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O parecer na advocacia pública:responsabilização pela sua emissão

O parecer na advocacia pública:responsabilização pela sua emissão

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Uma análise sobre a responsabilidade do advogado público ao emitir parecer em atos e contratos administrativos.

 

 

RESUMO

Este artigo propõe discutir a responsabilidade do advogado público em pareceres no âmbito das licitações. Assim, serão analisados alguns princípios e preceitos gerais previstos na Lei 8.666/93, é dizer, na lei de licitações. Foram abordados as responsabilidades civil, penal, administrativa e, também , atos de improbidade administrativa. Doutrina, legislação e jurisprudência fundamentam este estudo. Ao final, se conclui que deve haver mais rigor na análise da responsabilidade do advogado público que participa do certame.

Palavras-chave:

Licitação. Advogado. Parecer. Responsabilidade. 

INTRODUÇÃO

Este estudo pretende analisar a responsabilidade do advogado público na emissão de pareceres, não sem antes analisar a atividade deste profissional, a essência de um parecer para ao final, discorrer sobre a responsabilidade do advogado público.

Há uma gama de hipóteses em que a autoridade, para decidir algo, depende de prévia manifestação jurídica. Essa atividade de consultoria está prevista no artigo 131 e 132 da Constituição Federal.

É nessa área vem surgindo controvérsias, muitas delas levadas ao Judiciário, pois os órgãos de controle por vezes tem responsabilizado o administrador, e o advogado que emitiu o parecer que embasou o ato considerado ilegal.

O advogado público é aquele que é demandado por seus superiores em diversas questões práticas, com os mais diferenciados temas técnicos, que por vezes trazem divergências doutrinárias e jurisprudenciais.

Por vezes, também, a legislação proíbe a conduta desejada naquele momento pelo administrador, ou pelo gestor público, e isto ocorre por vários motivos, tais como limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000). O desrespeito às normas legais acarreta graves sanções ao gestor.

Assim, cada vez mais o advogado público é essencial na tomada de decisões do administrador, que por vezes condiciona sua atuação também nas atuações mais simples, temendo em algum momento agir em desconformidade com o ordenamento jurídico pátrio e sofrer as consequências previstas.

Não obstante, há julgados que responsabilizam também o advogado público que emitiu o parecer. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito desse tema, conforme se verá.

Insta salientar que o presente artigo não pretende esgotar o tema, que é por demais amplo, mas apenas convidar à reflexão.

       1.  DA ADVOCACIA PÚBLICA:

Atribuições do advogado público

Como este artigo trata da responsabilidade do advogado público em eventual implicação por opiniões esposadas em pareces, nada mais oportuno que analisar de forma singela as atribuições do advogado público.

Como regra geral, o advogado adota uma postura parcial no processo, e também o advogado público assim atua, no interesse da Administração a que estiver vinculado.

Contudo, quando se tratar de consulta ou parecer, o advogado deve se pautar pela imparcialidade, somente agindo nos limites do que a legislação permite.

No momento, o foco será a função consultiva do advogado público, nos termos do art. 1º, inciso II da Lei nº 8.906/1994, Estatuto da Advocacia, pois:

Art. 1º: São atividades privativas da advocacia:

(...)

II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

A função consultiva exercida pelos advogados públicos “implica o assessoramento, a orientação, a recomendação para a validade e eficácia de atos administrativos e/ou normativos praticados a fim de atender às necessidades finalísticas do ente público ou às necessidades “meio” do órgão” (MORELO, 2013).

Dito isto, passa-se agora ao estudo do parecer e de sua natureza jurídica.

  1. DO PARECER JURÍDICO

2.1.                Do Conceito de Parecer Jurídico:

Como já adiantado, o advogado público atua não só de forma parcial, nas ações judiciais em que representa o órgão em que vinculado, mas também  prestando consultoria e assessoria sobre a legalidade de atos e contratos administrativos.

É nesta função consultiva que o advogado público elabora parecer jurídico, que é a base deste trabalho, mas há também a nota técnica.

Além dos pareceres, os advogados também se manifestam através de notas técnicas, despachos e outros.

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua parecer como sendo “a manifestação opinativa de um órgão consultivo em que este expende sua apreciação sobre o que lhe é submetido”. (BANDEIRA DE MELLO, 2013, p. 444).

Marçal Justen Filho conceitua parecer nos seguintes termos: “ Os atos consultivos são aqueles em que o sujeito não decide, mas fornece subsídios a propósito da decisão. É o caso dos pareceres ” [...] (JUSTEN FILHO, 2012, p. 372).

E Hely Lopes Meirelles leciona o seguinte sobre os pareceres:

[...] Pareceres administrativos são manifestações de órgãos técnicos sobre assuntos submetidos à sua consideração. O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva. (MEIRELLES, 2010, p. 197).

E ainda Oswaldo Aranha Bandeira de Melo resume com propriedade e de forma precisa a definição de parecer como “o ato administrativo unilateral pelo qual se manifesta opinião acerca de questão submetida para pronunciamento”. (BANDEIRA DE MELLO, O., 2010, p. 583).

Observa-se que alguns doutrinadores tratam o parecer como ato administrativo, outros como “ato de administração”.

A seguir, discorreremos sobre a natureza jurídica do parecer.

{C}2.2.                                Da Natureza Jurídica do Parecer:

Como dito há pouco, parte da doutrina, em sua maioria, é verdade, conceitua parecer como sendo um ato administrativo, como por exemplo, Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, p. 444), outros, a exemplo de Silva Neto, como sendo ato de administração, os quais visam constituir situações jurídicas, essa posição é minoritárias, mas a qual se filia a grande administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 221), bem como Carlos Pinto Coelho Mota (2002, apud SILVA NETO; GUIMARÃES, 2012, p. 16), Carlos Valder do Nascimento (2007, apud SILVA NETO; GUIMARÃES, 2012, p. 17) e René da Fonseca e Diego Fernandes Guimarães (SILVA NETO; GUIMARÃES, 2012, p. 13-20).

No sentido desta corrente minoritária, há decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, admitindo que o parecer jurídico não é um ato administrativo, mas apenas uma opinião externada pelo operador do direito, isto ficou assentado no MS 24.073/DF.

Contudo, a doutrina majoritária aponta o parecer como sendo sim um ato administrativo, por meio do qual a administração emite uma opinião sobre determinado tema, sem contudo vincular o administrador quanto aos fundamentos ou conclusões da peça.

Não por acaso boa parte dos manuais de Direito Administrativo insere o parecer no capítulo concernente a ato administrativo, classificando-o como ato administrativo enunciativo. Neste sentido é a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, p. 444) e de Marçal Justen Filho (2012, p. 372).

Convém em um primeiro momento conceituar o que seria ato administrativo, para Diógenes Gasparini:

Toda prescrição unilateral, juízo ou conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedida pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte interessada numa relação, estabelecida na conformidade ou na compatibilidade da lei, sob o fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo, sindicável pelo Judiciário. (2010, p. 112).

Assim, o que se observa é que para a maioria dos doutrinadores, o parecer é espécie do gênero de ato enunciativo, no qual a administração se limita a emitir uma opinião sobre determinado assunto, sem se vincular ao enunciado. (2012, p. 27).

Um outro ponto de extrema relevância é a classificação da doutrina quanto aos tipos de parecer, que será vista a seguir.

{C}2.3.                                Da Classificação dos Tipos de Parecer Jurídico:

Para a doutrina muito seguida de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, os pareceres se classificam em facultativo, obrigatórios e vinculantes, os quais podem conceituar da seguinte maneira:

Parecer facultativo: consiste em opinião emitida por solicitação de órgão ativo ou de controle, sem que qualquer norma jurídica determine sua solicitação, como preliminar à emanação do ato que lhe é próprio. Por outro lado, fica a seu critério adotar, ou não, o pensamento do órgão consultivo. Consiste, destarte, em exercício de poder discricionário quanto ao pedido, e à efetivação do ato relativamente ao parecer. Este, portanto, externamente, não tem relevância jurídica, salvo se o ato a ele se reportar.

Parecer obrigatório: consiste em opinião emitida por solicitação de órgão ativo ou de controle, em virtude de preceito normativo que prescreve sua solicitação, como preliminar à emanação do ato que lhe é próprio. Constituem a consulta e o parecer fases necessárias do procedimento administrativo.

Parecer vinculante, ou (parecer conforme): é o que a Administração Pública não só deve pedir ao órgão consultivo, como deve segui-lo ao praticar o ato ativo ou de controle. Encerra regime de exceção, e só se admite quando expressamente a lei ou o regulamento dispõem nesse sentido. O ato levado a efeito em desconformidade com o parecer se tem como nulo. (BANDEIRA DE MELLO, O., 2010, p. 584).

Essa classificação, por ser muito seguida, será adotada neste trabalho.

Em termos de legislação nacional, tem-se duas normas de extrema relevância, é dizer, o art. 42, §§ 1º e 2º da Lei 9.784/99 e o art. 38, Inciso VI, Parágrafo único da Lei 8.666/93.

Adentra-se agora na análise da responsabilidade do advogado público, ao emitir parecer.

{C}3.                                      DA RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO PÚBLICO QUANDO DA EMISSÃO DE PARECER:

Como já adiantado no resumo deste trabalho, os julgados sobre a responsabilização do advogado público evoluíram por demais nos últimos anos.

Como dito, o advogado público é mero opinador, não é executor de políticas públicas.

Ele deve ser imparcial e livre nos seus pareceres, pautando-se sempre pela observância dos princípios da administração pública, dentre os quais o da moralidade, impessoalidade e legalidade.

Pedro Durão afirma o seguinte:

Deve-se entender, portanto, que o Procurador Público exerce suas funções de consultor, opinador e não, as de executor das políticas públicas implementadas pelo Poder Público, não tendo o dever de agradar a administrador de qualquer órgão ligado aos Poderes do Estado, nem tampouco aos integrantes de seu próprio órgão, tendo liberdade em suas convicções, limitadas, repito, à moralidade, à ética e à legalidade. (2012, p. 65).

Todo agente público deve ser responsabilizado por suas ações, contudo, a função do advogado público é peculiar. E o é pelo fato de o Direito não ser uma ciência exata, dele não se pode extrair juízo de verdade. Antes disso, o Direito é uma Ciência Social. As questões trazidas pelo Direito não são precisas, pois são por demais subjetivas. Por vezes, há dois, três entendimentos sobre o mesmo tema.

 [...] Noutras palavras, todas as decisões justificadas, fundamentadas, conexas e propositadas são razoáveis e, sob essa perspectiva, legítimas, ainda que contra ela existam outras decisões também razoáveis, por vezes adotadas pela maioria dos intérpretes ou por quase a unanimidade deles. (NIEBUHR, 2011, p. 289/290).

Ou seja, há pluralidade de entendimentos. Em sendo razoáveis, todas as hipóteses são legítimas.

Hoje, os Tribunais pátrios tem admitido a responsabilidade do advogado público parecerista, neste trabalho o enfoque será para as decisões do Supremo Tribunal Federal.

A primeira decisão se deu no Mandado de Segurança nº 24.073/DF:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO. PROCURADOR: PARECER. Cf., art. 70, parág. Único, art. 71, II, art. 133. Lei 8.906, de 1994, art. 2, parágrafo 3, art. 7, art. 32, art. 34, IX. 

I - Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo a contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei de licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 13. Ed. São Paulo: Mallheiros, 2001.p.377).II – O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei nº. 8906/94, art. 32. III. – Mandado de Segurança deferido. (MS 24073 / DF – DISTRITO FEDERAL – MANDADO DE SEGURANÇA. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 06/11/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

Neste writ, o Supremo adotou um entendimento minoritário, mas adotado por grandes doutrinadores, como por Celso Antônio Bandeira de Mello e Hely Lopes Meirelles.

A Suprema Corte entendeu pela inexistência de responsabilidade solidária do parecerista com o administrador, já que o parecer não tem natureza jurídica de ato administrativo, mas sim uma opinião emitida pelo operador do direito, que orienta na tomada de decisões. A decisão foi unânime. Contudo, os Ministros assentaram que havendo erro grave, inescusável, o parecerista poderia ser penalizado.

Duas premissas foram consideradas: a de que o parecer é um ato opinativo, que não vincula o administrador na sua opinião; e a de que os advogados são inivoláveis por seus atos e manifestações no exercício da profissão, sendo necessário que ele aja com grave erro, inescusável, e tenha agido com imprudência, negligência ou imperícial, é dizer, com culpa.

Contudo, após 05 (cinco) anos daquele decisum,  no ano de 2007, pois, a Suprema Corte novamente se debruçou sobre o tema, e modificou seu entendimento, quando denegou o Mandado de Segurança nº 24.584/DF, e a ementa restou assim:

ADVOGADO PÚBLICO – RESPONSABILIDADE – ART. 38 DA LEI Nº 8.666/93 – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – ESCLARECIMENTOS. Prevendo o art. 38 da Lei nº 8.666/93 que a manifestação da assessoria jurídica quanto a editais de licitação, contratos, acordos, convênios e ajustes não se limita a simples opinião, alcançando a aprovação ou não, descabe a recusa à convocação do Tribunal de Contas da União para serem prestados esclarecimentos (MS 24584 / DF – DISTRITO FEDERAL – MANDADO DE SEGURANÇA. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO MELO. Julgamento: 09/08/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

Neste mandado de segurança, abordou-se também a atuação do advogado parecerista, mas sob um outro enfoque, qual seja, a responsabilidade do advogado na emissão do parecer exigido pela Lei 8.666/93, em seu artigo 38, parágrafo único.

Por maioria de votos, ficaram vencidos os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Carmem Lúcia, o Supremo Tribunal Federal decidiu responsabilizar o parecerista e o administrador, solidariamente, no caso de assentar que o ato de decisão do administrador dependeu do parecer jurídico para ser concretizado.

Insta observar as colocações feitas pelo Ministro Eros Grau e pelo Ministro Gilmar Mendes, de que o que a lei de licitações faz, em verdade, é o que é feito, também, na iniciativa privada, é dizer, o advogado age apenas como fiscal da lei.

Por fim, a última decisão de importância no tema foi proferida no Mandado de Segurança nº 24.631-6/DF, cujo relator foi o Ministro Joaquim Barbosa, cuja ementa ficou assim redigida:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA PELO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA.I. Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir.II. No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato.III. Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa.Mandado de segurança deferido. (MS 24.631 / DF – DISTRITO FEDERAL – MANDADO DE SEGURANÇA. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 09/08/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

Os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio fizeram ressalva quanto ao fundamento de que o parecerista, na hipótese da consulta vinculante, pode vir a ser considerado administrador.

O Ministro Joaquim Barbosa estabeleceu distinções entre a natureza jurídica do ato opinativo, sendo certo que em se tratando de ato vinculante, ou seja, havendo compartilhamento do poder administrativo decisório, dever-se-ía haver responsabilidade solidária entre advogado e agente público.

O Ministro Joaquim, no MS 24584/DF,  ainda trouxe a baila lição do adminsitrativista René Chapus, que diferenciava os pareceres jurídicos em três espécies: os facultativos, nos quais a prolação da opinião é facultativa, e o administrador a ela não se vincula; os obrigatórios, quando a manifestação é obrigatória e, caso dela discorde, a autoridade deve submeter novo ato a análise; e os vinculantes, quando, ou a autoridade age conforme o parecer ou, simplesmente, não age. O parecer facultativo, no silêncio da lei, não geraria, em princípio – porque com as ressalvas do dolo e da culpa –, responsabilidade. Já o parecer obrigatório atribuiria responsabilidade ao subscritor (compartilhada com a do administrador), e esse seria o caso dos pareceres havidos com base no art. 38, parágrafo único, da Lei n.º 8.666/93. Em tempos de accountability republicana, todas as autoridades públicas, incluindo advogados públicos, deveriam prestar contas por seus atos, razão pela qual denegava a segurança.

Ainda há manifestações do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, mas tais decisões se pautam nesses julgados anteriores.

Como exemplo, tem-se o Agravo Regimental em Mandado de Segurança nº 27.867/DF (Ag.Reg.MS 27.867/DF. Relator(a): Min. Dias Toffoli. Julgamento: 18/09/2012 Órgão Julgador: Tribunal Pleno) e o Mandado de Segurança nº 29.137/DF (MS 29.137/DF. Relator(a): Min. Cármen Lúcia. Julgamento: 18/12/2012. Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

Dúvidas não há de que o advogado público não tem imunidade absoluta na elaboração de seus pareceres jurídicos.

Contudo, com todas as venias ao entendimento esposado no Mandado de Segurança nº 24.631/DF, relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa, o melhor entendimento é o de que a responsabilidade deve ser pautada por critérios objetivos.

O advogado público não pode sustentar qualquer opinião, há limites para a liberdade profissional. O Inquérito 1674 do STF trata da imunidade do advogado.

Os limites impõem o modo como a opinião vai ser expressa, bem como o seu conteúdo (razoabilidade da tese).

Como limites têm-se: a transcrição de dispositivos normativos,; a consulta à jurisprudência atualizada; o apelo ao suporte doutrinário usual; a introdução de inovações a partir de um nível aceitável de redundância; a rejeição do uso exclusivo ou majoritário de opiniões pessoais.

Das decisões do Supremo Tribunal federal, infere-se que, para que haja responsabilização solidária do advogado público,  há necessidade de que haja dolo; erro evidente e inescusável; não adoção de cautela na conclusão da peça; consideração de que as ideias no Direito devem ser homogêneas.

Ainda se pode constatar, desses julgados da Suprema Corte, que: há responsabilidade do advogado público, pois isso está de acordo com o Estado de Direito;  há responsabilidade nos casos de dolo ou erro inescusável; tais agentes públicos podem ser chamados a apresentar explicações, desde que as imputações que se lhes façam digam respeito a esse dolo ou erro inescusável;  pode haver alguma relação entre a obrigatoriedade legal da prolação de parecer e a responsabilização do parecerista: nos casos em que o parecer é obrigatório ou vinculante, o consultor público seria co-responsável pelo ato administrativo.

CONCLUSÃO

Do exposto, conclui-se que o tema da responsabilidade do advogado público comporta várias divergências doutrinárias, e isto se reflete nos Tribunais.

Para revisar, tem-se que há 3 decisões essenciais dobre o tema.

A primeira decisão do STF é a que foi tomada no Mandado de Segurança n.º 24.073-3 – Distrito Federal, cujo julgamento se deu em 6 de novembro de 2002, sendo relator o ministro Carlos Velloso.  Este foi, durante um bom tempo, o leading case sobre o assunto.

A segunda decisão do STF é a havida no Mandado de Segurança n.º 24.584-1 – Distrito Federal, julgado em 9 de agosto de 2007. O relator foi o ministro Marco Aurélio e a decisão foi tomada por maioria, vencidos os ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.

O terceiro precedente é o Mandado de Segurança n.º 24.631-6 – Distrito Federal, julgado em 9 de agosto de 2007, com relatoria do ministro Joaquim Barbosa.

Contudo, não se pode olvidar que o advogado público tem prerrogativas funcionais, não podendo jamais ser considerado um agente público comum, eis que tem peculiaridades, como já explanado.

Longe de ser corporativista, de querer que um manto absoluto cubra ao advogado público, este entendimento se coaduna com o Estado Democrático de Direito.

Mas a responsabilidade do advogado público deve se dar apenas em hipóteses extremamente excepcionais, como na hipótese de dolo, erro evidente e inescusável, culpa ou erro grosseiro, com observância plena do contraditório e da ampla defesa, tanto no âmbito administrativo, quanto no judicial.

O advogado público não pode restar sem punição quando praticar um ato com características de fraude ou crime, sendo certo que agindo em contrariedade à lei, deve ser punido, mas nunca sendo comparado ao administrador, ou colocado na posição neste.

Deve agir com cautela, por vezes dando alternativas ao administrador, para que este aja em consonância com o ordenamento jurídico, pois enquanto que o advogado é apenas opinador, o administrador é quem tem o poder final de decisão.

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