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O negócio jurídico no novo Código Civil

O negócio jurídico no novo Código Civil

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              A vigência da nova codificação civil, depois de longa tramitação no Congresso, já demandou em termos doutrinários, particularmente, na divulgação de inúmeros textos opinativos, realçando as modificações mais relevantes no âmbito do direito privado, dentre as quais, modestamente, algumas de nossa lavra.

             Nesta oportunidade, examinamos as prescrições do "codex" sobre o negócio jurídico, que, em certa medida, guarda correspondência com a clássica conceituação de ato jurídico no Código de 1916.


I – O ato jurídico e o negócio jurídico

             A consolidação de 1916, obra prima de Clóvis Bevilaqua, conceituava o ato jurídico sob uma perspectiva finalística, enunciando no art. 81 que constituía, desde que licito, o meio de se alcançar, imediatamente, a aquisição, resguardo, transferência, modificação ou extinção de direitos para, em seguida, art. 82, determinar os seus requisitos de validade, observada a conhecida tricotomia da capacidade, objeto licito e forma prescrita ou não defesa em lei.

             Já agora a codificação vigente prefere a denominação de "negócio jurídico" (art. 104) ao se reportar ao ato jurídico do diploma anterior (1), mas, sem embargo dessa alteração, mantém-se uma "equivalência substancial", no dizer do douto Arruda Alvim, na disciplina do "negócio jurídico" e do "ato jurídico". (2)

             No entanto, e o afirma, ainda, Arruda Alvim, a opção do Código pela designação "negócio jurídico", mantendo – em linhas gerais – as estipulações que se encartavam na consolidação de 1916, implicou em se dar uma distinção importante, caracterizando, primeiro, os atos negociais no âmbito civil e no âmbito comercial, e, adiante, os atos não-negociais, estritamente considerados, (cf. art. 185), porém, com a natureza de atos jurídicos, aos quais se aplicam, "no que couber", as normas próprias do negócio jurídico. (3)

             Nesse diapasão, o reconhecido Moreira Alves remetendo-se aos pandectistas alemães do século XIX, pontua que já se divisava, então, embora ainda imprecisamente, distinções entre o negócio jurídico e os atos os quais, sobretudo não negociais, se aproximavam por similitude ou se afastavam por dessemelhança dos atos de negócio, mas, de toda sorte, explicitavam a validade de uns e de outros, solvendo perplexidades como as que advinham, no exemplo de Arruda Alvim, de uma compra e venda efetivada por um menor. (4)


II – O objeto do negócio jurídico

             Ao cuidar dos requisitos de validade do ato jurídico, o Código anterior prescrevia a capacidade do agente, o conteúdo licito do objeto e a forma prescrita ou não defesa em lei. Comparativamente com o Direito Administrativo, na órbita do Direito Público, os requerimentos do ato jurídico ressaltavam a liberdade de estipulação do Direito Privado, pois para a perfectibilidade do ato administrativo se exigirá a competência do agente, o objeto e a forma prescrita em lei. (5)

             Ora, a nova codificação não se afasta, nesse particular, do tríptico de validade do negócio jurídico, a teor do art. 104, salvo por enunciar, em relação ao seu objeto, não mais o simples requerimento de sua licitude, na medida em que acrescenta a não contrariedade com a lei (ser licito) as características de ser possível, ser determinado, ou ser determinável. Logo, como segue, não pode constituir conteúdo do negócio jurídico, algo licito, porém, impossível, indeterminado ou que não se possa determinar.

             Nesse sentido, como nos parece, a solução engendrada pelo "codex" quanto aos aditamentos em torno do objeto do negócio jurídico, é relevante, ao cuidar de aproxima-lo dos predicados do objeto da obrigação, lato senso, licitude, possibilidade e admissibilidade de determinação. (6) Outra questão sugerida pelo acréscimo trazido pelo novo Código, ao nosso ver, diz com as hipóteses de negociação sobre direitos ou valores futuros, que possam ser determinados. Nesses casos, na jurisprudência, se inadmitia – em geral – sua instituição em garantia, sob a perspectiva da inexistência fática presente. (7)

             Ora, eventualmente, essa perspectiva pretoriana, doravante, sofra modificação, desde que o objeto do negócio jurídico, na acepção do novo Código, possa ser determinado, vale dizer, individualizado, ainda que não concretizado. (8)

             Outra disposição inédita da codificação complementa o trato dos requisitos de validade do negócio jurídico. É a do art. 106 declarando que a "impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado", ou seja, colocando-se em linha com o teor do art. 104, já comentado, o Código traduz que não se invalidará o ato jurídico pela impossibilidade apenas relativa (por exemplo, superável em determinadas circunstâncias ou não absoluta) e, ainda, se tal impossibilidade tiver cessado antes de efetivada condição a que se subordine o negócio. (9)

             Vejamos, em seguida, a questão da reserva mental e dos efeitos do silêncio da parte em relação ao negócio jurídico.


III – A reserva mental e a anuência tácita

             O novo Código, em matéria do negócio jurídico, traz, ademais dos aspectos já analisados, duas disposições importantes, uma delas, inovadora, e outra que, embora já cogitada, por interpretação sistemática, na codificação anterior, torna-se expressa. A prescrição inédita, estampada no art. 110, cuida da reserva mental e a do art. 111 seguinte trata da hipótese de anuência tácita, ante o silêncio de uma das partes.

             A questão da reserva mental é de interesse, dispondo o art. 110 que a declaração volitiva subsistirá "ainda que o autor haja feito reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se o destinatário tinha conhecimento". A evidência, nessa disposição codificada, caminha-se no plano da pura subjetividade, pois que, como a própria denominação normativa indica uma das partes, mentalmente, não queria expressar sua vontade em pactuar o negócio jurídico, tal como, concretamente, expressou.

             A doutrina observa sobre a reserva mental a configuração como um "desacordo entre a vontade intima e a vontade declarada" (10), dissenso que somente poderá anular o negócio jurídico se a outra parte o conhecia. Claramente, a dificuldade probatória é evidenciada nessa hipótese, tanto para demonstrar, "in concreto", a reserva, quanto para obviar o conhecimento prévio sobre ela da outra parte.

             Como ressalta, ainda em termos da reserva mental, há que se coibir eventuais comportamentos abusivos, conformados na sua alegação "a posteriori" da avença formalizada, caracterizando mero expediente para o descumprimento.

             Em seguida, o art. 111 trata dos efeitos do silêncio de uma das partes ante o negócio jurídico, mormente para demarcar a dita anuência tácita, como forma de consentimento. No Código de 1916, o tema era tratado, todavia, sob forma indireta, isto é, como disposto no art. 82, reportando-se aos requisitos de validade do ato jurídico, em relação à exigência de "forma prescrita ou não defesa em lei" e, particularmente, quanto ao art. 129 prevendo que "a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente exigir" (11). O entendimento da doutrina, também, ponderava pela preponderância da manifestação de vontade não expressa, salientando que o silêncio poderia equivaler ao consentimento, máxime no âmbito do direito privado.

             Nessa senda, as remissões aos ensinamentos de Pontes de Miranda e de Hely Lopes Meirelles, este último contrapondo a validade da anuência tácita no direito privado a imperiosidade da manifestação expressa de vontade nos atos do direito público. (12)

             No novo Código Civil, entrementes, o legislador preferiu ser mais explícito, no tocante ao silêncio da parte, prevendo que "importa em anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa". Há nessa disposição, nova em relação ao Código anterior, uma interessante junção conceitual que acata a manifestação tácita da vontade, segundo as "circunstâncias" presentes ou segundo os usos e costumes do local em que celebrado o negócio jurídico, e – ademais – filia-se à postura da codificação que substitui, indicando que a anuência tácita não prevalece se for exigida a "declaração de vontade expressa".


IV – A boa-fé e os negócios jurídicos

             Em seguida, cuidamos do previsto no art. 112 e 113 do novo Código.

             O art. 112, pela ordem, enuncia-se em linha similar a do art. 85 da Lei Civil anterior, porém, com um sutil diferencial, na medida em que estatui o conhecido preceito segundo o qual nas declarações de vontade se atenderá "mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem". Comparativamente, o art. 112 se expressa de modo diverso, conotando o signo de "consubstanciação" do quanto intentado pelas partes, que prevalecerá "ao sentido literal da linguagem", repetindo o disposto no art. 85. Arruda Alvim, sempre atento, observa dois aspectos de relevo na compreensão do antigo art. 85, um, para realçar que a codificação de 1916 pareceu emprestar – no caso – peso especifico à vontade, aliás, fiel aos princípios ideológicos que a norteavam; e, dois, que, na verdade, essa disposição normativa "nunca foi obedientemente seguida", pois ainda que exaltando o sentido volitivo (dando preponderância à vontade sobre o quanto declarado") a viabilidade pratica da prescrição é quase nenhuma: "se eu declaro uma coisa que, em certa escala, não retrata minha vontade (...) estou traindo a confiança" e – de outra feita – "se declarei mal, por negligência, é certo que é o declarante que assim procedeu que (...) como regra, deverá arcar com as conseqüências de sua conduta e não o declaratário". (13)

             Em contrapartida, no art. 112, traduzindo-se proposição similar a do art. 85 do antigo "codex", é de se encarecer que a expressão "consubstanciadas" ao se referir à intenção da parte declarante faz com que a própria declaração manifestada adquira peso específico, isto é, não caberá buscar-se outra "vontade" a não ser aquela que se integra ou se "consubstancia" no quanto expressado no negócio jurídico.

             De sua vez, o art. 113 da nova codificação, sem correspondência no Código de 1916 (14), introduz o conceito de boa-fé, aqui vinculado à interpretação das declarações de vontade, expressadas na forma dos negócios jurídicos. Em outras passagens, também, o novo Código voltará ao principio da boa-fé, como é o caso do art. 187 que caracteriza como ato ilícito aquele exercido, excedendo "manifestamente os limites impostos" pela "boa-fé".

             Propõe-se, no que tange à boa-fé, tal como declarada no Código de 2002, seja em relação ao negócio jurídico, seja em relação aos contratos (15), que o legislador, fulcrado em legislações alienígenas, em especial a lei civil alemã, tenha – nessas hipóteses – abraçado o sentido objetivo da "bona fides" perfilando-o ao lado do signo subjetivo, este adotado para outras situações, máxime dos direitos de propriedade, na linha que já prescrevia a codificação anterior. Os comentaristas da nova codificação, em geral, exaltam essa distinção associada à expressão da boa-fé, como disposta em relação ao negócio jurídico e, máxime, aos contratos, notando que não se trata de perquirir, no caso concreto, o escopo da vontade declarada ("avaliação anímica do sujeito", como diz Cibele P. Marçal Cruz e Tucci (16)), mas, o enquadramento da declaração no ambiente sóciocultural vigente, verificando se se atendem aos padrões de conduta esperados.

             Porém, militam criticas, dentre os doutrinadores pátrios, a respeito da forma, escolhida pelo legislador, para caracterizar a proposição da boa-fé em sentido objetivo. Assim, Antonio Junqueira de Azevedo (17) comenta que a nova codificação ao optar, no que tange à "bona fides", por uma espécie de cláusula aberta, suscetível, assim, ao suprimento jurisdicional para concretiza-la, vai de encontro às tendências contemporâneas da legislação que, em principio, demarcam balizas, ao menos, para conformar o conceito e a aplicabilidade da boa-fé, em sentido objetivo. A seu turno, Miguel Reale, arquiteto principal da nova Lei Civil, responde a essas questões para defender a filosofia adotada, mormente sob o argumento de que é adequado deferir-se ao Poder Judiciário dar concreção aos indicativos legais à vista das circunstancias de cada caso, submetido ao seu crivo. (18)


Defeitos do negócio jurídico

             Encerrando o estudo, seguem notas sobre o tema da invalidação dos negócios jurídicos, realçando os aspectos que, inovadores no novo Código, merecem, ao nosso ver, destaque. Inicialmente, no plano da anulabilidade por erro, substancialmente, o novo Código não se afasta da Lei Civil de 1916, salvo por três interessantes adendos: um, que versa a anulação por erro, dito substancial, acrescentando-se a hipótese de ocorrer equivoco de direito, ao lado dos pré-existentes (na lei anterior) erros objetivos sobre a natureza do negócio, seu objeto, ou qualidades essenciais (art. 139, I) e os erros subjetivos, pertinentes à identidade ou à qualidade da pessoa com quem se celebra o negócio (art. 139, II). O erro de direito, diz o novo "codex", pode ser causa da anulabilidade do negócio jurídico, desde que seja o seu "motivo único ou principal" e, ainda, não implique em "recusa à aplicação da lei".

             Ademais, no campo do erro, o Código traz ainda duas referencias relevantes, quais sejam a do simples "erro de calculo" que, não conduzindo à anulabilidade, todavia, "autoriza a retificação da declaração de vontade" (art. 143) e, adiante, que – genericamente – o erro pode ser suprido ou sanado quando a pessoa a quem a "manifestação de vontade se dirigir" se ofereça para executa-la segundo a "vontade real" da parte que a manifestou. Nessa linha, o novo Código exalta, principalmente, o predomínio do fator volitivo nas avenças privadas, diversamente daquelas do Direito Público, consolidando, nada obstante o erro ou a ignorância (causas de anulabilidade), o negócio jurídico travado entre as partes.

             Os outros dois pontos de relevo no trato dos defeitos do negócio jurídico, ao nosso sentir, são, pela ordem, a normatização do chamado estado de perigo (art. 156) e a questão da lesão contratual (art. 157) (19).

             O estado de perigo se consubstancia, essencialmente, como uma situação fática (no sentido físico ou moral) vivenciada por alguém, ou por pessoa de sua família, que, diante da necessidade de salvar-se "assume obrigação excessivamente onerosa". A reconhecida Teresa Ancona Lopes (20) nota, demarcando os elementos integrantes do estado de perigo, a necessária existência de um real "estado de necessidade", ou seja, a "ameaça de grave dano à própria pessoa ou pessoa de sua família"; e, também, que o pressuposto dessa ameaça constitua o móvel de sua "participação em negócio desvantajoso", estando ciente a outra parte dessa condição.

             A resolução do negócio jurídico pela sua anulação é a solução alvitrada pelo novo Código para sanar o defeito do ato jurídico, observando Ancona Lopes, com fundamento na lei italiana, a propósito, a alternativa que se abre, nesses casos, de se "reduzir aquela prestação excessivamente onerosa a uma prestação justa", evitando-se, dessarte, que em certas circunstancias, a mera anulação do negócio jurídico, como disposta na norma civil pátria, implique no enriquecimento sem causa de quem a requer, sob invocação do estado de perigo.

             Ao lado do estado de perigo, no art. 157 a nova codificação cogita do instituto da lesão contratual, comentando, ainda, Teresa Ancona Lopes que, dadas as similitudes entre uma e outra situação, eventualmente o Código deveria tê-las reunido em uma única disposição. Com efeito, em ambas as hipóteses, a parte contratante acha-se premida por estado de necessidade, seja físico, moral ou econômico, donde aceita – por isso – obrigação excessivamente gravosa.

             Na lesão contratual, a pessoa que contrata – como se declara na hipótese de incidência normativa – o faz sob "premente necessidade" ou por "inexperiência", ou seja, ajusta o negócio valendo-se de uma declaração de vontade enfraquecida ou turbada, e, nessa medida, se obriga a "prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta". Note-se, por relevante, um claro sentido objetivo nessa disposição codificada, vale dizer, que o contratante deve demonstrar, suficientemente, tanto o vicio de vontade, quanto a desproporcionalidade entre as prestações. Tal cunho de objetividade depreende-se da observação comparativa com estado de perigo, antes tratado, pois em termos da lesão contratual não necessariamente a outra parte no negócio jurídico, a quem aproveita a transação, tem ciência prévia da premente necessidade ou da inexperiência; em outras palavras, no estado de perigo há o chamado "dolo de aproveitamento", pois quem oferece o negócio oneroso sabe, de antemão, a condição especifica de quem contrata, enquanto na lesão contratual, essa ciência antecipada não é requerida e, usualmente, não se apresenta. De outra parte, a lesão contratual, nada obstante, ostente como um de seus elementos conceituais a desproporção entre as prestações do negócio jurídico, tornando uma delas gravosa, não se confunde, porem, com a hipótese de onerosidade excessiva, como tratada pelo novo "codex", art. 478.

             Nesse sentido, na lesão contratual – especificamente – a onerosidade de uma das prestações comparada com a que lhe é oposta, no negócio jurídico, deve ser apurada de imediato, sempre que já deve estar presente no próprio momento da sua pactuação; de outra sorte, no caso da onerosidade excessiva, tal agravamento inexiste no instante em que se firma a avença, sobrevindo por força de "acontecimentos extraordinários e imprevisíveis" supervenientes ao ajuste. Tanto, por isso, o ônus excessivo se reserva, na dicção codificada, só aos "contratos de execução diferida ou continuada" que, assim, admitem a superveniência de eventos agravantes.

             Registre-se, ainda, sobre a lesão contratual, a elaboração doutrinaria que lhe ofereceu Caio Mario da Silva Pereira (21), um dos precursores nesse tema, distinguindo os conceitos de "lesão enorme" e de "lesão enormissima", sendo o primeiro associado a um defeito objetivo do negócio jurídico, não se assentando, pois, em vicio do consentimento, mas, no próprio conteúdo do ajuste; o segundo conceito, diversamente, demandava a existência do, antes citado, dolo de aproveitamento, isto é, a intenção de uma das partes a dano da outra de estipular prestações contratuais desarrazoadas entre si. (22)

             Por ultimo, no trato da lesão contratual, denote-se a previsão constante do § 2º do art. 157 do novo Código, no sentido de que a anulação do negócio jurídico pode ser evitada se "for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito", significando, em seus termos, a idéia matriz de sobrevivência do negócio jurídico entabulado mediante saneamento da desproporcionalidade constatada entre as prestações ajustadas. Comparativamente, a solução do legislador, neste passo, é similar a que se adota para a hipótese de onerosidade superveniente na qual, nada obstante, se cuide de resolução do contrato e não de anulabilidade, admite-se, também, seja evitada mediante a oferta de modificação equitativa nas condições avençadas (art. 479).


Notas

             1 A nomenclatura, utilizada pelo Código de 1916, tem clara origem nos preceitos do Código de Napoleão de 1804, como é o caso da denominação "ato jurídico".

             2 Ver "A Função Social dos Contratos no novo Código Civil" – Simpósio sobre o novo Código Civil" – Banco ABN AMRO REAL – edição fora do comércio – pág. 77.

             3 Alvim (op. cit. pág. 79) dessa dicotomia entre o "negócio jurídico" estrito senso do art. 104 e os atos não negociais do art. 185, tira a interessante ilação de que, nesse sentido, tal distinção passa a albergar situações não contempladas no Código de 1916 e revesti-las, assim, de validade, como é o caso – como exemplifica – de uma compra feita por alguém que não detenha capacidade jurídica para se obrigar, evento que, antes, refugia do disposto no art. 82 do Código de 1916, mas que, agora, pode ser encaixada nos termos do art. 185. Nas palavras do doutrinador a nova lei civil passa a reconhecer – dessarte – as hipóteses de exigência de capacidade (nos atos que demandam a relevância da manifestação da vontade) ou do simples discernimento (nos atos que não apresentem significação econômica ou moral exigidas nos negócios jurídicos).

             4 Ver "A Parte Geral do Código Civil" – Revista CEJ (Centro de Estudos Judiciários) nº 9. No artigo, Moreira Alves cita, dentre outros, o jurista alemão Regelsberger o qual, buscando diferençar o negócio jurídico do ato jurídico escreve: "...Eles se dividem, de novo, em duas espécies, conforme se aspira positivamente ao efeito jurídico, ou este ocorre ainda fora da vontade do agente. Os atos da primeira espécie são os negócios jurídicos. Para os outros falta uma denominação reconhecida. Pode-se dar-lhes o nome de atos semelhantes a negócios jurídicos..." (cf. "Pandekten, erster Band", parágrafo 129, página 475).

             5 Ver, a propósito, seminal ensaio de Celso A. Bandeira de Mello, "O Conteúdo do Regime Jurídico-Administrativo e seu Valor Metodológico" em RDP 2 – 1967.

6 Assim, em passagem de acórdão do Supremo Tribunal Federal, tratando da liquidez das obrigações: "Consoante magistério do notável civilista Washington de Barros Monteiro, "três predicados há de reunir o objeto da obrigação: possível, lícito e suscetível de estimação econômica". Nas situações em que determinado o objeto da obrigação, temos, em decorrência, uma obrigação líqüida. De outro modo, quando determinável o objeto, como ocorrente nos contratos aleatórios, ilíqüida a obrigação, visto que dependem de prévio apurar, porque imprecisa a própria prestação ou objeto obrigacional" (REsp nº 397.844/SP).

             7 "O penhor de direitos só poderá ser admitido quando tais direitos já existirem, já estiverem incorporados ao patrimônio do garante. Mas é inconcebível que se possa estipular a instituição de garantia incidente sobre créditos futuros e incertos (...)" AI nº 665.261-3 – 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.

             8 Nesse particular, sempre se admitiu, por exemplo, nas estipulações em favor de terceiros, a determinação "a posteriori" do beneficiário, como é típico em certos contratos de seguro: "I – As relações jurídicas oriundas de um contrato de seguro não se encerram entre as partes contratantes, podendo atingir terceiro beneficiário, como ocorre com os seguros de vida ou de acidentes pessoais, exemplos clássicos apontados pela doutrina. II – Nas estipulações em favor de terceiro, este pode ser pessoa futura e indeterminada, bastando que seja determinável (...)." (REsp nº 401.718).

             9 O conceito de condição no NCC, mantém a redação do art. 114 do Código anterior (art. 121), como sendo "a cláusula que, derivando da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro ou incerto". Moreira Alves (ob. cit.) observa que o novo Código cuida da condição, encargo ou termo em capítulo especifico, enquanto – antes – tais disposições se integravam, equivocadamente, dentre as modalidades dos atos jurídicos.

             10 Ver Cunha Gonçalves "Princípios de Direito Civil Luso-Brasileiro" – vol. I – pág. 214.

             11 O entendimento jurisprudencial quanto à efetividade da anuência tácita, na vigência do Código anterior, remetia-se aos arts. 82 e 129, como se observa de acórdão do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: "A realidade jurídica, no entanto, é outra, e leva-nos a conclusão de que a despeito do direito impor a manifestação da vontade objetivamente, existem situações em que ele a admite por presunção apenas, ou seja, em casos como o presente, quando, menos que a manifestação tácita, o silêncio acaba representando a vontade. Não há como se esquecer que tal situação prepondera quando a lei não impuser forma especial para a validade da declaração de vontade (artigo 82), e quando não estabelecer forma especial para a validade da declaração de vontade (artigo 129)". (JTACSP 126/382). Adite-se, no tema, a previsão do art. 1.079 do Código de 1916, observando no tocante aos contratos (negócio jurídico) que "a manifestação de vontade (...) pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa".

             12 De Pontes de Miranda, a seguinte lição: "(...) as manifestações tácitas supõem ato que não se haja de considerar suficientemente expressivo. Nas palavras "expressa" e "expressão" há dois sentidos: no primeiro estrito, ou a manifestação de vontade é expressa, ou é tácita, ou pelo silêncio; no sentido largo, a tacitude e o silêncio são também expressões" (cf. "Tratado de Direito Privado" – volume XXXVIII/23 § 4.188, 1). Hely Lopes Meirelles, a seu turno, observou: "No direito privado, o silêncio é normalmente interpretado como concordância da parte silente em relação à pretensão da outra parte" (cf. "Direito Administrativo Brasileiro" – pág. 77).

             13 Obra citada – pág. 84.

             14 No Código anterior, a interpretação do ato jurídico, conforme o art. 85, somente se remetia à intenção das partes com predominância sobre a literalidade da declaração, como vimos na parte inicial deste tópico, sem menção ao requisito da boa-fé.

             15 Ver o art. 422: "Os contratantes são obrigados a guardar (...) os princípios da probidade e da boa-fé".

             16 "Teoria geral da boa-fé objetiva" em "Revista do Advogado" – ano XXII, nº 68, pág. 100 e seguintes.

             17 "O principio da boa-fé nos contratos" – Revista CEJ – nº 09.

             18 Ver "Visão geral do projeto de Código Civil", em especial, trecho em que Reale, reportado a comentários de Pontes de Miranda, ardoroso defensor do positivismo jurídico, diz não acreditar "na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo preferível, em certos casos, prever o recurso a critérios etico-jurídicos que permita chegar-se à "concreção jurídica", conferindo-se maior poder ao juiz para encontrar-se a solução mais justa ou equitativa." Moreira Alves (ob. cit. vide Nota 4), a seu turno, coonesta o entendimento de Reale, observando que introduziu-se "na Parte Geral o conceito de boa-fé objetiva como cláusula geral para efeito de interpretação dos negócios jurídicos e na Parte Especial com relação ao direito das obrigações, mais especificamente com os contratos. Nesse particular, o Projeto é dos mais avançados que se conhece, tendo em vista a amplitude dessas cláusulas gerais. Partindo-se do princípio — quase óbvio, mas para o qual pouca gente se atenta — de que essas cláusulas gerais dão flexibilidade àquilo que muitos alegam como críticas às codificações — que seria a sua imobilidade —, e permitem, graças a uma atuação judicial que se torna possível à medida que os tempos se modificam, uma certa flexibilidade na disciplina de determinados institutos."

             19 Ver, também, os nossos "A lesão contratual, o cumprimento em parte de negócio jurídico anulável e o novo Código Civil" e "Observações preliminares sobre o novo Código Civil: o instituto da lesão contratual" disponíveis nas Comissões Jurídicas da Associação Brasileira de Bancos – ABBC e FEBRABAN.

             20 "O estado de perigo como defeito do negócio jurídico" – Revista do Advogado – ano XXII – nº 68 – pág. 49 e seguintes.

             21 "Instituições de Direito Civil".

             22 Nas Ordenações do Reino, conjunto de normas legais portuguesas, do período da pré-codificação do Direito Civil brasileiro, já se cogitava da lesão contratual, dividindo-a nas espécies "enorme" e "enormissima" – como lembra o RE nº 82.971 – RS – vendo-as sob ótica de valor das transações. Assim, a lesão enorme se figurava quando "a parte sofria prejuízo de mais de metade do valor que, por comum estimação, devia receber", restando, pois, presente a presunção de dolo. De outra parte, a lesão enormissima não era definida nas Ordenações, mas, a "opinião dominante, entretanto, era que como tal se qualificasse no negócio em que alguém recebesse um terço do justo valor de sua cousa".


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENTEADO JUNIOR, Cassio Penteado. O negócio jurídico no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 320, 23 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5279. Acesso em: 24 abr. 2024.