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O princípio da dignidade da pessoa humana no direito humanitário

O princípio da dignidade da pessoa humana no direito humanitário

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Você sabia que nem todo conflito armado internacional é guerra, e que nem toda guerra é um conflito armado? Saiba um pouco mais sobre os principais aspectos relacionados ao direito humanitário: mesmo na zona de conflito armado, existem valores intangíveis que merecem tutela absoluta.

DOS CONFLITOS ARMADOS

A Guerra. Conceito

O dicionário Aurélio define a guerra como: “luta armada entre nações ou partidos”.[1] Já o dicionário Longman conceitua a guerra como “ war: fighting between nations”.[2]

O conceito de guerra não é tarefa simplória de se executar diante do Direito Internacional. Existindo duas correntes sobre tal matéria: a) a subjetivista, a qual afirma que a guerra só existe quando há o “animus belligerandi”, que sozinho cria a guerra; b) a objetivista, que considera que a prática de atos de guerra cria o estado de guerra, sem prejuízo de intenção. A maioria dos autores tem enfocado que ela só existe quando dois elementos são unidos:o objetivo e o subjetivo.

O elemento objetivo é a luta armada entre os Estados e o subjetivo é a intenção de fazer a guerra. A reunião destes é que cria o denominado estado de guerra, o qual é regulamentado por normas próprias. Sendo assim, nenhum conflito armado surge por acaso, mas sempre por vontade do Estado.

Difere a guerra daqueles atos em que é utilizada a força, porém, sem intuito criar o estado de guerra, visto que não possuem o elemento subjetivo da guerra. Estes atos não criam, vale exemplificar, direitos e deveres de neutralidade para os terceiros Estados nem provocam o rompimento de relações diplomáticas entre Estados participantes de tais atos. Outrossim, por outro lado, compreendem o uso efetivo da força armada, mas de modo limitado e restrito a determinada região.

Para Celso D. de Albuquerque de Mello, a guerra é um status jurídico e conceitua como  “a luta armada entre Estados, desejada ao menos por um deles e empreendida tendo em vista num interesse nacional”[3]. Trata-se de conceito legal e formal, visto que a existência de “luta” não é suficiente para criar o estado de guerra, que produz efeitos jurídicos internacionais.

Outras definições são encontradas na obra de Celso D. de Albuquerque de Mello, a saber, de Clausewitz: “a guerra é um conflito de grandes interesses resolvidos por sangue, e é somente nisto que ela se distingue dos outros conflitos. Ou, no dizer de Holsti: “que um “approach” clausewitziano considera a guerra em termos acionais como uma forma de política visando atingir certos fins. Já Molke considerava que o início e o fim da guerra eram assunto do político e só a estratégia se desenvolve de modo autônomo. Para Hegel, nas guerras, todos os beligerantes têm direito ao que desejam, e esta contradição é resolvida por um novo direito, que surge da guerra.

Caracterizar a guerra não é tarefa fácil, sendo que já houve conflitos armados no século XX sem que houvesse guerra (uma longa fase da guerra sino-japonesa), e já houve guerras sem combates (Polônia e Lituânia). Em 1935, quando a Itália invadiu a Abissínia, ambas as partes diziam que não era guerra. Todavia, a Liga das Nações interpretou como sendo guerra. Em 1933, no conflito sino-japonês, o Conselho da Liga interpretou como não havendo estado de guerra.

Em 1985, a Grécia colocou fim ao estado de guerra contra a Albânia, que durava desde 28 de outubro de 1940. Guerra, é aquilo que a sociedade considera como guerra. é um conceito político e jurídico. Devido ao grande número de guerras sem que fossem consideradas como tais, bem como devido ao fato de a guerra ser considerada como ilícito, é que se fala atualmente em “conflitos armados internacionais”, que têm sido versados pelo direito humanitário (Convenções de Genebra de 1949 e protocolos de 1977).

Para Hee Moon Jo, a guerra “significa um conflito armado entre sujeitos do Direito Internacional com a intenção clara de submeter o outro à sua vontade.”[4]

Cabe salientar que nem todo conflito armado internacional é guerra e que toda guerra é um conflito armado.

A guerra é o estágio mais grave das relações internacionais. Ela é um ilícito, ou mesmo um crime internacional. Os conflitos armados que não são guerras não obrigam os terceiros Estados ao estatuto de neutralidade, os tratados entre as partes em luta não são suspensos ou rompidos, nem há necessidade de rompimento das relações diplomáticas. A guerra é um status jurídico que foi definido em uma evolução durante séculos. O conflito armado é uma noção humanitária que surge no século XX. Ele não rompe o status de Paz.

A Convenção de Genebra de 1949 define o conflito armado internacional como abrangendo a “ guerra declarada” ou “qualquer outro conflito armado”. O Protocolo I de 1977 acrescenta, como pertencendo a esta categoria, “os conflitos armados em que os povos lutam contra a dominação colonial e a ocupação estrangeira e contra os regimes racistas, no exercício do direito dos povos à autodeterminação.”

Evolução da guerra no Direito Internacional

A guerra sempre existiu entre os povos e em todas as épocas, estando sujeita de um modo geral a determinadas normas. A utilização da força sempre teve uma certa regulamentação, assim, no Código de Manu, o primeiro legislador da Índia, encontramos normas sobre prisioneiros de guerra.

Modernos estudos têm demonstrado que há guerra, até mesmo, entre os animais, visto estes possuírem instinto de território, assim como os homens. A agressão é um mecanismo através do qual os animais utilizam para conservar a espécie.

As causas da guerra são econômicas e políticas. Tem-se sustentado que a guerra, sendo impessoal, não dá vazão à agressividade. Para Morton Fried, o qual foi citado por Celso D. de Albuquerque de Mello, em sua obra de Direito Internacional, ao tratar da evolução da atividade guerreira, esta ocorreu com o aparecimento do Estado. A guerra corresponde a razões psíquicas profundas e tem função de responder aos impulsos agressivos dos homens, que a civilização tenta domesticar, mas sem êxito durável, uma vez que eles estão entre as forças mais poderosas do comportamento humano.

Em 12.500 a.c e 10.000, há indícios de guerra na região do Sudão, trata-se de herança entre grupos, através da qual se cultiva atividade de guerrear.

No Antigo Testamento é Deus quem toma a iniciativa para os combates, denominando-se de “Senhor dos Exércitos”, o qual não é Deus de ociosidade e sim, Deus de Guerra, tendo em vista que sempre estava à frente do povo de Israel, quando estes tinham que enfrentar seus inimigos, bem como quando tinham que tomar posse de novos territórios.

Em Deuteronômio, as cidades fora do território de Canaã, se não se aceitarem a paz, deverão ser destruídas e os homens mortos , guardando-se as mulheres e crianças e o gado. Se a cidade está no território de Canaã , adota-se o costume do “hérem”, e tudo deverá ser exterminado, para se evitar a contaminação dos falsos deuses através dos vencidos. Javé dirigia todas as guerras e exércitos. Ele só aprovava as guerras justas, como as que puniam os insultos.

Algumas religiões fundamentaram a guerra no sagrado e com isto reconheceram o aspecto irracional da guerra, que tem raízes no inconsciente. Vale dizer, a guerra surge no inconsciente coletivo. Já o Novo Testamento não trata de guerra, já que a sua preocupação precípua é com a vida endógena do ser humano.

O primeiro código relativo ao direito de guerra foi o dos sarracenos, baseado no Alcorão e nas decisões de Maomé e seus seguidores. Ele proibia “projéteis” incendiários, envenenamento de poços e cursos de água, etc. Na Idade Média, a regra era a morte e a escravidão. No final do século XVII, já se considera como bárbara a declaração de que não seria dado quartel

O Direito Internacional nasceu como um direito de guerra. No cenário internacional, a guerra sempre teve um papel relevante, servindo para que os  Estados por meio dela resolvessem os seus litígios e defendessem os seus interesses. Celso D. de Albuquerque de Mello menciona em sua obra Castrén o qual ensina que “o Direito Internacional, foi originariamente um direito de Guerra, uma vez que as relações entre os Estados eram , nos primeiros tempos, de natureza essencialmente  militar”. No século XVI só houve 25 anos sem grandes operações militares na Europa , enquanto no século XVII só existiram sete anos sem guerra importante entre os Estados.

Dois fatores desencadeariam a guerra, quais sejam, as relações econômicas não tinham eficácia e a guerra tinha grande atração para os homens. Mas, a guerra não atingia todos os habitantes do Estado, todavia, pelo contrário, era assunto de uns poucos. É de se observar que não existia uma prefeita distinção entre o Estado de paz e o de guerra. Tal fato era devido apenas à freqüência das guerras, mas também à confusão entre guerra pública e privada.

O desenvolvimento do Direito Internacional ocasionou o tratamento do instituto como direito de paz, como diz Celso D. de Albuquerque de Mello:

“ com a evolução do Direito Internacional e o início de uma institucionalização da sociedade internacional a nossa matéria passou a ser eminentemente um direito de paz. A guerra deixou de ser uma sanção, ou um modo violento de solução de litígios internacionais, para ser um ilícito internacional. Um dos fatores que contribuíram para a evolução neste sentido foi a intensificação das relações internacionais por modos pacíficos. Outro fator que levou os Estados a esta posição foi o processo de democratização, que fez com que os povos passassem a participar na vida política, no aspecto interno e externo, do Estado.”[5]


Classificação da Guerra.

 Guerra Justa e Injusta

Na antiguidade, já havia uma preocupação em se classificar a guerra como justa e injusta. Era assim, uma classificação que, de certo modo, procurava condenar uma determinada categoria de guerras.

Na Grécia, a noção de guerra justa não existia, já em Roma, se consideravam apenas determinadas guerras como sendo justas, as guerras sem quartel eram feitas contra escravos, soldados amotinados e piratas, não se confundia com a guerra justa. Até 170 d.c. a Igreja Cristã não considerava a guerra como sendo moral em nenhuma situação.

Oportuno salientar que a noção de guerra justa se desencadeou com a filosofia Cristã, na Idade Média. Entretanto, alguns destes filósofos, condenavam toda e qualquer guerra. Porém, a condenação de toda a guerra é abandonada a partir do século V.

Santo Ambrósio no “De Officis”, começa a achar a guerra como justificada em certas circunstâncias. Outros (Santo Ambrósio e Santo Agostinho) admitiram a existência de guerra justa, que ocorreria quando houvesse uma justa causa, isto é, quando a guerra visasse reparar um lícito. Santo Agostinho pregava a paz social. No período carolíngio, o que interessava era a paz interior, e podia se fazer guerra a outros povos. A paz na Idade Média é apenas um espaço de não-violência.

Para Santo Tomás de Aquino, a guerra justa deve ter: a)causa justa; b)intenção reta nas hostilidades (evitar fazer o mal e procurar fazer o bem); c) que seja declarada pela autoridade competente.A guerra, para ele, deve ter por fim o bem comum.

No final da Idade Média,  a guerra é o status normal. Os príncipes sempre consideram os seus litígios como sendo justos. Guerra justa é a empreendida pelo Estado. Não se aplica mais a Trégua de Deus. Combate-se até mesmo quando necessário na sexta-feira e no domingo. A guerra é selvagem e surge a necessidade de regulamentá-la,  e as cortes dos príncipes atuam como juízes. Regulamenta-se o sítio e o regime dos prisioneiros de guerra. O rei podia declarar guerra  mortal e hasteava então bandeiras vermelhas.

Com a reforma e a diminuição do poderio do Papa, no século XVI, a concepção de guerra justa sofreu profundas transformações. Para Maquiavel a guerra , sendo necessária, passa a ser justa. Já para Erasmo a guerra era o supremo mal.

Nos séculos seguintes, se afirma a tese de que ao Estado soberano cabe apreciar se a guerra deveria ser realizada ou não. A doutrina da guerra justa veio surgir no século XX, ante a alegação de que é a reação contra a violação do Direito Internacional Positivo, não admitindo , como na era medieval, a guerra como violação do Direito Natural.

A doutrina católica modificou a concepção de guerra justa em 1944, o Papa condenou a guerra de agressão. João XXIII, na “Pacem in Terris” (1963), afirma que a guerra não é um meio apto para reparar um direito violado. Só se poderia falar de guerra justa em caso de legítima defesa. Esta posição decorre dos meios de destruição à disposição dos Estados.

Atualmente, pode-se afirmar que a noção de guerra justa é a mesma de guerra legal.

Vale lembrar, o judaísmo e o islã também se preocuparam  com a conduta da guerra, e no Antigo Testamento a guerra era determinada por Deus.

Celso D. de Albuquerque de Mello observa que a noção de guerra justa pertence à política internacional e à interna, sendo uma tentativa de colocar a política dentro da moral” (Mello. Celso Albuquerque D.Curso de Direito Internacional. Pg. 1.325. 2º volume).

Guerra Pública e Privada

O “jus ad bellum” , ou seja, o direito à guerra, só pode ser bem compreendido com o estudo preliminar sobre a distinção entre a guerra pública e a privada. As guerras privadas são aquelas entre nacionais de um mesmo reino ou Estado, tais guerras sofreram a proibição da Igreja e enfraqueceram a Cristandade. Em conseqüência, foram proibidas no século XIV na França e no século XV na Alemanha.

Já as guerras públicas são aquelas em que as partes são Estados alienígenas.

Para o Direito Internacional, só interessa a guerra pública, enquanto a guerra privada (civil) só tem interesse quando ameaça a paz internacional, ou ainda, por um aspecto humanitário (artigo 3º das Convenções de Genebra de 1949 sobre prisioneiros de guerra, etc).Pertencendo, não somente ao Estado, mas também aos particulares.

No Direito Internacional, com a afirmação da soberania do Estado e o fortalecimento do poder central, passou apenas ao Estado. Até o século “jus ad bellum”  pertencia ao Estado. O Direito Internacional regulava a guerra entre Estados. Atualmente, com renúncia à guerra, os Estados perderam, teoricamente, o “jus ad bellum”. O uso da força armada está se tornando um monopólio da ONU e o seu emprego por ela não cria propriamente uma guerra, porque é apenas uma ação de política internacional.

O direito à guerra tem sido reconhecido atualmente aos movimentos de libertação nacional a partir de 1960. Entretanto, é de se lembrar que tem predominado na doutrina e na jurisprudência o princípio da igualdade entre beligerantes, mesmo que a guerra seja declarada ilegalmente.

No dizer de Celso D. de Albuquerque de Mello:

 “o “jus in bello” é aplicado de modo igual ao agressor e ao agredido.Este princípio tem o sei fundamento no aspecto humanitário do direito de guerra . Por outro lado, muitas vezes é difícil de se distinguir quem é realmente o agressor e o agredido. Pode ser lembrado anda que só recentemente foi possível se definir a agressão. [6]

Declaração de Guerra

Para Bruno Yepes Pereira “a declaração de guerra é fundamental para que a população civil se prepare para longo período de privações, abandonando, se possível, o teatro de operações.[7]”

Já Celso D. de Albuquerque ensina que  “a declaração de guerra pode ser definida como sendo o ato em que um Estado comunica a outro, ou outros a existência do estado de guerra.”[8]

A declaração de guerra não tem efeito retroativo.

Vale dizer que a declaração de guerra é boa medida , mas não tem sido observada por parte dos beligerantes nos conflitos armados surgidos nas décadas posteriores ao encerramento da Segunda Guerra Mundial. É necessário delimitar no tempo o início das hostilidades para que passe  a vigorar o jus bellum, e que as hostilidades tenham início de maneira efetiva.

A doutrina delimita a data de início da guerra em três situações, quais sejam: a) prática de atos considerados hostis e que tenham por objetivo criar o que se denomina estado de guerra; b) desprezar o ultimato do Estado oponente; c) a interpretação de ato praticado pelo Estado oponente como capaz de criar o estado de guerra.

Celso D. de Albuquerque destaca que a Convenção de Haia, em 1907, relativa ao rompimento das hostilidades, e estabeleceu no seu artigo 1º , o seguinte:

“As potências contratantes reconhecem que as hostilidades entre si próprias não devem começar sem um aviso prévio e inequívoco, que terá, seja a forma de uma declaração de guerra motivada, seja a de um ultimato com declaração de guerra condicional.”[9]

Este texto não declara o prazo entre o aviso prévio e o início das hostilidades. A declaração pode ser feita quase ao mesmo tempo em que as hostilidades têm seu início. A Convenção só é obrigatória para as partes contratantes, e isto restringe sua aplicação. A vantagem do estado de guerra é que dá a certeza sobre a criação do estado de guerra e seu início.

A declaração de guerra na Convenção de Haia pode ser de duas formas: a) declaração de guerra produzindo efeito imediato e que deve ser motivada; b) declaração de guerra condicional é o ultimatum, isto é, a guerra terá início se o Estado que recebeu o ultimatum não satisfizer as suas exigências em certo prazo, e como já foi observado não tem sido cumprida.

Para ter validade, a Declaração de Guerra deve emanar do poder competente do Estado. O Direito Internacional deixa ao direito interno a competência de fixar qual é ele. Ocorre que , na maioria dos países a declaração de guerra é da competência do executivo após autorização do Legislativo.

Efeitos do Estado de Guerra

O Estado de guerra possui efeitos múltiplos, cabe ressaltar que estes efeitos se manifestam com ou sem a declaração de guerra, bastando para eles aparecerem a existência do estado de guerra. Os efeitos podem ser quanto aos Estados, uma vez que a guerra rompe relações consulares entre os beligerantes. Os tratados também são atingidos pela guerra. Até o século XIX predominou a concessão de que a guerra colocava um final a todos os tratados entre beligerantes.

 Atualmente, uma posição diferente é que encontra acolhida na prática internacional, isto é, a que defende que nem todos os tratados terminam com o estado de guerra. Inseto nesta concepção, pode-se afirmar que substituem os tratados concluídos para vigorarem em tempo de guerra, tratados que estabelecem situações definitivas e já integralmente executados e as cláusulas em tratado de navegação que visam ser aplicadas em tempo de guerra.

Cumpre salientar que os tratados multilaterais, envolvendo beligerantes e neutros, têm os seus efeitos suspensos entre os beligerantes e continuam a ser aplicados com os neutros. Terminada a guerra, eles voltam a produzir efeitos. Já os tratados de natureza política, comercial, etc., concluídos entre os beligerantes, desaparecem com o conflito armado. Tratados de extradição concluídos ficam suspensos entre os beligerantes.

Outro efeito do Estado de guerra é quanto aos indivíduos, já que em relação aos nacionais do Estado, é realizada a mobilização e a população é dividida em combatente e não combatente. Reações comerciais com estrangeiros nacionais do Estado são normalmente proibidas. Publicam-se leis marciais a fim de punir com mais severidade certos delitos. Faz-se a convocação de nacionais no estrangeiro.

Os nacionais deverão subordinar-se às medidas de segurança do Estado beligerante em que se encontram. Contudo, não podem ser convocados para o serviço militar no Estado beligerante e não podem comerciar com os nacionais de outro Estado beligerante.

No que tange à população civil, adota-se , atualmente a Convenção de Genebra  de 1949, estabelecendo-se, assim, a obrigação para o Estado criar um Tribunal ou órgão colegiado para apreciar os recursos contra o internamento. Proibindo-se o tratamento cruel, a prática de reféns, atentados humilhantes, deportações, etc, dando-se  proteção ao civil.

Vale esclarecer, o estrangeiro súdito do beligerante inimigo conserva o direito de acesso aos tribunais. A correspondência de nacionais e estrangeiros com outro beligerante é geralmente proibida e , ao menos, censurada.

Os bens de particulares sofrem os efeitos do estado de guerra, mesmo após disposição em contrário  inserta na Convenção de Haia, a qual declara que a propriedade privada deve ser respeitada.


Formas de Guerra

Quanto ao palco das operações bélicas, a guerra pode ser terrestre, aérea, marítima, aérea, nuclear ou  interna, tal classificação é do doutrinador Celso D. Albuquerque de Mello.

O objetivo da guerra na antiguidade era o aniquilamento total dos inimigos. Morriam combatentes e não combatentes; seus pertences eram pilhados e os poucos sobreviventes eram feitos escravos.

Com o passar dos anos , o ser humano aperfeiçoou sua capacidade de guerrear, desenvolvendo novos métodos e formas para que pudesse vencer o opoente. E a humanidade tem caminhado para um abismo, tendo em vista que busca, de maneira frenética, mecanismos para que possa dominar seu inimigo, cada vez com armas mais poderosas e destrutivas.

Guerra terrestre

É a forma mais antiga de combate e atinge a tanto quantos estiverem próximos ao conflito. Todavia, há que se estudar antes a distinção entre beligerantes e não beligerantes, no entender de Celso D. Albuquerque de Mello:

“ a distinção entre beligerantes e não beligerantes, clara nos períodos anteriores da História, tornou-se quase sem sentido com a concepção de guerra total, que, de certo modo, atinge indiferentemente tanto uns como a outros. Atualmente tem-se feito a distinção entre beligerante e combatentes. O primeiro é aquele que é parte em um conflito armado  (Estado), enquanto o segundo é o que participa pessoalmente em um combate (indivíduo).[10]

A população civil e as forças armadas dão contribuição à guerra. Todavia, procura-se respeitar os não beligerantes fazendo com que eles não sejam alvo de ataque, nem sejam feitos prisioneiros. Devendo, entretanto, se sujeitarem à sanção penal se praticarem atos de beligerância.

Os também não combatentes compreendem o pessoal dos serviços médicos militares, que são incluídos nas forças armadas. Os jornalistas, pelo Protocolo I (1977) às Convenções de Direito humanitário (1949), devem estar munidos de um cartão de identidade e são considerados civis. As forças armadas de uma parte em luta se compõem do exército regular e de auxiliares (milícias e corpos de voluntários).

As armas a serem utilizadas na guerra sofrem retrições a fim de se evitar males . Assim, não são admitidos o uso e emprego de projéteis de peso inferior a 400 gramas, explosivos ou carregados de matérias fulminantes ou inflamáveis; as balas “dun-dum”; armas envenenadas; gases asfixiantes, deletérios ou tóxicos ; armas bacteriológicas.

Os beligerantes não têm direito ilimitado quanto à escolha dos meios de prejudicar o inimigo, conforme o artigo 22 do regulamento da Convenção de Haia. E, no artigo 23 coloca diversas proibições, tais como, matar ou ferir um inimigo que pertencente à nação ou ao exército inimigo; matar ou ferir um inimigo que tendo deposto as armas, ou não tendo deposto as armas, ou não tendo meios de defesa, se entregou “à discrição” ; declarar que não se dará quartel etc.

Para que os combatentes listados nas milícias e nos corpos de voluntários sejam equiparados aos exércitos e possam usufruir de algumas prerrogativas e direitos internacionalmente assegurados, é necessário que esteja, sob o comando de um superior, uma estrutura hierarquizada , que seus uniformes contenham um signo ou distintivo, fixo e reconhecido a distância, que portem armas visíveis e , por último, pratiquem suas táticas de combate sem nenhuma violação às leis de guerra.

Para Bruno Yepes Pereira “sitiar uma posição é isolá-la de qualquer contato com o restante de suas tropas, para impedir que seja abastecida regularmente com os meios necessários para a continuidade dos combates.” [11]

Oportuno esclarecer que o Direito Internacional Público, admite o sítio e bombardeio, desde que praticadas com observância à Convenção de Haia de 1907. assim como, é proibido atacar ou bombardear, por qualquer meio que seja, cidades, aldeias, habitações ou edifícios que não estejam defendidos; antes de serem iniciados os bombardeios, as autoridades do local devem ser avisadas ; devem ser poupados os edifícios consagrados aos cultos, às artes, às ciências  e a beneficência , os monumentos históricos, os hospitais e os locais que estejam sendo empregados ao mesmo tempo para fins militares.

Os sitiados devem ser informados previamente do bombardeio que acontecerá por meio de sinais visíveis especiais.

A ocupação e a invasão são diferentes, tendo em vista que na ocupação o exército inimigo domina parcial ou totalmente o território do outro Estado,já a invasão  se limita a uma incursão, com violação à soberania territorial do Estado opositor.

Guerra marítima

Trata –se de guerra travada nos rios, ou até mesmo nos lagos internacionais. É imprescindível que as forças armadas utilizadas, sejam navais, independentemente, do meio em que as batalhas forem travadas.

Difere da guerra terrestre, uma vez que, enquanto esta apresenta um teatro de operações bem definido e delimitado, por força do território dos Estados beligerantes, a guerra marítima pode se estender ao alto mar, respeitando tão-somente as águas territoriais dos Estados neutros.

Interessante esclarecer, que nesta forma de guerra, os combates podem ser travados abaixo da superfície da água, com a utilização de submarinos especialmente desenvolvidos e projetados para longos períodos submersos, ao contrário de seus antecessores, movidos a propulsão de calor, com a queima de combustível, e, ainda mais para trás, movidos a propulsão humana.

Guerra aérea

A utilização em larga escala do espaço aéreo com o fim de atacar o opoente, foi realizada com mais afinco a partir da Primeira Guerra Mundial. A acepção  que acompanha a guerra aérea é a de bombardear as posições inimigas para proporcionar seu enfraquecimento e forçar a capitulação mais rápida.

Mas, o bombardeio deve ser submetido aos rigores inerentes às previsões legais que regulamentam a matéria, que impedem o ataque contra a população civil. A guerra aérea possui dois fatores negativos em função de seu alto poder de destruição: 6 e 9 de agosto de 1945, quando houve o lançamento das duas bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão; e o bombardeio sobre a cidade Basca de Guernica no dia 26 de abril de 1937, com o intuito de testar o equipamento bélico das forças nazistas a ser utilizado na Segunda Guerra Mundial.

Relações entre beligerantes

Celso D. Albuquerque Mello ensina que:

 “As convenções entre os beligerantes regem-se em regra geral pelas normas de Direito Internacional da Paz, isto é , as normas referentes aos tratados internacionais. As Convenções entre beligerantes, pressupõem um estado de guerra e podem ser definidas como compreendendo todos os acordos internacionais concluídos entre sujeitos beligerantes no que concerne à conduta e ao fim das operações de guerra. Tais convenções distinguem dos tratados internacionais comuns em vários pontos: não são concluídas geralmente pelos órgãos normais do Estado para as relações internacionais, mas pelo comandante-chefe das forças militares.[12]

Distinguem ainda, dos tratados quanto à sua execução, visto que não havendo assim necessidade, de uma promulgação das normas internacionais no âmbito interno. Elas geram obrigações diretamente para o Estado e são executadas pelos órgãos militares. Elas entram em vigor imediatamente após a sua conclusão.

Dentre as relações entre os beligerantes, encontra-se o parlamentário, o salvo-conduto;salvaguarda; cartéis; suspensão de armas; armistício e a capitulação.

O parlamentário é definido na Convenção de Haia(1907) relativa às leis e usos da guerra terrestre como sendo o indivíduo autorizado por um dos beligerantes a entrar em conversações com o outro e apresentando-se com a bandeira branca.

Os salvo-condutos são as permissões especiais, escritas, aos nacionais inimigos, para que estes possam atravessar, sob determinadas condições, certas regiões.

Já a salvaguarda é a proteção que um chefe militar concede a certos edifícios ou estabelecimentos para que fiquem ao abrigo dos acidentes de guerra.

Suspensão de armas é o acordo em virtude do qual o emprego dos meios de combate fica interrompido durante breve período, para se atender a exigências que não interessam à direção geral da guerra.

O armistício é o acordo que tem por efeito a suspensão total ou parcial das hostilidades por um tempo determinado ou indeterminado sobre todo o teatro da guerra ou sobre uma patê deste último.

Na capitulação há rendição das tropas, ponto este que difere do armistício. A capitulação versa apenas sobre determinada região do teatro de guerra.

Direito de Guerra

A expressão latina “jus in bello”, refere-se ao direito de guerra. No dizer de Francisco Rezek:

“ o conjunto de normas, primeiro costumeiras, depois convencionais, que floresceram no domínio do direito das gentes quando a guerra era uma opção lícita para o deslinde de conflitos entre Estados. Jus in bello, o direito aplicável na guerra, era pois aquele acervo normativo cujo entendimento não tinha a ver com a idéia preliminar do jus ad bellum, o chamado direito à guerra, o direito de fazer a guerra quando esta parecesse justa.”[13]

Anteriormente ao Direito prescrito, em caso de guerra, eram aplicadas normas humanitárias e costumeira, as quais estiveram voltadas para as vítimas de guerra, mas que ao ritual militar.

No século XVI, nos cartéis e capitulações , que ram acordo tópicos entre chefes militares, valendo apenas no âmbito do conflito a que dissessem respeito. No século passado, teve início a elaboração escrita do direito de guerra, as normas costumeiras de maior relevância tratavam de proteger os feridos e enfermos, os quais deviam ser cuidados como os do próprio exército que os capturasse, sendo devolvidos em seguida; os médicos, enfermeiros e capelães, da mesma maneira aprisionáveis, devendo poder retornar às suas linhas em caso de captura; os hospitais, que eram imunes aos ataques; prisioneiros de guerra, os quais seriam trocados entre os beligerantes, sem o pagamento de resgate; população civil, que sendo pacífica, devia ser poupada pelos beligerantes.

Em 1856, a Declaração de Paris , negociada pelos vencedores da guerra da Criméia, dispôs sobre a guerra marítima, proibindo a prática do corso e protegendo navios mercantes neutros contra os efeitos das hostilidades. A Declaração de São Petesburgo de 1868, proíbe, na guerra terrestre, uso de certas armas capazes de provocar sofrimento desnecessário nos combatentes.

A Declaração de Bruxelas de 1874, também ligada à guerra terrestre, dá certas garantias às pessoas que não participam do combate. Todavia, dentre os textos da época, o mais importante é a Convenção de Genebra de 1864, a qual foi o marco inicial do direito humanitário, idealizado por Henry Dunant.

Tendo vivenciado, em 1859, a batalha de Solferino, no norte da Itália, onde austríacos e franceses se enfrentaram com grande violência, o suíço Henry Dunant publicou mais tarde seu livro Uma lembrança de Solferino, em que preconiza certo grau, ainda que mínimo, de humanização de guerra, tendo em vista que propôs  fundação de sociedades de socorro. Elaboração de um tratado inviolável para proteger os feridos em campo de batalha.

De tais esforços efetuados por Henry Dunant, bem como do movimento de opinião por ele desencadeado, resultariam a Convenção de 1864 e a criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Contendo dez artigos, a Convenção de Genebra de 1864 transforma em direito escrito aqueles postulados costumeiros, tais como: proteção devida aos médicos e outras pessoas envolvidas nos trabalhos de socorro, obriga ao tratamento, pelos beligerantes, dos feridos e enfermos, e imuniza contra ataque os hospitais e os veículos voltados ao transporte hospitalar, cuja identificação geral, daí por diante, seria uma cruz vermelha sobre um fundo branco.

Contudo, em 1899 reúne-se em Haia, na Holanda, a primeira conferência internacional de paz. Seu resultado são duas convenções relativas à guerra terrestre e marítima, onde se inova a proibição do uso de balões para lançamento de bombas, e também do emprego de gases asfixiantes. Tais textos seriam substituídos em 1907, quando da segunda conferência internacional de paz, por convenções ainda hoje em vigor, porém, consagradas a aspectos técnicos do conflito armado, caducando em parte quando a opção pela guerra deixou de ser lícita.


Notas

[1] Dicionário Aurélio. Pg.263.

[2] Longman English Dictionary for Portuguese Speakers. Pg .429.

[3]Mello. Celso Albuquerque D.Curso de Direito Internacional. Pg. 1.320. 2º volume.

[4] Jo . Hee Mon. Introdução ao Direito Internacional.2000. pg. 552.

[5]Mello. Celso Albuquerque D.Curso de Direito Internacional. Pg. 1.323. 2º volume.

[6] Mello. Celso Albuquerque D.Curso de Direito Internacional Pg. 1.326. 2º volume

[7] Pereira. Bruno Yepes. 2005.Curso de Direito Internacional Público pg. 221.

[8] Mello. Celso Albuquerque D.Curso de Direito Internacional. Pg. 1.339. 2º volume

[9] Mello. Celso Albuquerque D.Curso de Direito Internacional. Pg. 1.340. 2º volume

[10]Mello. Celso Albuquerque D.Curso de Direito Internacional. Pg. 1.351. 2º volume

[11] Pereira. Bruno Yepes. 2005.Curso de Direito Internacional Público pg. 223.

[12] Mello. Celso Albuquerque D.Curso de Direito Internacional. Pg. 1.407. 2º volume

[13] Rezek. Francisco. Direito Internacional Público.1996. pg. 368.



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