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O empregador como vítima de dano moral

O empregador como vítima de dano moral

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Quem furta a minha bolsa me desfalca de um pouco de dinheiro.

É alguma coisa e é nada. Assim como era meu, passa a ser de outro, após ter sido de mil outros.

Mas o que me subtrai o meu bom nome defrauda-me de um bem que a ele não enriquece e a mim me torna totalmente pobre. (Shakespeare, Otelo, ato III, cena 3)

Nenhuma discussão em torno do dano moral é insípida. Tudo o que diz respeito ao tema é altamente suscetível de controvertidos – mas nem por isso estéreis – posicionamentos. Afora a sua inserção expressa no ordenamento jurídico ao nível constitucional (CF/88, art. 5°, incisos V e X), deitando lápide acerca das dúvidas sobre sua própria existência e reparabilidade, o certo é que diversas questões ligadas ao assunto ainda instigam calorosas – e saborosas – discussões. Se é induvidoso que isto fornece ao pesquisador um exuberante material de estudo, por outro lado demonstra que a matéria ainda não alcançou o devido grau de maturidade no cenário jurídico pátrio, como exemplifica a diversidade de entendimento doutrinário e jurisprudencial relativa à competência material e prazo prescricional, em se tratando de vínculo trabalhista.

Porém, nos estreitos limites a que se propõe este estudo, tais questões serão afastadas para nos determos exclusivamente ao dano moral sofrido pelo empregador, tendo como agente o próprio empregado.

Na valiosa lição de Valdir Florindo aprendemos que o instituto sob estudo "é o resultado de golpe desfechado contra a esfera psíquica e moral da pessoa humana. A agressão fere a pessoa no mundo interior do psiquismo, traduzindo-se por reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras". O mesmo jurista vale-se das palavras do tratadista Luiz da Cunha Gonçalves para estabelecer que "o homem – digam o que quiserem os materialistas -, não é só matéria viva; é corpo e espírito. A personalidade física é, por assim dizer, a máquina, o aparelho transmissor da atividade do ser dotado de inteligência, vontade, sensibilidade, energia, aspirações, sentimentos. Não pode, por isso, duvidar-se de que o homem possui bens espirituais ou morais; que lhe são preciosos e queridos, tanto ou mais do que os bens materiais. Estes bens são, sem dúvida, complemento daqueles; pois fornecem meios, não somente para se obter a duração, saúde e bem estar físicos ou do corpo, mas também para se alcançar a saúde, o bem estar morais ou do espírito, mediante alegrias, prazeres, doçuras afetivas, distrações, viagens, encantos da vida. (Tratado de Direito Civil, S. Paulo, Max Liomonad, 1957, v. XII, t. II)."

Nos trechos transcritos acima percebemos que os conceitos são dados tendo como elemento central a pessoa humana, isto é, a pessoa natural.

Porém, a evolução do instituto nos permite afirmar, hoje, que também a pessoa jurídica pode vir a ser vitimada moralmente, na melhor interpretação do artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, "in verbis":

"Art. 5°. omissis

...

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação;"

Segundo a melhor doutrina e a mais atualizada jurisprudência, não há possibilidade de estabelecer acepção entre as pessoas físicas e jurídicas, já que estas igualmente podem sofrer abalo moral, especialmente na honra e na imagem.

Sempre dirimindo dúvidas, leciona Humberto Theodoro Júnior: "O nome, o conceito social e a privacidade, são bens jurídicos solenemente acobertados pela tutela constitucional, bens que cabem tanto à pessoa física como à jurídica. Logo, não há razão alguma para excluir as pessoas jurídicas do direito de reclamar ressarcimento dos prejuízos suportados no plano do nome comercial, do seu conceito na praça, do sigilo dos seus negócios etc." (Dano Moral, ed. Oliveira Mendes, cap.5, pág. 13).

Logo, o bom conceito no mundo dos negócios constitui-se como patrimônio imaterial da pessoa jurídica, perfeitamente ressarcível quando maculado.

No palco do contrato de emprego, é indubitável a ocorrência de situações assim, seja por se tratar de uma dentre tantas relações jurídicas, seja pelo elemento inescapável da pessoalidade do empregado para com seu empregador.

O que se vê, de ordinário, é o empregado sendo vítima do dano moral, face ao estado de sujeição em que se encontra com relação ao empregador (subordinação jurídica). Porém – e a par do acima exposto –, temos como certo que o empregador não está livre de ser igualmente agredido pelo seu empregado, fazendo jus à justa reparação pelo prejuízo moral por si suportado. Aliás, se o empregador não tivesse honra e boa fama a proteger, que razão haveria para a inserção da letra "k" no artigo 482 da CLT, como hipótese de justa causa para o empregado que as violar?

João de Lima Teixeira Filho, co-autor das conhecidas Instituições de Direito do Trabalho, op. cit., realça a propósito da reciprocidade da reparação: "No Direito do Trabalho, essa posição se nos afigura inatacável em virtude da formulação simétrica dos arts. 482, k, e 483, e, da CLT colocar indistintamente empregado e empregador na posição de agente ou objeto do mesmo ilícito trabalhista – ‘ato lesivo da honra e da boa fama’. É certo que tal se dá par afins de extinção da relação de emprego. Todavia, não menos exato é que a lei pressupõe que a honra e a boa fama do ‘empregador’ possam ser tisnadas. E se podem sê-lo é porque o empregador as tem. A maior incidência do ilícito em relação a uma das partes do contrato de trabalho, o empregado, não pode gerar o raciocínio simplista de que o outro contratante está ao desabrigo de igual direito, quando episodicamente agravado. O direito não se erige pela freqüência de vezes com que o ilícito é praticado contra seu titular..." (vol. I, pág. 643).

Assim, não resta a menor dúvida de que também a pessoa jurídica do empregador poderá vir a ser moralmente agredida pelo seu empregado, garantindo a Constituição Federal também a ela a justa reparação pelos danos sofridos a este título.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Regina Coeli Matos. O empregador como vítima de dano moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 357, 29 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5350. Acesso em: 25 abr. 2024.