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Coisa julgada inconstitucional

Coisa julgada inconstitucional

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1verificação do fenômeno

A coisa julgada inconstitucional é um fenômeno que pouco foi estudado no Direito pátrio. A grande preocupação da doutrina enfoca-se na análise da coisa julgada sobre o aspecto da sua imutabilidade e da segurança das relações jurídicas postas pelos julgadores.

Sobre esse aspecto, o eminente jurista português Paulo Otero, nos idos dos anos 90, já apresentava preocupação, detectando o esquecimento dos juristas na abordagem da coisa julgada inconstitucional:

"As questões de validade constitucional dos atos do poder judicial foram objeto de esquecimento quase total, apenas justificando a persistência do mito liberal que configura o juiz como ‘a boca que pronuncia as palavras da lei’ e o poder judicial como ‘invisível e nulo’(Montesquieu)." (2)

Esta lacuna na atividade dogmática do Direito, no sentido de ser a coisa julgada imutável, não importando se contrária aos preceitos constitucionais, também é apresentada por Humberto Theodoro Júnior [3]:

"Com efeito, institucionalizou-se o mito da impermeabilidade das decisões judiciais, isto é, de sua imunidade a ataques, ainda que agasalhassem inconstitucionalidade, especialmente após operada a coisa julgada e ultrapassado nos variados ordenamentos, o prazo para a sua impugnação. A coisa julgada, neste cenário, transformou-se na expressão máxima a consagrar os valores de certeza e segurança perseguidos no ideal Estado de Direito. Consagra-se, assim, o princípio da intangibilidade da coisa julgada, visto, durante vários anos, como dotado de caráter absoluto.

Tal é o resultado da idéia, data vênia equivocada e largamente difundida, de que o Poder Judiciário se limita a executar a lei, sendo, destarte, defensor máximo dos direitos e garantias assegurados na própria Constituição. É em face do prestígio alcançado pelo postulado retro que conforme assinala Vieira de Andrade, ‘embora os tribunais formem um dos poderes do Estado, não há em princípio preocupação de instituir garantias contra as suas decisões.’ "

A ocorrência da coisa julgada inconstitucional pode ser verificada de várias formas na decisão já passada em julgado e revestida de imutabilidade. Dentre elas, é possível destacar as decisões que ferem os princípios da legalidade, da moralidade e que são atentatórias ao texto constitucional [4]. Sobre estes aspectos de ocorrência, José Delgado [5] cita algumas hipóteses:

"Podem ser consideradas como sentenças injustas, ofensivas aos princípios da legalidade e da moralidade e atentatórias à Constituição, por exemplo, as seguintes:

[...]

g) a ofensiva à soberania estatal;

h) a violadora dos princípios guardadores da dignidade humana

[...]

k) que obrigue a alguém a fazer alguma coisa ou deixar de fazer, de modo contrário à lei;

[...]."

Forma diversa de incidência da coisa julgada inconstitucional, pouco estudada pela doutrina brasileira, vislumbra-se quando há uma decisão judicial transitada em julgado (e, obviamente, de que não caiba mais recurso), com base em uma lei em plena vigência (e, portanto, constitucional frente à presunção de constitucionalidade das normas oriundas do Poder Legislativo).

Neste caso, se tal lei é, posteriormente, declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (pelo controle concentrado de constitucionalidade ou pela declaração de inconstitucionalidade em controle difuso), e ratificada pelo Senado Federal por resolução [6], nota-se uma sentença baseada em norma eivada de inconstitucionalidade, assim declarada pela Suprema Corte do País.

Ressalte-se que, conforme anteriormente explicitado, a eficácia da declaração de inconstitucionalidade é, em regra, em relação a todas as pessoas (erga omnes) e retroage no tempo (ex tunc).

O tema foi abordado pelos processualistas Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina [7], que indagaram: "havendo certa decisão sobre o qual pese a autoridade da coisa julgada, decidida com base em lei que posteriormente seja tida como inconstitucional pelo controle concentrado, pelo STF, estar-se-ia diante de sentença viciada?"

Desta forma, está-se diante de tema dos mais complexos, que merece especial atenção doutrina pátria, posto que tal situação jurídico-processual encontra-se, ainda, sem muitas respostas dos pensadores do direito processual e constitucional. Entretanto, muitos são os fundamentos possíveis para o deslinde da questão posta, conforme se verá no desenvolver do presente capítulo, que busca soluções para a desconstituição da coisa julgada inconstitucional.


2fundamentos para relativização da coisa julgada em favor da efetividade dos preceitos constitucionais

A primeira problemática a ser enfrentada é a imutabilidade da coisa julgada, que ainda tem caráter absoluto na doutrina nacional majoritária [8]. Sobre este prisma, Paulo Otero, processualista que alavanca os doutrinadores brasileiros que ousaram escrever sobre o atual tema, inicia sua lição pelos aspectos históricos:

"na primeira fase do direito português, não se poderia falar em coisa julgada inconstitucional, até porque o controle de constitucionalidade sobre os atos administrativos ou legislativos ainda não existiam. (9)"

Mais adiante, afirma Paulo Otero [10]:

"Somente o antigo Direito português, dizia-se expressamente que o monarca estava sobre a lei, daí que, ‘(...) somente ao Príncipe, que não conhece Superior, é outorgado por direito, que julgue segundo sua consciência, não curando de alegações, ou provas em contrario feitas pelas partes(...)’, acrescentando-se que ‘(...) o Rei é Lei animada sobre a terra, e pode fazer Lei, revogá-la, quando vir que convém fazer-se assim".

Passando para a vivência atual do Direito português, Paulo Otero demonstra haver atos judiciais inexistentes e atos judiciais que são inconstitucionais, distinguindo: "salientando que as meras aparências de actos judiciais não são reduzíveis ao conceito de inconstitucionalidade, antes se afirmam como casos de inexistência jurídica [11]". E finalizando esta idéia: "apenas as decisões judiciais com o mínimo de identificabilidade são passíveis de um juízo de inconstitucionalidade. [12]"

Em sua teoria sobre o caso julgado inconstitucional, Paulo Otero afirma que o que tem gerado a ocorrência do fenômeno da coisa julgada inconstitucional é a falta de garantia de fiscalização das atividades produzidas pelo Poder Judiciário:

"os actos políticos encontram sempre, ou quase sempre, mecanismos também políticos de controle, estejam eles na Assembléia da República, no Presidente da República ou no próprio eleitorado; pelo contrário, os actos jurisdicionais inconstitucionais carecem de qualquer garantia de controle de sua validade. (13)"

Sobre a eficácia da coisa julgada consolidada com base em norma posteriormente declarada inconstitucional, o citado jurista apresenta valiosa lição:

"a eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral deveria, em bom rigor, determinar também a destruição dos casos julgados fundados em normas desconformes com a Constituição e agora formalmente banidas da ordem jurídica. (14)"

Apoiadas nas idéias de Paulo Otero, a doutrina nacional, aqui representada por Carlos Valder do Nascimento, analisa o tema, apresentando a necessidade de relativização da coisa julgada, precipuamente, quando esta ofende a Constituição [15]:

"Sendo certo que as decisões jurisdicionais configuram atos jurídicos estatais, posto reproduzir a manifestação da vontade do Estado, sua validade pressupõe estejam elas em consonância com os ditames constitucionais. Por esse motivo, não se pode convalidar sua inconstitucionalidade, visto ser improvável abrir mão de mecanismos susceptíveis de permitir a efetivação de modificações imprescindíveis ao seu ajustamento aos cânones do direito constitucional."

Mais adiante, acrescenta que [16] "o Poder Judiciário não detém a soberania e, como tal, não pode se justificar o mito da intangibilidade da função jurisdicional, enquanto manifestação do exercício da atividade estatal".

Sobre o tema, também discorre Cândido Rangel Dinamarco [17]:

"a doutrina e os tribunais começam a despertar para a necessidade de repensar a garantia constitucional e o instituto técnico-processual da coisa julgada, ma consciência de que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas".

Sobre a relativização da coisa julgada, Dinamarco apresenta a forma como a problemática é tratada no Direito norte-americano, demonstrando que a destruição da coisa julgada ofensiva aos princípios constitucionalmente garantidos é facilmente conjugada com sua sistemática processual. O direito processual norte-americano tem maior proximidade com o Direito Romano antigo que com o germânico [18]. No Brasil, a sistemática processual sobre a imutabilidade da coisa julgada é ligada ao Direito germânico, conforme assevera Pontes de Miranda [19]:

"Sendo sabido que é deste que nos advêm as regras mais rígidas de estabilização das decisões judiciárias em razão da coisa julgada, como a da mais absoluta eficácia preclusiva desta em relação ao deduzido e ao dedutível e como a regra geral e integral sanatória de eventuais nulidades da sentença."

Por fim, sobre os aspectos para a moderação dos efeitos da intangibilidade da coisa julgada, o processualista Cândido Dinamarco cita a posição da doutrina americana, apresentada por Mary Kay Kane [20], que é perfeitamente aplicável para o presente caso:

"Há circunstâncias em que, embora presentes os requisitos para a aplicação da coisa julgada, tal preclusão não ocorre. Essas situações ocorrem quando as razões de ordem judicial alimentadas pela coisa julgada são superadas por outras razões de ordem pública subjacentes à relação jurídica que estiver em discussão." (21)

Finalizando o elenco de alguns dos renomados doutrinadores que já dispuseram sobre a teoria da coisa julgada inconstitucional, ensina Humberto Theodoro Júnior, em artigo conjunto com Juliana Cordeiro de Faria, citando Paulo Otero [22]:

"admitir, resignados, a insindicabilidade de decisões judiciais inconstitucionais seria conferir aos tribunais um poder absurdo e exclusivo de definir o sentido normativo da Constituição: Constituição não seria o direito aplicado nos tribunais, segundo resultasse da decisão definitiva e irrecorrível do Juiz."

Ainda, imperiosa é a lição de Jorge Miranda [23]: "o princípio da intangibilidade do caso julgado não é um princípio absoluto, devendo ser conjugado com outros e podendo sofrer restrições. Ele tem de ser percebido no contexto global".

Nota-se, desta forma, que a imutabilidade da coisa julgada não deve ser levada a efeito quando se tratar de sentença que contenha o vício da ilegalidade. Disso decorre que não se deve eternizar uma decisão contrária aos preceitos constitucionais ao argumento de que, mesmo que seja inconstitucional, deverá prevalecer tão somente em atenção ao princípio da imutabilidade da coisa julgada, previsto no Código de Processo Civil.

Todavia, merece destaque a questão da segurança jurídica na teoria da relativização da coisa julgada dissonante da Constituição Federal.


3a segurança jurídica

É fundamento do Estado democrático de direito a segurança e estabilidade das relações jurídicas por meio da imutabilidade das decisões judiciais (coisa julgada). Neste sentido, o princípio da segurança jurídica tem como escopo a garantia dos direitos regularmente constituídos, que já integram a esfera patrimonial do titular da tutela judicial garantida. [24]

Diante da necessidade imperiosa da segurança jurídica para a concretização do Estado democrático de direito, Wilson Leite Corrêa ensina:

"[...] é inevitável a conclusão de que o Princípio da segurança jurídica deve ser respeitado, aliás, Roubier, partindo de estudos de Radbruch sobre a matéria, diz que existe um permanente confronto entre o princípio da segurança jurídica e o realismo da sociedade vigente, com as contínuas e intermináveis mutações, que decorrem do próprio desenvolvimento da sociedade, acabando por concluir que só triunfaram as culturas que garantiram a estabilidade das relações através do princípio da segurança jurídica."

O princípio da segurança jurídica não pode ser visto de forma absoluta. Não é possível conceber a eternização da coisa julgada contrária à Carta Maior, ao único argumento de que a desconstituição das decisões fundadas em lei declarada inconstitucional vem de encontro com o referido princípio. A segurança jurídica, todavia, está consagrada pela Constituição Federal no artigo 5° , inciso XXXVI: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Neste sentido, Carlos Valder do Nascimento [25] explicita:

"Havendo simetria entre a segurança e justiça na perspectiva lógica da aplicação do direito, o conflito que se procura estabelecer é de mera aparência. De fato, inadmissível a segurança servir de plano de fundo para impedir a impugnação da coisa julgada, imutável, imodificável e absoluta, na percepção dos processualistas mais conservadores. Mas torna-se necessário enfrentar tais resistências, desmistificando a idéia de superação do Estado de Direito pelo Poder Judiciário."

Reforça essa idéia o entendimento de José Delgado [26]:

"não protege a sentença judicial, mesmo transitada em julgado, que bate de frente com os princípios da moralidade e da legalidade, que espelhe única e exclusivamente vontade pessoal do julgador e que vá de encontro à realidade dos fatos".

Carlos Valder, ao dispor sobre a coisa julgada inconstitucional [27], demonstra a harmonia entre a sua desconstituição e o princípio da segurança jurídica, com clara possibilidade de integração dos dois institutos, em consonância com a Constituição Federal:

"Demais disso, o acatamento da coisa julgada, corolário da segurança jurídica, não é colocado em cheque pela probabilidade de uma pretensão de nulidade contra o julgamento violador de preceito constitucional. Primeiro, porque seu alcance sofre limitações no seu aspecto subjetivo, com a possibilidade de manuseio da rescisória, para desconstituição do julgado. Segundo, porque presente, nesses casos, os pressupostos da relatividade inerentes a natureza das coisas. De fato, inexiste a pretensa impermeabilidade que deseja se atribuir às decisões emanadas do Poder Judiciário.

Tentam, os que assim pensam, travestir a coisa julgada da argamassa de intocabilidade, tentando revelar sua faceta de cunho absoluto dentro do cenário da principiologia lastreada no constitucionalismo. Diante desse panorama, toda iniciativa objetivando reverter essa situação não tem merecido o devido acolhimento pelos refratários a qualquer esforço renovador, visando ao aperfeiçoamento da sistemática até então adotada. Apesar de tudo, a mudança há de impor-se, com a remoção dos óbices que impedem ou limitam seu avanço".

Com grande simplicidade, o doutrinador Juary Silva [28], leciona:

"Em suma, a coisa julgada não é um valor absoluto, e no contraste entre ela e a idéia de justiça, esta é que deve prevalecer. Daí não é preciso mais que um passo no sentido de fazer a responsabilidade do Estado pelo exercício da função institucional, ainda que isso implique em certa restrição da amplitude do conceito da coisa julgada".

No sentido da harmonização entre a segurança jurídica e a coisa julgada eivada de inconstitucionalidade, igualmente ensina Cândido Rangel Dinamarco [29]:

"A coisa julgada material, a forma e as preclusões em geral incluem-se entre os institutos com que o sistema processual busca a estabilidade das decisões e, através dela, a segurança nas relações jurídicas. Escuso-me pelo tom didático com que expus certos conceitos elementares referentes a esses institutos; assim fiz, com a intenção de apresentar a base sistemática dos raciocínios que virão, onde porei em destaque e criticarei alguns tradicionais exageros responsáveis por uma exacerbação de valor da coisa julgada e das preclusões, a dano do indispensável equilíbrio com que devem ser tratadas as duas exigências contrastantes do processo. O objetivo do estudo é demonstrar que o valor da segurança das relações jurídicas não é absoluta no sistema, nem o é portanto a garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com outro valor de primeiríssima grandeza, que é o da justiça das decisões judiciais, constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à justiça (Constituição Federal, art. 5° , inciso XXXV)".

Esta posição também foi aceita pela Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça em voto condutor proferido pelo Ministro José Delgado [30], que filiou-se à "posição doutrinária no sentido de não reconhecer caráter absoluto à coisa julgada". Acrescentou, ainda, que "a corrente que entende ser impossível a coisa julgada, só pelo fundamento de impor segurança jurídica, sobrepõe-se aos princípios da moralidade pública e da razoabilidade nas obrigações assumidas pelo Estado".

Ainda sobre o entendimento de Cândido Rangel Dinamarco [31] sobre relativização da segurança jurídica, impõe destacar:

"Não há uma garantia sequer, nem mesmo a da coisa julgada, que conduza invariavelmente e de modo absoluto à renegação das demais ou dos valores que elas representam. Afirmar o valor da segurança jurídica (ou certeza) não pode implicar desprezo ao da unidade federativa, ao da dignidade humana e intangibilidade do corpo etc. É imperioso equilibrar com harmonia as duas exigências divergentes, transigindo razoavelmente quanto a certos valores em nome da segurança jurídica mas abrindo-se mão desta sempre que sua prevalência seja capaz de sacrificar o insacrificável.

Nesta perspectiva metodológica e levando em conta as impossibilidades jurídico-constitucionais acima consideradas, conclui-se que é inconstitucional a leitura clássica da garantia da coisa julgada, ou seja, sua leitura com a crença de que ela fosse algo absoluto e, como era hábito dizer, capaz de fazer do preto branco e do quadrado redondo. A irrecorribilidade daqueles resultados substanciais política ou socialmente ilegítimos, que a Constituição repudia. Daí a propriedade e a legitimidade sistemática da locução, aparentemente paradoxal, coisa julgada inconstitucional" (32).

Isto posto, tem-se que a segurança jurídica não deve ser vislumbrada como fonte de se eternizar injustiças, mas como um instrumento pelo qual seja possível defender-se de decisões judiciais que ferem a Carta Maior. Desta forma, deve ser observada sobre um prisma maior: a própria garantia do Estado democrático de direito que busca a efetiva garantia dos preceitos constitucionais, mesmo que para isto haja que lançar mão da imutabilidade da coisa julgada. A segurança jurídica deve, então, ser manejada como mais uma forma de se evitar a coisa julgada inconstitucional, fazendo prevalecer os demais valores que ela representa.


4a desconstituição da coisa julgada inconstitucional

A maior preocupação da doutrina baseia-se na forma pela qual deve ser desconstituída a coisa julgada inconstitucional. Neste aspecto, existem entendimentos diversificados sobre quais instrumentos jurídicos devem ser manejados para a busca da referida desconstituição.

De início, vale ressaltar que a matéria ainda demanda grandiosos estudos pela doutrina e de soluções pela jurisprudência, acerca do caminho mais adequado para se atingir a certeza de que as decisões judiciais de desconstituição da coisa julgada inconstitucional não feririam a sistemática processual e constitucional do Brasil.

Os juristas Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Medina [33] apresentam em sua obra a primeira solução (que não lhes pertence) para a desconstituição: a ação rescisória. Neste sentido, a sentença gera efeitos e é plenamente válida, sendo a rescisória o único remédio no caso de declaração posterior da inconstitucionalidade. "São dessa opinião Accioly Filho, Lúcio Bittencout e Alfredo Buzaid, que afirmam expressamente serem rescindíveis as sentenças proferidas com base em lei que, posteriormente, venha a ser declarada inconstitucional".

Apesar de citarem o supracitado posicionamento, Teresa Wambier e José Medina [34], discordam dos eminentes juristas e lecionam:

"Portanto, segundo o que nos parece, seria rigorosamente desnecessária a propositura da ação rescisória, já que a decisão que seria alvo de impugnação seria unicamente inexistente, pois que baseada em ‘lei’ que não é lei (‘lei’inexistente). Portanto, em nosso entender a parte interessada deveria, sem necessidade de se submeter ao prazo do art. 495 do CPC, intentar ação de natureza declaratória, com o único objetivo de gerar maior grau de segurança jurídica à sua situação. O interesse de agir, em casos como esse, nasceria, não da necessidade, mas da utilidade da obtenção de uma decisão neste sentido, que tornaria indiscutível o assunto, sobre o qual passaria a pesar a autoridade de coisa julgada.

O fundamento para a ação declaratória de inexistência seria a ausência de uma das condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido. Para nós, a possibilidade de impugnação de sentenças de mérito proferidas apesar de ausentes as condições da ação não fica adstrita ao prazo do artigo 495 do CPC".

Referida posição, no sentido de que lei declarada inconstitucional é inexistente, acarreta o entendimento de que a coisa julgada inconstitucional também o é, e já encontra precedentes no Superior Tribunal de Justiça [35], conforme aresto a seguir colacionado:

"CONSTITUCIONAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. TITULARIDADE. NOMEAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. COMPETÊNCIA PARA A DESCONSTITUIÇÃO DO ATO. ADVENTO DA LC 183/99. EFEITOS ''EX TUNC'' E ''ERGA OMNES'' DA DECLARACÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO STF. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. A superveniência da LC nº 183/99, conferindo ao Governador do Estado de Santa Catarina a atribuição exclusiva de prover e desprover os cargos das serventias extrajudiciais, não afasta a competência do Presidente do Tribunal de Justiça para desconstituir ato seu, nomeando os respectivos titulares sem concurso público, com base em lei declarada inconstitucional pelo STF. 2. Lei inconstitucional é lei natimorta; não possui qualquer momento de validade. Atos administrativos praticados com base nela devem ser desfeitos, de ofício pela autoridade competente, inibida qualquer alegação de direito adquirido. 3. Afronta à CF, arts. 2º e 102, I, ''a’, não configurada. 4. Embargos rejeitados."

Os supra referidos processualistas apresentam o fundamento para os que não aceitam o entendimento de, no caso, intentar-se uma ação declaratória visando o maior grau de segurança jurídica para a situação:

"Todavia, para aqueles que não admitem tal categoria, pode-se pensar em rescindibilidade por falta de fundamento, já que nos sistemas jurídicos de raiz romano-germânica as decisões judiciais devem necessariamente fundamentar-se em lei, ainda que à lei, como fundamento central das decisões do juiz, possam-se acrescentar doutrina, jurisprudência, princípios jurídicos etc. Neste caso, a lei, expurgada do sistema jurídico, não existe. A rescindibilidade se daria com fulcro nos arts. 485, inc. V e 458, do CPC combinados" (36).

Sobre o cabimento de ação rescisória têm decidido os Tribunais:

"I - Judicium Rescidiens: No Estado de Direito, a lei inconstitucional agride a alma do povo, que a Constituição Materializa, em seus preceitos. Não há ato jurídico perfeito nem coisa julgada em afronta a constituição, cuja inteligência ultima se reserva, em termos absolutos, ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, Caput). Se o julgado rescindendo amparou-se em texto legal absolutamente nulo, por violar a Constituição Federal, admite-se a ação rescisória, com base no artigo 485, inciso V do CPC, sem interferência da súmula 343/STF, na espécie[...] (37)".

Julgado do Superior Tribunal de Justiça [38]:

"Processual civil - Ação rescisória - Interpretação de texto constitucional - Cabimento - Súmula n.° 343/STF - Inaplicabilidade - Violação de literal disposição de lei (CPC, art. 485, V) - FNT - Sobretarifa - Lei 6.093/74 - Inconstitucionalidade (RE n° 117.315/RS) - Divergência jurisprudencial superada - Súmula n° 83/STJ - Precedentes.

O entendimento desta Corte, quanto ao cabimento de ação rescisória nas hipóteses de declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei é no sentido de que "a conformidade, ou não, da lei com a Constituição é um juízo sobre a validade da lei; uma decisão contra a lei ou que lhe negue a vigência supõe lei válida. A lei pode ter uma ou mais interpretações, mas ela pode ser válida ou inválida, dependendo de quem seja o encarregado de aplicá-la. Por isso, se a lei é conforme a Constituição e o acórdão deixa de aplicá-la à quisa de inconstitucionalidade, o julgado se sujeita à ação rescisória ainda que na época os tribunais divergissem a respeito. Do mesmo modo, se o acordão aplica lei que o Supremo Tribunal Federal, mais tarde, declare inconstitucional".

Entretanto, Teresa Wambier e José Medina [39], reforçando a idéia de inexistência de sentença acrescentam:

"[...] está-se aí diante de processos inexistentes que, todavia, pode ter produzido efeitos que, dependendo do caso concreto, devem ser preservados, em nome de uma série de princípios que orientam a necessidade de se decretarem nulidades ou de se reconhecer a existência jurídica.

Na seara do direito público, assim como o caráter da insanabilidade não está ligado às nulidades absolutas, que podem ser conhecidas de ofício e a qualquer tempo (v.g., sentenças ultra petita, que pode ser reduzida às dimensões do pedido pelo Tribunal, em vez de ser corrigida pelo juízo de 1° grau) a circunstâncias de se estar diante de ato juridicamente inexistente não impede que dele se aproveitem ou se conservem efeitos, dependentemente das circunstâncias que caracterizam cada caso concreto.

A norma jurídica tida posteriormente como inconstitucional, portanto, é para nós, norma inexistente juridicamente. É pura e simplesmente, um fato jurídico".

Reforçando ainda a tese de que a sentença com base em lei declarada posteriormente inconstitucional é inexistente, diz Sérgio Ferraz [40]:

"Extrai, dentre outras conseqüências , a de que todos os efeitos, produzidos pela norma atingida, são desconstituídos, para tanto invocando, com freqüência, a lição de Marschall, no sentido de que lei inconstitucional é lei natimorta (o que retiraria, aos atos constituídos com base nele o suporte jurídico de existência)".

Sendo assim, segundo a posição de Teresa Wambier e José Medina, a sentença fundada uma lei, que posteriormente foi declarada inconstitucional, em sede de controle de constitucionalidade é sentença inexistente [41], podendo ser impugnada a qualquer tempo, por meio de ação declaratória de inexistência de coisa julgada, pois a ela não se aplica o prazo preclusivo, previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil.

A síntese do pensamento dos autores acima é fundada no fato de faltar no processo a causa de pedir, pois esta se funda em uma norma, e não existindo a norma, por ter sido esta extraída do mundo jurídico, deve-se o Poder Judiciário garantir a eficácia ex tunc, de todas as conseqüências da norma tida como inconstitucional, em sede de controle de constitucionalidade, de forma a garantir o estado das relações jurídico sociais anterior à vigência da norma. Neste termos, estaria em plena harmonia com a Constituição, defendendo o perfeito funcionamento do Estado Democrático de Direito, por meio do amplo acesso a justiça, determinado pelo artigo 5, Inciso XXXV [42].

A inexistência da sentença sem fundamentação é afastada por Humberto Theodoro [43], seguindo o pensamento de Amaral Santos, já citado no presente estudo onde ensina:

"que a falta de relatório e motivação provocam a nulidade da sentença, por se tratar de requisitos essenciais do ato decisório. Mas acrescenta o mestre, é o dispositivo ou conclusão da sentença que reside o comando que caracteriza o ato judicial em tela. Por isso, mais do que nula, sentença sem dispositivo é ato inexistente – deixou de haver sentença."

Diante disso, observa-se que, se estamos diante de uma sentença, já acobertada com o manto da coisa julgada, consolidada com base em uma lei, que no momento do trânsito em julgado da decisão era vigente, onde esta decisão encontra-se em plena harmonia com o que prevê o artigo 458 do Código de Processo Civil.

Posteriormente, vem o Supremo Tribunal Federal em sede de ação direta de inconstitucionalidade, e declarar inconstitucional a lei na qual se fundou a sentença, estamos ai diante de uma sentença que não preenche os requisitos do artigo 458 do Código de Processo Civil, pois como já apresentado, em regra, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são ex tunc, ou seja retroativos, portando estamos diante de uma nulidade absoluta da sentença, conforme pensa Humberto Theodoro e Amaral Santos, na citação apresentada [44].

Partido de uma análise fria dos preceitos processuais que regem a ação rescisória e coisa julgada podemos achar, que a coisa julgada inconstitucional tem uma aparência de coisa julgada e que sua desconstituição deve-se dar por intermédio da ação rescisória, com base no inciso V, artigo 585 do Código de Processo Civil. O que não é verdade, pois está coisa julgada inconstitucional encontra-se contaminada com um vício absoluto, ou seja uma nulidade absoluta, primeiro por não ter a decisão um de seus requisitos, a fundamentação e segundo por estar de encontro com a constituição, neste sentido é grandiosa a lição apontada por Paulo Otero [45]:

"Admitir solução contrária, significaria reconhecer a autovinculação dos tribunais de um Estado de Direito democrático a actos inconstitucionais e a ausência de uma tutela processual eficaz contra as inconstitucionalidades do poder judicial".

Não se pode olvidar que a coisa julgada inconstitucional é nula e atacada não por ação rescisória, mas por ação declaratória de nulidade da decisão, a chamada querela nullitatis [46], neste sentido, ensina Carlos Valder Nascimento [47]:

"Não há como, pelo que se infere do exposto, convalidar sentença nula, notadamente contaminada pelo vício de inconstitucionalidade que não se subordina sua desconstituição ao manejo da rescisória. De fato, essa é a regra que prevalece no direito brasileiro, o que possibilita a reconhecer-se a ação de impugnação autonôma, tanto que a de incidentes de embargos à execução."

Sobre a nulidade da coisa julgada inconstitucional e de sua desconstituição por meio da ação autônoma de querela nullitatis acrescenta Carlos Valder que:

"A querela nullitatis foi concebida com o escopo de atacar a imutabilidade da sentença convertida em res iudicata, sob o fundamento, consoante Moacyr Amaral Santos, de achar-se contaminada de vícios que a inquinasse de nulidade, visando a um indicium rescinders. Este, uma vez obtido, ficava o querelante na situação de poder colher uma nova decisão sobre o mérito da causa. A decisão judicial impugnada de injustiça desse modo, posta contra expressa disposição constitucional, não pode prevalecer. Neste caso, configurando o julgado nulo de pleno direito, tem cabimento de ação própria no sentido de promover sua modificação, com vistas a restaurar o direito ofendido. Contradiz a lógica do ordenamento jurídico a sentença que, indo de encontro a Constituição, prejudica uma das partes da relação jurídico-processual.

São por conseguintes, passíveis de ser desconstituídas as sentenças que põem termo ao processo, por ter decidido o mérito da demanda, enquadrando-se também, na hipótese, os acórdãos dos tribunais. Isso se persegue mediante ação autônoma que engendra uma prestação jurisdicional resolutória da sentença hostilizava, [sic], cujo efeitos objetiva desconstituir. Nisso é que reside sua razão fundamental: anulação de sentença de mérito que fez coisa julgada inconstitucional."

Neste sentido, acrescenta Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro [48]:

"A decisão judicial transitada em julgado desconforme a Constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema das nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para a eliminação do vício respectivo. Destarte pode "a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução" (STJ, Resp 7.556/RO, 3 T., Re. Ministro Eduardo Ribeiro, RSTJ 25/439)".

Ademais, vem sendo aceito pela jurisprudência [49] pátria a ação rescisória para a desconstituição da coisa julgada inconstitucional, entretanto, não se pode ver essa aceitação como um valor absoluto, mais como uma aplicação do princípio da economia processual, uma vez que as nulidade absolutas, podem serem reconhecidas de ofício pelo julgador e serem impugnadas a qualquer tempo. Também não implica de igual modo a observância do prazo de dois anos para sua impugnação (art. 495 do Código de Processo Civil).

Acerca do tema ensina Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro [50], com base na doutrina de Paulo Otero:

"Deste modo a admissão da ação rescisória não significa a sujeição da declaração de inconstitucionalidade de coisa julgada ao prazo decadencial de dois anos, a exemplo do que se dá com a coisa julgada que contempla alguma nulidade absoluta, como é o exemplo o vício de citação".

Mais adiante acrescenta ainda que:

"Nada obstante e porque as nulidades podem ser decretáveis até mesmo de ofício, como é a hipótese da inconstitucionalidade, a eleição da via rescisória, ainda que inadequada, para a argüição da coisa julgada inconstitucional não importa na impossibilidade de conhecer-se do vício. O que se deve ter em mente é o fato de que a admissibilidade da rescisória, neste hipótese, é medida extraordinária diante da gravidade do vício contido na sentença

Os Tribunais com, efeito, não podem se furtar de, até mesmo de ofício, reconhecer a inconstitucionalidade da coisa julgada o que pode se dar a qualquer tempo, seja em ação rescisória (não sujeita a prazo), em ação declaratória de nulidade ou em embargos à execução.

A inconstitucionalidade direta da coisa julgada afasta o seu efeito positivo, de modo que ‘intentada uma ação que tenha como fundamento do pedido uma anterior decisão judicial transitada em julgado, o juiz só terá de decidir o novo pedido em conformidade com o caso julgado se este for conforme com a Constituição. (51)"

Consumado assim a nulidade da coisa julgada inconstitucional e o cabimento da querela nullitatis, uma outra hipótese de a da desconstituição por meio do manejo dos Embargos à Execução, onde o fundamento, encontra-se respaldo na inexigibilidade do título judicial, por ser o mesmo eivado de nulidade absoluta, previsto no artigo 741, II do Código de Processo Civil [52] [53].

Esta hipótese de desconstituição, recentemente foi convalidada com a edição da medida provisória n. 2.180-35/2001, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 741 do Código de Processo Civil, que apresenta a seguinte redação:

"Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal".

Com isso se convalida a tese de que, a coisa julgada inconstitucional é nula na medida em que, o legislador já decretou a inexigibilidade do título fundado em coisa julgada com base em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal [54].

Conclui então Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro [55] que:

"Dúvida não mais pode subsistir que a coisa julgada inconstitucional não se convalida, sendo nula e, portanto, o seu reconhecimento independe de ação rescisória e pode se verificar a qualquer tempo e em qualquer processo, inclusive na ação incidental de embargos à execução".

Neste diapasão temos que a coisa julgada, com base em lei declarada inconstitucional, é nula de pelo direito. É que não está restrita ao manejo da ação rescisória e tampouco se submete ao prazo de dois anos para sua impugnação. Podendo ser desconstituída então a qualquer tempo, quer por ação autônoma, declaratória de nulidade da coisa julgada (querela nullitatis), quer em sede de embargos à execução.


CONCLUSÃO

A coisa julgada inconstitucional é um fenômeno processual pouco estudado pela doutrina processual brasileira, que por estar envolvendo dois institutos consagrados e intocáveis, que é o da imutabilidade da coisa julgada e da constitucionalidade das normas, merece uma atenção especial, de modo a integrar de forma harmônica os princípios processuais e constitucionais que cerca os institutos.

Neste diapasão, com base na doutrina nacional apresentada neste estudo, as nulidades são sanáveis no decorrer do processo, entretanto temos nulidades que de tão graves podem ser argüidas a todo tempo, que é a chama nulidade ipso iure, que afeta a coisa julgada a qualquer tempo, nos seus efeitos e eficácia, não deixando que a decisão passe em julgado, podendo ser atacada a qualquer tempo.

Já o controle de constitucionalidade das normas, seja no difuso, seja no concentrado apresenta efeitos sobre todos os atos praticados com base na norma objeto da declaração de inconstitucionalidade em virtude da escolha legislativa em adotar os efeitos retroativos, na declaração de inconstitucionalidade na norma, ressaltando que no controle difuso para que sejam esses os efeitos é necessária a resolução do Senado Federal para que seja dado o mesmo tratamento aos efeitos da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

A inconstitucionalidade superveniente à coisa julgada, já tendo exauridos todos os recursos ordinários e extraordinários, geram nulidade ipso iure da sentença, por estar a decisão carente de um de seus requisitos, que a fundamentação. Uma vez que a declaração de inconstitucionalidade retira do mundo jurídico a norma desde o seu nascituro, devendo ser destruídos todos os atos e decisões tomadas na inconstitucional vigência da norma, não sendo aceitável que "à parte prejudicada pela nulidade absoluta, ipso iure, não poderá a Justiça negar o acesso à respectiva declaração de invalidade do julgado". [56]

A nulidade absoluta atinge a coisa julgada, já revestida pelo manto da imutabilidade, devendo ser desconstituída a qualquer tempo, mesmo quando superado o prazo para interposição da ação rescisória, pois a mesma não é o instrumento processual adequado para a desconstituição da coisa julgada revestida de nulidade absoluta ipso iure. Mesmo que seja intentada a ação rescisória, também não pode o julgador deixar de apreciar o pedido, sob a alegação de que não é o remédio processual adequado, devendo sempre aplicar o princípio da fungibilidade que decorre o princípio constitucional da economia processual.

O fenômeno da coisa julgada inconstitucional ocorre quando, uma decisão transitada em julgado constituída sobre um lei, em plena vigência e validade, sendo a lei que foi o fundamento da decisão, vem a ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, gerando assim um efeito retroativo da lei, que deve atingir também aos atos consagrados na vigência ilegal da norma, assim, é que a coisa julgada inconstitucional encontra-se viciada, com o vicio insanável da nulidade ipso iure.

A desconstituição da coisa julgada inconstitucional, não fere a segurança jurídica, pois existem no ordenamento constitucional brasileiro, princípios superiores, como é o princípio da constitucionalidade que determina que, todos os atos emanados dos poderes federativos devem estar em total harmonia com o que determina a constituição. Sendo a desconstituição aparada pela segurança jurídica que modo a garantir a justiça ao caso concreto, não perpetrando julgados com base em lei tida como inconstitucional, dando assim de forma uniforme o mesmo tratamento a todos os jurisdicionados.

Para a desconstituição da coisa julgada inconstitucional poderá a parte prejudicada utilizar os seguintes recursos processuais:

a) a ação de querela nulitatis, onde buscará a declaração de nulidade da decisão tomada com base em lei declarada inconstitucional, pois "o vício da inconstitucionalidade gera invalidade do ato público, seja legislativo, executivo ou judiciário [57]", argumentando que a imutabilidade da coisa julgada não é fundamento para a desconstituição da coisa julgada inconstitucional, em face da literal ofensa a Constituição, e ainda que o parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, já considera a inexigibilidade do título executivo judicial.

b) o manejo de ação rescisória, com base no inciso V, do artigo 485 do Código de Processo Civil, ao argumento de que a coisa julgada estaria em confronto com o texto constitucional. Vale ressaltar, que apesar de a doutrina e a jurisprudência aceitar a utilização, esta não é o instrumento correto, pois esta restrita a prazo decadencial e ataca a sentença como um todo e não a nulidade propriamente dita, entretanto tem sido aceita aplicando o princípio da fungibilidade e da economia processual.

c) na fase de execução, com a oposição dos embargos à execução, fundado no parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, onde deverá ser alegada a inexigibilidade do titulo, constituído com base em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Por fim, deve-se observar que não é aceitável, que na atual conjuntura processual, ainda se perpetre julgados com base em lei declarada inconstitucional, pois tal ocorrência ferem todos os princípios constitucionais de aplicação de justiça, devendo a parte prejudicada pela coisa julgada inconstitucional, recorrer ao manejo das ação já demonstradas e devendo o judiciário reconhecer se verificado o fenômeno a irresignação da parte, afastando a imutabilidade da coisa julgada, para prevalecer a segurança jurídica, a justiça e os preceitos inseridos na Constituição Federal.

O estudo demanda mais atenção dos doutrinadores e dos estudioso das ciências jurídicas de modo a garantir a todos um poder judiciário que cumpre adequadamente o que lhe foi garantido constitucionalmente de modo a trazer sempre para seus jurisdicionados a correta aplicação da Lei e da Constituição Federal.


Notas

1 Apud Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Coisa julgada inconstitucional: a coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais do para seu controle. São Paulo: Editora América, 2002. Pág. 126.

2 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. Pág. 126.

3 Neste sentido: José Augusto Delgado, Cândido Rangel Dinamarco, Carlos Valder Nascimento, Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria. Coisa Julgada Inconstitucional. Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina. O Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses de Relativização.

4 Delgado, José Algusto. Ob. Cit. Pág. 101/103.

5 Usando a concepção de Bruno Noura Rego: "[...] a resolução do Senado Federal suspendendo a eficácia da lei declarada inconstitucional pelo STF, no que tange aos seus efeitos, equivale à sentença de procedência de uma ação direta de inconstitucionalidade". Ob. Cit. Pág. 272.

6 Wambier, Teresa Arruda Alvim. Medina, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. Pág. 39/38.

7 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. Pág. 126.

8 Autor Desconhecido. Coisa julgada. Disponível em <http://www.jfrn.gov.br/docd/doutrina139.doc> Capturado em 05/05/2.003. Pág. 02.

9 Apud Autor Desconhecido. Ob. Cit. Pág. 02.

10 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 16.

11 Apud Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 16.

12 Autor Desconhecido. Ob. Cit. Pág. 03.

13 Autor Desconhecido. Ob. Cit. Pág. 03.

14 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 04.

15 Ibidem.

16 Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 39.

17 Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 48.

18 Apud Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 48.

19 Apud Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 48.

20 O texto foi traduzido pelo autor, e está assim redigido em inglês: "There are some circunstances in which even though the standard for applying res judicata has been met, preclusion will not result. These situations arise when the judicial economy policies fostered by claim preclusion are outweighed by some other public policy underlying the type of action that is envolved."

21 Apud Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. Pág. 129.

22 Apud Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. Pág. 139.

23 Corrêa, Wilson Leite. Constituição, direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito. Jus Navigandi. Nº 33. [Internet] Disponivel em: <www. jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=93>. Capturado em 25 de junho de 2002.

24 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 11.

25 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 11.

26 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 12.

27 Silva, Juary C. Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais. Revista Direito Público. São Paulo. N° 20. 1972. Pág. 170.

28 Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 39.

29 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESP nº 240.712/SP. DJ de 15.2.2000. Rel. José Delgado.

30 Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 62.

31 Neste sentido: Fernando da Costa Tourinho Neto, no voto do AG 2001.01.00.003239-9-DF, julgado em 29.01.2001. Carlos Valder do Nascimento. Coisa julgada inconstitucional. Ob. Cit. Pág. 14/16. José Augusto Delgado. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. Ob. Cit. Pág. 86/90. Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. Ob. Cit. Pág. 139/140.

32 Wambier, Teresa Arruda Alvim. Medina, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipótese de relativização. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. Pág. 42.

33 Wambier, Teresa Arruda Alvim. Medina, José Miguel Garcia. Ob. Cit. Pág. 43.

34 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EDROMS Nº 10527-SC, j. 03.02.2000. DJU 08.03.2000. Pág. 136.

35 Wambier, Teresa Arruda Alvim. Medina, José Miguel Garcia. Ob. Cit. Pág 43

36 Tribunal Regional Federal da 1 Região AR 0130169, Relator Sousa Prudente j. dgdgdg DJU 19-06-95 P. 3828.(confirmar)

37 Superior Tribunal de Justiça. Resp 128.239/RS (completar) Em sentido semelhante Resp 155.654/RS; Resp 36.017/PE; AR 870/PE.

38 Wambier, Teresa Arruda Alvim; Medina, José Miguel Garcia. Ob. Cit. Pág 47

39 Apud. Wambier, Teresa Arruda Alvim; Medina, José Miguel Garcia. Ob. Cit. Pág 49

40 No mesmo sentido: Cândido Rangel Dinamarco in: Relativizar a Coisa Julgada Material. Ob. Cit. Pág 59

41 "a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão"

42 Theodoro Júnior, Humberto, Ob. Cit. Págs 171/172

43 No mesmo sentido: Carlos Valder do Nascimento. In Coisa Julgada Inconstitucional Ob. Cit. Págs 22/26; José Augusto Delgado. In Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais Ob. Cit. Págs 112/121. Em sentido diverso: Cândido Rangel Dinamarco In. Relativizar a Coisa Julgada Material. Ob. Cit. Págs 42 e 59: "As sentenças abusivas não podem prevalecer a qualquer tempo e a qualquer modo, porque a sentença abusiva não é sentença". Mais adiante acrescenta: "Ora, como a coisa julgada não é em si mesma um efeito e não tem dimensão própria, mas a dimensão dos efeitos substanciais da sentença sobre a qual incida [...], é natural que ela não imponha quanto os efeitos programados na sentença não tiverem condições de impor-se. Por isso, como a Constituição não permite que um Estado se retire da Federação, ou que se imponha por execução forçada o peso da própria carne etc., da inexistência desses efeitos juridicamente impossíveis decorre logicamente a inexistência da coisa julgada material sobre a sentença que pretenda impô-los".

44 Apud. Theodoro Júnior, Humberto, Ob. Cit. Págs 153

45 O Superior Tribunal de Justiça, admite a subsistência da ação de querela nullitatis no direito processual brasileiro, neste sentido: "I.. A tese da querela nillitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a relação jurídica processual, não se constitui, nem validamente se desenvolve. Nem, por outro lado, sentença transita em julgamento, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se for o caso." (Resp. 12.586/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU 4.11.91. O Supremo Tribunal Federal, também aceita o cabimento da querela nullitatis"Ação declaratória de nulidade de sentença por ser nula a citação do réu na ação em que ela for proferida.1. Para a hipótese prevista no artigo 751, I, do atual CPC, que é a falta ou nulidade de citação, havendo revelia persiste, no direito positivo brasileiro - a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é cabível essa hipótese." (Superior Tribunal de Justiça, Revista Trimestral de Jurisprudência, n° 107, P. 778)

46 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 25

47 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. p. 152

48 Vide arestos da citação n.° 152 e 153

49 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. p. 152

50 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. p. 152

51 "Art. 741. Na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar sobre:

[...]

II - inexigibilidade do título".

52 Neste Sentido Carlos Valder do Nascimento In Coisa Julgada Inconstitucional. Ob. Cit. P. 26; Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria. In A Coisa Julgada Inconstitucional e os Instrumentos Processuais para seu Controle. Ob. Cit. P.154; Gilberto Barroso de Carvalho Júnior, In A coisa julgada inconstitucional e o novo parágrafo único do art. 741 do CPC. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n.61, jan.2003, Disponível em : <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3605>. Acesso em: 22 ago. 2003

53 Nascimento, Carlos Valder. Ob. Cit. P. 28 e 29.

54 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. p. 155.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Daniel Gomes de. Coisa julgada inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 280, 13 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5087. Acesso em: 19 abr. 2024.