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A situação acadêmica dos cursos de Direito no Brasil

A situação acadêmica dos cursos de Direito no Brasil

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Uma análise da crise no sistema de ensino superior em Direito e seus impactos no corpo social.

Durante o caminho trilhado na Academia, não raro tomei ciência através dos meus mestres de que vivemos uma crise como jamais vista no ensino superior brasileiro. Agrava-se o cenário quando analisamos o quadro atual das Instituições de Ensino Superior no curso de Direito.

Em que pese a resistência de muitos estudantes e bacharéis em direito no tangente aos números (exceto quando se trata do cálculo dos honorários ou valor da condenação), vamos analisar as estatísticas do exponencial crescimento das faculdades de Direito no Brasil nos últimos anos. Vejamos:

De acordo com então o conselheiro do CNJ, Jefferson Kravchychyn, em 2010, revelou que o Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países do mundo juntos, totalizando 1.240 cursos, enquanto no restante do globo, somados, temos 1.100 universidades. E esse “boom” no ensino superior jurídico resultou em nada menos que 800 mil advogados inscritos na OAB. [1]

Os números são absurdos, não? Mas não parou por aí! Em 2015, atingimos a marca de 1.308 faculdades de direito, e em 18 de novembro de 2016, chegamos ao patamar de um milhão de advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Isso sem incluir as inscrições de estagiários e inscrições suplementares. [2]

Analisando números tão estapafúrdios, a conclusão é óbvia: o ensino superior jurídico deixou de lado o zelo pela qualidade e passou a se preocupar com a movimentação econômica gerada pela educação. 

Isso decorre de uma deliberada negligência do Estado ao passo em que ao longo dos últimos anos, reduziu o orçamento público nas áreas de produção científica, cultural e social das Universidades Públicas, abrindo espaço para o preenchimento das lacunas na educação através do setor privado, de modo a “aliviar” os dispêndios do Estado com a Educação, um fenômeno que, de acordo com o sociólogo português Boaventura Sousa Santos, acontece em escala global, e que o mesmo conceitua como “descapitalização da Universidade Pública”.

E o resultado do descaso estatal com a educação, hoje, sentimos na pele. Milhares de bacharéis (mal)formados por ano no Brasil, a crescente desenfreada das faculdades de Direito no Brasil, índices enormes de reprovação no Exame de Ordem e, neste cenário, a única postura recente que vimos do Poder Público foi o lobby para a extinção do exame da OAB, através do Projeto de lei 2.154/2011, de autoria do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), que teve seu mandato cassado em setembro deste ano. O projeto ainda hoje se encontra em tramitação.

Nesse nefasto cenário, temos por fruto o colapso generalizado no sistema jurídico brasileiro, a ver: o descrédito da atividade advocatícia, o caos no Poder Judiciário com prestações jurisdicionais cada vez mais absurdas e atuações de qualidade duvidosa no juízo de piso, que eleva sobremaneira o número de recursos e apreciações em 2º grau (que também já está em colapso),  e quando chegamos na esfera dos Tribunais Superiores, esbarramos na burocracia e na sobrecarga, com a morosidade que marca negativamente o judiciário. Tanto sim, que hoje, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, é visto pelo corpo social como o paraíso da impunidade, já que os processos se arrastam durante anos, tendo processos que se tramitam por mais de 20 anos sem conclusão. [3]

Aliada à crise político-econômica que passa o Brasil atualmente, esse colapso do sistema educacional é ainda mais impactante, vez que o sistema jurídico é o responsável pela salvaguarda dos direitos e garantias individuais e coletivos, bem como o meio pelo qual se instrumentaliza a batalha contra a violação desses direitos. (Cita-se, nesse ínterim, a Constituição Federal, que em seu artigo 5º traz que a lei não excluirá do Judiciário lesão ou ameaça a direito e o artigo 133, que assevera que o advogado é indispensável à administração da justiça).

Não se pode olvidar a responsabilidade do Estado, através do Ministério da Educação (MEC) na fiscalização das instituições de Ensino Superior, para que o crédito e a qualidade da formação superior em Direito no Brasil possa ser retomado, oportunizando a reestruturação e desenvolvimento do Sistema Judiciário que hoje está em colapso.

Mas ante a inatividade de quem deveria ser o responsável pela fiscalização da atuação das instituições de Ensino Superior, restará aos atores do Poder Judiciário lato sensu a luta pela reestruturação e a retomada do prestígio de outrora desse setor da sociedade?  A responsável seria a OAB, enrijecendo os exames de proficiência profissional, usurpando assim a competência do Estado e fazendo uma “filtragem” dos profissionais habilitados?  Ou do Ministério Público, através da atuação incisiva e o estrito cumprimento dos seus deveres institucionais? Ou ainda, poderemos atribuir a responsabilidade aos magistrados brasileiros, através da busca da reestruturação da sua atuação e pela prestação jurisdicional efetiva?

A atribuição da responsabilidade e uma solução pautada no ativismo institucional, como indagado, exsurge ante a inércia daquele que detém a atribuição constitucional do zelo pela educação, mas o que se espera é que esse quadro possa ser mudado antes que o sistema venha a ruir.

 

REFERÊNCIAS

[1] Portal da OAB. Disponível em: http://www.oab.org.br/noticia/20734/brasil-sozinho-tem-mais-faculdades-de-direito-que-todos-os-paises. <acesso em: 30.nov.2016>

[2] REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 18 DE NOVEMBRO DE 2016. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-nov-18/total-advogados-brasil-chega-milhao-segundo-oab <acesso em: 30.nov.2016> .

[3] III RELATÓRIO SUPREMO EM NÚMEROS O SUPREMO E O TEMPO Disponível em: http://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/iii_relatorio_supremo_em_numeros_-_o_supremo_e_o_tempo.pdf <acesso 30.nov.2016>

 

 

 


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