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Limites da sustação de contratos administrativos determinados pelos tribunais de contas

Limites da sustação de contratos administrativos determinados pelos tribunais de contas

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Sustar um contrato significa retirar-lhe a eficácia, a produção dos efeitos financeiros e executivos, como o pagamento e a realização do objeto, respectivamente. O artigo defende que Tribunal de Contas não tem poder para sustar diretamente um contrato

O ordenamento jurídico brasileiro, formado pela Constituição e lições do Supremo Tribunal Federal, com extrema parcimônia, harmonizou o primado do respeito ao ato jurídico perfeito com a secular discussão acerca dos efeitos do ato ilegal, admitindo a competência do controle externo para buscar inicialmente que a própria Administração suste o contrato, observando-se, é claro, a legislação pertinente. Note-se que determinação à sustação não é rescisão, mas apenas ato cautelar impeditivo da consumação da despesa ou do fato gerador de pagamento. A autoridade que recebe a comunicação é que avalia os efeitos da sustação na vida do contrato.

Diversamente dos poderes que concedeu aos tribunais de contas, em relação a atos administrativos em geral, o constituinte, ao tratar de contratos, definiu uma sistemática que envolve essas cortes, os poderes Legislativo e Executivo, em uma efetiva aplicação da teoria de freios e contrapesos checks and balances.

Sustar um contrato significa retirar-lhe a eficácia, a produção dos efeitos financeiros e executivos, como o pagamento e a realização do objeto, respectivamente. O inc. X e §§ 1º e 2º do art. 71 da Constituição Federal, ao se referirem à sustação, admitiram, implicitamente, que esta tivesse natureza cautelar ou definitiva.

A sustação terá natureza meramente cautelar quando determinada no curso de um processo, visando resguardar o patrimônio público; terá natureza decisória definitiva quando for anunciada pelo Tribunal de Contas, com a recomendação para adotar as medidas legais, genericamente, ou implicar providências incompatíveis com a continuidade do contrato.

É preciso deixar claro, porém, que a decisão do Tribunal de Contas não é vinculativa nesse caso. Somente o Decreto Legislativo é que obriga o agente público. Assim, se a Administração Pública não atender à recomendação, o Tribunal de Contas não tem poder para sustar diretamente.

Recentemente, em análise de processo sobre a sustação dos contratos, o Supremo Tribunal Federal fixou¹ um entendimento garantindo às cortes de contas a prerrogativa para suspender os efeitos de contratos. Com a devida vênia, a decisão confronta o próprio texto da Constituição Federal, que dispõe, como dito anteriormente, que a suspensão de contrato é da competência do Poder Legislativo.

Para subsidiar a decisão, a Corte Suprema justificou que o Tribunal de Contas, no exercício do poder geral de cautela, pode determinar medidas, em caráter precário, que assegurem o resultado final dos processos administrativos sob sua responsabilidade, incluindo-se, nessa prerrogativa, a possibilidade de sustação de alguns dos efeitos decorrentes de contratos potencialmente danosos ao interesse público e aos princípios dispostos no art. 37 da Constituição da República.

Ocorre, porém, que a premissa extrapola os poderes constitucionais definidos para os órgãos de controle externo. Embora possuam natureza de órgão auxiliar do Poder Legislativo, a atuação dos tribunais de contas não pode e nem deve substituir a atuação dos representantes do Legislativo eleitos. Sem dúvida, é preciso que a atuação técnica das cortes de contas seja valorizada, mas não se pode subtrair, por via judicial, a competência do povo representado pelos que possuem legitimidade para exercer tais funções.

Embora se encontre no próprio Supremo Tribunal Federal – STF algum precedente no mesmo sentido do firmado na decisão supramencionada, cabe aos doutrinadores discutir o alcance de tais decisões em busca do aperfeiçoamento do Estado e do respeito aos limites funcionais.

¹ SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensão de Segurança nº 5182. Relator: ministra Carmem Lúcia. Julgado em: 14 jul. 2017.


Autor

  • Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

    É professor de Direito Administrativo, mestre em Direito Público e advogado. Consultor cadastrado no Banco Mundial. Foi advogado e administrador postal na ECT; Juiz do Trabalho no TRT 10ª Região, Procurador, Procurador-Geral do Ministério Público e Conselheiro no TCDF.Autor de 13 livros e 6 coletâneas de leis. Tem mais de 8.000 horas de cursos ministrados nas áreas de controle. É membro vitalício da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura, como acadêmico efetivo imortal em ciências jurídicas, ocupando a cadeira nº 7, cujo patrono é Hely Lopes Meirelles.

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