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A responsabilidade civil dos incapazes

A responsabilidade civil dos incapazes

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É comum questionar se a responsabilização civil dos incapazes é possível, uma vez que eles não possuem capacidade de fato para a prática dos atos da vida civil.

INTRODUÇÃO

Responsabilizar um indivíduo incapaz soa como algo incoerente no nosso ordenamento, já que esses indivíduos não possuem capacidade de fato para praticar os atos da vida civil. Visto isso, não haveria sentido responsabilizá-los, ainda que os mesmos ostentassem um patrimônio suficiente para tanto. Não obstante, sabe-se que esse entendimento não pode se dar de maneira rígida, uma vez que a vítima estaria desamparada quanto aos eventuais danos causados.

Diante disso, o presente trabalho visa a demonstrar a possibilidade de responsabilização dos incapazes, arts. 3° e 4° do CCB bem como apresentar as medidas que visam a proteger esses indivíduos.


1. REQUISITOS PARA A RESPONSABILIZAÇÃO DOS INCAPAZES

Para que haja responsabilização do incapaz quanto as suas ações, Varela Apud Filho (2012, p. 29) destacam seis requisitos:

a) que haja um facto ilícito; b) que esse facto tenha causado danos a alguém; c) que o facto tenha sido praticado em condições de ser considerado culposo, reprovável, se nas mesmas condições tivesse sido praticado por pessoa imputável; d) que haja entre o facto e o dano o necessário nexo de causalidade; e) que a reparação do dano não possa ser obtida dos vigilantes do inimputável; f) que a equidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor, em face das circunstâncias concretas do caso.

Com o surgimento do novo Código Civil, houve uma mudança de entendimento quanto à responsabilização dos incapazes. Nesse sentido, orienta o art. 928 do mesmo regramento:

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Portanto, o código civil vigente autoriza responsabilizar o incapaz pelos danos que causar. No entanto, essa responsabilização ocorrerá de maneira subsidiária e equitativa, isto é, não deve privar o incapaz do mínimo existencial.


2. SUBSIDIARIEDADE

Existe o entendimento de que, se o incapaz causar danos a terceiros, os seus responsáveis estarão comprometidos a suprir os eventuais prejuízos. Entretanto, pode acontecer da pessoa do incapaz ser responsabilizado de forma subsidiária, nos casos em este possua patrimônio suficiente aliado à carência econômica por parte dos responsáveis para garantir tal obrigação.

Diante desta situação, explica Farias e Rosenvald (2015, p. 517/518):

A vítima deverá dirigir sua pretensão, em princípio, contra os responsáveis, só indo ao patrimônio do incapaz na hipótese de impossibilidade econômica daqueles. Se, contudo, o responsável não ostentar patrimônio suficiente para fazer frente ao dano, o incapaz responde.

A doutrina orienta no sentido de que se os responsáveis tiverem meios para suprir a obrigação deverão fazê-lo, mas não é excluída a possibilidade regresso contra o autor do dano.

Nesse sentido, orienta Farias e Rosenvald (2015, p. 518):

Caso os responsáveis tenham patrimônio, a solução se dá como nas demais hipóteses de responsabilidade civil por ato de outrem (a chamada responsabilidade civil indireta) – o responsável indeniza a vítima, e depois tem direito de regresso contra o causador do dano (salvo na hipótese, [...] do causador do dano ser descendente do responsável).


3. MÍNIMO EXISTENCIAL

Há um entendimento de que se o individuo causar lesão a alguém, o mesmo deverá ser responsabilizado proporcionalmente quanto ao dano causado. No entanto, essa máxima é relativizada em se tratando do incapaz, visto que, por exemplo, a eventual indenização incumbida a estes indivíduos não podem se dar as custas de privá-los do mínimo existencial.

Nesse sentido, pode o magistrado, observando que uma indenização integral colocaria em risco o mínimo existencial do incapaz, fixar uma indenização relativamente menor quanto ao dano causado.

Desse modo, determina o Enunciado n° 39 da Jornada de Direito Civil:

A impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista no art. 928, traduz um dever de indenização equitativa, informado pelo princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana. Como consequência, também os pais, tutores e curadores serão beneficiados pelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recursos do responsável, mas quando reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade.

Neste contexto, deve-se observar que os legisladores, bem como os operadores do direito, se basearam na máxima da equidade, visto que inovaram no sentido de não deixar a vítima do dano desamparada, ainda que para isso seja necessário invadir o patrimônio do incapaz. Contudo, os mesmos estudiosos entenderam como necessário evitar que essa invasão ocorresse às custas do mínimo existencial do incapaz.

Quanto à indenização equitativa, é importante constatar que o incapaz só será desobrigado a cumprir com a integralidade da indenização se esta situação trouxer dificuldades financeiras para si ou mesmo para as pessoas que dele dependam.

Desse modo, explicam Farias e Rosenvald (2015, p. 518):

A indenização só será reduzida – isto é, só excepcionará o princípio da reparação integral, que é a regra entre nós e deve ser prestigiado – se a indenização integral puder trazer transtornos financeiros severos, comprometedores, ao incapaz, ou às pessoas que dele dependam. Do contrário, não.

Porém, nos casos em que o incapaz for abastado financeiramente, o mesmo não poderá se valer da sua incapacidade para se desobrigar quanto ao montante integral do dano que causou.


4. RESPONSABILIDADE DOS CIVILMENTE RESPONSÁVEIS

Há um entendimento de que os responsáveis pelo incapaz só não serão civilmente responsabilizados pelos danos, se, diante do caso, existir situações que os desobriguem. Nessa situação, Farias e Rosenvald (2015) nos trazem como exemplo a hipótese de um curador que é nomeado após a ocorrência do dano praticada pelo incapaz. Desse modo, não há o que se falar em responsabilização do curador.

Por fim, o art. 180 do CCB informa a possibilidade de responsabilização direta do menor:

Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.

Diante do caso exposto, se o menor utiliza, por exemplo, documentos falsos, induzindo ao erro a outra parte de boa-fé a realizar um negócio jurídico consigo, ele não poderá invocar a sua idade para se eximir das obrigações. Nessa situação, o menor, além de responder diretamente pelos danos que causar, não terá sua responsabilidade mitigada.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, pode-se compreender a importância da possibilidade de responsabilização do incapaz trazida, sobremaneira, pelo Código Civil de 2002. Além disso, percebe-se que a observância dada ao assunto pelo novo regramento foi algo acertado, visto que o tema soluciona questões jurídicas que, aparentemente, poderiam proporcionar injustiças, mas que, enfim, buscam conciliar a proteção do incapaz com a necessidade de se indenizar a vítima.


REFERÊNCIAS

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciado n° 39 da Jornada de Direito Civil. CJF – Enunciados. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/701>. Acesso em: 30 out. 2017.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe. Curso de direito civil responsabilidade civil. Vol. 3 - 2. ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo Atlas, 2015.

FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. - São Paulo Atlas, 2012.

VADE MECUM. Lei 10.406 de janeiro de 2002 – Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2016.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAXWELL, Dyeggo. A responsabilidade civil dos incapazes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5519, 11 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61552. Acesso em: 25 abr. 2024.