Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/5910
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A RDI nº 06/2004 da CBF, o regulamento de agentes de jogadores da FIFA e o projeto de lei do Estatuto do Desporto

A RDI nº 06/2004 da CBF, o regulamento de agentes de jogadores da FIFA e o projeto de lei do Estatuto do Desporto

Publicado em . Elaborado em .

Aproveitando a oportunidade de a Confederação Brasileira de Futebol – CBF ter, por meio de sua Resolução de Diretoria n.º 06/2004, alertado aos clubes e jogadores que eles podem realizar suas negociações por intermédio de Agentes de Jogadores, desde que esses agentes estejam devidamente licenciados pelas Associações Nacionais e, ainda, ao mesmo tempo, prosseguindo com o compromisso assumido de comentar as disposições constantes no Projeto de Lei n. 4.874 - o projeto de Lei n.º 4.874 trata do "Estatuto do Desporto" – apresentarei as principais características dessa atividade e o que dispõe o mencionado projeto de lei.

Antes é necessário ressaltar que a base legal da Resolução emitida pela CBF está alicerçada nos artigos 17, 18 e 19 do Regulamento de Agentes de Jogadores expedido pela FIFA, o qual dispõe ser proibido a qualquer jogador e clube de futebol utilizar serviços de "agente de jogador" que não possua licença das entidades Nacionais. Por isso, a necessidade de se falar sobre o Regulamento de Agentes de Jogadores expedido pela FIFA.

Necessário se faz ainda destacar que atualmente, é público e notório que a atividade de agentes de jogadores é exercida, na sua grande maioria, por pessoas que na verdade não passam de meros procuradores, investidos por procuração.

Assim, diante da relevância da questão, interrompi o estudo que estou realizando sobre o contrato de trabalho do jogador de futebol e resolvi escrever esse artigo no único intuito de dar conhecimento público sobre a atividade do agente de jogador. Aproveito, ainda, para tecer comentários sobre o Projeto de Lei do "Estatuto do Desporto" que também trata do tema em questão.

Inicialmente temos que a atividade de agente de jogadores está prevista no artigo 17 § 2 do Regulamento de Aplicação dos Estatutos da FIFA que, por sua vez, foi regulamentado pelo Comitê Executivo da FIFA, surgindo em 10 de dezembro de 2002 o atual Regulamento de Agentes de Jogadores.

Segundo o regulamento acima citado tanto os jogadores como os clubes de futebol podem utilizar os serviços de um agente de jogador para assessorá-los na realização de suas negociações, seja em âmbito nacional ou internacional, mediante o pagamento de uma porcentagem definida - o pagamento será melhor analisado adiante.

Como disse anteriormente, a atividade de agenciamento deve ser precedida de uma licença especial expedida pelas Associações Nacionais. Mas como aquele que pretende ser um agente de jogador deve proceder?

Aquele que pretender ser um agente de jogador deve, em conformidade como o artigo 1, item 1 do Regulamento de Agentes de Jogadores, obter previamente uma licença expedida por sua associação nacional - no Brasil quem confere a licença é a CBF. Asim, aberta as inscrições o candidato protocolará na Confederação Brasileira de Futebol requerimento com o seu pedido de licença. Se o candidato não for nato do País em que protocolou o pedido deverá ele provar, juntamente com o seu pedido, que possui "domicílio legal" pelo prazo mínimo de 2 anos.

Protocolado o requerimento seu deferimento está condicionado a análise das certidões expedidas pelos distribuidores e outros, isso porque a FIFA exige que os candidatos possuam conduta ilibada. Ponto importante é que somente as pessoas físicas podem exercer tal função, sendo proibido o agenciamento por pessoas jurídicas e clubes.

A Associação Nacional, uma vez apresentada toda a documentação, analisará e se constatar alguma irregularidade, indeferirá o pedido, momento pelo qual o candidato, com base no artigo 4, item 3 do Regulamento, poderá interpor recurso dirigido à Comissão do Estatuto de Jogadores da FIFA que decidirá a questão. Não sendo constatada nenhuma irregularidade o requerimento será deferido e o próximo passo será a realização de uma prova específica aplicada pela Associação Nacional.

A prova a ser aplicada pela Associação Nacional é objetiva e contém 20 perguntas das quais 05 são na língua da sede da Associação e 15 em uma das línguas oficiais adotadas pela FIFA, no caso, Francês, Espanhol, Inglês ou Alemão. Cada pergunta valerá de 1 a 3 pontos e será classificado aquele candidato que atingir a pontuação igual ou superior ao mínimo estipulado pela FIFA.

Esse exame é de suma importância, pois, ela avaliará se o candidato possui os conhecimentos básicos sobre as disposições correspondentes ao futebol e aos Estatutos e Regulamentos da FIFA, notadamente sobre o Regulamento de Transferência de Jogadores, podendo, ainda, ser aferido sobre noções básicas de direito civil – direitos da personalidade e das obrigações e contratos.

Interessante notar que se o candidato for reprovado em dois exames seguidos estará ela impedido de prestar novo exame durante um determinado período. Se, após esse período ele vier a realizar um terceiro concurso e se for novamente reprovado estará ele impedimento de realizar novo concurso durante o prazo de 2 anos.

É de se salientar que mesmo aprovado o candidato não estará apto a exercer a atividade de agente, isso porque, segundo o artigo 6 do Regulamento, para ele obter sua licença definitiva terá que efetivar um seguro que cubra a responsabilidade civil pelo exercício de sua atividade. Assim, realizado o seguro o candidato estará apto a receber sua licença e exercer a atividade.

Em vista da dificuldade de encontrar uma seguradora que realize tal seguro, a FIFA admite, em sua substituição, a realização de um depósito - um aval bancário - no valor de CHF 100.000. Poderá, ainda, na única hipótese de se tratar de uma organização de jogadores, reconhecida oficialmente pela Associação Nacional, que queira oferecer jogadores, ser contratado uma apólice de seguro coletiva que abrangerá até 5 licenças

Portanto, somente após a realização do seguro ou o aval bancário, estaria, em tese, o agente de jogadores apto para o exercício da atividade de agenciamento.

Os agentes, assim como toda profissão regulada – advogados, médicos e outras – possuem um Código de Ética. Suas disposições, se desrespeitadas, podem gerar a aplicação de penas e multas previstas no artigo 15 que vão desde a simples advertência, podendo chegar até a cassação da licença.

Os direitos estão previstos no artigo 11 do Regulamento, destacando os mais importantes, a saber: estabelecer contrato com qualquer jogador; apresentar qualquer jogador ao clube que tenha lhe solicitado; defender todos os interesses de seus jogadores, bem como os dos clubes que representa. Já os deveres estão descritos no artigo 14, podendo destacar dos sete previstos os mais importantes, quais sejam: o dever de o agente respeitar o estatuto e o regulamento e a proibição de realização de contrato com jogador de qualquer clube com o objetivo de fazer esse rescindir o contrato com o clube.

A contratação de um agente de jogador, ou melhor, o vínculo entre um agente e um jogador deverá ser estabelecido por meio de um contrato padrão elaborado e disponibilizado pela FIFA, não podendo ter o prazo de duração superior a 2 anos.

O contrato deverá conter previsão de indenização em caso de rescisão antecipada que deverá ter por base o saldo bruto anual que perceberia contratualmente se o contrato não tivesse sido revogado e o pagamento poderá ser realizado de uma só vez ou em parcelas, no caso de o agenciamento ter sido requerido por jogador, isso porque, se o agenciamento foi solicitado por entidade de prática desportiva o pagamento será realizado de uma só vez cujo valor deverá ser acordado previamente.

Por fim o contrato, uma vez realizado, deverá ser averbado na Associação Nacional que, por sua vez, enviará à FIFA, destacando que, segundo prevê o artigo 16, na Seção que trata das Obrigações dos Jogadores, todo jogador que utilize os serviços de um agente deverá fazer constar em seu contrato de trabalho, de forma obrigatória, o nome do agente, bem como o nome da empresa que assessora o agente. O mesmo se estende as entidades de prática desportiva, segundo o artigo 18 do Regulamento.

Ressalto que não obstante o regulamento autorizar o agente contratar uma empresa para assessorá-lo nas atividades administrativas do agenciamento, é proibido o exercício de qualquer agenciamento de jogadores por meio de pessoas jurídicas. O artigo 13 do Regulamento é claro ao afirmar que aos agentes é lícito contratarem empresas para desenvolver tão-somente atividades meramente administrativas.

A importância da Resolução da CBF se traduz na informação aos desavisados da possibilidade de poder serem aplicadas sanções que vão desde a advertência simples, podendo chegar, em determinados casos, na suspensão disciplinar pelo prazo de 12 meses, quando se tratar de jogador. Em se tratando de entidades de prática desportiva a pena poderá chegar na suspensão das atividades em âmbito nacional e internacional.

Cabe, destacar ainda que se da relação entre o jogador e/ou clube e o agente surgir qualquer desavença relacionada com a execução do contrato, notadamente quando ao não pagamento da comissão desse último, o regulamento dispõe em seu artigo 22 que essa desavença e outras poderão ser dirimidas pela "Comissión Del Estatuto del Jugador de la FIFA". O prazo prescricional para a interposição das reclamações é de 2 anos.

Por fim a atividade de Agente de jogador poderá ser encerrada mediante a apresentação de requerimento formal endereçado a entidade nacional, a qual encaminhará o pedido à FIFA para que as medidas administrativas do cancelamento sejam adotadas.

Assim, ressaltadas as principais características do agente de jogador segundo os Regulamentos FIFA e, após a leitura da Resolução n. 06/2004, chegamos à conclusão de que CBF editou a RDI em boa hora, tornando mais claro aos clubes e jogadores a importância do artigo 17 do Regulamento de Agente de Jogador, ressaltando a possibilidade de serem aplicadas as sanções previstas.

Apresentada as características acima, cabe-me então encerrar esse artigo com a análise do tema sob o enfoque do projeto de lei denominado de "Estatuto do Desporto".

Muita celeuma já foi criada sobre a soberania do regramento da FIFA em face ao ordenamento jurídico brasileiro. Algumas vozes esparsas já afirmaram, e afirmam, que não pode ser crível que as regulamentações da FIFA possam se sobrepor ao ordenamento pátrio. Contudo, essas vozes são sombreadas por outras que ecoam de forma diversa. Assim, resta pacificado entre os doutrinadores e especialistas do direito desportivo o necessário respeito dos regulamentos FIFA. Chamo a atenção para o fato de que o futebol é um esporte mundial e que une até mesmo aqueles que fora das quatro linhas são considerados inimigos. Por isso a necessidade de se falar a mesma língua.

Assim, com esse entendimento é que questiono o comportamento da comissão responsável pela analise dos dispositivos constantes no citado Projeto de Lei denominado "Estatuto do Torcedor". De forma pontual, destaco que o artigo 7, inciso VII do Projeto de Lei, afirma que o Estado é responsável pela "Promoção do Desporto" possuindo, dentre outros objetivos, o de "desenvolver políticas de qualificação técnico-profissional dos agentes desportivos".

Ora, como dissemos, a atividade de agente desportivo é delineada pelo regulamento da FIFA, logo, não resta espaço para o ordenamento jurídico brasileiro regular aquilo que já está regulamentado pelo órgão máximo. Se não bastasse isso, outro pode ser ressaltado, qual seja, o artigo 139 o Projeto confere aos "Agentes de Atletas ou Empresários" uma seção própria, chegando a mencionar que os "empresários" poderiam negociar e intermediar, desde que devidamente autorizados por instrumento público, contratos de jogadores. Mais uma vez afirmo que somente os agentes de jogadores aprovados em processo rigoroso de seleção aplicado pelas entidades nacionais de futebol podem exercer tal atividade.

Portanto, resta demonstrado que o Projeto de Lei, no ponto acima referido, deveria ser revisto para dele excluir toda a seção destinada aos "agentes de atletas e empresários".

Por fim, e concluindo, tenho que a Resolução de Diretoria n.º 06/2004 veio em boa hora, pois, chamou a atenção dos clubes e jogadores sobre as normas constantes no regulamento de agente de jogador, tornando-as mais claras e precisas, ressaltando a sua importância no dia-a-dia. No tocante as disposições constantes no projeto de lei "Estatuto do Desporto" entendo que não merecem acolhida sendo o mais sensato a exclusão da seção destinada aos "agentes de atletas e empresários".


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DERBLY, Rogério José Pereira. A RDI nº 06/2004 da CBF, o regulamento de agentes de jogadores da FIFA e o projeto de lei do Estatuto do Desporto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 492, 11 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5910. Acesso em: 19 abr. 2024.