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Traços jurídicos, físicos e econômicos da modalidade de negócio chamada shopping center

Traços jurídicos, físicos e econômicos da modalidade de negócio chamada shopping center

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PRELIMINAR

O negócio conhecido como "SHOPPING CENTER" é rodeado de indagações e possibilidades de respostas as quais estamos longe de poder convergir em uma só direção de opinião e visão. Para isso colabora a quase total inexistência de conhecimentos acerca da verdadeira situação que envolve esse tipo de negócio que, proveniente de alhures, onde contém legislação rígida a respeito, mas que deformados pelo desconhecimento, pela falta de regulamentação ou mesmo pela má fé em nosso país gera efeitos adversos do que desejado em muitos casos.

Não importa que sejam: empresários, advogados, juizes, economistas; poucos conhecem realmente os bastidores de tal modalidade de negócio que no Brasil teve um expressivo crescimento embora tivesse causado enormes estragos aos incautos que acreditaram em promessas mirabolantes dos que estavam mais interessados em dar um "golpe" no mercado do que desenvolvê-lo, aproveitando-se de lacunas e imprevisibilidades legais, como demonstraremos ao longo destas breves linhas.


ORIGENS

Existem controvérsias se a origem do que conhecemos como "shopping center" (SC) é Norte Americana ou Canadense, mas fato é que condições econômicas peculiares fizeram com que surgissem na área de Nova York e Nova Orleans, no início do século, alguns empreendimentos com características próprias de SC como o conhecemos. Foi no Canadá, a partir da década de 50 que o conceito realmente tomou a forma de como conhecemos até os dias de hoje, devido às condições climáticas e econômicas desse país.

Existe uma passagem bíblica na qual Jesus expulsa uma série de mercadores de dentro de um templo, num acesso de fúria incomum para os que o conheciam. A explicação do porquê dos mercadores lá se encontrarem vem nas entrelinhas do texto, que dá a entender que o templo oferecia algum "conforto" para a permanência dos que lá ofertavam e buscavam certos produtos.

Na Idade Média muitos eram os mercados centrais, alguns cobertos, ofereciam condições de estocagem de certa quantidade de alimentos perecíveis além de poder reunir uma boa quantidade de mercadores que comercializavam diversos tipos de mercadorias. Lembremos dos enormes muros que os cercam e os asseguram.

A partir da década de 40 deste século, com a expansão da indústria automobilística Norte Americana, os centros comerciais passaram a ter que oferecer grandes áreas de estacionamento, fosse um supermercado ou agrupamento de lojas e deveriam, até por força de dispositivo legal (dependendo da cidade ou do estado) colocar à disposição vagas para automóveis compatível com a área do estabelecimento comercial.

No Canadá, na década de 50, foram construídos os primeiros SC tal como os conhecemos. Lembremos que lá os invernos chegam até a oito meses de duração, restando até mesmo minguados quatro meses nos quais se pode andar nas ruas e ter dias com mais de dez horas de luz. Portanto a necessidade de criar uma espaço que reunisse alguns elementos essenciais à sociabilização da população, daí decorrem as construções que agregam comércio, em sua grande variedade, oferta de serviços, lazer, climatação e estacionamento coberto - pois é praticamente impossível andar nas ruas cobertas de neve.

Nos EUA mostrou-se que além de uma conveniente necessidade, uma excelente oportunidade de negócio. Emergentes grupos empresariais vislumbraram que se aglomerassem vários ramos de negócios: compra, venda, prestação de serviços (dos mais variados ramos), bancos, escritórios, consultórios, lazer e alimentação; razões para que pessoas circulassem por bom tempo e satisfizessem suas necessidades de consumo naquele local, estariam gerando um excepcional foco atrativo de riquezas altamente lucrativo.


DEFINIÇÃO

A Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) define sinteticamente um "shopping center" (SC) como sendo: "Empreendimento constituído por um conjunto planejado de lojas, operando de forma integrada, sob administração única e centralizada; composto de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados ou especializados de comércio e prestação de serviços; estejam os locatários lojistas sujeitos a normas contratuais padronizadas, além de ficar estabelecido nos contratos de locação da maioria das lojas cláusula prevendo aluguel variável de acordo com o faturamento mensal dos lojistas; possua lojas-âncora, ou características estruturais e mercadológicas especiais, que funcionem como força de atração e assegurem ao ‘shopping center’ a permanente afluência e trânsito de consumidores essenciais ao bom desempenho do empreendimento; ofereça estacionamento compatível com a área de lojas e correspondente afluência de veículos ao ‘shopping center’; esteja sob o controle acionário e administrativo de pessoas ou grupos de comprovada idoneidade e reconhecida capacidade empresarial."; embora tal definição mereça ser complementada.

Segundo doutrina do emérito jurista Orlando Gomes (considerada bastante completa), da Escola de Magistratura Nacional, jurisprudências colhidas em vários Tribunais, bem como em vários livros que abrangem tal tema, o "shopping center" (SC) é um empreendimento de um só empreendedor sendo este o único proprietário de todas as unidades, única e exclusivamente de uso comercial, que formam um todo incindível, dá unidades em locação em troca da participação percentual no faturamento da atividade comercial exercida pelo lojista que ele também incrementa, têm a administração única e centralizada, todos os contratos são padrão, entre suas diversas outras características jurídicas próprias de SC.

Também no caso específico de SC, segundo a doutrina, deve existir compatibilidade do espaço físico, do planejamento arquitetônico, com a existência de: estacionamento, banheiros públicos, bebedouros, telefones públicos, lojas-âncora, praça de alimentação (interna), fraldários, cinemas, grandes lojas de magazine, entre outras. O prédio também tem outras características física próprias para ser um SC, tais como: não ter lojas voltadas para rua, sendo estas lojas (magnéticas) no interior do prédio voltadas para o interior dos corredores, o que forma o chamado "corredores de clientela" onde muito comumente tem em suas extremidades as lojas âncoras, que são grandes magazines cujas empresas têm destacado status quo no mercado e formam um grande poder atrativo de clientela; ter suas galerias interligadas; ter um sistema de aclimatação que proporcione uma temperatura sempre agradável, sendo estas características as mais comuns.

O estacionamento também é uma característica física imprescindível para a caracterização do SC. Nos EUA a legislação prevê que um determinado estabelecimento comercial deva ter um tanto número de vagas com uma certa facilidade de acesso, caso contrário sua construção ou seu funcionamento não são autorizados. Concluíram que um engarrafamento provocado por automóveis mal estacionados, ou mesmo por sua demora no acesso ao estacionamento, causa enorme turbação pública e é um fator limitante na circulação de riquezas. Na realidade, um grande centro de riquezas não deveria ser um atrativo de inúmeros problemas incontornáveis de ordem pública e sua existência é um fator atrativo numa economia que tem a maior proporção automóveis por pessoa do planeta.


A VISÃO DOS TRIBUNAIS

O professor Nagib Slaibi Filho, em seus Comentários à Nova Lei do Inquilinato, Editora Forense, 9ª Edição/1986, define "shopping center" como:

"grupo de estabelecimentos comerciais unificados arquitetonicamente e construídos em terreno planejado e desenvolvido. O ‘shopping center’ deverá ser administrado como uma unidade operacional, sendo o tamanho e o tipo de lojas existentes relacionados diretamente com a área de influência comercial a que esta unidade serve. O ‘shopping center’ também deverá oferecer estacionamento compatível com todas as lojas existentes no projeto".

Além disso, nas fls. 344 de sua obra supra mencionada, o Prof. Nagib nos informa que o conceito e natureza jurídica de "shopping center" foram amplamente debatidos em simpósio organizado em final de 1983, pela Escola Superior da Magistratura Nacional (ESMAN), Órgão da Associação dos Magistrados Brasileiros, realizado no Jockey Club do Rio de Janeiro, coordenado pelo Desembargador Joaquim Antônio de Vizeu Penalva Santos, contando com os melhores civilistas de nosso país, tais como: Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes, Rubens Requião, Washington de Barros Monteiro, Luís Antônio de Carvalho, João Carlos Pestana de Aguiar e Sílvio Capanema de Souza; que chegaram à conclusão dos elementos essenciais a conceituação de "shopping center", nos seguintes termos:

"1ª- Possuem o chamado "tenant mix", a distribuição planejada das lojas segundo o ramo respectivo, de forma a otimizar a rentabilidade;

2ª- Possuem lojas-âncora, que são os grandes magazines e que atraem com maior facilidade a clientela ao empreendimento, beneficiando as pequenas lojas, chamadas de satélites ou magnéticas;

3ª- Formam a chamada clientela de corredores, já que os clientes para se deslocarem de um "mix" a outro, ou de uma loja âncora a outra (que devem se localizar em extremidades diferentes), deverão circular por todos as pequenas lojas, chamadas de satélites ou magnéticas.

4ª- Possuem estacionamento, área de lazer, tais como: cinemas, parque para crianças, jogos etc; área de alimentação, banheiros públicos, telefones públicos, de forma integrada."

O Emérito Desembargador Amaury Arruda, a época Juiz da E. 7ª Câmara do extinto Tribunal de Alçada Cível o Rio de Janeiro, na A.C. nº: 5.136/89, apresentou as características essenciais de um "Shopping Center", já consagradas pelo Culto Desembargador Pestana de Aguiar, no voto da A. C. nº. 23.204, que são:

a) Convergência de Interesses - nas locações tradicionais, incluindo as lojas de galeria, não existe a convergência de interesses, traduzida na nova modalidade contratual, de ter o locador (ou empreendedor) o máximo de interesse pelo sucesso do lojista, pelo aluguel percentual sobre as vendas. Interesse manifestado, inclusive no contrato, para orientá-lo a melhorar suas vendas.

b) Interferência na Autonomia de vontade do Locatário - aqui a divergência é total. Nos ‘shopping center’ permite-se o locador fiscalizar, como ainda, determinar como uma vitrine deve ser decorada, o aspecto visual do interior da loja, a formação de estoque, a obrigatoriedade de participar das campanhas de vendas e inúmeras outras na autonomia de vontade do lojistas, chegando ao ponto de fiscalizar a contabilidade da loja, para verificar a exatidão do aluguel percentual.

c) Clientela de corredores - Inexiste nas lojas de frente para a rua e nas de galeria. Nas de ‘Shopping Center’ essa clientela é formada em razão do estacionamento de veículos, áreas de lazer, de gulodices, etc., merecendo do culto Des. Penalva Santos, em sua conferência em Angra dos Reis, em estudo especial."


"SHOPPING CENTERS" NO BRASIL

O primeiro SC inaugurado no Brasil que possui praticamente todas as características inerentes a esse tipo de empreendimento foi o Shopping Center Iguatemi Bahia, terra do Prof. Orlando Gomes.

Segundo a ABRASCE, ela conta hoje com:

"156 ‘shopping centers’ filiados, sendo 147 em operação e 9 em construção. Em 1983, somente 15% dos empreendimentos estavam no interior do país. Hoje, este percentual se elevou para 41%. Os 156 ‘shoppings’ filiados à ABRASCE totalizam ABL (Área Bruta Locável) superior a 3,6 milhões de m2, compreendendo mais de 27.075 lojas-satélite (magnéticas) e 376 lojas-âncora.

O conjunto dos shoppings em operação apresentou a seguinte evolução de vendas em anos recentes: US$ 7,8 bilhões em 1994, US$ 10 bilhões em 1995, US$ 12 bilhões em 1996, US$ 13 bilhões em 1997, alcançando US$14 bilhões de vendas em 1998.

As vendas dos shoppings em 1998 representaram 18% do faturamento de todo o varejo nacional, excluído o setor automotivo.

A partir dessa sólida base, a indústria brasileira de ‘shopping centers’ começa a investir em novos e ousados projetos no mercado sul-americano. O trinômio lazer, alimentação e serviços forma uma tendência marcante na evolução recente dos ‘shoppings’ no país. Nos próximos 4 anos, os investimentos no setor de ‘shopping centers’ devem ultrapassar a marca dos US$ 4 bilhões.

A indústria de ‘shopping centers’ vem demonstrando grande vitalidade, contribuindo para o progresso da qualidade de vida no Brasil e desempenhando importante papel na economia, como geradora de cerca de 275 mil empregos diretos, e com expressiva influência junto à comunidade."

Veremos, mais a diante, o outro lado dessa realidade.


O CONTRATO DE LOCAÇÃO EM "SHOPPING CENTER"

Esse é um tema polêmico que muitos julgadores, advogados e afins têm um visão equivocada sobre o negócio econômico que este contrato tem por real finalidade. Não há somente que vê-lo sob a ótica das leis ou só pela óptica do Direito, mas de uma ótica global.

Na origem, o empreendimento "shopping center", seria uma parceria entre empreendedor e lojistas, a exemplo dos empreendimentos existentes nos EUA, Canada e demais países que possuem legislações específicas a respeito, onde o empreendedor, pelo o seu trabalho de formar um "mix", criar um marketing atraente e formar um pólo atrativo de riquezas seria remunerado com um percentual sobre o faturamento dos lojistas, que ultrapassasse um determinado valor mínimo, afinal, se ele empreender de forma eficiente, maior será o seu retorno.

Já houve quem imaginasse que SC seria uma joint venture, ou seja, uma associação de duas ou mais empresas, por tempo limitado, para a consecução de um fim lucrativo comum, sob uma única personalidade jurídica. Isso é infundado bastando dizer que o SC não possui personalidade jurídica

O contrato de locação em SC é, em realidade, um contrato atípico misto, ou seja, embora guarde características dos contratos de locação e joint venture (pela convergência de interesses) não se confunde com nenhum deles. Especificamente, tal contrato tem unidade orgânica autônoma, por consistir em instrumento jurídico que reflete, em boa parte, a complexidade econômica do centro comercial. Não se pode nem dizer que ele é constituído por um conjunto de contratos coligados, embora seja comum a pactuação de vários contratos (locação, administração, e adesão à Associação de Lojistas), mas que formam um só conjunto de atos. O que ocorre é verdadeiramente a aparição contrato ex novo, fruto da autonomia privada na perigosa escuridão deixado pelo legislador que não definiu exatamente o que é um SC na lei que trata de locações, a L. 8.245/91.

Devido ao silêncio do legislador, no Brasil, procura-se classificar um "shopping center" sempre como um negócio jurídico complexo, locação atípica, ou qualquer outra coisa desde que seja diversa de uma simples locação comercial.

Tal contrato não deve ser visto somente pela ótica do jurista como atípico, mas também como uma objeto de marketing atípico uma vez que, em seu bojo são constantemente enaltecidas as inúmeras vantagens e méritos que o lojista terá ao aderir ao "espetacular" empreendimento, vantagens essas que não teria se seu negócio fosse instalado em uma rua ou em uma mera galeria comercial. O contrato enaltece a convergência de interesses e a sinergia nas ações para a concretude desses interesses.

Uma das atipicidades é a cobrança de "LUVAS". Figura no contrato sob o título de res sperata (a coisa esperada) consubstanciada pela doutrina e pela jurisprudência atual pelo argumento que o fundo de comércio de um "shopping center" é de propriedade do empreendedor. Melhor explicando, o fundo de comércio de um SC se sobrepõe ao fundo de comércio do lojista.

Numa locação comum, a exemplo de uma locação comercial de uma loja de rua, o proprietário do imóvel não tem qualquer tipo de participação no sucesso ou fracasso da atividade comercial desenvolvida pelo locatário em seu imóvel. Após três anos, segundo legislação vigente, o locatário passa a ter direito ao "fundo de comércio". Caso o proprietário queira o imóvel de volta, antes do término do contrato, este deverá, a priori, indenizar o locatário deste valor.

O fundo de comércio é um bem imaterial mas de valor determinável face ao resultado obtido e proporcional `a atividade comercial ali desenvolvida por quem explora o negócio. Poderemos visualizar a importância do fundo de comércio se imaginarmos o quanto de clientes que afluem ao estabelecimento em função do atendimento, dos preços praticados, dos tipos de produtos vendido, pela intensidade com que aquele ponto comercial exerce fascínio nos clientes, etc. Outro argumento é que o marketing utilizado pelo empreendedor suplanta o do lojista, uma vez que sua loja não é a única atração mas o empreendimento como um todo, alem do mais o empreendedor têm interesse e trabalha para incrementar a afluência de riquezas ao estabelecimento dos lojistas.

A outra visão da doutrina é que a res sperata devida ao o empreendedor pois este fará uma série de inferências administrativas, de marketing e demais investimentos necessários que garantirão o sucesso do lojista, portanto, por essa "garantia de sucesso" a res sperata deverá ser paga pelo lojista ao empreendedor.

Nesse contrato encontramos outras figuras atípicas, sem previsão legal, que são: aluguel percentual, aluguel mínimo, aluguel em dobro nos meses de dezembro, aumento escala do aluguel.

O aluguel percentual, como já vimos, seria uma forma justa de remuneração e atração para o lojista/parceiro no empreendimento. Em verdade, esse parte é a que caracteriza bem o que ocorre num "shopping center". Quanto melhor for o empreendimento, melhor será o retorno do empreendedor. Em geral essa quantia é calculada com base no faturamento bruto do lojista. Varia de 4% à 12% dependendo do "shopping", do empreendedor, embora se saiba que as lojas âncoras têm um percentual bem menor em comparação às lojas satélite ou magnéticas. Numa ação renovatória, que não tão comuns quanto parecem a primeira vista, não há que se falar em majoração ou redução de tal percentual - é esse o entendimento doutrinário e jurisprudencial – pois deve imperar o paca sunt servanda.

O aluguel em dobro no mês de dezembro refere-se a aplicação em dobro do aluguel percentual, embora alguns contratos abranjam também o aluguel mínimo em dobro. Argumentam que são devidos em função dos investimentos em marketing que, embora custeados pelos lojistas, no mês natalino é normal que o faturamento dobre e para compensar possíveis sonegações por parte do lojista.

Sobre o aluguel mínimo, ele é semelhante ao aluguel de uma loja fora de um SC. A diferença é em seu prazo de reajuste, quando se aplica o aumento escala. O empreendedor procura legitimar o aumento escala, por exemplo: mais 10% de aumento no 18º mês e mais 10% de aumento no 36ºmês, argumentando que o "shopping", bem como o negócio do lojista, tem uma curva de crescimento, portanto tal aumento é justificável pois no futuro o faturamento será maior. Aplicasse o aumento escala no aluguel já reajustado pelo índice oficial ou pelo índice contratual. São também comuns aos contratos que rezam que será utilizado o índice maior, embora saiba-se esse dispositivo ilegal.

A Lei 8.245/91 que atualmente rege as locações não tipifica objetivamente o que é um "shopping center" (embora saibamos objetivamente o que é), o que vale e o que não vale num contrato de locação em SC, então diz-se que uma locação em SC é atípica mista (perante a lei, pois parte do contrato é coberto pela lei, mas não totalmente previsto nela), portanto vale(ria) uma série de cláusulas e condições expressamente vetadas, inclusive a perniciosa cobrança de "luvas", revestida agora sob o título de res sperata, na supra citada Lei.

A L. 8.245/91, veta a cobrança de "luvas" a exemplo da antiga "Lei de Luvas" (Decreto Lei 24.150/34), ou qualquer outra quantia que se revista como adiantamentos de aluguel, taxa de contrato, etc. Veta também a atualização dos aluguéis em prazos diferentes de um ano, veta, portanto, o aumento escala; veta também o aluguel em dobro em dezembro embora a jurisprudência admita o contrário no caso do aluguel percentual.

Em alguns casos o próprio aumento escala, do aluguel, mostra-se como fator de inviabilização da locação com o passar do tempo. Ocorre, em certos casos, que os encargos locatícios aumentam mais que a determinada curva de vendas fazendo com que o lojista, prevendo dificuldades, ou quando já está passando por elas, para suportar tais encargos queira "passar o ponto". Só que, devido ao fato do empreendedor ter sempre uma loja para alugar ao novo interessado em condições melhores daquelas em que aquela do lojista, este acaba tendo enormes dificuldades em passar o contrato, ou como invariavelmente acontece, simplesmente a devolve ao empreendedor. Quando o lojista consegue outro que queira ficar com a loja, o empreendedor invoca o princípio que os contratos são personalíssimos e que a sua cessão deva passar por sua anuência, buscando com isso levar alguma vantagem econômica ao anuir sua transferência.

Um outro aspecto é em relação às benfeitorias. A L. 8.245/91 estabelece que o imóvel deve ser alugado em condições ao uso a que se destina. A doutrina diz, e a jurisprudência endossa, que é irrelevante para o empreendedor se a loja locada está em condições de uso ao que se destina pois cada loja, cada ramo de negócio, tem projeto de arquitetura, decoração e disposição espacial peculiar ao seu ramo de comércio, e os contratos têm cláusulas nas quais os lojistas abrem mão da retenção ou indenização de tais benfeitorias, úteis ou necessárias, obrigando-se, em caso de devolução da loja, até mesmo restituí-la ao estado original. Ou seja, todas as obras realizadas pelo lojista no imóvel não são indenizáveis, cabendo-lhe retirar tudo o que fez e, se acordado no contrato, restituir a loja ao estado original, ou seja, colocar a loja no "osso".


MITOS, REALIDADE E MENTIRAS

Uma das crenças mais populares é que ter uma loja num "shopping center" é estar com o sucesso garantido. Outras: "o empreendedor tem total interesse no sucesso do lojista", "não há desvantagens em se instalar em um ‘shopping center’, senão não haveriam tantos", "é um investimento seguro, embora vultoso", "o futuro são os ‘shopping centers"; essas crenças são de pasmar, ainda mais se soubermos que algumas delas foram retiradas de decisões judiciais onde raramente o lojista tem sucesso em seu pleito.

A falta de legislação específica para tais tipos de empreendimentos no Brasil (existe um anteprojeto de Lei sobre a matéria transitando desde 1987 no Congresso), que defina exatamente o que é um "shopping center", os direitos, deveres e responsabilidades, tanto de lojistas bem como dos empreendedores; abre uma lacuna pela qual alguns grupos econômicos enveredem pelo caminho da venda do "lucro garantido", cujo mercado vinha apresentando galopante crescimento, não só devido à tendência de tercearização da economia, mas por haver expressiva parte da sociedade, desavisada, que acredita(va) estar fazendo um investimento seguro e com sucesso garantido em uma loja em "shopping center" na ilusão de conquistar sua independência financeira, mas acaba tendo amargos prejuízos. Num "shopping center" não é excesso dizer que o risco do empreendedor é tercerizado para o lojista, que é sempre "incompetente", e o empreendedor nenhum, repito, nenhum risco corre.

O marketing do negócio, voltado para o potencial lojista, é sempre a promoção de um empreendimento que trará sucesso garantido aos participantes, pois têm como integrantes nomes de peso e expressão no mercado, só que estes são conhecedores dos meandros e bastidores de tais tipos de empreendimento e não se aventuram a amargar prejuízos. Quando o fazem, somente em condições excepcionais, como temos visto, fazendo com que o neófito, este sim o público alvo deste tipo de empreendimento realizado pelo empreendedor mal intencionado, perceba que está tendo uma excelente oportunidade de negócio. Então, após algum tempo em operação, constata que investiu num projeto em que o seu prejuízo é o lucro de alguém.

Basta que o lojista ao contratar uma locação em "shopping center", em cujo contrato reconhece que terá inúmeras vantagens que não desfrutaria em uma locação isolada, considerado atípico perante a lei, que contém inúmeras cláusulas leoninas, várias ao arrepio da Lei vigente, que limitam a igualdade e a eqüidade entre empreendedor e lojista, para que este constate que além dos riscos inerentes à atividade de seu ramo de negócios, também corre risco nas mãos do Empreendedor, uma vez que este não corre nenhum risco e lucra - e muito - com o seu insucesso, uma vez que a cada loja devolvida, porque o lojista "quebrou", é mais uma loja a ser novamente locada e mais uma cobrança de "luvas" embolsada. A prática demonstra que a alta rotatividade seja a fonte real de lucro de alguns empreendimentos.

Estamos nos referindo às chamadas "lojas magnéticas", como definidas pela ABRASCE (Associação Brasileira de Shopping Centers). Ao que verifica-se serem estas a maior fonte de receita do Empreendedor, uma vez que as lojas maiores, as âncoras, têm seus custos de locação por metro quadrado proporcionalmente menores, bem como a participação do empreendedor no faturamento também menor. Dependendo do empreendimento, em via de regra, muita dessas lojas-âncora não contribuem para as campanhas promocionais ou fundo de promoção promovidas pela Associação de Lojistas, pois, afinal, são elas o grande atrativo do "shopping" e a saída delas do "shopping" implicaria num enorme "embaraço" de imagem junto aos demais lojistas, futuros em especial.

A doutrina, um tanto defasada pelo tempo e em dissonância com a realidade que existe desconsidera se o funcionamento peculiar de tais tipos de empreendimentos é benéfico eqüitativamente às partes contratantes, a exemplo que temos na História de doutrinas que serviram para consubstanciar e consolidar situações de subordinação de maiorias às minorias, como `a época do surgimento do Capitalismo, cujas doutrinas com ele comprometidas buscavam formas maquiavélicas de justificá-lo a todo e qualquer custo, portanto não prevendo se determinados vícios e práticas se mostrassem nocivas e pudessem desequilibrar e comprometer a capacidade econômica de um dos "parceiros".

Ocorre que os lojistas, em "shopping centers" de fato ou não, devido a falta de regulamentação do setor, não tem como agir nos casos de má intenção (no caso de uma administração temerária), incompetência ou qualquer outro motivo que venha prejudicar de sobremaneira o desempenho econômico do empreendimento.

O lojista não tem nenhum mecanismo de gerência no caso do empreendedor "deixar entrar" mais lojas de determinado ramo de negócio ao ponto de saturar o "mix" vindo a prejudicar à todos do ramo. É uma das formas que o empreendedor tem de regular a rotatividade. Outro meio são os quiosques. São comuns as locações de quiosques do mesmo ramo comercial de várias outras lojas instaladas (que têm seus custos de instalação bem maiores) como é o caso de brinquedos, miudezas & quinquilharias que fazem uma concorrência desleal ao lojista já instalado. Também é comum o empreendedor deixar entrar no "mix" uma grande loja de determinado ramo de atividade "matando" os comerciantes pequenos já instalados. Os lojistas que tudo pagaram para lá ter uma loja, nada podem fazer.

A Associação de Lojistas e o Fundo de Promoção são também aspectos relevantes. A Associação, na qual o lojista adere compulsoriamente e dela é obrigado a ser sócio, embora o art. 5º inciso XX da CF diga claramente que: "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado"; é criada pelo empreendedor anteriormente à inauguração do "shopping" para que ela tenha como objetivo zelar pelos interesses dos lojista e incrementar a atividade econômica, bem como fazer o melhor uso dos recursos arrecadados sob o título Fundo de Comércio (que é em média 10% da cota condominial quando não estipulado em cotas extras), como assim dizem especificamente os contratos de administração e outras avenças e o estatuto da associação.

Nesses instrumentos, invariavelmente, o empreendedor delega à Associação a missão do incremento econômico e do marketing embora ele seja o mandatário e fiel depositário do fundo de promoção e ainda cobra uma taxa que varia de 5% à 10% das despesas dessa conta por sua administração. Também por força de cláusula contratual, deixa sob responsabilidade da Associação possíveis inadimplências que poderão ocorrer pelo não recebimento das cotas condominiais (embora a L. 8.245/91 especifique que o proprietário do imóvel é o responsável) e ainda estabelece que toda e qualquer obra que o empreendedor contratar será custeada pelos lojistas (o que também é vetada pela supra citada lei). Assim sendo, o Fundo de Promoção acaba cobrindo possíveis inadimplências de condomínio e custeando obras ao invés de serem investidas, exclusivamente, em campanhas promocionais e afins. Essa promiscuidade administrativa é alvo de inúmeras ações judiciais que reclamam das transparências das prestações de contas em relação a administração dos condomínios.

O anteprojeto de lei, a exemplo da lei Americana, estipula que 10% de todas as rendas auferidas pelo empreendedor deveriam ser recolhidas em contribuição ao Fundo de Promoção que seria aplicado autonomamente pela Associação unicamente em campanhas promocionais e eventualmente em obras que aderirão ao patrimônio do empreendedor se por iniciativa e custo da Associação. Da maneira que é, o empreendedor faz a obra que bem entende e o lojista é quem paga.


FATOS

Como já vimos, a L. 8.245/91 não tipifica, não define, exatamente o que é um SC e quais as características que obrigatoriamente devam existir para que exista de fato um SC, bem como não define as responsabilidades tanto de empreendedor quanto de lojista, as cláusulas que são válidas e as que não podem existir em tal contrato. Aproveitando-se dessa lacuna, dessa "salutar omissão" do legislador - uma vez que muitos deles são empreendedores de "shopping centers" - alguns grupos econômicos ardilosamente maquiaram empreendimentos ou para que se parecessem com SC ou para que pudessem ser cobrados encargos próprios de uma locação em SC em total afronta à Lei.

A própria ABRASCE tem contribuído para que a Lei seja burlada e tais grupos se locupletem do trabalho alheio quando do passa a definir e consubstanciar em doutrina existência do determinados tipos de empreendimentos, tais como:

  • SHOPPING REGIONAL: Este tipo de shopping fornece mercadorias em geral (uma boa porcentagem de vestuário) e serviços completos e variados. Suas atrações principais são âncoras tradicionais, lojas de departamento de desconto ou hipermercados. Um shopping regional típico é geralmente fechado, com as lojas voltadas para um mall interno.

Nesse segmento encontram-se o RioSul, o BarraShopping, o NorteShopping, entre outros.

  • SHOPPING COMUNITÁRIO: O shopping comunitário geralmente oferece um sortimento amplo de vestuário e outras mercadorias. Entre as âncoras mais comuns estão os supermercados e lojas de departamentos de descontos. Entre os lojistas do shopping comunitário, algumas vezes encontram-se varejistas de "off-price" vendendo itens como roupas, objetos e móveis para casa, brinquedos, artigos eletrônicos ou para esporte.

Nessa classificação procura-se enquadrar algumas galerias com certas peculiaridades ou grandes espaços divididos em pequenas lojas ou "boxes".

  • SHOPPING DE VIZINHANÇA: É projetado para fornecer conveniência na compra das necessidades do dia-a-dia dos consumidores. Tem como âncora um supermercado. A âncora tem o apoio de lojas oferecendo outros artigos de conveniência.

Nessa classificação incluiríam-se os supermercados que têm várias lojas em seu interior ou uma galeria comercial com características peculiares, tais como o CARREFOUR, EXTRA, FREEWAY, entre outros.

  • SHOPPING ESPECIALIZADO: Voltado para um mix específico de lojas de um determinado grupo de atividades, tais como moda, decoração, náutica, esportes ou automóveis.
  • OUTLET CENTER: Consiste em sua maior parte de lojas de fabricantes vendendo suas próprias marcas com desconto, além de varejistas de "off-price".

Nos EUA foram instalados em grandes fábricas desativadas cujo acabamento é rústico e desprovido de luxo, com custo baixo ocupado por pequenos fabricantes.

  • FESTIVAL CENTER: Está quase sempre localizado em áreas turísticas e é basicamente voltado para atividades de lazer, com restaurantes, fast-food, cinemas e outras diversões.

Nessa classificação estariam incluídos as lojas dentro de parques temáticos como o Terra Encantada, terra do GUGU e outras do gênero.

O que é definido como Shopping Regional é o que reúne os elementos da caracterização objetiva do que seja um SC de fato. Ressalta-se que na legislação Americana, que distingue "MALL" (que veremos mais tarde) de SC, tal como era anteriormente a definição da ABRASCE que estipula que SC deveria ocupar uma área de, no mínimo, de 5.000 m2, e estabelece que o SC deverá ser um substancial agregado de negócios econômicos que alcance grande área de influência e por esse motivo não estariam aí incluídos os pequenos, cujo faturamento não proporcionasse um vultosa campanha de marketing e significante atração de riquezas.

Disso podemos extrair que Shopping Comunitário e Shopping de Vizinhança também são meras adaptações às lacuna da lei. São inúmeros supermercados e hipermercados que têm em seus interiores lojas cujo objetivo é a locação para que possam serem ofertados aos clientes produtos e serviços complementares que o supermercado, dada sua complexidade ou especialidade, não têm como atender, como por exemplo: conserto de eletrodomésticos (em geral), venda de equipamentos para piscinas, farmácias, bancos, câmbio, pet-shops (com serviços de banho e tosa de animais); bem como galerias comerciais (ou vitrines comerciais) que têm determinadas peculiaridades tais como: ter um proprietário de várias lojas, estar em uma excepcional localização no sítio urbano, ter várias lojas ocupadas por um supermercado; ou mesmo ser um aglomerado de lojas no interior de uma faculdade ou campus universitário, como tantas que existem. É comum encontrarmos nessas lojas a oferta de produtos idênticos às ofertadas no supermercado que a acolhe, não trazendo nenhuma vantagem significativa, seja para o lojista, seja para os clientes. Também é de se indagar: qual é a convergência de interesses quando a locação de lojas no interior de um campus universitário entre universidade e lojista?

O fato a mais que temos que atentar é que esse conceito aproveita empreendimentos construídos anteriormente à existência de "shopping center" ou desse conceito, somente para os novos lojistas estando os antigos subordinados à ordem jurídica normal de uma locação ordinária qualquer.

O Shopping Especializado é também uma grosseira violação da ordem legal. Diz respeito às grandes áreas ou lojas, ocupadas anteriormente por cinemas, teatros ou outro ramo de negócio que necessite de grande espaço, até mesmo um estacionamento em sítio urbano valorizado que é dividido em "boxes" ou lojinhas que vendem sempre o mesmo tipo de produto. Os mais conhecidos são os "shoppings de informática" e os "shoppings de vestuário" ("shopping" do jeans, da malha, etc). Em geral esses contratos de locação são em prazos inferiores aos cinco anos mas trazem as cláusulas do aluguel em dobro no mês de dezembro, aluguel percentual e res sperata proporcional ao tempo da locação, ou mesmo a cobrança de uma taxa para celebração do contrato (as famigeradas "luvas"). No caso de renovação do contrato, o locatário paga novamente a res sperata (ou a taxa para renovação). Nos EUA são comuns os "Boat Shop" com tudo para esportes náuticos, pesca, acessório para barcos, e afins.

Outlet Center, em sua origem era um aproveitamento de instalações fabris desocupadas e próximas aos centros urbanos ou em sua periferia com a características de serem em áreas sucateadas. Muitas dessas áreas foram ao longo dos anos revitalizadas e deram lugar a modernos "shoppings centers", como no recente caso de Buenos Aires, na região do porto. Tais instalações não envolviam investimentos em luxo ou conforto que fossem além do mínimo indispensável e visavam a instalação de pequenas confecções ou pequenos fabricantes de produtos não encontrados em larga escala no mercado ou mesmo dirigido a nichos específicos de mercado. São lojas padrão, muitas delas sem mesmo o teto, dada a altura da loja até o teto do galpão que as abriga, muito embora não sejam mercados populares. Os contratos poderiam ser por tempo variado e não há a preocupação do locatário com perenidade do negócio naquele ponto, pois esse estágio é comumente visto como estágio encubatório. Os encargos com aluguel é fixo e os demais custos baixíssimos. Outro tipo dessa variante são os Flea Market (Mercado da Pulgas), abundantes nos EUA. No Brasil os exemplos, ainda que impróprios, são os eventos ambulantes do tipo Mercado Mundo MIX e Mambo MIX.

No Rio de Janeiro existe o Nova América Outlet Shopping Center que foi instalado no prédio da antiga fábrica de tecidos Nova América, porém não se trata de instalação que se possa considerar espartana e nem voltada aos pequenos fabricantes, senão para as lojas de grife, algumas que vendem pontas de estoque e alguns grandes magazines. O mesmo exemplo se enquadra o Shopping D em São Paulo, que é um "shopping" popular e não um Outlet.

Esta talvez seja a maior aberração. A definição de Festival Center foi desenvolvida para que se desse um mínimo de legitimidade à cobrança de determinados encargos próprios do contrato de "shopping center" das lojas instaladas em parques de diversão, centros integrados de cinema e com vistas no crescente mercado de parques temáticos, como é o caso do Terra Encantada, Parque do GUGU, salas de cinema, entre outros.

Existe um outro tipo de "shopping" que é conhecido com "MALL" e daí subsistem inúmeros equívocos. Em um prédio de um SC pode haver um "mall" que aquela abertura ou espaço entre as galerias onde quase sempre há um telhado transparente ou mesmo que dá para ver as galerias dos andares inferior ou superior. Seria semelhante ao átrio das construções antigas, romanas por exemplo. Nos EUA o "mall" é um "shopping" autônomo com as lojas voltadas para o interior de uma abertura, onde pode haver uma estacionamento, pátio ou jardins. Também podem apresentar escritórios porém todas as unidades devem ser comerciais. Na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, inúmeros lançamentos de prédios comerciais tem as características físicas de "mall", porém não são caracterizados como SC por lhes faltarem as características peculiares, portanto sendo incabível a cobrança dos encargos próprios de uma locação em SC.


CASOS CONCRETOS

O caso mais atual que temos notícias é exatamente o Recreio Shopping Center, cuja arquitetura assemelha-se mais a um supermercado com galeria estendida. Tem como loja âncora um supermercado, e o empreendedor é a Construtora SANTA ISABEL S.A.. A imprensa divulgou as dificuldades pelas quais passam os lojistas do Recreio Shopping Center de terem de sustentar seus dispendiosos negócios sem a respectiva contrapartida, pois o que adquiriram como ponto comercial em um "shopping center", segundo os lojistas, não condiz com realidade a eles prometida e vendida, como constataram em realidade. Teme-se que possivelmente não haja nenhum "shopping center" no entendimento objetivo do conceito.

Novamente muitos que pagaram fábulas pelas "luvas" de seus pontos (até R$ 3.500,00 por m2, acima mesmo do custo de construção), custearam obras de finalização de construção e acabamento (lembremo-nos que são entregues no "osso", em afronta à Lei que dispões que o imóvel seja locado em condições de uso ao que se destina), correm o risco de terem de devolver a sua loja ao empreendedor, e este terá mais uma loja para alugar, agora valorizada com as benfeitorias aderidas e não indenizáveis, cobrando outras "luvas", aluguel em dobro em dezembro, etc; o que leva, em verdade, o empreendedor a locupletar-se do esforço alheio.

O Tijuca Shopping Center é outro exemplo. Sem "habite-se" e entregue em precárias condições aos lojistas em dezembro de 1996. Tal empreendimento finalizado pela CIMA, iniciado pela Imobiliária Nova York na década de 70, teve que alterar radicalmente seu projeto original para enquadrar-se na definição da ABRASCE para ser considerado um "shopping center". O atual estágio jurídico é deveras complicado, uma vez que por causa dessas modificações algumas lojas deixaram de existir e seus proprietários as estão reclamando em justiça. Também já houveram reclamações quanto ao aluguel em dobro no mês de dezembro uma vez que já o cobraram em 1996, primeiro mês de funcionamento, embora precário. Além disso alguns lojistas custeassem reclamam da falta de transparência da prestação de contas do condomínio e suspeitam que custearam a finalização das obras, diluídas através da cota condominial. Ainda existem inúmeras lojas vazias, grande parte do estacionamento sem finalização e o ar-condicionado ruidoso, sendo alvo de várias fiscalizações e multas e até ameaça de interdição.

Outro caso que temos conhecimento é o Terra Encantada (!?!?!), parque temático inaugurado em novembro de 1997 também de forma precária, portanto aquém das expectativas pretendidas pelos lojistas ao contratarem as locações. Tais contratos de locação são como se o Terra Encantada fosse um "shopping center", que também rezam o pagamento de "luvas" (res sperata), aluguel em dobro em dezembro e aluguel percentual, auditorias; mesmo o Terra Encantada não sendo um SC, cuja definição é estritamente objetiva.

A BRASCAN, fundadora da ABRASCE e empreendedora de ilibada e reconhecida capacidade é a empreendedora do Shopping Center do Paço do Ouvidor, notável empreendimento sem estacionamento, com apenas 34 lojas, muitas delas voltadas para a rua, sem campanhas de marketing, tendo muitas lojas vazias na atualidade. Seria o caso de experiente empreendedor cometer equívocos ao lançar um empreendimento que em pouco tempo ter quase a totalidade das lojas fechadas e não mais as consegue alugar?

Um lojista ajuizou ação questionando que o Shopping Center do Paço do Ouvidor não seria um SC de fato, alegando exatamente a falta dos elementos caracterizadores. Possivelmente, com o objetivo de não ter uma sentença judicial desfavorável, a Brascan resolver encerrar a lide em um acordo generoso.

Outro caso é o do Tijuca Off-Shopping, cujo signatário dessa contratou uma locação em uma loja que não pertencia ao locador com quem foi pactuada a locação, como se fosse um SC de fato, sem "habite-se" e em precárias condições de funcionamento que causou a quebra de boa parte dos lojistas que lá se instalaram. Trata-se de dois condomínios com quatro lâminas de prédios residenciais com dois conjuntos de galerias de lojas separados por uma rua. Os contratos não são padronizados e muitos deles não contém uma única cláusula diferente de uma locação ordinária, apenas os do felizardos lojistas que pactuaram seus contratos em início de 1995, em sua "expansão. A gigantesca inadimplência do condomínio inviabiliza qualquer tentativa de propaganda ou mesmo a manutenção dos já precários prédios.

As dificuldades de tais lojistas em terem que arcar com os custos de aluguel e demais encargos, mesmo não faturando o previsto em função da precariedade dos empreendimentos, já ganharam notoriedade nas páginas dos jornais e revistas diversas vezes, porém sempre com a simplória - e por isso mesmo perigosa - visão que o insucesso é em função dos elevados custos.


A CRISE NO RAMO DE "SHOPPING CENTERS"

Quem pode confirmar e acrescentar inúmeros exemplos que comprovem que a ocorrência sistemática de que isso seja prática corrente é a ALOSERJ, Associação das Empresas Lojistas em Shopping Centers do Estado do Rio de Janeiro, na pessoa do Sr. Cláudio Gordilho, seu atual Presidente, além de Daniel Plá, atual Presidente da ABF, Associação Brasileira de Franshising.

O conselho de alguns empresários de grande sucesso nacional tal como Daniel Plá, professor de Administração na PUC-RJ e Presidente da ABF, que fugir dos "shopping centers" é questão de sobrevivência, reside na constatação de que não existe, em verdade, parceria entre lojistas e empreendedor nesta modalidade de negócio. É um relacionamento desigual, no qual o lojista fica refém daquele que pode procurar extrair o que dele puder, e depois colocar outro em seu lugar.

Vale ressaltar o valoroso empenho do Sr. Daniel em regulamentar o setor de Franshising, uma vez que após o "boom" do setor vários franqueados perceberam que seus negócios de franquia, muitos comprados a peso de ouro, não valiam nada pois se tratavam apenas de negócios "caça níqueis" por parte dos franqueadores, não tendo estes nenhuma responsabilidade quanto à possíveis fracassos e prejuízos. Portanto se fazia necessário uma regulamentação no setor, que foi feita (Lei 8.955/94), onde é definida a responsabilidade do franqueador quanto ao fracasso do franqueado, para se pudesse resgatar a credibilidade do Franshising.

O atual quadro de elevado número de lojas fechadas em muitos "shoppings" pelo Brasil não advém só do fator crise econômica, mas também da crise de credibilidade e desconfiança pela qual passa este tipo de negócio. Bastamos fazer uma simples estimativa: será possível estimar quantas pessoas, empresários de renome, comerciantes, conhecedores e "vítimas" do "golpe do Shopping Center", ou que simploriamente o acham inviável devido aos elevados custos, que fazem campanha boca-a-boca contra aos que a elas inquirem sobre suas desagradáveis experiências? Obviamente são milhares.

Também há o empenho do Presidente do Grupo Multiplan (Barrashopping), José Isaac Peres, em diferenciar os empreendimentos ditos "shopping center", muitos nos quais, segundo ele, nos "shoppings" de lojas vendidas o lojista abre suas portas com sua falência decretada, uma vez que o próprio Barrashopping apresenta elevado números de lojas fechadas e poucos candidatos a lojistas.

O próprio Daniel Plá realizou, com seus alunos de Administração da PUC-RJ, uma importante pesquisa junto aos lojistas de "shopping center" que buscou retratar a atual situação com exatidão. Ao que tudo indica os resultados causaram a perplexidade desilusão dos que esperavam muito de seus negócios.

O Globo que publicou uma reportagem Domingo, dia 29 de março, página 43, sob o título: "Custos altos afugentam os lojistas dos shoppings". Reconheço que, embora a reportagem tenha sido boa, o discurso em tom simplório não foi de denúncia e continha algumas imperfeições técnicas.

O Jornal do Commércio, no dia 25 de maio de 1998, publicou matéria sob o título "A verdadeira guerra do comércio" onde de forma brilhante e corajosa, expôs a verdadeira situação que se passa encoberta atrás das pesadas cortinas que separam público e bastidores.

O mesmo Jornal do Commércio, no dia 2 de maio de 1999 publicou outra matéria aludindo que o empreendedor do SC é um sócio que só quer sócios lucrativos. Atenta para o fato de que se o lojista trabalha com ganho bruto na ordem de 25%, os encargos locatícios consomem até a metade do lucro e alerta para a alta rotatividade desses empreendimentos.

O objetivo é alertar com mais veemência quanto a estes fatos que violam, claramente, a Ordem Econômica, o princípio basilar do Direito que não deve haver enriquecimento sem causa, que é fator de criação de uma nova realidade econômica derradeira para um sem número de pessoas, onde se fazem mais miseráveis do que milionários, e que necessita ser regulamentado em Lei o mais breve possível. Não é excesso, se fizermos um paralelo ao aludido no art. 171 do C.P.B., artigo que trata do crime de estelionato, (do camaleão que se chama estélio), que alguns "shopping centers" são verdadeiros estelionatos .

A própria Justiça tem se mostrado plurívoca e confusa quanto às questões envolvendo tal matéria, comumente com sentenças totalmente disparatadas do que já existe como doutrina e jurisprudência. Muito comumente, os julgadores têm, além da visão deturpada da realidade, dificuldades em examinar os méritos das questões que envolvem essas relações. Covardemente invocam o princípio de pacta sunt servanda para decidir tais questões sem no mínimo examinar o mérito. Em pesquisa à jurisprudência, encontramos cerca de quarenta acórdãos existentes relativos ao tema mas em nenhum deles o lojista logrou sucesso embora fossem pertinentes os pedidos.


FINALIZANDO

Futuramente dissecaremos um contrato de locação em "shopping center" cláusula por cláusula confrontando-as com a realidade, com o direito, com a jurisprudência e com os princípios da economia e da administração. Não o fiz por não ter tido tempo hábil para fazê-lo. Sei que tal análise depois de consolidada a discussão seria de grande valia.

Ter uma empresa consolidada, com posição definida no mercado, bem administrada e eficiente, bom aporte financeiro, são fatores inerentes ao sucesso em um SC, mas sobretudo saber avaliar o empreendedor e o empreendimento, pois existem alguns que trabalham com seriedade e realmente ganham com a criação de mercado e não com golpes.

O setor há de ser regulamentado o mais rapidamente possível pois já apresentam números significativos, não só os econômicos, mas os judiciais também. São milhares ações que envolvem a execução de lojistas e seus fiadores bem como as de despejo. Embora não tenha um dado confiável a esse respeito, creio que esta é uma outra indústria paralela à indústria do SC .

Não tenho a pretensão de ser dono da absoluta verdade por isso agradeceria críticas e sugestões acerca do assunto em tela.

Sua opinião será valiosa para o sucesso desse trabalho.


BIBLIOGRAFIA (sugestão para leitura)

          Livros:

  • Comentários à Nova Lei do Inquilinato, de Nagib Slaibi Filho, Editora Forense, 9ª Edição/1986.
  • Shopping Center visto pelos tribunais de Jaques Bushatsky, editora EDIPRO, 1993
  • Shopping Centers Aspectos Jurídicos e Suas Origens de Maria Elisa Gualandi Verri, 1996
  • Lei de Luva Jurisprudência de Darcy Arruda Miranda Júnior e Alfredo Luiz Kugelmas, editora Revista dos tribunais, 1988

          Internet (sites):


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HEIDE, Márcio Pecego. Traços jurídicos, físicos e econômicos da modalidade de negócio chamada shopping center. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/610. Acesso em: 19 abr. 2024.