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A força vinculante da decisão proferida no incidente de resolução de demandas repetitivas

A força vinculante da decisão proferida no incidente de resolução de demandas repetitivas

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O novo CPC deu força vinculante ao precedente formulado no incidente de resolução de demanda repetitivas - IRDR. Desta forma, todo o ordenamento jurídico deve seguir harmonicamente o entendimento firmado na decisão paradigma.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Hodiernamente, as demandas processuais são revestidas pelo princípio constitucional da razoável duração do processo, preceito fundamental inserido no corpo da Magna Carta Constitucional que emanou por todo o ordenamento jurídico seus valores fundamentais.

Neste ínterim, com o fito de dar a máxima eficácia de uma decisão satisfativa em tempo razoável, o novo Código de Processo Civil trouxe o instituto processual do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), ferramenta processual que visa solucionar as demandas processuais de massa que versem sobre mesma questão de direito.

Este instituto processual assegurou, também, a segurança jurídica diante da uniformização jurisprudencial com força vinculante, emanando em todos os processos sobre mesma questão de direito, o seu dispositivo.

Para concretização do presente trabalho, foi empregada a técnica de pesquisa nominada de análise de dados bibliográficos, com fito de conhecer, refletir e discutir acerca da força vinculante do precedente jurisdicional proferido em sede de Incidente de Resolução de demandas Repetitivas. A pesquisa bibliográfica é o levantamento de toda a bibliografia já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita (MARCONI, LAKATOS, 1992).

No segundo capítulo, foram tratados os princípios constitucionais que emanam diretrizes por todo o ordenamento jurídico, maior ênfase foi dada ao princípio da razoável duração do processo como norte orientador dos inovadores institutos trazidos pelo novel diploma processual civil, na medida em que a solução integral do litígio incluindo nela a medida satisfativa, tornou-se uma meta processual.

O terceiro capítulo trouxe a tratativa da uniformização jurisprudencial em primazia da segurança jurídica como postulado processual, medida em que assegura às partes a vedação explícita das decisões divergentes do precedente judicial, logo os precedentes tornaram-se fonte primária na elaboração da ratio decidendi, podendo divergir apenas por meio das técnicas de distinção.

No quarto capítulo, foi abordada a previsão processual do novo instituto processual, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), como ferramenta processual eficiente e capaz de dar a máxima efetividade aos processos repetitivos que versem sobre mesma questão unicamente de direito. Ferramenta processual capaz de sobrestar todos os processos vinculados ao mesmo sistema jurisdicional para que sejam solucionados por meio de uma única decisão que trará harmonização jurisprudencial ao ordenamento jurídico.

Ainda no quarto capítulo, foi realizado o estudo sistemático do procedimento adotado pelo novo CPC para tratar do incidente, as peculiaridades que passam desde a competência originária para admissão, até os aspectos mais importantes para elaboração da tese jurídica formulada no IRDR.

No quinto capítulo foi abordada a reclamação como medida hábil a assegurar a aplicação da decisão proferida em IRDR, uma medida processual capaz de dar força vinculante por todo o ordenamento jurídico, uma vez que cabe reclamação perante o órgão que proferiu a decisão contrária à formulada no incidente, para que haja força obrigatória do órgão jurisdicional na aplicação da decisão com força vinculante.

Por fim, o sexto capítulo tratou da força vinculante do precedente formulado em IRDR, uma vez que a decisão proferida no incidente obriga todo o ordenamento jurídico a seguir a tese jurídica sob pena de cabimento da reclamação, logo com exceção da aplicação das técnicas de distinção, todas as decisões proferidas em demandas que versem sobre mesma questão de direito estão vinculadas ao teor da decisão proferida no incidente.


2. O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Os princípios são normas abstratas orientadoras da hermenêutica jurídica, nortes que são inseridos de forma amplamente interpretativa para dar sentido lógico jurídico ao texto normativo, para Ávila (2015, 102):

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.

Por seu turno, Sarlet (2011) classifica os Princípios como normas fundamentais balizadoras do mínimo existencial de nossa Constituição vigente, o núcleo essencial formal e material da Constituição, de tal maneira que a dignidade da pessoa humana é tida como fundamento de nosso Estado Democrático de Direito.

Neste contexto, as garantias constitucionais foram editadas sob o princípio máster do constitucionalismo ocidental, a dignidade da pessoa humana, sob a “afirmação de que todos os direitos e garantias fundamentais encontram seu fundamento direto, imediato e igual na dignidade da pessoa humana” (SARLET, 2011, p. 93), este fundamento encontra guarida no pensamento Kantiano de que “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade” (KANT, apud SARLET, 2011, p. 40), desta ótica kantiana, “os seres humanos possuem um valor com certo caráter normativo, mas não utilitário” (SARLET, 2011, p. 41). Este caráter normativo ensejou a criação dos direitos fundamentais, liberdades negativas, direitos de defesa do homem frente ao Estado como uma forma impositiva de combate à arbitrariedade estatal.

Na mesma seara, a Emenda Constitucional nº 45/2004, inseriu no texto da norma fundamental o princípio da razoável duração do processo como norma finalística para dar celeridade processual às pretensões resistidas demandadas em juízo, vejamos o que dispõe o seu texto:

Art. 5º (...)

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Esta modificação no conteúdo originário da Constituição Federal de 1988 inaugurou a celeridade processual como medida satisfativa para o provimento jurisdicional, dando maior eficácia à decisão proferida em juízo.

Da razoável duração do processo na lei processual.

Harmonizado com o texto constitucional, o novel diploma processual civil, editado pela Lei nº 13.105/2015 reproduziu dentre as normas fundamentais do processo civil, a previsão da razoável duração do processo como direito assegurado às partes para obtenção da solução integral do mérito, incluída ainda a atividade satisfativa.

Para Didier Júnior (2016), a previsão processual da razoável duração do processo impôs o provimento jurisdicional em prazo razoável sem dilações indevidas, uma medida derivada do devido processo legal, devendo seus critérios ser sopesados de acordo com as peculiaridades do caso, dando lhe a justa medida sob a visão de um conjunto. Do mesmo modo, cita Didier Júnior (2016, p. 98) que “o processo não tem de ser rápido/célere: o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional”, portando, há uma ponderação teleológica do Princípio Constitucional, o que deve ser aplicado mediante a justa medida, dentro de um juízo de ponderação.

Para os ilustres doutrinadores Barbosa Moreira e José Carlos (2002, p. 181), a eficácia e economia processual são instrumentos de desempenho para a máxima eficácia processual para a consecução do fim a que se almeja, vejamos:

Para o processo ser efetivo é preciso que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete na economia do ordenamento jurídico, pois esse papel é instrumental em relação ao direito substantivo. Uma noção conecta-se com a outra e por assim dizer a implica. Qualquer instrumento será bom na medida em que sirva de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se destina, assim, será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material.

Na mesma esteira, Marinoni (2015, p. 263), ao expor comentários acerca do princípio objeto do presente diálogo, cita que:

O direito fundamental à duração razoável do processo constitui princípio redigido como cláusula geral. Ele impõe um estado de coisas que deve ser promovido pelo Estado – a duração razoável do processo. Ele prevê no seu suporte fático termo indeterminado – duração razoável – e não comina consequências jurídicas ao seu não atendimento. Seu conteúdo mínimo está em determinar: (i) ao legislador, a adoção de técnicas processuais que viabilizem a prestação da tutela jurisdicional dos direitos em prazo razoável (por exemplo, previsão de tutela definitiva da parcela incontroversa da demanda no curso do processo), a edição de legislação que reprima o comportamento inadequado das partes em juízo (litigância de má-fé e contempt of court) e regulamente minimamente a responsabilidade civil do Estado por duração não razoável do processo; (ii) ao administrador judiciário, a adoção de técnicas gerenciais capazes de inviabilizar o adequado fluxo dos atos processuais, bem como organizar os órgãos judiciários de forma idônea (número de juízes e funcionários, infraestrutura e meios tecnológicos); e (iii) ao juiz, a condução do processo de modo a prestar a tutela jurisdicional em prazo razoável.

Desta forma, não seria razoável um processo se arrastar ad infinito sem qualquer provimento jurisdicional, o que inviabilizaria a medida satisfativa decorrente da causa de pedir, objeto da pretensão resistida.


3. DA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

A uniformização jurisprudencial encontra suporte no postulado da segurança jurídica, o qual busca a unificação das decisões proferidas para que não hajam constantes conflitos nos pronunciamentos judiciais.

Inicialmente o ordenamento jurídico nacional adotou o sistema Civil Law, uma sistemática hermenêutica que aplica a norma posta emoldurada à causa de pedir, uma aplicação literal do direito positivado ao caso in concreto.

Com o passar do tempo, a sistemática teleológica do ordenamento jurídico vem sofrendo mutações, para Diddier Júnior (2016) o ordenamento jurídico brasileiro vem sendo operado por uma imensa produção doutrinária e jurisprudencial de forma harmônica, desligando-se de sua inspiração história, formando um novo modelo jurídico dividido em processo legal e substancial.

Com base na nova sistemática processual de valorização do precedente jurisprudencial, dispõe o art. 926, do NCPC que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”, uma ferramenta processual que determina a necessidade de uniformização jurisprudencial dos órgãos colegiados para que toda a sistemática jurisdicional seja harmônica e previsível.

Por fim, cumpre salientar que para Didier Júnior (2016, p. 59-60) a  “experiência jurídica brasileira parece ser única; é um paradigma que precisa ser observado e mais bem estudado”, para que possamos analisar a aplicação sistêmica do precedente obrigatório, uma vez que nosso sistema processual passa por uma modificação híbrida, partindo do direito posto ao direito consuetudinário.

3.1. Dos precedentes vinculantes.

O precedente vinculante confere renovado papel aos tribunais, os que antes eram apenas órgãos de revisão ou cassação das decisões singulares, assumem também agora, de modo efetivo, o papel de órgãos de orientação, por meio da função institucional de construir jurisprudência vinculante para os órgãos de jurisdição inferior, no sentido de uniformizar os provimentos jurisdicionais em primazia do postulado jurídico da segurança jurídica.

Os precedentes obrigatórios alongam a autoridade dos tribunais e estabelece uma comunicação articulada entre estes e os órgãos de jurisdição inferior de forma que toda sistemática jurisprudencial seja harmoniosa.

O juiz singular seguirá decidindo conflitos com base na lei abstrata, mas deverá harmonizar seus pronunciamentos com os precedentes vinculantes dos tribunais em que sua jurisdição está subordinada, de forma que só poderá divergir da orientação superior com a plena demonstração de que o caso in concreto é diferente do caso que levou à formação dos precedentes vinculantes.

Nesta esteira, citam os incisos do art. 927, do novo diploma processual que os juízes e tribunais deverão observar decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, o enunciado de súmulas vinculantes, os acórdãos em incidentes de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos, o enunciado das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, ponho uma anotação quanto a esta previsão, uma vez que a nova lei processual passou a considerar a força do precedente formulado em súmula persuasiva, que não possuía tamanha força jurisprudencial na extinta norma processual, de tal forma que deverão os juízes e tribunais ainda observar a orientação do plenário ou órgão especial aos quais estiverem vinculados.

O tribunal, por fim, deverá examinar com afinco os argumentos das decisões recorridas de modo a analisar se as peculiaridades nelas invocadas são suficientes para justificar a distinção da decisão proferida com o precedente obrigatório formulado pelo juízo revisor.

3.2. Técnicas de distinção (distinguishing e overruling)

As distinções invocadas pelo juízo primário na ratio decidendi, que substanciam o pronunciamento jurisdicional de forma diversa do precedente vinculante proferido pelo tribunal, são oriundas das técnicas de distinção (distinguishing) ou demonstração da superação do precedente (overruling), que demonstram que há um aspecto substancial que diferencia o caso concreto em litígio da jurisprudência vinculante existente.

Na distinção (distinguishing) deve então ser demonstrado que o caso em julgamento não deve ser julgado tal como o precedente vinculante análogo, posto que haveria distinção de situação fática ou mesmo de questão jurídica não examinada na formação do precedente vinculante.

Dispõe o parágrafo segundo do artigo 489 da norma processual que “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgado do Agrado em Recurso Especial, aplicou a técnica do distinguishing para afastar o entendimento de que a restituição das parcelas pagas pelo participante ocorrerá em até trinta dias contados do prazo previsto contratualmente para o encerramento do grupo correspondente, uma vez que o demandante era septuagenário e não teria condições de aguardar o tempo para usufruir dos valores pagos, vejamos:

“(...) 5. Assim, necessário se faz a técnica hermenêutica do distinguishing para concluir pela inaplicabilidade do precedente consubstanciado no recurso especial nº 1.159.189/RS, pois os fundamentos fáticos ali destacados, que foram reconhecidos pelo Tribunal a quo, não estão presentes no acórdão ora recorrido. 6. Agravo regimental não provido. (STJ, AARESP 201202262460, MAURO CAMPBELL MARQUES - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:13/05/2013).”

Desta forma, a corte cidadã aplicou a técnica de distinção, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, para a aplicação da medida satisfativa mais eficaz ao demandante, uma vez que a tese formulada anteriormente não lhe seria viável diante do suporte fático.

Do mesmo modo, o enunciado nº 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) ao abordar a técnica de distinção, proferiu o entendimento no sentido de que:

306. O precedente vinculante não será seguido quando o juiz  ou tribunal distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa

Por seu turno, na demonstração da superação do precedente (overruling), o julgador deverá evidenciar a existência de mudança substancial da jurisprudência, a revogação ou modificação da norma que embasou a decisão formulada no precedente vinculante, demonstrando a inaplicabilidade daquela ao caso concreto, segundo Didier Júnior (2013):

No Brasil, porém, o overruling pode dar-se de modo concentrado. Instaura-se um procedimento autônomo, cujo objetivo é a revisão de um entendimento já consolidado no tribunal. É o que ocorre com o pedido de revisão ou cancelamento de súmula vinculante (art. 3º da Lei n. 11.417/2006). Ao revisar ou cancelar o enunciado da súmula, o STF estará, na verdade, redimensionando a sua jurisprudência ou a alterando. A jurisprudência é, como se sabe, a reiterada aplicação de um precedente. Observe que, neste caso, há um rol de entes com capacidade processual para pedir a revisão ou cancelamento: o overruling não pode surgir de qualquer processo nem pode ser pedido por qualquer pessoa.

Desta forma, dispõe o teor do inciso VI, do art. 489, do NCPC, estabelece que considera-se não fundamentada a sentença proferida que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso de julgamento ou a superação do entendimento”, sob pena de nulidade diante do juízo revisor, conforme teor do Enunciado nº 307, do FPPC, que cita:

307. reconhecida a insuficiência da sua fundamentação, o tribunal decretará a nulidade da sentença e, preenchidos os pressupostos do §3º, do art. 1.13, decidirá desde logo o mérito.

Logo, ao receber o recurso de apelação em seu efeito devolutivo, uma vez satisfeitas as condições de julgamento imediato, o tribunal deverá decretar a nulidade da sentença proferida pelo juízo a quo por falta de fundamentação, vejamos:

Art. 1.013.  A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 3o Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

Portanto, o precedente tornou-se ferramenta processual vinculante, o juízo só poderá proferir decisão divergente ao precedente nos casos de divergência jurisprudencial ao caso concreto, ou diante de entendimento jurisprudencial superado, sob pena de proferir sentença sem a devida fundamentação.


4. DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Hodiernamente os órgãos judiciais encontram-se abarrotados de processos repetitivos, obstruindo a aplicação da solução eficaz e uniforme das demandas judiciais, uma violação ao postulado constitucional da razoável duração do processo, para Oliveira (2015, 75) “O mesmo CPC/2015, que traz como inovação o IRDR, consagra e reitera em suas normas gerais (Livro I) os princípios constitucionais da razoável duração do processo, da igualdade, do contraditório, da publicidade e do acesso à justiça.”

Com base nesta problemática processual, o novel diploma processual inovou ao inserir nas suas ferramentas processuais a previsão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), instituto jurídico provocado mediante incidente processual, bem como o Recurso Especial e Recurso Extraordinário repetitivos para tratamento de situações jurídicas discutidas em sede de recursos excepcionais, para Mendes (2012, 195) “surgimento do incidente de resolução de demandas repetitivas vem para suprir eventuais lacunas das ações coletivas brasileiras na tutela dos direitos individuais homogêneos, que são justamente ‘as espécies de direito material’ que dão ensejo à propositura das ações repetitivas”

Diante do contexto, o intuito do legislador foi o de diminuir o número de lides análogas, estabelecendo isonomia entre os casos jurisdicionados, ao selecionar um processo-piloto para estabelecer a regra a ser aplicável ao demais que versem sobre a mesma tese jurídica.

Basicamente, o IRDR traria o emolduramento da tese jurídica proferida no processo piloto aos demais casos análogos, como medida célere e satisfativa dos casos repetitivos, no entanto Abboud e Cavalcanti (2015, 2) trouxeram algumas questões polêmicas do ponto de vista constitucional do incidente, alegam que o IRDR violaria alguns pressupostos processuais existentes, vejamos:

Deixe-se claro, todavia, que entendemos que o IRDR pode ser um eficaz mecanismo de resolução de litígios de massa. Apesar disso, não podemos fechar os olhos e ignorar algumas inconstitucionalidades constantes do texto projetado que violam diversos princípios constitucionais do processo decorrentes da cláusula do devido processo geral. O artigo tratará de algumas delas. São elas: (a) violação à independência funcional dos magistrados e à separação funcional dos Poderes: a vinculação da tese jurídica aos juízes de hierarquia inferior ao órgão prolator da decisão não está prevista na Constituição da República; (b) violação ao contraditório: ausência do controle judicial da adequação da representatividade como pressuposto fundamental para a eficácia vinculante da decisão de mérito desfavorável aos processos dos litigantes ausentes do incidente processual coletivo; (c) violação ao direito de ação: ausência de previsão do direito de o litigante requerer sua autoexclusão (opt-out) do julgamento coletivo; e (d) violação ao sistema de competências da Constituição: a tese jurídica fixada no IRDR pelo TJ ou TRF será aplicada aos processos que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região (art. 982, I, do NCPC).

Para o processualista Didier Júnior (2016, p. 625) “o IRDR é, como o seu próprio nome indica, um incidente. Trata-se de um incidente, instaurado num processo de competência originária ou em um recurso (inclusive de remessa necessária)”, para Fux (2014)

dentre esses instrumentos, está a complementação e o reforço da eficiência do regime de julgamento de Inconstitucionalidades do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório de recursos repetitivos, que agora abrange a possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no juízo de primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais, que estejam tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento, desatreladamente dos afetados. Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta. O incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes”. Em nota de rodapé, a exposição de motivos esclarece que: “No direito alemão a figura se chama Musterverfahren e gera decisão que serve de modelo (= Muster) para a resolução de uma quantidade expressiva de processos em que as partes estejam na mesma situação, não se tratando necessariamente, do mesmo autor nem do mesmo réu

Como visto, deverá haver um processo em sede de recurso ou de competência originária de tribunal para que seja proposto o incidente processual, uma vez que não se trata de processo originário mas sim um incidente processual, posto que a norma processual com seu caráter infraconstitucional não pode dispor sobre competência originária.

Tal incumbência ficou a cargo da Constituição Federal para os casos previstos no art. 103, que fixou a competência originária e recursal do Supremo Tribunal Federal; art. 105, da competência do superior Tribunal de justiça; art. 109, da competência dos juízes federal e por fim deixou a competência residual a cargo das Constituições Estaduais que fixaram a competência originária e recursal de seu sistema jurisdicional.

Não havendo, portanto, competência do legislador infraconstitucional para legislar em matéria processual da competência originária e recursal dos tribunais, uma vez que as modificações constitucionais ficaram a cargo das emendas constitucionais que possuem maior rigidez no procedimento de aprovação.

Esclarece Didier Júnior (2016, p. 625) que “o legislador ordinário pode – e foi isso que fez o CPC – criar incidentes processuais para causas originárias e recursais que tramitem nos tribunais, mas não lhe cabe criar competências originárias para os tribunais” além do mais, cita o nobre doutrinador Didier Júnior (2016, 634) “o IRDR é cabível para fixar a tese, de questão de direito material ou processual, em processo de conhecimento ou em processo de execução, seja o procedimento comum ou especial”. Portanto, não há necessidade de existência de processo específico para cabimento do Incidente, basta apenas a existência dos requisitos constantes do art. 967, do NCPC.

Desta feita, a previsão de cabimento e julgamento do IRDR inserida na norma processual civil não trouxe a criação ou regulamentação de competência originária do procedimento, apenas tratou o instituto como incidente processual cabível em processo de conhecimento ou diante de recurso interposto em tribunal.

4.1. Das demandas repetitivas

Demandas repetitivas são pleitos demandados individualmente sobre causa de pedir comum em diversos processos cujos titulares são determinados, diferente das que discutem interesses difusos ou individuais homogêneos que há uma pluralidade de sujeitos discutindo a mesma pretensão resistida.

Por serem múltiplas demandas individuais com causas de pedir em comum, cada interessado pode buscar, separadamente, a tutela do seu direito, ajuizando ações judiciais. Essas ações que versam sobre direitos individuais, ou direitos individuais homogêneos demandados por indivíduos sem formação de litisconsórcio facultativo, que se repetem incontáveis vezes no Judiciário, uma vez que dizem respeito a inúmeras causas em situação idêntica. São as chamadas ações de massa, ou demandas de massa ou, ainda, demandas repetitivas.

Não é natural, na sistemática processual, a pluralidade de demandas idênticas analisadas repetidas vezes pelo Judiciário, apenas diferindo em relação os polos que compõem a relação jurídica. Por ser a questão apreciada diversas vezes por juízes diferentes, por diversas vezes são proferidas decisões diferentes para casos idênticos, causando, por consequência insegurança jurídica e falta de harmonia jurisprudencial.

No entanto, as demandas individuais formam lei entre as partes, vinculando apenas os indivíduos que estão em litígio, sem, contudo, estender os seus efeitos perante terceiros.

Hodiernamente, judiciário brasileiro encontra-se abarrotado de litígios que discutem a mesma questão de direito, causando, por consequência a lentidão na entrega da tutela jurisdicional. À titulo de exemplo, tais demandas repetitivas que ainda encontram-se em tramitação versam, por exemplo, sobre questões relativas a planos econômicos de outrora, discutindo por diversas vezes índices de caderneta de poupança, tarifa básica de telefonia e tarifas bancárias em geral, o que poderia se decidido uniformemente com uma decisão paradigma, trazendo a segurança jurídica a todos os provimentos jurisdicionais.

4.2. Da competência para admissão do IRDR

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR possui natureza de procedimento incidental, que como foi visto anteriormente não cabe ao legislador infraconstitucional atribuir competência originária ou recursal, posto que tal atribuição ficou a cargo da Constituição Federal e por atendimento ao princípio da simetria, às constituições estaduais, não sendo, portanto, matéria de cunho infraconstitucional.

Trata-se de incidente processual que, em tese, modifica a competência originária do recurso ou procedimento de ordinário de tribuna para ser julgado em órgão específico para tal fim, que segundo Didier Júnior (2016, p. 629) “o órgão colegiado do tribunal pode admitir ou não o IRDR. A decisão que admite ou rejeita o IRDR é irrecorrível, ressalvados os embargos de declaração”.

Ainda no entender de Didier Júnior (2016, p. 930), o “IRDR pode ser suscitado perante tribunal de justiça ou tribunal regional federal (no âmbito trabalhista, em tribunal regional do trabalho; no âmbito eleitoral, em tribunal regional eleitoral”, não sendo, portanto, instituto jurídico cabível em juízo de primeiro grau.

A competência originária para admissão e apreciação o IRDR é de órgão colegiado específico de tribunal, convém salientar a melhor jurisprudência de Didier Júnior (2016, p. 629) que “o juízo de admissibilidade é, enfim, do órgão colegiado do tribunal. Como a decisão não é do relator, não cabe agravo interno, pois este é um recurso cabível apenas contra decisão isolada do relator (art. 1.021,  CPC)”.

Por seu turno, o § 3º, do art. 976, cita que a inadmissibilidade do IRDR decorrente do não atendimento dos pressupostos essenciais de admissibilidade não obsta a parte propor novamente o incidente, atendidos os requisitos estabelecido na lei, vejamos:

“§ 3o A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.”

Desta forma, evidenciamos a competência colegiada de órgão integrante de tribunal para admissão e apreciação do incidente processual, não cabendo, portanto, ao relator proferir decisão monocrática em sede de IRDR, mas apenas ao órgão colegiado do tribunal.

4.3. Dos requisitos de admissibilidade do IRDR

Por se tratar de procedimento incidental para solução de demandas repetitivas, cuja tese jurídica formulada no processo-modelo vai irradiar força vinculante por toda a sistemática jurisdicional do órgão colegiado que proferiu a decisão do incidente, o IRDR possui requisitos essenciais para sua admissibilidade, que para o nobre doutrinador Didier Júnior (2016, p. 625) “o IRDR só é cabível, se (a) houver efetiva repetição de processos e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, (b) a questão for unicamente de direito e (c) houver causa pendente no tribunal”, nos termos do art. 976, do Novel diploma processual civil:

“Art. 976.  É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.”

Desta forma, por se tratar de um incidente processual, para ser instaurado, não se torna necessário o cumprimento dos requisitos essenciais da petição inicial mas os requisitos inseridos no art. 976, do NCPC são indispensável para a admissibilidade do IRDR.

Outrossim, cabe esclarecer que os legitimados ativos a propor o IRDR estão elencados em número fechado no teor do art. 977, do NCPC, deixando claro que o terceiro que não possuir interesse processual na demanda não poderá pleitear a instauração do incidente, vejamos:

“Art. 977.  O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:

I - pelo juiz ou relator, por ofício;

II - pelas partes, por petição;

III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.”

Para Didier Júnior (2016, 632) “o IRDR pode ser suscitado, de ofício, pelo juiz de uma das causas repetitivas ou pelo relator em processo que se encontra no tribunal. Não é necessário que haja requerimento. É possível que seja instaurado de ofício.”, evidenciando a natureza jurídica de questão de ordem pública, uma vez que em primazia do princípio jurisdicional da inércia, nas questões que não há ordem pública não poderia o juízo requerer instauração de procedimento processual sem a provocação das partes.

Por se tratar de demanda de grande relevância para a sistemática processual, o terceiro interessado poderá requisitar a sua participação no incidente para formulação da tese jurídica a ser construída no processo piloto, conforme nos ensina Oliveira (2015, 70), que:

É importante ressaltar o papel de terceiros no IRDR. O terceiro interessado pode ingressar e pedir sua participação no julgamento do incidente. Do mesmo modo, o relator do incidente no tribunal pode marcar audiência pública e ouvir pessoas desinteressadas que poderão contribuir com opiniões e posições para melhor elucidação das questões a serem debatidas no julgamento do mérito incidental. A participação de terceiros para aprimorar a prestação jurisdicional nas demandas repetitivas já ocorre no âmbito do julgamento dos processos referentes a controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal e nos recursos repetitivos nesse mesmo tribunal superior e no Superior Tribunal de Justiça. O terceiro que apresenta interesse institucional é denominado amicus curiae ou amigo da corte, figura que, embora já consagrada em leis esparsas e na jurisprudência, tem previsão no CPC/2015. Conforme o art. 983, § 1º, no juízo de admissibilidade do IRDR

Mesmo se tratando de demanda de grande relevância jurídica, o IRDR não pode ser suscitado por qualquer interessado, ainda segundo Didier Júnior (2016, 632) “o IRDR pode ser instaurado por provocação de qualquer uma das partes da causa pendente no tribunal ou de qualquer outro processo em que a questão se repita.”, desde que seja relativa à questão unicamente de direito.

4.4. Houver efetiva repetição de processos e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica

Para Oliveira (2017, 67) “segurança jurídica é a previsibilidade, a perenidade, a certeza e a estabilidade de uma situação ou direito conquistado contra surpresas e mudanças ilegítimas ou aleatórias” o que se espera diante do entendimento formulado em IRDR.

Passando a detalhar os requisitos de admissibilidade, a questão da efetiva repetição de processos e risco à isonomia e à segurança jurídica, trouxe uma manifesta problemática processual, posto que o legislador não quantificou o mínimo de processos para admissão do incidente, Didier Júnior (2016) entende pela admissão do IRDR quando houver pelo menos dois casos, com a devida venha ao nobre doutrinador, entendo que o IRDR atende a uma peculiaridade de alta demanda repetitiva, o que inviabiliza a sua aplicação diante de apenas duas pretensões resistidas sobre mesma questão de direito, o que destoa da finalidade precípua do inovador instituto processual, que para BUENO (2015, 615) “a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas não pressupõe a existência de grande quantidade de processos versando sobre a mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da isonomia e de ofensa à segurança jurídica”.

Nesta mesma esteira, nos ensina o processualista Talamini (2016) que para que a questão seja em comum, deve haver um padrão fático repetitivo, vejamos:

Embora a questão jurídica é que vá ser objeto de resolução no incidente, note-se que é imprescindível que exista um certo padrão fático repetitivo. Caso contrário jamais se teria a questão jurídica repetitiva (p ex., é preciso que milhares de pessoas tenham realizado o mesmo tipo de atividade negocial e agora discutam com o Fisco, em processos próprios, se incide tributo sobre aquela atividade). Ou seja, a questão jurídica repetitiva pressupõe, por igual, aspectos fáticos repetitivos nos diversos processos. Esses, contudo, são alheios ao IRDR, que se concentra sobre aquela.

Para os doutrinadores Guilherme Gomes Pimentel e Cynara Silde Mesquita Veloso (2013):

o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas trata-se de uma extensão do instituto de julgamentos repetitivos, previsto no CPC, visto que ele permite um significativo aumento de sua abrangência ao proporcionar a identificação da repetitividade em qualquer fase processual, inclusive cognitiva, podendo ser suscitado de imediato em razão de um grupo de processos que acabaram de ser distribuídos

Ademais, para o efetivo atendimento do requisito ao risco à isonomia e à segurança jurídica se evidencia ante a pluralidade de causas idênticas sob o aspecto jurídico, o que não haveria como evidenciar com apenas dois processos com possibilidade de decisões divergentes, desta forma, a multiplicidade de questões jurídicas torna-se necessária em um contexto mais amplo.

4.5. A questão for unicamente de direito

O mundo dos fatos tornou-se irrelevante para a admissão do incidente, uma vez que tratar o suporte fático como elemento crucial para elaboração do julgado inviabilizaria o instituto, posto que as causas de pedir de cada processo, por diversas vezes, comportam características próprias.

O intuito do IRDR foi uniformizar a jurisprudência diante de diversos casos que versem sobre questão unicamente de direito, para as situações jurídicas diferentes do processo-piloto, aplica-se a técnica do distinguishing, no intuito de excluir o processo da aplicação uniforme do julgado.

Acerca da matéria, o Enunciado n.º 9, da ENFAM, cita que:

“É ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC/2015, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula.”

Portanto, podemos observar que cabe a parte apresentar a distinção do seu caso ao que dispõe a decisão proferida em IRDR, uma vez que as razões de direito que versarem sobre a mesma questão terão seu entendimento uniformizado, ficando a questão fática a ser discutida por meio de técnica de distinção ao projeto-piloto.

4.6. Houver causa pendente no tribunal

Como foi anteriormente apontado no item 4.1, a competência para apreciação do incidente é do órgão colegiado do Tribunal, por não se tratar de causa de competência originária ou recurso, o IRDR depende de causa pendente no tribunal para ser apreciado, que devido à modificação da competência, seria uma exceção à perpetuatio jurisdictionis e ao juiz natural.

4.7. Do procedimento e julgamento do IRDR

Após a distribuição, o órgão colegiado do tribunal, criado por meio de resolução ou disposição no regimento interno, competente para julgar o incidente, procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976, mencionados no item 4.2.

Admitido o incidente, o relator suspenderá todos os processos pendentes sobre questão idêntica, solicitará informações ao juízo de origem para maiores esclarecimentos da questão suscitada e intimará o representante do Ministério Público para, querendo, manifestar-se sobre o feito, na forma do art. 982, do NCPC, o ilustre YOSHIKAWA (2015, 1.407), entende que é

descabida a possibilidade prevista no artigo em comento, pois a providencia traria sério prejuízo (maior demora na tramitação dos processos) aos jurisdicionados de outros Estados (Justiça Estadual) ou Regiões (Justiça Federal) sem que tenha como contrapartida qualquer benefício, vez que os demais Tribunais não estão obrigados a seguir orientação que venha a ser firmada, tendo ela no máximo eficácia persuasiva”

Importante frisar que os pedidos de tutela provisória de urgência e cautelar serão dirigidos ao juízo do processo suspenso, conforme teor do § 2o, do art. 982, uma vez que o juízo de origem é o conhecedor dos fatos narrados na petição inicial, que conforme estabelecido na norma processual, o IRDR trata apenas das questões puramente de direito, não podendo apreciar os fatos que levam a concessão da medida de urgência em juízo de cognição sumária.

Por conseguinte, em cumprimento às formalidades dispostas no art. 982, do NCPC, o relator ouvirá as partes e os demais interessados no IRDR, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, estas figurando como amicus curiae, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.

Por se tratar de questão jurídica de grande relevância, o relator poderá designar audiência para debates, nos termos do § 1º, do art. 983, do NCPC, que segundo Didier Júnior (2016, 639) “como se sabe, o contraditório não se restringe a questões de fato; também alcança questões de direito (art. 10, CPC). Daí haver instrução no IRDR, para a qualificação do debate em torno da questão de direito”, para construção da tese jurídica.

Superada a fase de debates em audiência pública, o relator solicitará inclusão em pauta de julgamento no prazo de cinco dias, nos termos do § 2º, do art. 983, que fará a exposição do objeto do incidente, e, passará a realização de sustentações orais, iniciadas pelo autor, passando a palavra ao réu que por fim terá o Ministério público, a palavra pelo prazo de 30 (trinta minutos), segundo YOSHIKAWA (2015, 261) “dividir entre todos os interessados o prazo de trinta minutos pode comprometer, na prática, a efetividade e a razão de ser da sustentação oral”.

Estabelece a lei processual que a decisão proferida pelo órgão colegiado em sede de IRDR, nos termo do art. 985, será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.

Cabe ainda esclarecer a preocupação para a formulação da decisão paradigma a ser adotada no IRDR, posto que sua razão de decidir irá surtir efeitos por todo o sistema jurisdicional vinculado ao tribunal, a teor da questão, no ensina Dantas apud Oliveira (2015, 72), que deve existir

atenção redobrada com a fundamentação da decisão no IRDR se deve justamente ao fato de que o acórdão-paradigma projetará seus efeitos para casos cujas partes processuais muitas vezes sequer terão tido a oportunidade fática de apresentar suas razões ao tribunal. Desse modo, o reforço argumentativo exigido na fundamentação está longe de ser mero preciosismo do legislador; ao contrário, é requisito que acresce legitimidade e autoridade ao julgamento.

Portanto, deve o órgão julgador se ater as complexidades e peculiaridades inerentes ao processo modelo, com vistas a proferir uma decisão paradigma justa para todos os processos que discutem igual questão de direito, para que, desta forma, atenda aos pressupostos da segurança jurídica.

4.8. Do cabimento de recurso

Em respeito ao devido processo legal, a Lei nº 13.105/15, estabeleceu que o juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas será realizado pelo órgão competente para julgá-lo, nos termos do regimento interno do tribunal. Essa decisão, de admissão ou de inadmissão, é irrecorrível. No entanto, não há proibição normativa à oposição de embargos de declaração, nem faz coisa julgada material. Possibilitando a propositura de outro incidente, desde que satisfeitos os requisitos.

Logo, preenchido o requisito faltante, poderá ser pleiteada novamente a instauração do IRDR, conforme reza o § 3º do artigo 976 do NCPC. Durante a tramitação do IRDR, o relator poderá proferir decisões interlocutórias. Contra tais decisões cabe agravo interno, nos termos do artigo 1.021 do NCPC, que cita “ARt. 1.21 Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal”.

Da decisão que admite intervenção de terceiros interessados ou de amicus curiae é irrecorrível, conforme disposto no artigo 138, que cita:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

Segundo Cunha (2011), a interposição de recurso contra essa decisão “conspiraria contra a duração razoável do incidente”, uma vez devido à complexidade processual para prolação da decisão paradigma é “recomendável que haja ampla participação e discussão no incidente” para formulação da tese jurídica mais adequada.

Do acórdão proferido no IRDR com julgamento de mérito cabe recurso extraordinário para questões constitucionais com repercussão geral presumida por força do § 1º, do art. 987, do NCPC, ou recurso especial, conforme se trate de discussão acerca de matéria federal.

O recurso interposto terá seu juízo de admissibilidade apreciado em dois momentos, inicialmente pelo relator integrante do órgão a quo que fará a análise do cabimento e da jurisprudência, cuja decisão, caso denegatória, passível de agravo em Recurso Extraordinário ou Especial, nos termos do Art. 1.042, e em um segundo momento, pelo relator do processo do órgão ad quem competente para o seu julgamento, este por sua vez, passível de impugnação por via do agravo interno, nos termos do art. 1.030, §§ 1º e 2º, no caso de indeferimento que após conclusos os autos serão remetidos para julgamento no órgão colegiado.

Cita o § 1º, do Art. 987, do NCPC que os recursos para os tribunais superiores terão efeito suspensivo, considerando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o efeito suspensivo será aplicado a todo o território nacional, sobrestando todos os processos discutidos no incidente, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou do recurso especial a ser interposto, nos termos do art. 1.029, § 4º, o que, por consequência do efeito suspensivo, impede a aplicação do julgamento proferido no IRDR de imediato.

Quando interposto recurso extraordinário, este terá repercussão geral presumida. Diante dessa presunção, não é necessário que a parte demonstre a existência de repercussão geral ante o manifesto interesse social da causa discutida.

4.9. Dos efeitos do julgamento formulado no IRDR

O IRDR possui a finalidade de julgar a pretensão resistida discutida em juízo, mas apenas a questão jurídica nela contida em primazia do postulado da segurança jurídica. Assim, o julgamento resulta numa decisão paradigma, que será aplicada aos demais processos dentro da mesma estrutura jurisdicional que versem sobre a mesma questão jurídica.

Diante deste contexto, a tese jurídica fixada no julgamento do IRDR tem natureza de norma geral e abstrata quanto aos processos suspensos, fazendo lei ultra partes.

A decisão paradigma será manuseada pelos operadores de direito além do processo modelo, como se fosse uma própria lei a ser aplicada pelo julgador. Por não haver julgamento da lide, não há falar em coisa julgada, mas sim em efeito vinculante da interpretação fixada acerca da tese jurídica formulada pelo incidente.

Como esclarecido, a consequência principal do julgamento do IRDR é a aplicação da tese fixada no processo modelo, por meio da decisão paradigma, a todas as causas que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do tribunal que prolatou a decisão. Assim, se o IRDR for julgado pelo Tribunal de Justiça de um Estado, por exemplo, a tese será aplicada em todo o Estado; se for julgado pelo Tribunal Regional Federal, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que tratem de idêntica questão de direito nas seções judiciárias integrantes do Tribunal Regional Federal que estão vinculados.

Opostos recursos nos tribunais excepcionais, no julgamento de mérito em recurso extraordinário ou recurso especial, a tese revisada vinculará todos os processos em que se discuta a questão jurídica decidida no IRDR em todo o território nacional, nos termos do Art. 985, I, do NCPC.

Frise-se que a decisão vinculará sempre que houver julgamento do mérito originária ou recursal, sendo a questão julgada procedente ou improcedente, ou seja, de forma favorável ou desfavorável à coletividade, conforme teor do Art. 987, § 2º, do NCPC:

Art. 987.  Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.

§ 2º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.

Por sua vez, a vinculação da tese paradigma fixada no julgamento do IRDR é praticamente inquestionável. Não há faculdade processual da demanda individual de optar por prosseguir com a ação individual e não se submeter ao julgamento a ser proferido no âmbito incidente.

Quanto ao aspecto temporal, o efeito vinculante é ex nunc. Isso significa que inclusive ações futuras que tratem da mesma questão de direito julgada no incidente de resolução de demandas repetitivas serão abrangidas pela tese firmada, como previsto no art. 985, inciso II, do NCPC, que cita:

Art. 985: Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.

Desta forma, as demandas anteriores à formação da decisão paradigma proferida em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas atingidas pela coisa julgada, não serão revistos por consequência do IRDR, nem será cabível a propositura de ação rescisória com vistas a reformular a coisa julgada material.

4.10. Da aplicação da decisão proferida em IRDR aos Juizados Especiais.

Em relação aos juizados especiais, a Lei 9.099/95 constituiu uma sistemática processual própria dentro do Poder Judiciário, não estando sujeitos à jurisdição dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais.

Dessa forma, os recursos inominados interpostos no âmbito do rito sumaríssimo são julgados pelas Turmas Recursais, juízo revisor inserido na sistemática processual própria, e não pelos Tribunais de Justiça ou pelos Tribunais Regionais Federais.

Do mesmo modo, a uniformização da jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais cabe a órgãos internos do próprio Juizado, como as Turmas Regionais de Uniformização e as Turmas Nacionais de Uniformização, e não ao Superior Tribunal de Justiça no âmbito infraconstitucional, juízo revisor por meio da interposição de Recurso Especial.

Apesar disso, o Novo Processo Civil fixa a aplicação da decisão paradigma firmada no IRDR aos juizados especiais. Dessa forma, ao admitir o IRDR, o tribunal suspenderá, além dos processos que tratem da questão jurídica a ser julgada sob sua jurisdição, também tais demandas que tramitem no âmbito dos juizados especiais, nos termos do Art. 985, I, do NCPC:

Art. 985.  Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região

Em relação à aplicação da tese pelos magistrados investidos nos Juizados Especiais, a decisão proferida no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas possui caráter vinculante, ou seja, a decisão paradigma formulada no processo piloto terá aplicação obrigatória. Assim, não se trata de mera orientação, mas de verdadeira imposição ao juízo que irá julgar o caso concreto, por meio de norma jurídica abstrata.


5. DO CABIMENTO DE RECLAMAÇÃO PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA DECISÃO PROFERIDA EM IRDR

A reclamação, instituto jurídico criado para assegurar a competência e garantir a autoridade das decisões proferidas pelos tribunais excepcionais do nosso sistema jurídico, teve sua aplicabilidade ampliada por meio do art. 103-A da Constituição Federal, modificação trazida por meio da emenda constitucional nº 45/04, que inseriu o disposto no § 3º, do art. 103-A, da CRFB/88, o qual disciplina que:

“§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso."

Assim, a reclamação passou a ser aplicada também aos atos administrativos que contrariem a súmula vinculante proferida pelo STF, garantindo a sua aplicação no campo administrativo por meio do controle de legalidade.

A Jurisprudência entende que a reclamação é cabível em todos os tribunais, que segundo a teoria dos poderes implícitos citada por Didier Júnior (2016, 538) “a teoria dos poderes implícitos justifica a aceitação da reclamação para todo e qualquer tribunal. A previsão da reclamação no CPC e a existência de expresso dispositivo que afirma ser cabível perante qualquer tribunal confirmam isso.”

No âmbito das decisões proferidas em IRDR, a lei processual civil inovou no cabimento da reclamação, uma vez que o disposto no § 1º, do art. 985, dispõe que caso não seja observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação para o órgão judicial que proferiu o IRDR, aplicando do Princípio da Simetria, uma vez que a CRFB/88, previu o cabimento da reclamação apenas nas decisões proferidas pelos STF e STJ, passando a ser cabível em face de descumprimento de decisão proferida por tribunais de justiça, tribunais federais, tribunais eleitorais e do trabalho em sede de IRDR.

Diante da reformulação processual, a reclamação é plenamente cabível diante de decisão contrária ao precedente vinculante formulado em IRDR, com exceção dos Juizados Especiais, cabível o recurso especial para tal situação, Para o doutrinador Rinaldo Mouzalas (2016, 1021):

E cabível reclamação constitucional contra decisão que deixa de aplicar ou aplica indevidamente tese jurídica firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência, ainda que o tribunal não tenha competência para julgar o recurso interposto contra a decisão (enunciado 558 do FPPC). E o que ocorre com os juizados especais e turmas recursais, que não se sujeitam a revisão recursal pelos tribunais, ressalvado apenas o cabimento de recurso extraordinário (enunciado 640 da sumula do STF).

Por fim, a Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil (NCPC), estabelece no § 1º, do art. 985, que diante da não observância da tese jurídica adotada no incidente de resolução de demandas repetitivas, cabe reclamação.

Desta forma, a reclamação é o instituto jurídico que assegura a efetivação da decisão proferida em IRDR, vinculando, portanto o juízo na aplicação do entendimento firmado no incidente.


6. DA FORÇA VINCULANTE DA DECISÃO PROFERIDA EM IRDR

Hodiernamente, o ordenamento jurídico brasileiro tem modificado sua sistematização hermenêutica, saindo de uma compreensão jurídico/positiva inspirada nos conceitos formulados na civil law, que para formação do precedente judicial é levado em consideração apenas o texto de lei, para atualmente para a aplicação do common law por meio do fortalecimento dos precedentes judiciais como forma de vinculação do ordenamento jurídico, nos ensina o grandiosos doutrinador Marinoni (2009, p. 21), que:

Com efeito, se alguém perguntar a qualquer teórico do common law a respeito da natureza da função do juiz que não aplica a lei por reputá-la inconstitucional, que interpreta a lei conforme a Constituição ou que supre a omissão de uma regra processual que deveria ter sido estabelecida em virtude de um direito fundamental de natureza processual, certamente se surpreenderá. Tal atividade obviamente não significa declaração de direito e, assim, na perspectiva das doutrinas produzidas no common law, certamente revela uma atividade criadora, verdadeira criação judicial do direito.

A norma processual passou a ser interpretada sob a égide constitucional, a qual emana seus princípios e normas fundamentais por todo o ordenamento jurídico, acerca do direito processual civil constitucional cita Barroso (2007, p. 37-38) que “A fase atual é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passa a atuar como o filtro axiológico pelo qual se deve ler o Direito”

Assim, novo diploma processual passou a disciplinar a obrigatoriedade de uniformização jurisprudencial para que a sistemática decisória seja compreendida de forma estável, íntegra e coerente, nos termos do art. 926, do NCPC, que cita: “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”

No viés processual da uniformização jurisprudencial, nos ensina o ilustre doutrinador Mauro Viveiros (2016), que:

Dentre essas decisões vinculantes estão os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos (inciso III), e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (inciso V).

Todo o ordenamento jurídico fica vinculado à força do precedente judicial, em relação ao IRDR, o art 927, cita que os juízes e tribunais observarão os acórdãos proferidos em IRDR para fundamentar sua decisão, vejamos:

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Do mesmo modo, em sede de recurso, a nova lei processual atribuiu ao relator a incumbência de negar provimento ao recurso contrário ao entendimento firmado em IRDR, bem como dar provimento ao recurso cuja decisão recorrida for contrária ao entendimento firmado em IRDR, na forma que segue:

Art. 932.  Incumbe ao relator:

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

(...)

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

(...)

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

No entanto, existe uma corrente doutrinária que segue na contramão das inovadoras disposições normativas do novo código processual civil, segundo Abboud e Cavalcanti (2015, 221), o IRDR traria manifestas violações aos preceitos básicos da do processo civil, vejamos:

(a) violação à independência funcional dos magistrados e à separação funcional dos Poderes: a vinculação de tese jurídica aos juízes de hierarquia inferior ao órgão prolator da decisão não está prevista na Constituição da República;  (b) violação ao contraditório: ausência do controle judicial de adequação da representatividade como pressuposto fundamental para a eficácia vinculante da decisão de mérito desfavorável aos processos dos litigantes ausentes do incidente processual coletivo; (c) violação ao direito de ação: ausência de previsão do direito de o litigante requerer sua auto exclusão (opt-out) do julgamento coletivo; e (d) violação ao sistema de competências da Constituição: atese jurídica fixada no IRDR pelo TJ ou TRF será aplicada aos processos que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região (art. 982, I, do NCPC).

Há na doutrina uma notável preocupação com a formulação do precedente vinculante proferido em IRDR, ensina Mancuso apud Oliveira (2015, 78) que:

é preciso que o propósito pragmático de redução do acervo, subjacente à técnica da tutela plurindividual, não se faça a qualquer preço, em detrimento dos lídimos direitos processuais das partes, mormente no tocante à efetiva participação no contraditório, que em sua contemporânea acepção inclui o direito à não surpresa e à efetiva possibilidade de legítima influência nas decisões judiciais.

Sob a ótica de Pimentel e Veloso (2013), o incidente de resolução de demandas repetitivas traria manifesta inconstitucionalidade devido a possível supressão do processo cognitivo oriundo do juízo de piso, uma vez que a tese jurídica formulada pelo tribunal suprime o juízo de valor formulado em processo de conhecimento, vejamos:

Pela análise que se faz, a remessa de causas oriundas da aparente potencialidade para gerar relevante multiplicação de processos tem o condão de suprimir inconstitucionalmente o duplo grau de jurisdição, visto que, instaurado o incidente, suprimir-se-á a segunda instância de todos aqueles processos que ainda não superaram o juízo de cognição”

No entanto, ao contrário do entendimento doutrinário acima citado, o qual entende que o IRDR na condição de ferramenta de uniformização jurisprudencial suprime o juízo cognitivo de primeiro grau, o nobre processualista Guilherme Rizzo (2013), cita, segundo a linha majoritária da doutrina, que:

a decisão proferida no incidente, embora vincule todo e qualquer futuro julgamento a ser proferido acerca da matéria em discussão, não tem o condão de evitar o ajuizamento de novas ações. Muito pelo contrário, exige-se a instauração de processo judicial individual para que possa aplicar a tese jurídica

Desta forma, o precedente jurídico firmado em IRDR encontra força de precedente jurídico obrigatório, vinculando, desta forma, todo o ordenamento jurídico, sendo cabível em caso de distinção, a aplicação da técnica de distinção (distinguishing) jurisprudencial, cujo intuito é apresentar aspectos que diferencial o caso concreto da hipótese cujo entendimento foi firmado em Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva, sob consequência de possível reformulação por meio de reclamação proposta perante o órgão que prolatou a decisão.

Logo, podemos afirmar que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas não trouxe solução definitiva para a problemática propositura de demandas repetitivas, uma vez que não excluirá a necessidade de ajuizamento de ações para a aplicação da tese fixada nem tampouco poderá limitar o direito constitucional fundamental de acesso à justiça.

No entanto, poderá contribuir de forma plena para a redução, em determinados casos, da divergência jurisprudencial de decisões proferidas em diversos juízos que julgam a mesma questão de direito. Isso porque, nos casos do que cita o § 2º do art. 985, do NCPC “o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada”, esta medida processual tem o condão de impedir que muitas demandas sejam ajuizadas, e as decisões proferidas sejam divergentes.

Ademais, quando julgada improcedente a questão de direito submetida ao IRDR, novos processos também serão evitados, porquanto não será necessário um vasto juízo cognitivo para formulação de tese jurídica.

Por derradeiro, o IRDR também contribui, em muito, para a uniformização dos julgamentos de casos idênticos, uma vez que o seu julgamento terá efeito vinculante a toda a sistemática jurisdicional vinculada ao órgão prolator da decisão paradigma.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O princípio da razoável duração do processo, trazido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, inovou na sistemática processual, trazendo a máxima pricipiológica da eficiência processual ao ordenamento jurídico nacional.

Com base nesta inovação constitucional o legislador infraconstitucional inseriu a previsão da solução integral do mérito em prazo razoável, sob esta ótica, o novel diploma processual civil promulgado por meio da Lei nº 13.105/15 replicou o princípio constitucional na norma processual, inserindo no art. 4º, a solução integral do mérito, incluindo a medida satisfativa como medida eficaz de acesso à justiça.

Para tanto, o diploma adjetivo trouxe diversas inovações processuais, dentre elas a uniformização jurisprudencial com força vinculante, para que os precedentes judiciais tenham força de lei, influenciando diretamente na ratio decidendi de pretensões resistidas com idêntico fundamento jurídico, inserindo também as técnicas de distinção e superação jurisprudencial como ferramenta de diferenciação do dispositivo constante da decisão proferida, considerando não fundamentada a decisão proferida em desconformidade com o precedente judicial vinculante.

Para as demandas repetitivas, a lei processual inovou com a criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), para julgamento em massa das demandas repetitivas que versam sobre questão unicamente de direito, mas para que seja suscitado o incidente, tornou-se necessária a existência de múltiplos casos pendentes em tribunal que discutam a mesma questão jurídica.

Desta forma, o IRDR tornou-se o instituto processual cabível para resolução de demandas em massa, para que a decisão proferida no incidente emane força vinculante em todas as causas que versem sobre mesma causa unicamente de direito.

Logo, toda decisão proferida em juízo contrária ao disposto no incidente ficará passível de reformulação por meio da reclamação que, em uma inovadora sistemática processual passou a ter maior abrangência com as ferramentas processuais trazidas pelo novo processo civil.

Portanto, a partir das inovações trazidas no novel diploma processual, a jurisprudência passou a ser uniforme e ter maior força vinculante, cujo teor contrário à decisão proferida em Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva (IRDR), passou a ser atacada por meio de reclamação, uniformizando a jurisprudência em primazia da segurança jurídica e da razoável duração do processo.


REFERÊNCIAS

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CALADO, Mário Rômulo Calado de Souza. A força vinculante da decisão proferida no incidente de resolução de demandas repetitivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5516, 8 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61623. Acesso em: 26 abr. 2024.