301, 549/431, 590/419, 605/423; JTACrSP 36/47, 40/350, 42/141. 45/394, 46/349, 51/60, 54/55, 57,117, 58/101, 66/16.

30 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 431.

31 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 112.

32 Nesse sentido: TJSP, AP. 139.344, RT 531/330; STF, RHC 57.127-1-RS, RT 538/445.

33 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 114; MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 434; NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 550; CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. p. 276.

34 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 434.

35 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 114.

36 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 106.

37 CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. p. 279.

38 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. pp. 552-3.

39 GOMES FILHO, Antônio Maganhães. Medidas cautelares da lei n. 9.271/96: produção antecipada de provas e prisão preventiva. Boletim IBCCrim n. 42, Edição Especial, junho/1996, p. 5. Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 552.

40 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. pp. 552.

41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 442.

42 GOMES FILHO, Antônio Maganhães. Op. Cit. p. 5. Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 552.

43 Ibidem.

44 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 442; NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 553; CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. pp. 282-3.

45 GOMES FILHO, Antônio Maganhães. Op. Cit. Apud CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. p. 282.

46 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. pp. 552; CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. pp. 283-4; JESUS, Damásio Evangelista. Notas ao art. 366 do código de processo penal com a redação da lei n. 9.271/96. Boletim IBCCRim n. 42, Edição Especial, junho/1996, p. 3.

47 JESUS, Damásio Evangelista. Op. Cit. p. 3.

48 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. pp. 552.

49 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 436.

50 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil. 1947, vol. II, p. 208. Apud MARQUES, José Frederico. Op. Cit. p. 208.

51 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. pp. 117-8.

52 STF, RT 544/470 e 726/591; STJ, RT 664/332; TJSP, RT 545/332; TACrimSP, JTACrim 95/443.

53 CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. p. 288.

54 Ibidem.


Autor

  • Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia

    Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Católica de Brasília (1995). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2002). Pós-graduado em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2008). Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade do Paraná. Delegado de Polícia Federal. Chefe do Núcleo de Repressão ao Crimes Cibernéticos da Polícia Federal do Paraná, com ênfase investigativa para os delitos de ódio e de pornografia infantojuvenil, mormente praticados pela Internet. Membro do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE) e do High Technology Crime Investigation Association (HTCIA).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Uma visão constitucional da citação no âmbito do Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 273, 6 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4997. Acesso em: 18 abr. 2024.