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A natureza jurídico-penal da extinção da punibilidade nos crimes tributários

A natureza jurídico-penal da extinção da punibilidade nos crimes tributários

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Reflexões sobre a questão da constitucionalidade da extinção e/ou suspensão da punibilidade nos crimes tributários. Saiba um pouco mais sobre o assunto, desde as origens do Direito Tributário até os dias (e as polêmicas!) de hoje.

1. Introdução

O presente trabalho versará sobre a questão da natureza jurídico-penal da extinção da punibilidade nos crimes tributários, buscando tratar primeiramente da história e evolução dos tributos no Brasil, demonstrando a origem dos crimes contra o erário, passando pela criação da primeira repartição fazendária em solo brasileiro.

Fica claro e demonstrado, ao longo do presente, que toda a tributação no Brasil seguiu intrinsecamente a evolução do direito penal, com o endosso do Código Criminal do Império de 1830, não somente influenciado pelo Código Criminal Francês de 1810, mas o primeiro de toda a américa. Este códex previa a humanização da pena, consagrando de pranto o princípio da legalidade, deixando lugar especial a determinação do crime tributário em seu artigo 177.

Seguindo esta esteira, em 1832, adveio o Código de Processo Criminal e posteriormente, em 1850 o Código Comercial brasileiro parcialmente revogado com a lei 10.406/2002, todos visando a redução dos crimes de contrabando, descaminho e de sonegação fiscal, além de dar maior praticidade, agilidade e, principalmente, segurança as relações mercantis.

Sem se distanciar dessa ideia de segurança ãs relações mercantis e em especial ao fisco, o Código Penal Republicana de 1890 deixou guarita a um Título exclusivo a proteção tributária, definindo dessa forma os crimes contra a Fazenda Pública.

É com fulcro nisto, na atual legislação, na doutrina dominante, e principalmente nas jusrisprudências das Cortes mais respeitadas dentro do país, que trataremos do tema em tela buscando uma possível explicação sobre este, sua constitucionalidade, efetiva utilidade e as vantagens e desvantagens dessa mazela dada pelo Estado aos contribuintes inadimplentes, com a principal justificativa de preservar um bem maior, qual seja, a necessidade de suprir as carências do Estado por meio dos tributos, que em teoria se convertem para benfeitorias sociais.


2. SINTESE HISTÓRICA DOS TRIBUTOS

Para o início da compreensão do tema abordado, ao longo deste trabalho, é de suma importância entender a origem dos tributos no Brasil, bem como sua inserção no âmbito penal, caminhando-se paralelamente com a evolução social e comercial, ficando cada dia mais complexo.

Ao lado da evolução supracitada, a maior frenquência e multiplicidade de crimes que se espalha tanto nos limites do Estado, quanto para além deles corrobora de forma decisiva a essa evolução constante do sistema tributário e a consequente amenização de suas penas, chegando-se até à sua extinção dependendo do caso, como forma de promover um maior interesse nos devedores para adimplir com suas obrigação, em clara tentativa de minimizar os danos causados ao próprio erário.

2.1. ORIGEM DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO

Não restam dúvidas de que, desde os primórdios da sociedade, desde as primeiras compilações legais instituídas, o homem sempre tentou criar meios para burlar a ordem legal instituída à sua época. E os crimes tributários não fogem a esta realidade, sendo um dos mais antigos já discriminados, uma vez, que de uma forma ou de outra, a sociedade sempre fora refém de relações governamentais e comeciais, sendo os tributos consequências fatídicas destas.

Nenhuma sociedade politicamente organizada se sustenta sem o recolhimento fiscal, este serve de base para todas as suas utilidades e serviços possibilitando o fornecimento destes para seus cidadãos. Logo, não é de se surpreender que um dos primeiros crimes tributários foi a sonegação de tributos.

Surgindo paralelamente a esse contexto as relações comerciais/mercantis foram gerando cada vez mais lucro aos comerciantes que inicialmente eram limitados as corporações de ofício. O Estado, ao ver que esta poderia ser uma de suas maiores fontes de arrecadação passou a explorá-la, impondo desse modo uma alta carga tributária sobra cada produto e serviço negociado.

Fora nesse ponto que surgiu o primeiro impasse: o número de comerciantes era relativamente pequeno, justamente pelo fato de haver a necessidade de ser membro das corporações de ofício para poder exercer regularmente a atividade, assim, o Estado brilhantemente encontrou a solução ao referido impasse, qual seja, o fim das corporações de ofício e respectiva necessidade de filiação àquelas.

A partir desse ponto, por volta de 1805 fora desenvolvido o Código Cívil Napoleônico. Um de seus Capítulos previa os Atos de Comércio, pelos quais qualquer pessoa que se enquadrasse nas condições ali compiladas seria tido como comerciante, aumentando expressamente a quantidade de pessoas nessas condições e consequentemente o fisco.

O Brasil não fugiu muito a essa lógica, sendo que desde seu “descobrimento” em 1498 havia a atividade mercantil aqui. Iniciando-se pelo escambo, evoluindo para o sistema de extração do “Pau-Brasil”, exploração da cana de açúcar, o tráfico negreiro, a retirada das “drogas do sertão”, as bandeiras, a exploração agropecuária, a extração mineral dentre várias outraz. Sempre sendo recolhidos e enviados a Portugual os tributos pelas atividades aqui existentes.

Fora como consequência desta exploração mercantil que surgira outro tipo de crime contra o erário, o contrabando.

2.2. As Ordenações Filipinas

As Ordenações Filipinas passaram a vigorar com o fim das Ordenações Manuelinas que perduraram de 1521 até 1603, sendo marcada pela forte represaria e enormer volência de suas punições, trazendo em si uma forte mistura de interesses da Igreja e do Estado. Nesse período a imposição portuguesa sobre o Brasil era tamanha que a pena fugia aos objetivos punitivos estatais, quais sejam, a defesa e tutela dos bens jurídicos de maior importância ao Estado, punindo desproporcionalmente qualquer tipo de conduta, independente de seu potencial lesivo, fato que “per si” contraria o direito penal como a última ratio.

Nas sábias palavras do professor Mirabete, tem-se a confirmação de que o direito penal e suas respectivas represarias tem fundamento e limite, devendo se ater a bens jurídicos de suma importância ao convívio social, vejamos:

(...) a pena deve ser reservada para os casos em que constitua o único meio de proteção suficiente da ordem social frente aos ataques relevantes. Apenas as condutas deletérias da espinha dorsal axiológica do sistema global histórico-cultural da sociedade devem ser tipificadas e reprimidas1. (...)

Como neste período não havia uma completa compilação tributária, as referidas Ordenações eram aplicadas a este ramo do direito de forma subsidiária.

Com o passar do tempo e advento da mineração ao longo do século XVIII, a Coroa Portuguesa teve de alterar sua forma de controle sobre as taxas para que não perdesse grande quantidade de tributos, dessa forma estabeleceu o quinto, ou seja, era debitado de qualquer quantia de ouro extraído a quantia de 20% que se destinava ao Fisco.

Tal medida gerou imensa insatisfação por parte dos mineradores, que passaram a burlar constantemente o precário sistema tributário vigente. Fora nesta ocasião que começara a haver uma diferenciação na aplicação das penas com claro benefício aos mais abastados, onde as penas cominadas geralmente eram de confisco da mercaria sonegada, quando não se convertia em multa devido baixo potencial lesivo de suas condutas.

2.3. A Derrama

Devido à imensa sonegação fiscal vivida no país, Portugual mais uma vez tentara minimizar os efeitos dos crimes contra o Fisco, instituindo as primeiras casas de fundição em território brasileiro, e proibindo porte e transporte de Ouro em pó ou em pepita. Dessa forma, todo ouro era fundido, separando-se a quinta parte a título de impostos, e “timbrando” um certificado ao seu proprietário para que este pudesse comprovar a legalidade de seu produto.

Indo ainda mais além Portugual instaurou metas para a arrecadação, fixando-as em 100 arrobas que quando não atingidas dava direito a Coroa de decratar a derrama, confiscando assim tudo o que encontra-se até perfazer sua meta.

Quando a derrama era instaurada, a “capitania ficava polvorosa. A força armada se mobilizava, a população vivia sobre o terror; casas eram violadas a qualquer tempo, as prisões se multiplicavam. Todos estavam sujeitos a perder seus bens, sua liberdade, quando não sua vida”2.

Diante deste contexto de extrema irracionalidade surgiu o Códico Criminal Brasileiro, em 1830, que veio a “humanizar” e traçar limites até então inexistentes diante das Ordenação Filipinas, trazendo consigo um Título específico ao Direito Penal Tibutário.

Com o advento do Código de Processo Criminal de 1832, foi-se tendo uma certa descriminalização dos crimes tributários, uma vez que os mesmos não traziam riscos ou grande danosidade social.

2.4. A República e o crime TRIBUTÁRIO

Com o advento da República dos Estados Unidos do Brasil, em 1889, fora instaurado o novo Código Penal brasileiro, agora denominado de republicano, com um espaço bem reservado ao tratamento dos crimes contra a ordem tributária nacional, intitulado de “Dos Crimes Contra a Fazenda Pública”.

Neste ponto, a Constituição apenas previu a imposição de impostos para a União e os Estados, sendo que no ano de 1922 foi instaurado no Brasil o Imposto de Renda através da Lei 4.625/22 promulgada pelo então presidente Artur Bernardes. Mais precisamente tratava do assunto o artigo 31 de referida lei, afirmando que o imposto seria recolhido anualmente, não importando se o contribuinte fosse físico ou jurídico, verbis:

“Art. 31. Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto liquido dos rendimentos de qualquer origem.”  

A presente medida fez surgir ainda mais crimes contra o erário, ampliando-se o leque de delitos cometidos.


3. BASES DA PUNIBILIDADE NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS – FINALISMO DE WELZEL E TEORIA DO DOMINIO DO FATO DE ROXIN

Nos Crimes Tributários só há uma modalidade de conduta apta a ensejar o delito ora em questão, qual seja, a forma dolosa, uma vez que aquele que viola o erário com vistas a obter vantagens para si é impossibilitado de agir culposamente. Fato que por suas próprias razões se justifica, ou seja, é impossível transgredir o fisco sem que o agente tenha a vontade e a consciência de fazê-lo, jamais se concretizando pela negligência, imprudência ou imperícia.

O direito penal como um todo defende a máxima individualização da pena, uma vez que a culpabilidade de cada agente é única no comentimento do delito, sendo impossível apenar sem observar esse grau de culpabilidade. Dessa forma, a sanção penal varia conforme o grau de reprovabilidade da conduta transgressora do tipo.

Nessa seara, aquele que comete o ilícito tributário tem ampla cognição de sua conduta, a realizando dolosamente voltado a um fim pré determinado, que na grande maioria das vezes é burlar o sistema tributário objetivando o enriquecimento ilícito e as vantagens econômicas oriundas deste.

É neste ponto que se insere perfeitamente a teoria finalista de Welzel, para quem os humanos são seres dotados de vontade e de razão, vindo racionalmente a utilizar destas para orientar seus atos à fins lícitos ou não, sendo justamente essas caracteríscas que ensejam suas ações e omissões, sejam elas relevantes ou não ao direito penal.

Welzel discorre que “a ação humana é o exercício da atividade final, sendo, portanto um suceder ‘final’, e não somente causal. Este caráter da ação baseia-se em que o homem, graças ao seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as conseqüências possíveis de sua atividade.”3

Aprofundando-se no tema, descreve ainda que:

“Em virtude de seu saber causal prévio pode dirigir os distintos atos de sua atividade no sentido de produzir determinados efeitos. A atividade final é um executar orientado consciente de um fim, ao contrário da ação causal que não se encontra orientada dessa maneira, e sim como uma resultante casual de componentes causais existentes em cada caso. Por isso a finalidade é – graficamente – ‘vidente’, e a causalidade ‘cega’”4. (grifamos). 

É nesse contexto que surge a teoria do Domínio do Fato, desenvolvida por Roxin, em 1963, podendo, para os fins do presente trabalho, ser enquadrada como uma ‘subespécie’, ou melhor, uma extensão da teoria finalista, uma vez que ela dita que o ser humano, racional e movido pela vontade, tem pleno domínio do fato que porventura venha realizar.

Melhor dizendo, nas palavras de Zaffaroni, tem-se que aquele que possui o domínio do fato tem o pleno controle do curso de sua ação, ou seja, o ‘se’ e o ‘como’ do fato, sendo assim plenamente capaz de decidir a seu respeito.5

É nesse mesmo sentido o pensamento de Bitencourt, senão vejamos: 

Autor, segundo a teoria do domínio do fato é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. Essa teoria tem as seguintes conseqüências: 1ª) a realização pessoal e plenamente responsável de todos os elementos do tipo fundamentam sempre a autoria; 2ª) é autor quem executa o fato utilizando a outrem como instrumento (autoria mediata); 3ª) é autor o co-autor que realiza uma parte necessária do plano global (domínio funcional do fato), embora não seja um ato típico, desde que integre a resolução delitiva comum. Co-autoria é a própria autoria. (...) bastando à consciência de cooperar na ação comum. É a atuação consciente de estar contribuindo na realização comum de uma infração penal.”6 (grifamos)

É aqui que se fundamenta a ideia de que não se tem diferença entre o autor direto do fato e aquele que simplesmente o auxilia, propiciando de qualquer forma que seja a obtenção do resultado almejado, mais especificadamente, no caso dos delitos tributários, a agressão ao erário. Punindo-se aquele que venha a deter o domínio pleno do fato, na medida do dano causado e da sua culpabilidade.


4. REQUISITOS PARA A APLICAÇÃO DE PENA NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA X OBJETIVA

É de absoluto consenso dentro da doutrina majoritária a impossibilidade de se atribuir um fato punível a uma pessoa sem que essa por meio de dolo ou culpa tenha contribuído diretamente para seu resultado, ou seja, a pena se liga ao autor na medida de sua culpabilidade.

A aplicação da responsabilidade subjetiva no Brasil esta pautada no princípio da culpabilidade, implícito na Constituição Federal da República Federativa do Brasil, e expressamente, na Lei Ordinária Penal, vejamos:

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (grifamos)

Logo, só pode ser punido, na esfera criminal, o autor do fato punível que podia comportar-se de forma distinta, ou seja, conforme o Direito e que optou racionalmente em desvirtuar-se da legalidade. O poder agir de maneira diverso/distinta é justamente a essência desse princípio.

É esse o entendimento do ilustre mestre Luiz Regis Prado7, o qual pede vênia reportar-se, que afirma essa exigência da responsabilidade subjetiva significa dizer que, havendo tanto delito doloso quanto culposo, a consequência jurídica deste deve ser proporcional ou, ao menos, adequada à gravidade do desvalor da ação representado pelo dolo ou pela culpa do autor.

‘A contrariu sensu’, contrariando doutrina majoritária do Direito Penal - fundada na responsabilidade pessoal e na culpabilidade – porém de suma importância discorrer, está a responsabilidade objetiva. Quem defende essa corrente ao direito penal brasileiro afirma que a lei determina que o agente responda pelo resultado, independentemente da ação com dolo ou culpa.

Ou seja é a lei a fonte indicadora de quem será punido, causando assim grande instabilidade e ampla/perigosa discricionariedade ao legistador para punir aquele que lhe represente ameça.

É nesta linha que se funda o pensamento do alemão Gunter Jackobs8, na qual o Estado deve punir todos que lhe representem alguma ameaça, independentemente do cometimento de um delito culpável, essa tese com todas as suas peculiariedades não é aplicada no Ordenamento Jurídico brasileiro.

Aparentemente, no Brasil só há uma ocasião em que vige a responsabilização objetiva, qual seja nos casos de danos ambientais, uma vez que o meio ambiente é direito difuso, de todos indiscriminadamente, e sua reparação deve ser total, integra e ilimitada, fazendo jus assim a responsabilização objetiva, pautando-se na presunção do dever de reparar daquele que tenha poluído, independentemente da presença de sua culpa. Com efeito, verifica-se no ordenamento jurídico pátrio, que as infrações penais contra o meio ambiente são de natureza pública incondicionada.

Esse pensamento é justificado pelo ilustre mestre Vladimir Passos de Freitas9 leciona,

“o meio ambiente é bem jurídico de difícil, por vezes impossível, reparação. O sujeito passivo não é um indivíduo, como no estelionato ou nas lesões corporais. É toda a coletividade. O alcance é maior. Tudo deve ser feito para criminalizar as condutas nocivas, a fim de que o bem jurídico, que na maioria das vezes é de valor incalculável, seja protegido” (grifamos) 

Posto isto, fica fácil a compreensão de que o ordenamento jurídico pátrio não deixa espaço a responsabilização objetiva do Autor, salvo na hipótese ambiental acima explanada.

Nos delitos tributários, a linha seguida é a mesma, ainda mais porque aquele que comete o delito tributário obrigatoriamente age com dolo, punindo-se o Autor na “exata” medida de sua culpa, com vistas a retribuir o mal causado.

Ou seja, aqui deve-se investigar a intenção do agente em face do resultado, identificando e individualizando a conduta comissiva ou omissiva para a imposição de responsabilidade criminal por infringência ao ordenamento penal tributário. Essa individualização da pena está inserida no princípio fundamental de que a responsabilidade é pessoal, na forma do art. 137 do CTN, ‘in verbis’:

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;

Dessa forma, facilmente delimita-se os requisitos para a punibilidade do agente que burla o erário como sendo, primeiramente a ocorrência de ação dolosa, a apuração da extensão dos danos causados, a inexistência da causas excludentes da punibilidade, determinan-se por fim a quantidade e espécie da pena a ser aplicada, respeitando-se a culpabilidade do Autor, conforme os ditames do princípio da culpabilidade supracitado.


5. PRINCIPAIS EXCLUDENTES DA PUNIBILIDADE NOS DELITOS TRIBUTÁRIOS

Ultrapassados a análise analítica acerca do delito, qual seja, uma ação típica, antijurídica e culpável chega-se ao fato punível, e como consequência à pena. Assim, conforme Francisco Muñoz Conde 10

“Com a constatação da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade pode-se dizer que existe um delito completo em todos os seus elementos. Em alguns casos exige-se, contudo, para a punição de um fato como delituoso, a presença de alguns elementos adicionais, que não podem ser incluídos nem na tipicidade, nem na antijuridicidade, nem na culpabilidade, porque não correspondem à função dogmática e político-criminal dessas categorias.”

A punibilidade aqui tratada, se dá em outro âmbito, ela deixa de ser considerada como aquela atinente à teoria geral do delito, sendo anexada as consequências jurídicas do delito.

A extinção da punibilidade nada mais é senão o desaparecimento da pretensão punitiva ou executória do Estado, devido a obstáculos normativos. Elas doutrinariamente se dividem em gerais e específicas, ou seja, as gerais são aquelas aplicadas a todos os delitos, enquanto as específicas se aplicam apenas a determinadas espécies.

Seus casos de incidência são alinhavados no rol exemplificativo do artigo 107 do Código Penal, tendo diversas outraz causas na legislação extraordinária e específica sobre determinados delitos.

Delimitando o tema, e expresso o artigo 156 do Código Tributário Nacional que alinhava as causas de extinção do crédito tributário, as quais passa-se a uma análise geral.

5.1PAGAMENTO

O pagamento é a forma de extinção mais primitiva do vínculo obrigacional com o Estado nos delitos contra a ordem tributária, quebrando completamente o linhame entre o erário público e o seu devedor. Decretando, assim, o fim da exigibilidade do crédito tributário, que outrora fora quitado. Assim posto, o pagamento é a causa ordinária pela qual se extingue o crédito tributário.

Essa extinção da punibilidade nos delitos contra a ordem tributária traz como princípio a reparação do dano causado ao fisco, visto que o delito representa a supressão ou redução de tributo.

5.2. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Os institutos da prescrição e da decadência deveras são muito semelhantes, causando certa confusão inclusive entre a comunidade jurídica, entretanto não há motivos para tamanha preocupação.

A prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso de tempo. Enquanto a decadência é a perda do direito de ação privada ou representação, em decorrência de não ter sido exercido no prazo previsto em lei.

Dessa forma, tem-se que a prescrição é atinente ao Estado, ao seu dereito de exercer o ‘jus puniendi’, de exiger o cumprimento coercitivo das predeterminações legais sob a ameaça de sanção. Enquanto a decadência envolve o direito individual, subjetivo do sujeito da relação em mover a ação, que após transcorrido o prazo legal fica impossibilitado de realizar tal ato.

Os prazos prescricionais, na seara criminal, dependem da pena concretizada fixada em sentença condenatória, sendo contada em função da pena aplicada, caso não haja recurso da acusação.

De forma conclusiva vale explicitar o pensamento de Mirabete:

“(...) justifica-se o instituto pelo desaparecimento do interesse estatal na repressão do crime, em razão do tempo decorrido, que leva ao esquecimento do delito e a superação do alarma social causado pela infração penal. (...) Ocorrido o crime, nasce para o estado a pretensão de punir o autor do fato criminoso. Essa pretensão deve, no entanto, se exercida dentro determinado lapso temporal (...). Escoado esse prazo, que é submetido a interrupções ou suspensões, ocorre a prescrição da pretensão punitiva, chamada impropriamente de prescrição da ação penal. Nessa hipótese, que ocorre sempre antes de transitar em julgado a sentença condenatória, são totalmente apagados todos os seus efeitos, tal como se jamais tivesse sido praticado o crime ou tivesse existido sentença condenatória”.11

Já a decadência ocorre de forma direta nas ações privadas, ou seja, quando o Estado transfere ao indivíduo o direito de processar, caso queira, vigindo o princípio da oportunidade em relação ao direito de queixa. Todavia, nas ações públicas, mais especificamente, nas condicionadas, ocorre de forma indireta por estar sujeita a prévia representação do ofendido, uma vez que caso desapareça o direito subjetivo de delatar, fica o promotor de Justiça impossibilitado de agir.

5.3. DENÚNCIA ESPONTÂNEA

A denúncia espontânea consta no artigo 138 do CTN tendo como principal efeito afastar a responsabilidade tanto pelas infrações administrativas quanto pelas criminais, desde que feita antes de se iniciar o procedimento administravivo e mediante o pagamento do tributo até então suprimido.

‘Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.’ (grifamos)

Dessa forma, como visto acima, a ação fiscal é excluída, ficando o “ex-violador” do fisco livre de qualquer consequência. Para ser mais claro, faz jus relatar que a ação fisca é aquela movida pelo próprio fisco, visando apurar a existência de um crédito tributário, que outrora fora suprimido ou reduzido, e, conseqüentemente, cobrá-lo. De outro modo, pode ser definida igualmente por ser o procedimento administrativo estabelecido pelo erário público em razão de violação dos tributos e leis fiscais.

5.4. ANISTIA FISCAL

O instituto aqui explanado está contida no artigo 17512, inciso segundo. Esse instituto nada mais é senão o perdão do infrator fiscal pelo próprio Estado, da falta por aquele cometida quanto aos deveres tributários.

Assim, conforme o instituto ora em questão, caso concedido pelo Estado ao infrator, restará totalmente extinta, ou melhor, excluída a pretensão punitiva daquele em relação a este. Alcançando, por conseguinte, os sentidos de perdão, aqui em significado ‘latu sensu’, uma vez que compreende tanto o ilícito, quanto a multa.

Vale ressaltar, ainda, que os institutos da anistia e do indulto não se confundem no âmbito penal, sendo a primeira o perdão do delito culpável outrora praticado, já o segundo é o perdão da pena cominada oriunda da ação delitiva que já restará comprovada, sendo que somente a anistia tem o condão de excluir a punibilidade.


6. BREVE ANÁLISE DAS LEIS TRIBUTÁRIAS

Como toda a história dos tributos no Brasil, é primordial citar também a história de suas leis, trazendo a sua evolução temporal, fazendo valer para tanto, trazer algumas de sua principais mudanças no que concerne a extinção da punibilidade nos delitos tributários, mais especificadamente, a forma com que esta é feita.

6.1. LEI 4.729/65

A referida legislação trazia as definições do crime de sonegação fiscal e dava suas providência, entretanto, o que mais importa para o presente tema estava contido em seu artigo 2°, caput, que tratava especificadamente da extinção da punibilidade nos casos de delitos tributários.

“Art 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nesta Lei quando o agente promover o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria. (Vide Decreto-Lei nº 94, de 1966) (Vide Lei nº 5.498, de 1968) (Vide Decreto-Lei nº 1.650, de 1978) (Revogado pela Lei nº 8.383, de 30-12-1991.)” (grifamos)

Não restando qualquer dúvida de que somente ocorria a extinção da punibilidade por meio do pagamento antes suprimido, se o mesmo fosse realizado antes do inicio da ação fiscal.

6.2. LEI 8.137/90

Esta lei traz em seu bojo, logo no artigo primeiro a definição de crime tributário, como sendo a supressão ou redução de tributos, ou sua contribuição social e qualquer acessório, sob a pena de reclusão de 2 a 5 anos, além de multa. Essa multa é fixada entre 10 e 360 dias-multa13, sendo que cada dia-multa não poderá ser menor que 14 e nem superior a 200 BTN’s (Bonus do Tesouro Nacional). 

“Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório (omiss)

(...)

Art. 8º. Nos crimes definidos nos artigos 1º a 3º desta Lei, a pena de multa será fixada entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Parágrafo único. O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a 14 (quatorze) nem superior a 200 (duzentos) Bônus do Tesouro Nacional - BTN.”

Ponto interessante a mencionar é o atinente à responsabilidade subjetiva como forma de punição do infrator do erário público, uma vez a incidência do dolo em sua conduta particular com o intuito de suprimir tributos, respondendo, assim, na medida de sua culpabilidade, fato transcrito no Art. 11 da presente norma.

Por fim, observa-se a omissão do legislador quanto a extinção da punibilidade do agente que tem sua conduta subsumida a tipicidade da norma, levando a conclusão que esta considera-se excluída nos mesmos moldes da Lei 4.729/65, ou seja, pelo pagamento do tributo suprimido, desde que feito antes do início da ação fiscal.

6.3. LEI 9.249/95

A presente norma foi sancionada com o principal fulcro de regularizar as contribuições de imposto de renda das pessoas jurídicas, além da contribuição social sobre o lucro líquido das mesmas. Sendo de suma importância o conteúdo constante de seu artigo 34, onde fica expresso de forma clara a forma de extinção da punibilidade da pessoa jurídica sonegadora.

“Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

Conforme lê-se do presente artigo, fica claro que a extinção da punibilidade se dá pelo pagamento do tributo. E, como bem dita a norma, as suas sutis alterações em relação as Leis 4.729/65 e 8.137/90 primeiramente está na nova opção de pagamento, ou seja, pode-se pagar ou o tributo suprimido ou a contribuição social das pessoas jurídicas.

Em segundo lugar de-se, agora, para a obtenção do benefício pagar igualmente, ou melhor, conjuntamente os acessórios oriundos da até então violação do erário. Mantendo-se intocável o tempo que se deve realizar a regularização, qual seja, antes do recebimento da denúncia.

​ 6.3.1. DO PARCELAMENTO

Abrindo parênteses, de acordo com Rodrigo Sánchez Ríos14 a presente norma, especificadamente por meio do artigo 34 supradeclinado, traz a polêmica do parcelamendo da dívida fazendária como forma de extinção da punibilidade estatal, afirmando que o mesmo deve ser entendido como forma de suspenção do processo, e não extinção da punibilidade.

Indo mais além o ilustre mestre afirma:

“Na nossa realidade, o que o instituto de extinção de pena, da aplicação excepcional para alguns crimes, entre eles o fiscal – incluído o tipo penal do art. 95, d, da Lei 8.212/91 – não pode é criar situações diferenciadas no tocante ao pagamento do débito vencido, ou seja, não pode privilegiar apenas aqueles que reúnem condições econômicas para efetuar o pagamento integral do débito, em detrimento daqueles que carecem de recursos para tanto. (...) Impõe-se, portanto, a equiparação entre o parcelamento do débito regularmente cumprido e o pagamento imediato do débito tributário ou da contribuição social.” (RÍOS, p. 172)

Dessa forma, é claro a extinção da punibilidade por meio do pagamento integral, não ficando claro porém, a pretensão do legislador no tocante ao parcelamento. Ficando essa divergência entre a omissão daquele e o posicionamento doutrinário, fato este que ensejou a instituição do Programa de Recuperação Fiscal em abril de 2000.

6.4. LEI 9.964/00 – ‘REFIS’

Nesta seara, surge a Lei 9.964/00 que institui o Programa de Recuperação Fiscal – REFIS – com o intuito de recuperar os tributos e contribuições sociais devidos a Fazenda Pública. Sua definição e objetivo encontra-se em seu artigo 1º.

“Art. 1º É instituído o Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, destinado a promover a regularização de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com vencimento até 29 de fevereiro de 2000, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive os decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos.” (grifamos)

Logo, vê-se a partir de então que os créditos devidos até 29 de fevereiro de 2000, poderiam ser regularizados, não importando o tempo, desde que antes do recebimento da denúnica criminal, por meio do pagamento. Trazendo uma vantagem imensa ao erário que a partir de então recolheria uma quantidade imensa de tributos até então suprimidos, obtendo assim, a confissão irrevogável e irretratável dos débitos consolidade e parcelados (Art. 3º, I, Lei 9.964/00).15

A referida legislação fora criticada pela doutrina, sendo classificada como uma ‘anistia mal disfarçada de moratória’16

Tentando o legislador delimitar o REFIS, institui aquele o art. 15 da referida norma estabelecendo um caráter temporal, onde a pretensão punitiva do Estado só é suspensa caso a Pessoa Jurídica conste nos quadros do programa antes do recebimento da denúncia criminal.

“Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no artigo 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no REFIS, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.” (grifamos)

Por fim, tem-se que o parcelamento que alude o art. 34 da Lei 9.249/95 tinha tempo pré determinado e parcelas fixas, fato que não se observa na REFIS, uma vez que aqui o devedor pode reajustar os valores das parcelas bem como dilatar o prazo para o fim do pagamento quantas vezes desejar, da forma como melhor lhe convir. Esta ampla opção de forma de pagamento ao fisco vem estabelecida ao longo do Art. 2º, §4º, II, da Lei 9.964/00.17

6.5. LEI 10.684/03 – ‘PAES’

Esta norma, bem como as demais anteriores, segue uma mesma linha, não trazendo em seu bojo grandes modificações. Ela instituiu o PAES, ou melhor dizendo, o parcelamento especial que será discricionado na sequência.

O que de mais significativo é observado ao longo desta legislação é que a punibilidade estatal se extingue mediante o pagamento a qualquer tempo, não importando agora se seja anterior ou posterior ao recebimento da denúncia. Essa é a dicção de seu artigo 9º.

“Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.”

A omissão do legislador quanto a indefinição de qualquer prazo para o efetivo pagamento do débito faz crer que este pode ocorrer mesmo após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória por qualquer crime tributário.

Entretanto, para que a pretensão punitiva estatal seja afastada é necessário que o devedor do fisco efetue o pagamento integral do montante devido, inclusive os acessórios – como já predeterminava a Lei 9.249/95 - não importando se o pagamento seja parcelado ou não (ditames do Art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/03).18

Lembrando que até a completa liquidação da dívida, a pretensão punitiva do Estado fica suspensa, extinguindo-se por sua vez após a efetivação do montante devido pago.

Outra diferença em relação à Lei 9.964/00, que faz jus relatar é que, para a Lei ora declinada, há um prazo estabelecido como máximo para o término do parcelamento do débito, qual seja, 180 meses (Art. 1º, caput, Lei 10.684/03)19. Além de que, para esta nova norma o parcelamento se estende tanto às pessoas jurídicas, quanto às pessoas físicas que pretendem regularizar sua situação com o fisco, esse é o entendimento de Rodrigo Sánchez Ríos20.

6.6. LEI 12.382/11

Por fim, resta discorrer brevemente sobre a Lei 12.382/11, que trouxe outra alteração no que tange a extinção pelo pagamento, devendo este, novamente ser efetuado até o recebimento da denúncia criminal, e não mais a qualquer tempo como anteriormente previa a Lei 10.684/03.

Esse é o que resta transcrito no art. 6º da referida legislação, senão vejamos:

“Art. 6º O art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1º a 5º, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6º:

"Art. 83.....

§ 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.

(...)

§ 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.”

Assim, conclui-se da mais atual legislação pertinente ao assunto, que o devedor do erário só terá extinta sua punibilidade caso efetue a totalidade do pagamento de seu débito, inclusive os acessórios a ele inerentes antes do recebimento da denúncia criminal.


7. VÍCIOS DE CONSTITUCIONALIDADE INDIRETOS REFLEXOS DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DOS CRIMES TRIBUTÁRIOS

O instituto da extinção da punibilidade nos delitos tributários traz em sei seio, para não dizer um vício de constitucionalidade propriamente dito, no mínimo uma contradição constitucional implícita.

Contradição com a Carta Magna no sentido de que ao se suprimir tributos, violando diretamente o erário, viola-se também os direitos fundamentais, coletivos e difusos defesos na Lei Maior, e o legislador ao permitir que se extingua a pretensão estatal de chamar para si o ‘jus puniendi’ permite consequentemente a transgressão desses direitos, prejudicando não somente uma pessoa, ou até mesmo um grupo de pessoas, mas toda a sociedade que desses direitos fazem jus.

É defeso no artigo 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação21. Dessa forma, o mais importante para o tema no referido artigo é a afirmação que a saúde é garantida mediante políticas econômicas, políticas estas que ficam depreciadas quando ocorre a supressão de tributos.

Outro caso de especial atenção é o constante do artigo 201, que disciplina acerca da previdência social trazendo suas funções tais como, a título de exemplo, cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada, a proteção à maternidade, e a proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário, sendo de primordial importância para a coletividade.

Por fim, outro exemplo de primordial importância demonstrar, é o caso do artigo 205 que prescreve que a educação, é direito de todos e dever do Estado e da família, sendo promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Aqui, novamente se tem a função estatal em promover a educação, que senão a maior herança deixada por um país a seus nacionais, uma das maiores, produto de políticas econômicas e sociais que demandam de grande poderio monetário, dessa forma, burlando o fisco reduz-se gradativamente os investimentos nessa área.

Logo, a insconstitucionalidade do instituto alvo do presente não é declarada, investigada, ou sequer questionada, sendo o mesmo aplicado e validado pelas máximas cortes e tribunais pátrios, uma vez que o intuito da aplicação da extinção da punibilidade nos delitos tributários tem o fulcro de tentar receber em parte o que anteriormente fora suprimido.

Este vício aqui tratado é meramente indireto, podendo ser compreendido por meio da violação indireta de inúmeros direitos garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, ocorridos diretamente quando da ocorrência do delito, podendo vir, ou não, a ser reparado posteriormente, a longo prazo.


​ 8. O ATUAL POSICIONAMENTO DO STJ E STF

Tanto o STF quanto o STJ, até a entrada em vigor da atual lei em vigência, qual seja 12.382/11, mantinha grande divergência quanto ao entendimento de que para ocorrer a extinção da punibilidade nos crimes tributários tinha de se haver o pagamento dos tributos suprimidos, ou estar incluído nos programas de parcelamento do governo, quais sejam REFIS e PAES, respectivamente as leis 9.964/00 e 10.684/03, antes ou depois do recebimento da denúncia criminal.

Prova disto se faz pelas jurisprudências colacionadas, mostrando a divergência entre a 5ª Turma e a 6ª.

“PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – DESCAMINHO – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – PAGAMENTO DO TRIBUTO ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA – APLICAÇÃO DO ART 34 DA LEI Nº 9.249/95 – Ubi Eadem Ratio Ibi Idem Ius. 1. Não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral. 2. Diante do pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, de rigor o reconhecimento da extinção da punibilidade. 3. Ordem concedida.” (STJ – HC 48.805 – 6ª Turma – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJU 19.11.2007) (grifos não constantes no original)

“HABEAS CORPUS – PENAL – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – ART 1º, INCISO II, DA LEI Nº 8.137/90 PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO – APLICAÇÃO DO ART 9º, § 2º, DA LEI Nº 10.684/2003 – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – 1- O pagamento integral dos débitos tributários, ainda que posterior ao recebimento da denúncia ou da sentença condenatória não transitada em julgado, extingue a punibilidade dos crimes tipificados nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, por força do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03, de eficácia retroativa por força do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal. 2- Ordem concedida.” (STJ – HC 120.024 - (2008/0246148-8) – 5ª Turma – Rel. Minª Laurita Vaz – DJe 11.05.2009) (grifos não constantes no original)

O STF até a vigência da Lei 12.382/11 seguia a mesma linha do STJ havendo divergência de entendimento entre suas Turma no âmbito temporal do pagamento.

Atualmente, costuma-se seguir o entendimento da lei acima citada, em vigor, entretanto, observa-se um crescente ativismo judicial, onde os Juízes, Desembargadores e, principalmente, os Ministros, vêm compreendendo certas legislações como “letra morta”, fazendo-se valer de seu próprio entendimento face a lei vigente.

Exemplo disto é o Acódão abaixo selecionado, onde o r. Ministro Dias Toffoli entendeu por bem permitir a validade da extinção da punibilidade dos delitos tributários para os casos de pagamento integral do débito nos moldes da Lei 10.684/03, ou seja, a qualquer tempo, afirmando para tanto que a Lei 12.382/11 não discrimina disposição em contrário, deixando de aplicar o disposto em seu Art. 6º.

“Art. 6º O art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1º a 5º, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6º:

"Art. 83.....

§ 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.

Vejamos o entendimento do ilustre Ministro:

“HABEAS CORPUS – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – TESE NÃO ANALISADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO PELA SUPREMA CORTE – INADMISSÍVEL SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – PRECEDENTES – NÃO CONHECIMENTO DO WRIT – Requerimento incidental de extinção da punibilidade do paciente pelo pagamento integral do débito tributário constituído. Possibilidade. Precedente. Ordem concedida de ofício. 1- Não tendo sido analisada pelo Superior Tribunal de Justiça defesa fundada no princípio da insignificância, é inviável a análise originária desse pedido pela Suprema Corte, sob pena de supressão de instância, em afronta às normas constitucionais de competência. 2- Não se conhece do habeas corpus. 3- O pagamento integral de débito - Devidamente comprovado nos autos - Empreendido pelo paciente em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação que lhe foi imposta é causa de extinção de sua punibilidade, conforme opção político-criminal do legislador pátrio. Precedente. 4- Entendimento pessoal externado por ocasião do julgamento, em 9/5/13, da AP nº 516/DF-ED pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a Lei nº 12.382/11, que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito, a qualquer tempo. 5- Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente. (STF – HC 116.828 – Rel. Min. Dias Toffoli – DJe 17.10.2013 – p. 50)”. (grifos não constantes no original)

Dessa monta, resta claro que o entendimento é pela aplicação da Lei 12.382/11 aos delitos tributários que visam a extinção da punibilidade estatal, entretando, com o crescente ativismo judiciário não se pode garantir a aplicação estrita da letra da lei, restando assim grande insegurança jurídica.


9. CONCLUSÃO

Ante todo exposto, ao longo do presente trabalho, comprovou-se toda a origem dos tributos, bem como, consequentemente, a origem dos delitos tributários deles oriundos, desde o início da colonização portuguesa aqui ocorrida a partir de 1500.

Destacando-se a importância da Teoria Finalista de Welzel para o presente tema, uma vez que aquele que busca burlar o erário o faz visando atingir um fim já pre estabelecido, qual seja, o aumento de seu patrimônio, ou lucro pessoal em detrimento do fisco. De fundamental importância a delimitação do tema também encontra-se a Teoria do Domínio do Fato de Claus Roxin, uma vez que não se deve punir unicamente o Autor imediato do evento delitivo, punindo-se igualmente aquele que possui o domínio do fato delitivo, mesmo que não seja o Autor direto da fato típico, igualando-se para os fins da pena também os Autores e Co-Autores.

Restou claro, igualmente, que o ´jus puniendi´ estatal só é válido nos delitos tributários com a responsabilização subjetiva do autor do evendo delitivo, uma vez que esses delitos são realizados unicamente com dolo, ou seja, o agente que pretende burlar o erário obrigatoriamente o faz com dolo. Ele conduz sua conduta de forma apta a haver a subsunção típica à norma.

Já se tratando do âmbito legal contemporâneo, vê-se uma enorme divergência legislativa, bem como jurisprudencial, onde a enorme produção de normas traz um certo discrédito, uma crescente dúvida sobre o mito da segurança jurídica, havendo pequenas mudanças de uma lei em relação a outra, alterando-se porém o critério temporal para a efetivação do pagamento.

As maiores mudanças podem ser ditas com o advento da Lei 9.964/00 – ‘REFIS’ e da Lei 10.684/03 – ‘PAES’ que instituíram respectivamente os programas de recuperação fiscal do governo, destinados primeiramente as Pessoas Jurídicas, posteriormente estendido as Pessoas Físicas.

Explanou-se, também, sobre um possível vício de constitucionalidade advindo do instituto da extinção da punibilidade para os crimes aqui discorridos, inconstitucionalidade esta meramente acadêmica, implícita, oriunda das consequências da supressão tributária no âmbito social. Sendo considerado plenamente constitucional e legitimado pelos Tribunais Superiores.

Se falou também da enorme discricionariedade dos Tribunais quando da aplicação da legislação vigente, sendo esta, muitas vezes, transformada em ‘letra morta’ devido ao crescente ativismo judicial, comprovado claramente pelas jurisprudências desses.

O tema em questão, indubitalvelmente, é, e sempre será, gerador de divergências e instabilidades, tanto na doutrina, quanto na prática, variando e se inovando continuamente com os avanços contemporâneos, fazendo uma conjugação entre direito penal, tributário e as relações sociais e comerciais modernas.


Referências

AIRES, Leandro Antonio. A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo nos crimes contra a ordem tributária. Curitiba. 2006.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal, p. 382-384.

CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988. p.169.

FARAH, Eduardo Tadeu. Os efeitos da extinção e suspensão da punibilidade penal nos crimes contra a ordem tributária – uma abordagem descriminalizante. Nova Lima. 2009.

FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ. Manuel de Derecho penal delenemigo. Trad. CALEGARI, André Luis, GIACOMOLLI, Nereu José. Livraria do Advogado. 2005. p.49.

CONJUR. Lei 12.382 alterou extinção e suspensão de punibilidade. Disponível em:

http://www.conjur.com.br/2013-jan-25/cicero-lana-lei-12382-alterou-extincao-punibilidade-crime-tributario. Acesso em: 18 out. 2014.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, v.1, p. 117

PLANALTO. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 17 out. 2014.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1. RT: 2013, p. 167.

PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil, p. 139.

RÍOS, Rodrigo Sánchez. Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos. São Paulo: RT, 2003.

STF. http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp. Acesso em 17 out. 2014.

STJ. http://www.stj.jus.br/SCON/. Acesso em 17 out. 2014.

WELZEL, Hans. Derecho penal alemán: parte general, p. 99.

ZAFFORONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 668.


Notas de Rodapé

1 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 117

2 PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil, p. 139.

3 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán: parte general, p. 99.

4 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán: parte general, p. 99.

5 ZAFFORONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 668.

6 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal, p. 382-384.

7 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1. RT: 2013, p. 167.

8 JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ. Manuel de Derecho penal delenemigo. Trad. CALEGARI, André Luis, GIACOMOLLI, Nereu José. Livraria do Advogado. 2005. p.49.

9 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

10 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris

Editor, 1988. p.169.

11 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, v. 1, p. 402.

12 Art. 175. Excluem o crédito tributário:

(...)

II - a anistia.

13 Constante do Art. 8° da Lei 8.137/90.

14 RÍOS, Rodrigo Sánchez. Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos. São Paulo: RT, 2003.

15 RÍOS, Rodrigo Sánchez. Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos. São Paulo: RT, 2003, p. 175.

16 Ibidem.

17 Art. 2º O ingresso no REFIS dar-se-á por opção da pessoa jurídica, que fará jus a regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fiscais a que se refere o artigo 1º.

(...)

§ 4º O débito consolidado na forma deste artigo:

(...)

II - será pago em parcelas mensais e sucessivas, vencíveis no último dia útil de cada mês, sendo o valor de cada parcela determinado em função de percentual da receita bruta do mês imediatamente anterior, apurada na forma do artigo 31 e parágrafo único da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, não inferior a:

18 § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

19 Art. 1º Os débitos junto à Secretaria da Receita Federal ou à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003, poderão ser parcelados em até cento e oitenta prestações mensais e sucessivas.

20 RÍOS, Rodrigo Sánchez. Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos. São Paulo: RT, 2003, p. 219-220.

21 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm


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