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Reflexões sobre a advocacia, em seu contexto de indispensabilidade à administração da Justiça

Reflexões sobre a advocacia, em seu contexto de indispensabilidade à administração da Justiça

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Adverte Calamandrei que a parcialidade do advogado é a garantia da imparcialidade do Juiz. A própria justiça da decisão depende muitas vezes, mais da atuação dos advogados, que da atuação do Juiz.

Sumário: 1) Introdução. 2) A importância do advogado na administração da justiça. 3) O advogado é a garantia da justiça. 4) A especialização da Advocacia 5) O instanciamento da Advocacia. 6) O policiamento ético da Advocacia 7) O controle externo da Advocacia. 8) O Interinamento do quinto constitucional. 9) A limitação dos honorários 10) A efetividade do processo em face do entrave do advogado. 11) A Advocacia a prevenir litígios. 12) Conclusão.


1) Introdução

Adverte Calamandrei, em seu "Elogio aos Juízes" que a parcialidade do advogado é a garantia da imparcialidade do Juiz. Poder-se-ia acrescer que a própria justiça da decisão depende muitas vezes, mais da atuação dos advogados, que da atuação do Juiz. A resposta à indagação que constitui o título é, portanto, verdadeira, mas sua compreensão depende da redução de sua extensão.

Ao lado de uma crise ética que afeta toda a sociedade e multiplica os litígios e de um Judiciário dotado de meios insuficientes, instrumentos processuais inadequados e respostas insatisfatórias aos anseios sociais, está a Advocacia. A Advocacia, na forma que se encontra organizada no Brasil, torna, em alguns casos, a justiça impensável ou de difícil atingimento. Ela tem sua dose de culpa no abarrotamento dos escaninhos, na frustração qualitativa e quantitativa dos resultados, na morosidade do judiciário e na administração inadequada da Justiça, que outra coisa não é, senão a institucionalização da injustiça.

Nas linhas seguintes, sem grande preocupações acadêmicas, embora se ressalte o caráter científico deste paper, mais especificamente no campo da política jurídica [1], buscar-se-á uma reflexão acerca da Advocacia, ressaltando-se de plano o reconhecimento de ser a instituição indispensável à administração da Justiça; dar-se-á realce à Advocacia que, em nossa ótica, efetivamente se mostra ou mostrará como o pêndulo que movimenta a balança, mas lhe mantém o equilíbrio. A conclusão, que se adianta ab initio é que a Advocacia está a merecer uma reforma, talvez muito mais profunda do que aquela que a sociedade e/ou quiçá um Executivo sequioso de sua dominação (e a própria OAB) pregam para o Judiciário e que não é referida talvez porque ao Juiz é vedada a política partidária, ao contrário do que ocorre com os causídicos.

A questão é polêmica e o grande percentual de advogados no Congresso Nacional, dentre os deputados e senadores, permitirá a modificação do direito positivo, se questões corporativas não se sobrepuserem ao fim último da lei, que é o bem do povo, somente concretizado quando a justiça se torna efetiva.

As alusões a situações fáticas feitas neste trabalho possuem natureza meramente exemplificativa, sem pretender-se criticar velada ou explicitamente atitudes concretas de operadores jurídicos. Não se pode tratar do direito que deve-ser, sem referência ao direito que é, ao direito que aflora no mundo fenomênico e que deve ser o ponto de partida de qualquer estudo que não pretenda ser apenas acadêmico.


2) Da importância do advogado na administração da Justiça

Não se justifica mais a manutenção de processos em que se permita o exercício do jus postulandi pelas partes. O jus postulandi justificava-se em um momento em que o número de advogados era insuficiente para atender a demanda, constituindo um óbice para o acesso à justiça. Entre impedir ou dificultar o acesso à justiça ou abdicar da defesa técnica, a última hipótese é menos prejudicial.

Não há contudo, no atual estágio das instituições jurídicas, qualquer óbice ao acesso ao Judiciário, ao exercício do direito de petição. Um dos mais graves problemas da Justiça, senão o maior, não é o acesso, mas o decesso. Não é o movimentar a máquina judiciária, é vê-la atender o direito de petição, dando uma resposta positiva e concreta em tempo razoável.

Se em algumas épocas a Justiça e a Advocacia eram elitizadas, tendo o pobre acesso apenas à defesa técnica no processo criminal, por ser o direito patrimonial um luxo que não lhe era estendido e o direito do consumidor uma utopia viva apenas na doutrina de vanguarda, o jus postulandi, ou seja, a possibilidade de fazer valer seus direitos pessoalmente, de ter voz no fórum, era plenamente justificável. O próprio direito era mais simples, mais próximo do senso comum e a moral, mais rigorosa em muitos aspectos, guardava maior identidade com o direito positivo (além de reduzir o número de demandas). Os poucos privilegiados que logravam formação superior concentravam-se nas grandes cidades, deixando as pequenas à mercê dos rábulas e dos peritos ad hoc que, entretanto, como costuma ocorrer ainda hoje nos rincões, tinham uma grande preocupação com a censura social. Esmeravam-se assim, dentro de suas limitações, em buscar fazer o melhor. Quem procura o direito com esse intuito tem nas leis um suporte para a justiça e não para a injustiça: o conhecimento jurídico por quem possui um agir moralmente reprovável é uma arma temível e não um remédio louvável [2].

O direito evoluiu na mesma velocidade com que o acesso às informações se ampliou. As doutrinas e as jurisprudências são acessadas instantaneamente e o aumento geométrico das relações intersubjetivas tornou o direito complexo e técnico e o processo uma peça para especialistas.

Todo o amadorismo é violentamente punido. À falácia do jus postulandi se rebate com preclusões, prescrições e por fim, com a coisa julgada a punir, em definitivo, as ousadias dos que creram poderem exercer sem intermediários o acesso à justiça.

Apesar de todas essas constatações, busca-se ampliar, ainda hoje, as hipóteses do jus postulandi, como se busca reduzir o monopólio estatal da jurisdição (no sentido do "dizer o direito"). Nascem Juizados especiais e mantém-se na Justiça do Trabalho o direito de postular pessoalmente, sucedido por uma atuação da parte adversa, nem sempre com paridade de armas, o que rompe o equilíbrio. A ampla defesa é, principalmente, o direito de atuar sobre o exercício da jurisdição, as provas etc., com armas de calibre idêntico às da parte adversa. Quando uma parte exerce o jus postulandi e a outra não (fazendo-se representar por advogado) esse equilíbrio é rompido. Muitas vezes a postulação por advogado sequer é necessária, bastando o desequilíbrio cultural ou econômico para que o fiel da balança perca seu tempero. Os litigantes habituais vão "vacinando" suas atuações e tornando cada vez mais difícil o sucesso da parte adversa. Os juízes, acostumados com a forma, entendem constituir parcialidade igualar os desiguais, suprir as deficiências dos litigantes exercentes do jus postulandi. Talvez seja!!!.

Em uma época em que o número de Faculdades de Direito preocupa pelo excesso e não pela falta, sendo imenso o número de advogados e que o processo torna-se cada vez mais técnico (os Tribunais, incapazes de apreciar o mérito de todas as ações, caçam, muitas vezes, vícios de forma, preliminares e prejudiciais que lhes aliviem a carga do exame do conteúdo), é absolutamente temerário manter-se o direito ao jus postulandi¸que outra coisa não é, muitas vezes, do que o direito ao suicídio judicial (ou processual), fazendo com que a injustiça passe a merecer o respeito que se deve à coisa julgada (formal ou material).

O advogado é, pois, indispensável à administração da justiça e deve ser obrigatório em todo o tipo de processo e até mesmo nos pactos extrajudiciais onde o jurídico se sobressaia, para evitar que primeiro sobrevenha a doença e após o tratamento.

Como suprir então a falta de interesse dos advogados em processos de valor econômico pequeno ???

A resposta está na criação de um Fundo formado por uma taxa judiciária mínima (v.g. 1%) e na reversão das multas por litigância de má-fé a esse Fundo e mais, no retorno social do ensino público.

As universidades públicas, estatisticamente, abrigam mais quem não necessita do ensino gratuito e que, por sua melhor instrução, teve maior sucesso no vestibular. É necessário que, ao final do curso, o formado em Direito (assim como em outras ciências) se veja ante duas possibilidades: ou restitui em dinheiro o valor gasto pela sociedade na sua formação (e esse dinheiro poderia servir ao aperfeiçoamento material da própria universidade ou em bolsas de estudos para que os mais carentes a acessem), ou então em serviços, instituindo uma assistência judiciária efetivamente pública e realmente gratuita. O ensino universitário público e gratuito será apenas um ideal enquanto se considerar como democrático a universalidade da gratuidade, que não é possível em um país pobre como o Brasil e que dá margem a uma dupla falácia: primeiro, uma universidade gratuita que ignorando as deficiências do ensino fundamental e médio públicos, culmina por arrebanhar, salvo exceções, apenas os aquinhoados pelo ensino privado de qualidade; doutra parte, os cofres públicos não logram manter as necessidades materiais do ensino universitário público, principalmente em termos de tecnologia, edificações e livros, de forma que a qualidade dos docentes não pode ser aproveitada em toda sua extensão, exatamente por aqueles que poderiam, na maioria dos casos, contribuir individual e financeiramente.


3) O advogado é a garantia da justiça

Colocado o título como indagação, a resposta inicial poderia ser negativa. Se o direito tornou-se complexo para os leigos e se o número de Faculdades de Direito se agigantou, o que já foi elitizado popularizou-se ao extremo. A reação foi tão violenta que pode causar dano maior que o próprio remédio. Pior do que a parte que atue pessoalmente, cometendo equívocos na maioria das vezes imperdoáveis, mas que podem contar com alguma complacência é a que se acha representada devidamente e cai nas garras de um advogado inexperiente, incapaz, desonesto ou inescrupuloso.

A atuação do advogado no processo chega a ser mais complexa que a do Juiz.

O Juiz pode formar seu convencimento, livremente. O advogado deve moldar seu convencimento ao interesse do cliente.

O erro do Juiz, que ocorre com freqüência maior do que julga a Magistratura, é corrigível por meio de recurso. O erro do advogado costuma atrair preclusão e afastar qualquer possibilidade de correção. Nessa ótica é que o advogado deve ter cuidado redobrado (e competência técnica ímpar) no exercício de seu mister, porque dificilmente conta com a condescendência do advogado da parte contrária, do Juiz ou do tribunal.

Qual o caminho para solucionar esse impasse ? O primeiro é a melhoria do ensino jurídico no Brasil. O criticado exame de ordem não deve ser suprimido, deve ser ampliado e aperfeiçoado.

A Magistratura e o Ministério Público, que contam com advogados em seus concursos de ingresso, deveriam participar, também, dos exames de ordem, impedindo que qualquer interesse corporativo ou sentimento pessoal outorgue carteira de advogado a um inepto, ou com quebra da impessoalidade, por ser ato administrativo.

As avaliações dos cursos superiores já se mostraram ineficiente em muitos aspectos, baseando-se na mera titulação acadêmica dos professores, que nem sempre é garantia de que no exercício do magistério tenham não apenas o saber, mas o saber transmitir; que se mantenham atualizados; que tenham profunda noção de que os cursos universitários são também cursos profissionalizantes, formando profissionais para o mercado de trabalho e não uma academia, onde as questões práticas são tratadas como heresia. Em outras situações podem se basear em critérios subjetivos é até em "lobies" que impelem o ensino público a obter os melhores conceitos, apenas porque professores de excelente titulação mantêm cargos docentes nas instituições, sem manter qualquer contato com os discentes, exceto em aulas magnas e inaugurais, se fazendo substituir por auxiliares ou adjuntos (ainda que haja excelentes docentes que mantenham essa condição).

O ideal seria que o exame de ordem se fizesse ano a ano, com base em um currículo mínimo, cuja reprovação obrigaria o aluno a refazer a matéria da deficiência ou, no caso de problema institucional, poderia ocasionar o descredenciamento da universidade, para o fim de ver seus diplomas aceitos no exame final, que daria acesso à carteira de advogado. Nesse caso, seria necessário que aos acadêmicos se outorgasse a possibilidade de mudar de faculdade, sem novo vestibular ou mesmo intervenção que traduzisse a melhoria das condições de ensino. A implementação prática dependeria de reforma nas leis que prevêem a autonomia universitária.

O advogado apenas será garantia da justiça, na medida em que, represente uma garantia técnica inquestionável, sem traduzir, ele próprio, apenas um meio da substituição de uma injustiça por outra ou mesmo a oficialização da injustiça, quando suas omissões e inépcias transformam-se em decisões adversas e irrecorríveis.


4) A especialização da Advocacia

Se o número de advogados é grande e se o direito se tornou complexo, a conseqüência natural é a especialização da Advocacia. A chamada "clínica geral do direito" deve ser banida, onde haja advogados suficientes. Não é possível saber absolutamente tudo, sobre todas as especialidades jurídicas.

Quando um advogado generalista se defronta com um especialista, novamente o equilíbrio fica rompido, de forma que o realce se fará para um dos pratos da balança, nem sempre aquele que deveria ser socorrido pelo direito.

Questões específicas como crime, menor e adolescente, família, tributário e trabalho, exigem aptidões especiais que passam tanto pela apreensão de conhecimentos técnico-jurídicos específicos quanto conhecimentos interdisciplinares. Não é possível se atuar no juízo de família ou no juízo trabalhista em que as feições humanas do direito afloram com maior intensidade, sem conhecer um pouco de psicologia [3], ou ter uma maturidade de caráter que permita ver que o jurídico, em muitas ocasiões, é apenas uma das feições de um problema, nem sempre a face que deve prevalecer para que a justiça prevaleça. Ao ignorar essa condição buscar-se-á sempre uma solução apenas jurídica, mesmo que essa solução passe, por exemplo, pela dissolução de uma família, pela deformação psíquica das crianças etc. Grandes escritórios de Advocacia já vêm, especificamente na área de família, buscando a atuação conjunta com psicólogos e terapeutas. Nos Estados Unidos da América, onde essas questões já vêm sendo estudadas há décadas, principalmente em Harvard, há escritórios que contam com o auxílio de psicólogos até para rejeitar ou aceitar jurados, com base no perfil psicológico, por reconhecerem que, muitas vezes, a decisão tem um certo grau de previsibilidade e psiquismo.

Os operadores jurídicos devem considerar os aspectos metajurídicos de suas funções e as universidades dotá-los de instrumentos que lhes permita reconhecer que as relações intersubjetivas não só não se esgotam no jurídico, como tem nele seu espectro menor.

A medicina se adiantou à Advocacia e os Conselhos de Medicina vêm procedendo ao registro de especialistas, não se admitindo sequer o anúncio dessa condição, sem deter registro próprio. Seria possível, assim, exigir-se a freqüência a cursos simultâneos ou posteriores à graduação, que admitisse o exercício em uma determinada especialidade, limitado ainda, o número de especialidades que se possa afirmar possuir. Essa exigência poderia ser preterida em comarcas menores, de acordo com o número de advogados lá registrados, porquanto há de se ter em mente que o acesso à justiça é bem jurídico a ser tutelado primordialmente.


5) O instanciamento da Advocacia

Já se disse que a posição do advogado no processo, pela irreversibilidade de suas ações, é de mais responsabilidade que a do Juiz. Nessa ótica, ao lado da especialização é necessário o instanciamento da Advocacia.

A jurisdição é escalonada, horizontalmente, em entrâncias, de acordo com a importância das comarcas, atuando os juízes progressivamente, por promoção, das menores às maiores. É escalonada ainda, verticalmente, em instâncias. Embora não se possa exigir que os advogados também assim atuem, mesmo porque são profissionais liberais por excelência, o que pregamos aqui é que a capacidade postulatória, a exemplo da competência decisória, seja adquirida progressivamente, ou seja por instâncias. É o instanciamento da Advocacia.

A cada vez mais, se vem referindo a necessidade de se exigir maior tempo de exercício da Advocacia, como requisito ao ingresso na Magistratura. Nos Tribunais, a exigência mínima é de dez anos.

Entretanto, o advogado inscrito em um dia, na Ordem dos Advogados do Brasil, adquire ipso facto capacidade postulatória plena, podendo, de imediato, atuar, por exemplo, em ação coletiva ou perante o e. Supremo Tribunal Federal.

O Juiz, por seu turno, começa como substituto, em alguma comarca de 1ª entrância e apenas após anos e anos de judicatura é que logrará ascender ao segundo grau e excepcionalmente à instância extraordinária.

Na Itália, por exemplo, a capacidade de postular se vai adquirindo progressivamente. O recém inscrito deve firmar as petições principais (inicial, defesa, recursos etc.) com outro advogado, durante um determinado período, após o qual estará apto a atuar, de forma isolada, apenas em primeiro grau; passado outro lapso, poderá acessar a Corte de Cassação (segundo grau) e assim sucessivamente. Apenas após anos de prática é que poderá acessar a Corte Constitucional.

Esse sistema deveria ser implantado no Brasil. Isto faria com que os advogados não só se aprimorassem (ante a perspectiva de um colega ter que oferecer recurso em uma ação por ele proposta ou defendida), como que a própria defesa se aprimorasse, a medida que, a tendência natural seria uma especialização por graus (até porque o viés nos julgamentos pode variar, assim como varia o procedimento). Como complemento, se poderia exigir, inclusive, que o acesso às instâncias superiores se fizesse mediante novo exame de ordem, específico com esta finalidade.


6) O policiamente ético da Advocacia

A análise crítica de sua atuação leva a indagar se a Ordem dos Advogados do Brasil passa ou não por um sério dilema: é órgão de fiscalização ou entidade de defesa dos advogados ?

Com alguma freqüência se vê na TV propagandas de candidatos às Seções e Subseções que colocam como plataforma eleitoral "a defesa intransigente dos advogados".

Esta postura, que afeta parte da OAB não é nova e levou, inclusive, a OAB a propor, em 1953, um projeto de lei que proibia a sindicalização dos advogados, como pontifica José Maria e Silva:

O problema é que os interesses da profissão acabam se sobrepondo aos interesses da sociedade, gerando o corporativismo. A Ordem dos Advogados do Brasil é quem mais padece dessa doença — a OAB é extremamente corporativa. A começar por sua própria constituição. Filha da ditadura de Getúlio Vargas, que a criou por decreto, a OAB, em seu corporativismo, chega a ser totalitária. Como o feroz Jeová bíblico diante do aterrorizado povo hebreu, a OAB diz aos seus filiados: "Não terás outros deuses diante de mim". E, na prática, proíbe seus filiados de terem sindicatos, contrariando, frontalmente, a Constituição da República, que garante o livre associativismo. Em 1953, a OAB chegou a elaborar um anteprojeto de lei, apresentado à Câmara dos Deputados por um parlamentar, conferindo prerrogativas sindicais a si mesma e proibindo os advogados de serem filiados a qualquer sindicato. Diante de sua flagrante inconstitucionalidade, o projeto acabou sendo arquivado.

Hoje, na legislação que rege o exercício da Advocacia, prevê-se laconicamente a existência de sindicatos de advogados. Mas, na prática, eles não existem. Como reconhece o advogado Ruy de Azevedo Sodré, no livro A Ética Profissional e o Estatuto dos Advogados, quando viu que não seria possível impedir, por lei, a sindicalização do advogado, a OAB preferiu lançar mão de outra estratégia — deixou "aberta a porta da sindicalização", mas, ao mesmo tempo, tornou-a "de um lado vazia, de outro onerosa" (p.569). As palavras entre aspas são do próprio Ruy Sodré, que, aliás, foi o autor intelectual do anteprojeto rejeitado. Todavia, mesmo arvorando-se a ser também sindicato, a ponto de tentar ferir a Constituição com esse objetivo, a OAB, quando se mete nos Tribunais de Justiça, inclusive no Supremo, através do quinto constitucional, garante que seus representantes jamais pensam em interesses classistas — só no bem do Brasil.

Só mesmo os filhos do acaciano Rui Barbosa para acreditarem nesse conto da carochinha. É mais do que óbvio que os conselhos profissionais são incompatíveis com a atividade sindical. Por uma razão muito simples: o conselho representa a profissão, enquanto o sindicato representa o profissional — e quase sempre os interesses da profissão (que devem ser os da sociedade) ferem os interesses do profissional (que tendem a ser os do seu bolso). Ora, a função do sindicalista (que se ocupa de salário) é incompatível com a função do conselheiro (que se ocupa de ética). (...) [4]

Entretanto, a Ordem dos Advogados do Brasil deve servir, principalmente, para colocar ORDEM na Advocacia, ou seja, não é uma associação de classe, que pode (e deve) ser corporativa (e defender de forma intransigente); é uma Autarquia [5], criada por Lei Federal, destinada a regular o exercício de uma função essencial à administração da justiça, uma verdadeira Corregedoria da Advocacia.

Nessa ótica é que, por vezes, se vê um afrouxamento de alguns dos Tribunais de Ética, principalmente em épocas de eleição na Autarquia [6], com referência, inclusive, a advogados utilizados pelo tráfico em atividades ilícitas e que sofreram punições levíssimas [7].

As questões éticas devem ser tratadas com rigor e rapidez (como deveriam sê-lo também, pela Magistratura, pelo Ministério Público e pelo Serviço Público em geral). Embora um erro não justifique outro, é questionável o direito da OAB em criticar o corporativismo do Ministério Público e da Magistratura, diante da postura que adota ante os advogados, bastando recordar que por detrás de um Juiz ou policial corrupto há, de regra, um advogado corruptor [8].

Quando um Juiz, Promotor, delegado de polícia ou outra autoridade oficia à OAB, não o faz, salvo por exceção, como forma de vingar-se ou de demonstrar uma superioridade ou hierarquia inexistentes. Em muitos casos contudo, a Autarquia assim se comporta, absolvendo contra a prova dos autos (é emblemático um caso de patrocínio sucessivo em que o advogado utilizou-se de documentos deixados pelo antigo cliente contra o próprio; absolveu-se ante a informação de que teria feito "no interesse da justiça", argumento por óbvio que excluiria a existência do ilícito penal, em qualquer circunstância).

É necessário rigor no policiamento ético, limitado apenas pela independência que é tão necessária à Advocacia quanto à Magistratura. Esse rigor e o caráter público da atividade da OAB, impõe que se trate na forma da lei penal, as absolvições ou condenações em processos administrativos, que se façam contra a lei e a prova dos autos. O corporativismo, seja do Judiciário, do Ministério Público ou da Advocacia é sinônimo de prevaricação e assim deve ser tratado. É falacioso o entendimento que o direito dos ofendidos ou autoridades esgote-se na denúncia e não na punição, como se fosse esta uma faculdade da Instituição (Judiciária, OAB ou MP).

Em um regime democrático, como se garante um quinto constitucional nos Tribunais, metade formado pela OAB e metade pelo Ministério Público, idêntica proporção deveria ser observada nos Conselhos de Ética da OAB, em relação a advogados que fossem juízes e Promotores aposentados. Note-se que também o Conselho Nacional de Justiça, em fase de discussão legislativa, prevê a participação dos advogados, que, entretanto, continuam imunes à interação com os outros operadores jurídicos [9]. Aliás, a democracia só se satisfaz em um sistema de freios e contrapesos, checks and balances. Deste modo, estaria resguardada a instituição contra os arroubos corporativistas e também contra as acusações, muitas vezes injustas, de sua ocorrência.

A OAB com sua longa história de luta democrática, pela moralidade, pela seriedade dos poderes constituídos, não pode deixar-se contaminar pelo vírus do corporativismo que torna relativos os padrões éticos, abala a confiabilidade institucional e serve de justificativa aos vícios que corajosamente denuncia.

Os advogados sérios e honestos, verdadeiros paladinos da justiça, não podem ter sua reputação maculada, pelos que há muito esqueceram que a justiça é uma vocação e não um balcão de negócios; pelos que colocam o cliente, o Judiciário, os servidores, o Ministério Público, como meros obstáculos a vencer na defesa egoística dos próprios interesses, os únicos que lhes importa.

O povo costuma julgar pelo gênero e não pelo espécime, quando aponta o erro. A toga, a beca, a farda e a batina, costumam ser meios fáceis para que se considere toda uma categoria maculada, pelos erros de um ou de uns poucos.

Daí porque é necessário demonstrar que as instituições não compactuam com os vícios de seus membros e demonstrá-lo de forma irrefutável, relegando os advogados desonestos ou ineptos (assim como os demais operadores jurídicos) às anedotas (10, após alijá-los da categoria que pretenderam macular.

A OAB precisa portanto, assumir a condição sua condição fiscalizadora, de correição da Advocacia, executando com maior rigor o policiamento ético da classe dos advogados, para que estes sirvam, com perfeição e sem máculas à administração da justiça.


7) O controle externo da Advocacia

Tema em voga hoje é a necessidade de controle externo do Judiciário, afirmando-se que, a democracia o exige e que sua prática não traduzirá prejuízos à sua necessária independência.

A Ordem dos Advogados do Brasil é ardente defensora do controle externo do Judiciário e do Ministério Público, quando os argumentos que utiliza podem e devem, com igual rigor, justificar o controle externo da Advocacia, como bem adverte Maria e Silva:

Apenas uma instituição no Brasil não tem qualquer espécie de controle — a Ordem dos Advogados do Brasil. A OAB está acima da Constituição. Ela tem o direito de integrar os supremos poderes da República, mas não admite o dever de ser fiscalizada como todos os demais poderes. Enquanto os demais conselhos profissionais, como o Conselho Federal de Medicina, e até o Judiciário e o Legislativo se submetem à fiscalização do Tribunal de Contas da União, a OAB não dá satisfação a ninguém — ela jamais aceitou ter suas contas vistoriadas pelo TCU. No entanto, essa mesma instituição que se recusa a ser fiscalizada, terá assento no Conselho Nacional de Justiça — o órgão inconstitucional que está sendo criado pelo Executivo para controlar o Judiciário e oprimir a nação. [11]

Quando se fala em controle externo, a Ordem dos Advogados do Brasil costuma afirmar primeiro que sua função sui generis de fiscalização da sociedade contra-indica qualquer instrumento que possa lhe causar temor e em segundo lugar, o caráter privado da Advocacia.

Ora, se o Judiciário que é um Poder do Estado, decorrendo de sua independência a própria noção de democracia, ou seja, da divisão de poderes, conforme lições de Locke (Segundo tratado sobre o governo) e Montesquieu (Espírito das Leis), embora Platão e Aristóteles (Política) já houvessem feito alusão a essa necessidade, senão condição essencial; com igual raciocínio se pode afirmar que, todos os entes que estejam abaixo do Poder do Estado, ou seja, sob o império da Lei e da Constituição, podem sofrer algum tipo de controle, o que não significa redução de suas funções ou administração de sua vontade. Não há democracia onde alguns sejam mais iguais que os outros, para usar as palavras de George Orwell (Revolução dos Bichos).

Quanto ao caráter privado, há de se recordar que não se pode confundir a autonomia da Advocacia com o caráter público de suas funções, indispensáveis à administração da Justiça. A Advocacia exerce um múnus que ultrapassa os interesses privados que possa representar, atingindo toda a sociedade, posto que a paz é fruto da justiça. O interesse público que a justifica e sustenta, não permite que o interesse privado (do advogado), que lhe é subjacente, possa ser monopolizado.

Não pode a Ordem dos Advogados do Brasil colocar-se, como faz em alguns casos, acima de qualquer vício ou críticas, estas refutadas de forma contundente e imediata. Quando a crítica é feita pelo leigo é apontada como uma forma de ignorância; quando é feita pelo Juiz ou pelo Promotor, é tida por um ultrapasse da competência, para ingresso em assuntos corporativos; quando feita por membros da própria classe é interpretada ou como uma apostasia ou como fruto de algum interesse velado (inclusive de política interna) [12].

Se o Judiciário e o Ministério Público precisam de controle externo, como se afirma com veemência nestes tempos, a OAB também precisa de controle externo, porque não congrega a classe isolada dos juristas santos, nem dos santos juristas, embora estes podem estar presentes, com as limitações humanas, em todas as carreiras jurídicas.

Sendo a Ordem dos Advogados do Brasil uma autarquia federal, que cobra contribuições compulsórias de todos quantos pretendam exercer o honroso encargo de advogado (já que a negar-se esta condição, não haveria como sustentar, juridicamente, a possibilidade de impor contribuições compulsórias, como requisito ao exercício profissional) [13], necessita assumir tal condição e prestar contas (à sociedade e ao Tribunal de Contas da União) dos valores que arrecada [14].

Entretanto, seu controle externo não pode estar restrito ao controle da arrecadação e aplicação de suas receitas. Aliás este controle já vem sendo exercitado sobre o Judiciário desde priscas eras e não contenta a sociedade, nem a OAB.

O controle externo que se prega é o mesmo que se busca em relação ao Judiciário e ao Ministério Público, mormente sobre o exercício do policiamento ético (em acréscimo à gestão financeira das receitas).

O ideal seria que, ao invés de se falar em Controle Externo do Judiciário se buscasse o Controle Externo da Justiça, abrangendo o Judiciário, o Ministério Público, a Advocacia e até a Polícia, eliminando-se, pela possibilidade de revisão de decisões interna corporis que se manifestem corporativistas, tudo aquilo que faz a Justiça, como um todo, imperfeita.

Deste Controle Externo da Justiça, abrangendo também a Advocacia, decorreria o aperfeiçoamento da instituição em seu todo e em cada um dos seus segmentos, preservando-se as respectivas independências, ao mesmo tempo em que, garantiria à sociedade a absoluta isenção, atenção e seriedade com que qualquer mácula seria examinada.


8) O interinamento do quinto constitucional

O quinto constitucional, que prevê a participação de advogados e membros do Ministério Público nos Tribunais nasceu com uma idéia específica, qual seja, a de arejar o pensamento dos tribunais, muitas vezes formados por juízes no final de carreira, em alguns casos impermeáveis aos avanços doutrinários e temerosos em prejudicar a segurança jurídica, ao tomar posições de vanguarda.

Seu sentido perdeu-se, por completo os fins do instituto.

Há vozes que defendem a extinção, pura e simples do instituto, por traduzir, inclusive, quebra da independência do Poder Judiciário, em razão das ingerências políticas que ocorrem, em muitos casos, para as nomeações. [15] Outros entendem que o ingresso nos Tribunais deveria se dar por concurso público, dentre advogados e Procuradores com larga experiência, o que não é uma idéia de todo afastável, se podendo elaborar um concurso específico, nos moldes dos realizados para a titularidade das cadeiras universitárias ou livre-docência. O notório saber jurídico assim seria realmente notório e traria para os tribunais ilustres juristas, o "crème de la crème", grandes doutrinadores que poderiam emprestar seus conhecimentos à jurisprudência, de forma mais efetiva e debruçar-se sobre casos práticos, para tornar a doutrina mais realista.

Entretanto entendemos que o melhor caminho seja outro [16], qual seja, seu caráter temporário (o que afasta a possibilidade de concurso, por todas as suas implicações) ou o, como preferimos o interinamento do quinto constitucional, por vários motivos.

Primeiro porque nem sempre a escolha recai sobre advogados que se destacam no meio advocatício e universitário, especialistas verdadeiros e cultores do direito. Em alguns casos o que prevalece é a maior mobilidade social e política do candidato, seu acesso aos poderes legislativo e executivo, embora haja não poucas exceções honrosas, que dignificam a Magistratura.

Em segundo lugar porque adquirem vitaliciedade simultaneamente à posse. O viço inicial da carreira, o desejo de transformar a jurisprudência e fazer seu aggiornamento se perde com os anos, pela mesma razão com que isso ocorre com os juízes de carreira.

Em terceiro lugar porque passam a almejar o exercício de cargos de direção em Tribunais (e é natural pela vitaliciedade) o que lhes impede de exercer seu caráter fiscalizatório interno, que também está na gênese do instituto.

A solução é tornar o quinto constitucional temporário e deslocá-lo geograficamente.

Poderia-se instituir, por exemplo, mandatos de três anos, em estado da federação necessariamente diverso da Advocacia, sucedido por uma ajuda-de-custo por cerca de um ano, para que pudesse retomar a Advocacia, desta feita com a experiência ampliada pela judicância.

Assim, por exemplo, um advogado do Rio Grande do Sul exerceria mandato de desembargador no Tribunal de Justiça do Ceará, onde sua inserção na lista tríplice dependeria mais de critérios técnicos (que políticos), o que acabaria por influir também na formação da lista tríplice [17].

Assim, além de levar para o nordeste as posições e doutrinas que campeiam por estas terras, traria, no retorno, as posições e doutrinas que vicejam no local da Corte em que atuou.

Uma outra vantagem adicional não pode ser desprezada. Os membros do quinto, sempre novos e desconhecidos, fariam com que as decisões administrativas dos tribunais afastassem qualquer traço de pessoalidade ou imoralidade, ante o temor de que o "estranho no ninho" tornasse pública a situação. O quinto se tornaria uma forma efetiva de fiscalização dos Tribunais, sem que sua independência fosse colocada em cheque.

O mesmo sistema poderia ser aplicado, com vantagem, ao Ministério Público, exceto quanto à ajuda de custo (já que retomadas as funções e os vencimentos normais). Vantagem porque permitiria ao parquet ter em seu corpo membros que já passaram pela Magistratura e conhecedores tanto de seus aspectos internos, como de suas agruras e seus defeitos [18].

Por fim, seria necessário excluir a possibilidade de ocupantes de cargos diretivos da OAB concorrerem às listas, por prazo mínimo de 03 anos, que é igual à quarentena proposta pela OAB para que juízes aposentados atuem, como advogados, junto aos tribunais de origem. Considerando-se ainda algumas competências privativas concedidas aos Procuradores-Gerais, inclusive o Procurador-Geral da República, seria salutar a vedação de que os ocupantes de tais cargos concorressem, a qualquer tempo, ao preenchimento de vaga nos Tribunais ou no STF. Isto ampliaria a independência e o destemor na atuação.


9) A limitação dos honorários

Os honorários advocatícios devem ser limitados. Não se pode admitir que para não correr o risco de perder tudo, que a parte se veja submetida a deixar a metade (ou mais) com o advogado.

Advogado não é sócio, deve ser remunerado com dignidade, mas essa remuneração com dignidade não pode subtrair a dignidade ao cliente. A dignidade é um bem universal, que não pode ter nem privilegiados, nem excluídos.

Os honorários precisam de uma limitação mínima, porque servem ao sustento e à dignidade do advogado [19]. Não se justifica sua fixação em valores irrisórios, mormente quando a sucumbente é a Fazenda Pública, ou quando os valores em discussão forem muito altos. Este raciocínio vem sendo interpretado até como demonstração de um certo despeito dos magistrados, que consideram absurdo que o advogado aufira mais que seus vencimentos. Este tipo de raciocínio serve ainda para ampliar a vantagem na resistência às pretensões, a medida que, é pouco o plus a que o resistente estará obrigado, em comparação ao tempo ganho no cumprimento da obrigação.

Entretanto, se há necessidade de uma limitação mínima, para resguardar a dignidade do advogado, não se pode olvidar que a limitação máxima é indispensável para garantir que o processo restituirá as partes ao status quo ante, sem tornar-se um meio de substituição da injustiça ocasionada pela parte adversa, pela injustiça causada pelo advogado.

Tomo, por exemplo, a Justiça do Trabalho onde campeiam honorários de 30, 40 e 50%. Um empregado que receba anos de horas extras, de uma vez, se vê obrigado a deixar a metade para um advogado que atuou no seu processo por algumas horas ou alguns minutos, muitas vezes utilizando-se de petições padronizadas. Mais grave ainda é quando o empregado é reconhecido como carente, a merecer assistência judiciária. Nesses casos, ao invés do advogado isentá-lo do pagamento de honorários, contentando-se com os 15% previstos em lei e suportados pela parte contrária, entende que devem incidir honorários normais (de 20% ou mais), acrescidos dos assistenciais. Como os honorários devem servir principalmente para que a parte vencedora possa se ressarcir dos gastos, nesse caso, além de não fazê-lo ainda pagará honorários maiores que os demais mortais apenas porque é mais carente.

Há um outro efeito colateral. Quanto maiores os honorários envolvidos, mais o advogado passa a ter interesse pessoal na causa, de forma que, as razões que contra-indicam o advogar em causa própria, passam a transparecer, mormente a transformação do fígado em órgão pensante.

Os honorários devem ser limitados por lei e os próprios contratos de honorários deveriam ser obrigatoriamente juntados aos autos e passíveis de discussão, independentemente de ação própria, desde que a parte manifestasse sua discordância, observada a ampla defesa. A Advocacia possui uma finalidade pública indissociável, não se podendo, em nome de sua autonomia, permitir que sirva apenas para deslocar a titularidade do agente causador do dano, com sua redução, ou seja, do resistente à pretensão ao advogado, com uma agravante: se o advogado protege o cliente contra a parte contrária, quem protegerá o cliente contra o próprio advogado, mormente na assinatura do contrato de honorários e sua execução???

A base de cálculo também deveria estar restrita à vantagem obtida (não se podendo tratar igualmente verbas reconhecidas e pagas e verbas resistidas [20]).

Aliás, não se pode olvidar que a assistência judiciária deva ser conferida a quem não tem condições de pagar advogado. Nessa ótica, nada impede que o Juiz exija declaração de punho, do advogado, de não estar cobrando honorários do assistido, pena de indeferimento da assistência pugnada. Na hipótese do advogado declarar não estar cobrando honorários diretos e vir a fazê-lo, além da sanção ética, deve responder criminalmente, na forma da lei. Esta é uma prática que deveria se tornar corrente, para se evitar, como se disse, que os desvalidos arquem com honorários superiores aos pagos pelos aquinhoados sociais. Deveria ainda, ser positivada, para evitar celeumas acerca da licitude.

Os honorários a serem repassados ao patrono da parte as detentora de assistência judiciária, são apenas os que desta decorrem. Este fato independe de declaração; antes, tem nascedouro na própria concessão do benefício. A própria OAB, através de seu Conselho Federal, já reconheceu a ilicitude da cobrança de honorários advocatícios de quem é detentor de assistência judiciária, como se verifica do aresto:

"HONORÁRIOS. COBRANÇA DE CLIENTE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. INFRAÇÃO CONFIGURADA. INDICAÇÃO INCORRETA DA NORMA, QUE NÃO ACARRETA PREJUÍZO PARA A PARTE, NÃO INVALIDA O ATO. A cobrança de honorários advocatícios de clientes beneficiários da justiça gratuita se apresenta como conduta manifestamente incompatível com o exercício da Advocacia, com a configuração da infração disciplinar prevista no art. 103, inciso XIV, da Lei 4.215/63. A Lei Material aplicável é a vigente à época do feito. (...) (Proc. 2.133/2000/SCA-SP, Rel. Luiz Filipe Ribeiro Coelho (DF). Ementa 057/2000/SCA, julgamento em 12.06.00, por unanimidade. DJ 03.07.00. p. 59). [21]

Por fim, é necessário tornar mais formal a concessão de poderes especiais, principalmente para receber, dar quitação e transigir. O Direito do Consumidor há muito já ojeriza a utilização de contratos e cláusulas padronizadas, com efeitos superlativos e firmadas, muitas vezes, sem que o usuário do serviço consiga apreender a gravidade do pacto ou dos poderes que outorgou. Os poderes especiais assim, deveriam depender da outorga de mandato por instrumento público ou apud acta, após cientificação expressa pelo tabelião ou Juiz, dos efeitos correspondentes.


10) A efetividade do processo em face do entrave do advogado

Ao lado da limitação dos honorários advocatícios, há necessidade de se garantir que o próprio advogado não se tornará um entrave à efetivação da justiça.

Não são poucos os casos em que o advogado não se limita a instruir seu cliente, colocando-se radicalmente contra a conciliação, apesar de não ser o titular do direito de ação.

Em muitos casos, inclusive, no processo se obtém uma solução não conciliatória, em razão única e exclusivamente do advogado, que desprezando, por completo a vontade da parte, manifesta-se contrário à celebração de acordo. Quando os honorários são cobrados por ato, principalmente na defesa do réu, tal postura pode traduzir a colocação do interesse próprio sobre o interesse do constituinte. Quando são cobrados de forma percentual, não se pode, apenas para garantir o direito aos honorários, manter-se o litígio também com a parte adversa. Aliás, especificamente no processo do trabalho, há advogados que afirmam que a Justiça do Trabalho não tem competência para dirimir a controvérsia entre o empregado e seu advogado (devendo ser dirimida a controvérsia na Justiça Comum), mas que são os mesmos em sustentar que um acordo não deva ser homologado, por prejudicar-lhes os mesmos honorários.

Há contudo, situação ainda pior. Por detrás de um pretenso direito a ver discutida a relação em processo próprio, há casos, ainda que isolados, de causídicos que se apropriam, indevidamente, do total devido a seu constituinte e ante a determinação de restituição, afirmam que a discussão deva se travar em processo próprio. A afirmação é falaciosa, porquanto a efetividade do processo pressupõe o pagamento ao credor e não a terceiro e, em segundo lugar, um processo alimentar, satisfeito após vários anos, passa a ter sua estrada recomeçada, em ritmo e rito ordinário, apenas para premiar a má-fé.

Nesses casos, o Juiz não só pode, como deve mandar intimar o advogado a apresentar comprovante de que efetuou o repasse dos valores a quem de direito, com redução dos honorários pactuados (até o limite do razoável), pena de execução nos próprios autos.

Por fim, é necessário criar um mecanismo para que se declare caduca a representação pelo advogado, no caso de sua repetida inércia ou inépcia (como ocorre no júri). Não são raros os feitos que aguardam providências de advogados, sem que o cliente conheça de sua inércia (e muitas vezes, sequer é possível dar-lhe a conhecer, porque as mudanças de endereço não são comunicadas, dolosa ou culposamente).


11) A Advocacia a prevenir litígios e processos

Os operadores jurídicos não são preparados para solucionar litígios e sim para juridiscizá-los.

A conciliação e a transação envolvem uma série de operações psicológicas para as quais não há qualquer preparação dos acadêmicos de direito, dos juízes, Promotores e advogados.

As causas possuem, muitas vezes, uma causa psicológica que não pode ser desprezada, porquanto uma vez descoberta possuem rápida e fácil solução. Por vezes, uma repreensão judicial ao ato do réu, ainda que verbal é, para o autor, muitas vezes mais importante do que uma grande soma em dinheiro. Descoberta essa situação, é possível obter-se a conciliação das partes, por quantia mínima; ignorada essa situação, nenhum valor, com todas as implicações jurídicas decorrentes, satisfará o autor.

Os operadores jurídicos não são capazes de buscar o diálogo ou uma solução extrajudicial para as causas, tendendo, ao contrário, a ampliar a lide.

Há um limite entre o esclarecimento do cliente acerca de seus direitos que não traduz uma autorização para a "criação" de direitos ou ampliação da lide. Não se pode admitir que o próprio cliente se veja surpreendido por pedidos que não pretendia formular e que tornam, ainda mais, difícil uma solução amigável endoprocessual ou extraprocessual.

O ideal seria que os advogados buscassem sempre uma solução não-judicial para os litígios, servindo-se de notificações extrajudiciais ou mesmo do diálogo com a parte adversa, abreviando etapas e sem elas, a satisfação do direito buscado.

Por outro lado, os advogados e todos os demais operadores jurídicos não podem mais ignorar que o jurídico constitui apenas um instrumento para a solução dos litígios e não um fim em si mesmo; que o processo deve servir ao homem e não o homem ao processo, situação que se verifica quando se transforma na oficialização de teses acadêmicas, onde a parte passa de ator a espectador, cuja intervenção é vista como uma suprema heresia e a discordância uma apostasia.

A solução do processo é aquela que possa causar melhor satisfação, o que nem sempre passa pela decisão judicial, nem pelo montante do valor pago ou recebido.


12) Conclusão

A Justiça não é perfeita, possui suas mazelas, seus vícios e suas máculas. Não é perfeita, primeiro porque é humana, mas também por ser vitimada e manietada por leis mal feitas e por operadores jurídicos, por vezes, despreparados, inertes ou carentes de retidão de caráter.

A Magistratura não é perfeita, o Ministério Público não é perfeito, mas também não o é, a Advocacia, como bem recorda José Maria e Silva:

O diagnóstico está certo — a Justiça é, sem dúvida, a mais grave doença do país. Mas a terapia está completamente errada — o controle externo do Judiciário não cura o Brasil. Culpar o Judiciário pela inexistência de Justiça no país é o mesmo que responsabilizar exclusivamente o médico pelas mazelas do sistema de saúde. Os Tribunais de Justiça, a exemplo dos hospitais de urgência, só cuidam do cidadão depois que ele passa pelas mãos dos responsáveis pelo atendimento básico de seus direitos — geralmente policiais, advogados e Promotores. Controlar o Juiz — o último elo na cadeia da Justiça — não torna o Promotor mais escrupuloso, o advogado mais ético e o policial mais investigativo. É como tentar pôr um telhado numa casa sem alicerces. [22]

A Ordem dos Advogados do Brasil tem uma responsabilidade ímpar no aperfeiçoamento das instituições, mas, para que possa atuar nessa luta sem fim, de forma irretocável, deve reconhecer que somente pode criticar quem não se coloca como impermeável às críticas. Assim o exige a democracia.

Deve sujeitar-se portanto, a não apenas ao controle do Tribunal de Contas da União, por impor pagamento de contribuições compulsórias, como também, a manter, em seus Tribunais de Ética, membros oriundos da Magistratura e do Ministério Público e até, em uma visão mais profunda, a um controle externo, a exemplo do que se prega para a Magistratura e o Ministério Público.

Por outro lado, a defesa intransigente que deve fazer é da instituição da Advocacia e não da pessoa do advogado, em particular, porquanto visa, em última análise, a independência na função, única garantia de que prevalecerá a justiça e não a ditadura do Judiciário ou o arbítrio do Juiz.

Não é possível harmonizar a função Corregedora da OAB (que é a própria razão de sua existência) com a função de defensora intransigente do advogado. A defesa deve ser da instituição, relegando-se às associações de classe (e sindicatos de advogados) a proteção dos indivíduos, até porque, há ocasiões em que se antagonizam.

A Advocacia carece de especialização, porque o direito torna-se, dia a dia, mais complexo e porque o sistema não perdoa o erro do advogado. Essa especialização passa pela aquisição de conhecimentos interdisciplinares [23], inclusive de psicologia e administração, para que o advogado possa gerir melhor os processos colocados sob sua tutela e se utilizar de instrumentos metajurídicos que visem a solução dos litígios e não sua jurisdicização. Deve-se incutir no advogado uma filosofia de solução de conflitos e não de sua manutenção, incentivo ou

Carece ainda de instanciamento, adquirindo o advogado capacidade postulatória de forma progressiva, porquanto sua atuação no processo, pela irreversibilidade dos atos, é mais complexa que a do Juiz.

A Advocacia deve ter sua dignidade preservada, com igual importância à dignidade da parte, o que impõe a limitação mínima e máxima dos honorários e a vedação de cobrança de honorários das partes a quem se concedeu assistência judiciária.

Deve se impor a representação por advogado em todos os processos. O jus postulandi deve ser extinto por não se justificar mais em uma época e que há, no Brasil, cerca de 500.000 advogados e por criar um desequilíbrio que afeta o sagrado direito de defesa, que impõe paridade de armas.

A assistência judiciária deve ser provida a todos quantos não tenham condições de exercer judicialmente a cidadania. Sem acesso à justiça, sem direito de petição universalizado, não há cidadania em sentido democrático (para todos).

Como o Estado não tem como prover assistência a todos os que dela necessitam, os bacharéis formados por Universidades Públicas devem restituir o conhecimento que a sociedade lhes proporcionou em serviços destinados aos mais pobres, observado o instanciamento.

O aperfeiçoamento da Advocacia fará com que o advogado se torne, efetivamente, a garantia da justiça, recuperando o povo a confiança no sistema. A parte não se sentirá insegura ante o advogado, por saber que seus padrões éticos são elevados, nem diante do Juiz, por saber que seu advogado saberá exercer o seu munus de forma satisfatória, recorrendo dos eventuais erros do Juiz e assim sucessivamente.

Em resumo, todo o sistema de justiça brasileiro está a merecer aprimoramento, o que inclui a Advocacia, que não é a exceção perfeita em essência e conteúdo, não podendo assim taxar de injustas todas as queixas que contra ela se faça. Urge a construção de um novo sistema. Um sistema que considere o advogado peça indispensável do sistema jurisdicional, a quem devam ser dados meios materiais (o que inclui o fim do jus postulandi e o Estado deixar de considerar a assistência judiciária como um luxo, ao invés de atributo necessário da cidadania). Um sistema que imponha o constante aperfeiçoamento e especialização da classe dos advogados (a exemplo do que deve ocorrer também com a Magistratura e o Ministério Público). Um sistema que recupere os fins da participação da Advocacia na Magistratura, concedendo idêntico munus à Magistratura, em seus Tribunais de Ética. Um sistema que imponha à OAB a recuperação de suas funções primordiais que são a efetiva correição da Advocacia e seu aperfeiçoamento institucional, inclusive com controle externo. Um sistema que torne a verba honorária advocatícia suficiente para o advogado, mas justa para o cliente, que não é sócio do advogado, mas cidadão que dele precisa para exercer direito fundamental da cidadania, ou seja, o de petição. Um sistema que torne o advogado participante efetivo na solução dos litígios, não seus criadores, incentivadores ou mantenedores. Um sistema que redescubra que por detrás do litígio e como fim dos processos está o ser humano, cuja dignidade é o fim último da Justiça, sendo os operadores jurídicos meros instrumentos, meios de concretização (sejam eles Advogados, Juízes, Policiais ou membros do Ministério Público ou, ainda, servidores). Estas modificações passam pela necessidade de reforma legislativa, mas também pela mudança de mentalidade dos atores jurídicos, esta talvez mais fácil, rápida e imediata, por depender apenas da consciência.

O homem é o fim e a medida de todas as coisas, inclusive da Justiça e da Advocacia.


Notas

1 - "À política jurídica cabe buscar o direito adequado a cada época, tendo como balizamento de suas proposições os padrões éticos vigentes, e a histórica cultura do respectivo povo." MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor/ Itajaí: CMCJ-Univali. 1998. p. 80. A política jurídica trata do direito que deve-ser.

2 - As considerações iniciais acerca da ausência de pretensões acadêmicas, torna justificável que a moral e a ética sejam tomadas em sentido laico e até com alguma sinonímia.

3 - A esse respeito, já escrevemos: "A lei impõe ao Juiz que busque conciliar as partes. O Juiz e outros operadores jurídicos não possuem formação para utilizar a persuasão como técnica, agindo de forma intuitiva, com resultados deficitários. Também na audiência, há aspectos psicológicos que devem ser explorados e que são mal utilizados, pela ausência de conhecimentos específicos. A preocupação com a solução jurídica é importante, mas não pode ser a única; a própria solução jurídica implica no uso de conhecimentos interdisciplinares, inclusive psicológicos, cujo desconhecimento afeta a colheita da prova e com ela, a própria decisão. É preciso dar aos operadores ferramentas técnicas que ultrapassem apenas o jurídico. O uso da psicologia na audiência (persuasão para a conciliação e colheita da prova oral) é essencial. " Revista do TRT-SC n. 16, 2º semestre de 2002.

4 - SILVA, José Maria e. Pelo controle externo da OAB. Rio de Janeiro: Jornal Virtual, 25.03.04. Capturada em 13.04.04 em <http://www.femperj.org.br/jornal/25032004.htm>.

5 - Construiu-se, em sua defesa, a figura jurídica inexistente de autarquia sui generis, única forma de excluí-la das restrições e controle exercido sobre os outros órgãos de fiscalização profissional. Entretanto, o fato da OAB possuir maiores responsabilidades democráticas, ao contrário de colocá-la à margem do controle da sociedade (e do TCU), lhe deve impor maior transparência, que só ocorre quando a instituição se democratiza pela submissão ao povo, origem de todo o poder, inclusive o de fiscalizar (a Advocacia). O que a torna autarquia é o exercício de função própria ao Estado (fiscalização, desdobramento do poder de polícia), mediante arrecadação de contribuição de nítida natureza fiscal, por compulsória a todos os que pretendam exercer a profissão. Não é objeto deste trabalho adentrar na discussão acerca da natureza jurídica da OAB, mas entende-se suficiente a afirmação de que, na democracia, só pode fiscalizar, quem se sujeita a ser fiscalizado.

6 - Nesse sentido, a reportagem da Revista Época de 26.01.04, p. 26, sob o título "Doutores do crime"

7 - Ressalta-se que esta não é a regra, tanto que a OAB-RJ expulsou 07 advogados em 2003, por este motivo (abuso da condição de advogado para transportar drogas, armas ou informações para e dos presídios), mas que é uma exceção bastante comum

8 Esses fatos levaram o advogado Miguel Reale Júnior a afirmar à revista Época, de 2 de fevereiro de 2004 (p.26): "Onde existe Juiz corrupto, existe um advogado corruptor. Deve haver uma atuação mais rígida da OAB neste campo". Diante da pergunta da revista, "se falta firmeza da OAB para lidar com advogados bandidos", Miguel Reale Júnior foi taxativo: "Em alguns casos, sim" (p.26).

9 - A Magistratura deve ser considerada, na lógica da proposta do Conselho, como a mais perigosa das instituições. O Conselho da Justiça terá participação de membros do Ministério Público e da Magistratura, não sendo a inversa verdadeira, ou seja, a Magistratura não integra os Conselhos de Ética da OAB, nem integrará os órgãos disciplinares do Ministério Público. Não há como se preservar a independência de um poder, colocando-o em situação subalterna. Se a impermeabilidade deve ser rompida, como se prega, deve constituir uma via de mão-dupla. Esta a posição de Miguel Reale Júnior, que foi Ministro da Justiça e Conselheiro Federal da OAB, em entrevista à Revista Época (Editora Globo) de 02.02.04.

10 - que correm em todos os países, sendo exemplo vivo, o antigo adágio italiano: "Meglio un topo in bocca al gatto che un cliente in mano all''avvocato!", com a seguinte tradução: Está melhor um rato na boca do gato, que um cliente na mão do advogado.

11 - SILVA, José Maria e. Pelo controle externo da OAB. Rio de Janeiro: Jornal Virtual, 25.03.04. Capturada em 13.04.04 em <http://www.femperj.org.br/jornal/25032004.htm>.

12 - Além da fiscalização, a OAB deve aceitar, com maior naturalidade, as críticas. De fato, se a Ordem dos Advogados do Brasil quer manter seu importante papel na democracia, revelado na luta pelas Diretas-Já e contra a ditadura, deve reconhecer que, no regime democrático, quem quer criticar, deve estar disposto a receber críticas. O monólogo crítico é infenso às ditaduras. Nesse sentido, o artigo publicado em 23.11.03, no jornal Folha de São Paulo sob o título: "Controle externo na OAB dos outros é refresco.", de autoria de Josias de Souza.

13 (...) na década de 50, o desembargador Amorim Lima, então presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, assim observou sobre a OAB: "Se não é pessoa jurídica, quer de direito público, quer de direito privado; se não se reveste de organização sindical; se não é autarquia ou entidade paraestatal (…), não se situa a Ordem dos Advogados do Brasil no quadro da organização jurídica do país. Afirmar-se, por outro lado, que a Ordem constitui serviço público federal, para o fim de gozar imunidade tributária total, será afirmar o atributo sem o sujeito; a atribuição ou função, sem o órgão" (Sodré, 1975, p.253). Apud José Maria e Silva, artigo citado.

14 - Calcula-se que no Brasil haja 500 mil advogados (210.000 apenas no Estado de São Paulo), com uma anuidade média de R$ 400,00, ou seja, R$ 200.000.000,00. Não se pode tornar livre e fiscalizável apenas interna corporis a aplicação de quantias tão vultosas em nome de uma pretensa independência. Se o Judiciário, segundo a OAB, não perde a independência com o controle externo (que está além de suas contas), porque o mesmo raciocínio não serve para a OAB. Somente com a colocação da Autarquia acima dos Poderes da República e da lei (inclusive a Constituição) é que esse raciocínio se justificaria. Também os advogados, que lutam para pagar os impostos, taxas, despesas e a anuidade, teriam maior certeza que o valor da última é apenas o necessário ao exercício das funções institucionais, sendo gasto de forma comedida, planejada e racional.

15 - Nesse sentido, a lição do Professor Mário Antônio Lobato de Paiva da Universidade Federal do Pará, publicado no Jornal O Liberal de 08.08.2000, capturado em 14.04.04 em <http://www.oliberal.com.br/arquivo/noticia/dia/n08082000index1.htm#n1:> "Por fim, diante do breve exposto, concluímos pela simples extinção do "quinto constitucional" por entendermos que já é hora de eliminar essa forma de nomeação de juízes. Assim, os que detenham o requisito do "notório saber jurídico" com certeza não terão nenhum obstáculo para que sejam aprovados nos concursos de ingresso à Magistratura. Portanto, o bacharel em Direito que descobrir sua vocação para a Magistratura estude e preste os concursos para a carreira, onde poderá conquistar as promoções necessárias para galgar as vagas das cortes.". Igualmente a lição de Haidar, ex-conselheiro da OAB: Entendemos que a única forma verdadeiramente democrática de ingresso na Magistratura e no serviço público em geral, especialmente no Judiciário, pelas suas próprias e singulares características, finalidades e poder, é através de concursos públicos de provas e títulos, sistema que, evidentemente, melhor pode aferir o já citado requisito de "notório saber jurídico". HAIDAR, Raul H.. A Reforma do Judiciário e o quinto constitucional. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 34, ago. 1999. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/303 >. Acesso em: 15 abr. 2004.

16 - O arejamento dos entendimentos dos tribunais é imprescindível. Os fins do instituto do quinto é que foram parcialmente perdidos, pela prática. Nessa ótica é que se entende que o quinto deve ser mantido, embora com as alterações ora declinadas.

17 - Impedindo-se, para que o instituto seja mais perfeito, a troca de vagas, ou seja, que ao mesmo tempo, no caso exemplificado, que um advogado do Ceará integrasse o TJRS, embora pudesse integrar o Tribunal Regional do Trabalho ou o Tribunal Regional Federal.

18 - Na Itália, o Ministério Público é conhecido como Magistratura em pé, sendo possível que membros da Magistratura atuem no parquet por lapsos determinados e vice-versa.

19 - A cobrança de honorários irrisórios por advogados, traduz ou falta de conhecimento de administração de escritório jurídico (que possui despesas e deve garantir a sobrevivência do causídico) ou incentiva a criação de honorários disfarçados em custas inexistentes ou outros artifícios, para desprestígio da classe dos advogados e do próprio Judiciário. Nesses casos, a impressão para o leigo é que o advogado exerce uma função de pouca valia e que o Estado cobra taxas judiciárias extorsivas. É necessário que os advogados aprendam noções de administração empresarial, para gerir de forma racional seus escritórios, não perdendo nem prazos, nem tempo, nem dinheiro seu ou do cliente. A OAB poderia ministrar cursos nesse sentido, aos advogados em fase de habilitação profissional.

20 - alugueres depositados na primeira audiência, salários incontroversos ou depósitos do FGTS não podem sofrer a mesma incidência honorária do que verbas cuja discussão somente se resolverá em grau de recurso.

21GUNTHER, Luiz Eduardo. ZORNIG, Cristina Maria Navarro Honorários advocatícios na justiça do trabalho. (uma interpretação após as Leis 10.288/01, 10.537/02 e o Novo Código Civil). Capturado em 14.04.04 em http://www.forense.com.br/Atualida/Artigos_DT/honorario.htm

22 - SILVA, José Maria e. Pelo controle externo da OAB. Rio de Janeiro: Jornal Virtual, 25.03.04. Capturada em 13.04.04 em <http://www.femperj.org.br/jornal/25032004.htm>.

23 - Não é à toa que na Itália se exige que as provas de habilitação para o exercício da Advocacia demonstrem que o candidato possua: a) clareza, logicidade e rigor metodológico na exposição; b) demonstração da concreta capacidade de solução de específicos problemas jurídicos; c) demonstração do conhecimento dos fundamentos teóricos dos institutos jurídicos tratados; d) demonstração da capacidade de colher eventuais aspectos de interdiciplinariedade; e) relativamente aos atos judiciários, demonstração da padronização das técnicas de persuasão. Itália. Legislação. Decreto-Lei n. 112, de 21.05.03. Capturado em 15.04.04 em <http://www.difensore.it/decretoesame.htm>


Autor

  • José Ernesto Manzi

    Desembargador do TRT-SC. Juiz do Trabalho desde 1990, especialista em Direito Administrativo (La Sapienza – Roma), Processos Constitucionais (UCLM – Toledo – España), Processo Civil (Unoesc – Chapecó – SC – Brasil). Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI – Itajaí – SC – Brasil). Doutorando em Direitos Sociais (UCLM – Ciudad Real – España). Bacharel em Filosofia (UFSC – Florianópolis – SC – Brasil), tendo recebido o prêmio Mérito Estudantil (Primeiro da Turma)

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MANZI, José Ernesto. Reflexões sobre a advocacia, em seu contexto de indispensabilidade à administração da Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 325, 28 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5244. Acesso em: 24 abr. 2024.