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As Cláusulas de Desempenho no Brasil: Pluripartidarismo, Governabilidade e a EC nº 97/2017

As Cláusulas de Desempenho no Brasil: Pluripartidarismo, Governabilidade e a EC nº 97/2017

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A Emenda Constitucional nº 97/2017 renovou o debate acerca da inclusão das cláusulas de desempenho no ordenamento jurídico pátrio. Assim, é necessário entender as sensíveis relações entre o pluripartidarismo, a democracia e a governabilidade.

1. INTRODUÇÃO

O cenário contemporâneo da política nacional evidencia inúmeras angústias, pois o descrédito generalizado acerca da democracia representativa acaba por mitigar o próprio modelo partidário. Quiçá em razão destes sentimentos, os cidadãos, atentos às nuances do poder e escandalizados pelos desdobramentos atuais, observam com justificável desconfiança quaisquer propostas de reforma política, pois, aparentemente, tudo resulta na manutenção de privilégios da classe político-partidária.

É neste contexto que fora promulgada a Emenda Constitucional nº 97/2017, a qual estabeleceu no art. 17, § 3º da CF/88 as cláusulas de desempenho para que as agremiações partidárias obtenham recursos oriundos do fundo partidário e direito de acesso gratuito ao rádio e televisão. Houve, assim, a renovação do debate acerca da inclusão das cláusulas de desempenho no ordenamento jurídico pátrio, na qual grandes temas estão no cerne dos questionamentos, entre eles: as sensíveis relações entre o pluripartidarismo, a democracia e a governabilidade.

Ora, é inquestionável a necessidade precípua da representatividade das minorias na vida política do Estado Democrático de Direito, razão pela qual se busca conciliar tal participação com a imprescindível criação de instrumentos jurídicos que regulem, direta ou indiretamente, a proliferação exacerbada das agremiações partidárias. Neste sentido, surgem ascláusulas de desempenho ou de barreira, consistentes em regras que vinculam o funcionamento parlamentar dos partidos ao seu desempenho eleitoral.

Diante destes questionamentos, o presente artigo busca demonstrar a essencialidade da inclusão das cláusulas de desempenho para fins da regular governabilidade da nação, desta forma, iremos tratar inicialmente acerca da relação intrínseca entre o pluripartidarismo e a democracia.

A elevada fragmentação partidária vem provocando o aumento vertiginoso do número de agremiações políticas em funcionamento no Brasil, razão pela qual é importante explicitar os requisitos legais e constitucionais para a criação dos partidos políticos, elucidando o tratamento dado pelo ordenamento jurídico.

O resgate histórico nos permite culminar com a análise das alterações do novel § 3º do art. 17 da CF/88, demonstrando as principais mudanças trazidas pelo dispositivo que implanta, expressamente, no texto constitucional a cláusula de desempenho para racionalizar o dispêndio dos gastos públicos com o fundo partidário.

Versar acerca das cláusulas de desempenho não se limita ao mero aspecto eleitoral, porque as mesmas alteram profundamente as relações entre os cidadãos e os seus representantes, atingindo os aspectos basilares da democracia indireta. Trata-se, portanto, de um tema de notória importância prática que atinge toda a sociedade e que merece o adequado tratamento pela ciência do Direito.


2. PLUPARTIDARISMO E DEMOCRACIA

A democracia representativa pressupõe a existência de mecanismos que admitam a participação popular na vida política da nação, permitindo a reverberação da vontade e anseios do povo no exercício do poder estatal. Nisto consiste o papel primordial dos partidos políticos no âmago dos regimes democráticos, qual seja: manifestar a vontade organizada, ideais e princípios de parcelas dos cidadãos, assim como legitimar o poder político-estatal, denotando a autenticidade do sistema representativo.

No berço da democracia na Atenas Clássica, dos séculos XV e XIV a.C., os cidadãos atuavam diretamente mediante a Assembleia do Povo, denominada de Eclésia, decidindo as questões políticas, embora os seus participantes na realidade concerniam apenas a uma pequena parcela da população. Todavia, é clarividente que o modelo de democracia direta ateniense é impraticável no mundo contemporâneo, por razões óbvias de organização e dificuldades na captação das vontades individuais de cada cidadão, bem como a percepção de todos seus anseios, num universo de milhões de indivíduos.

Assim, vivemos numa partidocracia, a democracia partidária que permite captar a pretensão popular por meio de representantes eleitos, integrantes de uma agremiação partidária, as quais consistem em canais de assimilação da opinião pública e catalisação das aspirações surgidas no meio social, conforme leciona o ilustre doutrinador José Jairo Gomes (2017, p.70).

Os partidos políticos possuem personalidade jurídica de direito privado, podendo ser conceituadas como um:

grupo de indivíduos que se associam, estavelmente, em torno de um objetivo determinado, que é assumir e permanecer no poder ou, pelo menos, influenciar suas decisões e, ipso facto, pôr em prática uma determinada ideologia político-administrativa. (ALVES, 2017, p. 179).

Com base neste conceito, podemos inferir que os partidos políticos apresentam os seguintes elementos: associação de indivíduos, vinculação à determinada ideologia política, intuito de influir e permanecer no poder. Os aspectos constitutivos dos partidos políticos os distinguem dos conhecidos grupos de interesses, os quais realizam lobby junto ao governo e agentes públicos, já que estes não apresentam a organização, caráter ideológico e estabilidade próprios dos partidos políticos.

Neste contexto, cumpre esclarecer que a nossa Carta Magna adota o modelo de democracia indireta, representativa, porém mitigando-a através de instrumentos de democracia direta, tais como o plebiscito, referendo e a ação popular, nos termos do art. 1º, Parágrafo Único c/c art. 14, incisos I, II e II da CF/88. Ademais, a exigência da filiação partidária como condição de elegibilidade, como reza o art. 14, § 3º, inciso V da CF/88, vedando expressamente as candidaturas avulsas, em que pese à polêmica doutrinária e jurisprudencial acerca deste tema, evidencia que o sistema constitucional estabelece a imprescindibilidade dos partidos políticos para o exercício da soberania popular.

Embora a importância precípua dos partidos políticos encontre-se incrustada na Constituição Federal, no que concerne ao contexto fático das disputas eleitorais e na dialética das relações de poder no Estado brasileiro, é possível verificar que na atualidade, nos dizeres da professora Nathalia Masson:

a tradição partidária encontra-se enfraquecida, seja em razão dos desmedido personalismo que domina a vida política e a existência dos próprios partidos, seja pelo marcante regionalismo que tem orientado a sua formação. (MASSON, 2017, p. 384).

O descrédito do sistema partidário implica que a própria democracia representativa perpassa momentos de fragilidade, já que o mundo contemporâneo está marcado pela crise de representação, onde a atuação dos políticos, detentores de mandatos eletivos, muitas vezes apresenta-se desvinculada dos interesses coletivos. Assim, os inúmeros escândalos que diuturnamente assolam o país, explorados à exaustão pelos diversos meios de comunicação, resultam numa perigosa demonização da própria política.

Todavia, a política é essencial para a vida em sociedade, é nela que repousa a forma civilizada de resolução dos conflitos entre os diversos ideais e posicionamentos, onde podemos conciliar o debate e orientar os esforços na busca pelo aperfeiçoamento da máquina pública.

Como instrumento essencial à convivência e tomada de decisões no Estado Democrático de Direito, os partidos políticos consistem em meios para a percepção da vontade popular, razão pela qual é primordial o pluripartidarismo como forma de abranger as diversidades de pensamentos, prestigiando as minorias. Neste viés, a nossa Lex Fundamentals consignou o pluralismo político como fundamento do Estado brasileiro (art. 1º, inc. V da CF/88) e o pluripartidarismo como um basilar direito político do cidadão (art. 17, caput, da CF/88), preceito revestido de intangibilidade, já que se trata de um direito fundamental caracterizado como cláusula pétrea, nos moldes do art. 60, § 4º da CF/88.

Torna-se evidente que o pluripartidarismo, ou até mesmo o bipartidarismo, é imprescindível para a adequada existência da democracia, haja vista que ao longo da história imperou a inadmissibilidade da pluralidade partidária nas diversas ditaduras, cujo unipartidarismo, muitas vezes autodenominado de democrático pelos governos totalitários, instrumentalizou o poder incontestável de certos grupos políticos.

Entre as diversas nações unipartidárias destacam-se os atuais: Partido Comunista de Cuba (desde 1959), Partido Comunista da China (desde 1949), o Partido dos Trabalhadores da Coréia do Norte (desde 1948), Partido Baath da Síria (desde 1963), Partido Popular Revolucionário do Laos (desde 1975), bem como o antigo Partido Comunista da União Soviética (com existência entre 1922 e 1990). Constata-se que as violações aos direitos individuais e políticos ocorreram de forma acintosa nos países acima citados, o que denota a inadequação do rígido modelo do unipartidarismo na atual conjuntura democrática dos Estados.

Nesse diapasão, sendo o unipartidarismo, inequivocamente, um modelo inadequado para o exercício da soberania popular, afinal todas as demandas e ideais sociais não podem ser condensadas em um único partido político, também é imperativo considerar que a proliferação exacerbada de partidos políticos dificulta a governabilidade e consiste numa desvirtuação do sistema.

Diante da aferição da necessidade de aperfeiçoamento do pluripartidarismo, a criação das cláusulas de barreira ou desempenho emerge como uma polêmica estratégia para a limitação dos gastos estatais com partidos que não possuem representatividade junto ao povo, conforme será demonstrado neste artigo.


3. A CRIAÇÃO E AUMENTO VERTIGINOSO DOS PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL.

Ab initio, cumpre salientar os aspectos legais para a criação dos partidos políticos no Brasil, destacando as exigências primordiais para a regular atuação do partido nas disputas eleitorais.

A liberdade de organização, criação, incorporação, fusão e extinção dos partidos políticos fora garantida pela Carta Magna (art. 14, caput), porém é cediço que nenhuma liberdade é absoluta no Estado Democrático de Direito, desta forma, é vedado a formação de agremiações que consistam em organização paramilitar (art. 17, inciso II, § 4º da CF/88).

Deste modo, a criação das agremiações partidárias inicia-se com a aquisição da sua personalidade jurídica mediante registro junto ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas da Capital Federal (art. 8º da LOPP).

Posteriormente, a agremiação deve submeter o seu estatuto ao registro no Tribunal Superior Eleitoral (art. 17, § 3º da CF/88), demonstrando o preenchimento dos seguintes preceitos, nos moldes do art. 17 da CF/88, vejamos:

a) Caráter nacional, comprovada, no período de dois anos, o apoio de eleitores não filiados a partidos políticos, concernente a pelo menos 0,5% dos votos na última eleição geral da Câmara dos Deputados, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado de cada um deles (art. 7º, § 1º da Lei 9.096/95);

b) Proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes, sedimentando o nacionalismo e ausência de interesses estrangeiros incutidos no partido em vias de registro;

c) Prestação de contas à justiça eleitoral, concernentes às contas partidárias através de escrituração contábil (art. 30 da Lei nº 9.096/95), sob pena de multa de até 20% no caso de desaprovação total ou parcial, impondo a devolução da importância irregular, bem como a prestação das contas de campanhas eleitorais, até 180 dias após a diplomação (Lei nº 9.504/97, art. 32, caput e parágrafo único).

d) Funcionamento parlamentar de acordo com a lei, as agremiações partidárias, para fins de atuação nos órgãos legislativos, devem constituir suas lideranças de acordo com o estatuto do partido mediante a formação de uma bancada, das disposições regimentais e respectivas cláusulas, além das demais disposições legais (art. 12 da Lei nº 9.096/95). Neste ponto fora prevista pelo art. 13 da LOPP a cláusula de barreira ou desempenho estipulando exigências para que o partido obtenha funcionamento parlamentar, aquisição de recursos do fundo partidário e direito de antena. Entretanto, o STF quando do julgamento conjunto das ADI 1.351-3 e 1354-8, em 07/12/2006, declarou a inconstitucionalidade do dispositivo em tela, o que será pormenorizado e discutido neste trabalho.

O Tribunal Superior Eleitoral julga o requerimento de registro dos partidos conforme a observância de todos os requisitos legais e constitucionais, somente após ser admitido e perfectibilizado o registro é que a agremiação partidária obtém: a) o direito de participação no processo eleitoral, podendo participar das eleições, desde que o registro no TSE tenha sido realizado até um ano antes do pleito e tenha sido constituído órgão de direção do partido na circunscrição, conforme seu estatuto, até a data da convenção partidária (art. 4º da Lei nº 9.504/97); b) recebimento dos recursos do Fundo Partidário; c) direito de acesso gratuito ao rádio e à televisão e d) direito ao uso, com exclusividade, da denominação, da sigla e de símbolos, sendo proibida a utilização, por outra entidade partidária, de variações que induzam o eleitor ao erro ou confusão (art. 2º, § 3º da Lei nº 9.096/95).

Insta salientar que o recebimento dos recursos do fundo partidário e o direito de acesso gratuito ao rádio e à televisão, após a publicação da EC nº 97/2017, passará a ser concedido apenas aos partidos políticos que cumprirem as condições estabelecidas pela cláusula de desempenho prevista pelo art. 17, § 3º da CF/88, conforme as regras de transição estabelecidas pela respectiva Emenda, o que será detalhado neste trabalho.

Como se vê, para a efetiva criação e atuação parlamentar dos partidos políticos, é imprescindível a observância de diversas formalidades e preenchimento de requisitos legais e constitucionais, em que pese todas as exigências formais, é observada na atualidade o aumento vertiginoso do número de agremiações políticas e requerimentos de registros junto ao TSE.

Atualmente, 35 (trinta e cinco) partidos políticos já foram devidamente registrados no TSE, todavia, mais 69 (sessenta e nove) partidos estão em formação com pedidos de registro protocolados, o que pode resultar em cerca de 104 (cento e quatro) partidos políticos atuando no Brasil em meados de 2020, conforme projeção do Desembargador José Ricardo Porto[1] do TRE-PB.

Ora, causa certa perplexidade verificarmos algumas denominações de certos partidos que pleiteiam o seu registro junto ao TSE, destacando-se partidos como: PNC (Partido Nacional Corinthiano) e oPIRATAS (Partido Pirata do Brasil), entre outros. Diante deste cenário, questiona-se a necessidade pragmática da existência de tamanha fragmentação partidária, haja vista que muitos dos ideais abarcados pelos partidos em vias de registro, já se encontram, sobremaneira, inseridos nas demandas de partidos que já atuam no cenário nacional.

Ademais, é cediço que a fragmentação exacerbada de partidos políticos constitui numa séria inconsistência do exercício do Poder Estatal, porque a governabilidade é frontalmente ameaçada pelo desarrazoado número de partidos. Neste sentido, manifesta-se José Jairo Gomes ao aduzir:

O excesso de partidos políticos provoca instabilidade no poder, haja vista que fragmenta em demasia as forças políticas, impedindo a formação de maiorias sólidas e consistentes. Não contando com maioria no Parlamento, o governante é impelido a realizar inúmeros acordos – muitos deles inconfessáveis – para manter a governabilidade e a estabilidade política, de maneira a implantar as medidas e as políticas públicas entendidas como necessárias ou adequadas ao país. A história recente do Brasil revela a verdade dessa assertiva. Impende encontrar um ponto de equilíbrio, no qual a representação das minorias seja assegurada, mas também seja garantida a solidez das maiorias e, pois, a governabilidade. (GOMES, 2017, p. 151).

Conforme destacado pelo ilustre doutrinador, a ampliação em demasia da quantidade de partidos políticos dificulta a reunião de forças expressivas e uníssonas para a realização de imprescindíveis projetos políticos, bem como a consolidação de políticas públicas. A fragmentação torna onerosa a governabilidade, cujos grupos de interesses e partidos exigem enormes sacrifícios pelo Executivo, muitos deles dissonantes dos princípios republicanos, para fins do regular exercício do poder, o que provoca, notoriamente,instabilidade política e entraves ao desenvolvimento nacional.

Destarte, somos partidários da necessidade de instrumentos jurídicos aptos para obstar a fragmentação partidária exacerbada, mantendo a coerência interna nas regras de criação partidária, sempre em observância aos preceitos da democracia e governabilidade. Desta forma, o estabelecimento das cláusulas de desempenho ou de barreira é essencial para a manutenção do sistema eleitoral, desde que, manejados conforme o equilíbrio entre os direitos das minorias e a eficácia do exercício do poder público.


5. CONCEITO E BREVE HISTÓRICO DAS CLÁUSULAS DE DESEMPENHO NO BRASIL

Nos dizeres de Alexandre de Moraes [2] as denominadas “cláusulas de desempenho”, também conhecidas como cláusula de barreira ou de exclusão, são um conjunto de normas que instituem a exigência de um quantum mínimo de apoio do eleitorado nas eleições anteriores, para fins de obtenção do direito de atuação parlamentar, visando assim o controle qualitativo da legitimidade e representatividade das agremiações partidárias.

A instituição das cláusulas de desempenho busca fortalecer a democracia representativa, razão pela qual fora adotada por diversas democracias contemporâneas, porém, para os seus críticos a exigência mostra-se desproporcional podendo atingir frontalmente a representatividade dos direitos das minorias.

Entretanto, impende destacar que diversos países adotam as cláusulas de desempenho, possuindo difusão no que tange ao direito comparado, muitos Estados detentores de democracias consolidadas, sob o prisma histórico e jurídico, adotaram normas de limitação à proliferação de partidos, inclusive, mediante rigorosas exigências legais. Na experiência internacional destacam-se variados Estados europeus, entre eles:Alemanha, França, Espanha, Grécia, Itália, Hungria República Theca e Polônia.

Já no Brasil, a inclusão das cláusulas de desempenho ou de barreira remonta ao Código Eleitoral de 1950, o qual em seu art. 148, Parágrafo Único, estabeleceu, de forma relativamente amena, o cancelamento do registro dos partidos em razão do descumprimento de duas condições, quais sejam: eleger, pelo menos, um representante no Congresso Nacional ou alcançar, em todo o país, cinquenta mil votos sob legenda.

Posteriormente, durante o período da ditadura militar, as exigências foram majoradas, implicando numa radicalização das cláusulas de desempenho. A Constituição Federal de 1967 consignou como requisito para o funcionamento dos partidos políticos, conforme o disposto no inciso VII do seu art. 149, a observância de 10% do eleitorado das eleições gerais para a Câmara dos Deputados no ano anterior, distribuídos em 2/3 dos Estados, com o mínimo de 7% em cada um deles, bem como 10% dos Deputados, em, pelo menos, 1/3 dos Estados, e 10% de Senadores.

Todavia, as exigências foram, posteriormente, minoradas pelas EC 1/1969 com a redação do inciso VII art. 152 da CF/1967, que reduziu para 5% a obtenção dos votos válidos nas eleições gerais distribuídos em no mínimo sete Estados.

Ato contínuo, também ocorreram flexibilizações com a EC 11/1978, que modificou a previsão estabelecendo a exigência de 5% do eleitorado e, pelo menos, a distribuição deste quantum em no mínimo nove Estados, com 3% em cada um deles. Com o advento da EC 25/1985, manteve-se o movimento de redução das exigências consignadas pela cláusula de desempenho, desta forma, a alteração do art. 152 reduziu para 3% a exigência de obtenção do apoio do eleitorado das eleições gerais, distribuídos em pelo menos cinco estados, com mínimo de 2% em cada um deles, sendo que restava aos parlamentares filiados aos partidos, que não obtivessem os percentuais exigidos, a filiação, no prazo de 60 dias, aos partidos remanescentes, conforme previa o § 2º do art. 152 da CF/1967.

Porém, durante todo o período ditatorial vigorou o bipartidarismo, razão pela qual tais exigências não foram aplicadas na prática, mas denota-se o intuito do regime na inviabilização dos surgimentos de partidos de oposição.

Frise-se que as exigências perpetradas no período da ditadura militar para o funcionamento dos partidos políticos, em que pese às flexibilizações posteriores, contribuíram para o estigma que circunda as cláusulas de barreira. Os seus críticos aduzem os resquícios totalitários e antidemocráticos que supostamente seriam inerentes às cláusulas de barreira, já que vilipendiaria os direitos das minorias na participação política. Porém, como veremos, tratam-se de exigências fundamentais para a regular governabilidade nacional.

Assim, quando da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, a perspectiva predominante fora a de rechaçar a inclusão das cláusulas de barreira, manifestando-se os constituintes contrários à regulamentação em sede constitucional. Posteriormente, na Revisão Constitucional de 1993, o posicionamento dos constituintes mostrou-se ratificado com a recusa peremptória do Parecer nº 36 do então Deputado Federal Nelson Jobim, o qual sequer fora submetido à votação pelo Congresso Nacional, sendo o mesmo rejeitado de plano.

Logo, verifica-se que a Lei Fundamental atribuiu a lei infraconstitucional a regulamentação do disposto pelo inciso IV do art. 17 da CF/88, no qual estabelece o funcionamento parlamentar como um preceito a ser observado pelos partidos políticos.

Com o advento da Lei nº 9.096/1995, veio a ser regulamentado o funcionamento dos partidos políticos no ordenamento jurídico nacional, cujo art. 13 estabeleceu as cláusulas de desempenho que impuseram a observância da obtenção de um apoio mínimo dos votos apurados nas eleições anteriores para o regular funcionamento parlamentar dos partidos, vejamos:

Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles. Destaque Nosso.

Como se depreende da leitura deste dispositivo, o legislador ordinário estabeleceu a necessidade de preenchimento de dois requisitos para a aquisição do funcionamento parlamentar, quais sejam: a obtenção do quantum mínimo de 5% da totalidade dos votos válidos, não computados os brancos e nulos, concernentes às cadeiras da Câmara dos Deputados, bem como que os votos conquistados estivessem distribuídos em nove Unidades da Federação, com no mínimo 2% em cada uma delas.

Aaplicabilidade do disposto pelo art. 13 da Lei 9.096/1995 fora projetada temporalmente para o início da legislatura do ano de 2007, considerada as eleições gerais ocorridas no ano de 2006, nos moldes das regras de transição estabelecidas pelos art. 56 e 57 da referida lei. Todavia, o art. 13 da LOPP foi suprimido pela decisão unânime do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento das ADIs nº 1.351-3/DF e ADI nº 1.354-8/DF, com relatoria do Ministro Marco Aurélio, que resultou na declaração por unanimidade à inconstitucionalidade do art. 13, bem como por reverberação dos demais dispositivos previstos pelos art. 41, inciso II, art. 48, art. 49 e incisos do art. 57, todos da Lei n. 9.096/1995, afastando a aplicabilidade da cláusula de desempenho prevista naquele diploma

Tratou-se de uma decisão que possui importância histórica, conforme afirmado pelo Eminente relator Ministro Marco Aurélio ao iniciar a leitura do seu voto, haja vista que tangenciou sobre “o próprio Estado Democrático de Direito, a transferência de poder pelo povo a mandatários, a transferência de poder pelo povo aos representantes”.[3]

Ora, em que pese o caráter unânime verificado no julgamento conjunto das ADIs supramencionadas, é importante esclarecer que a tese da possibilidade de acolhimento das cláusulas de barreira na ordem constitucional não foi peremptoriamente afastada, mormente diante das manifestações do Ministro Gilmar Mendes naquela ocasião. De maneira precisa, o Douto Constitucionalista afirmou que:

É possível, sim, ao legislador – não precisaria elevar a questão para o patamar da legislação constitucional – estabelecer uma cláusula de barreira. [...] De certa forma, o modelo proporcional já dá ensejo a alguma limitação quando estabelece o quociente eleitoral [...], portanto, já há cláusula semelhante na regulação, na concretização do modelo proporcional. Então, parece-me que isso é possível de se fazer entre nós. [4]

Logo, de fato, é plausível que o nosso Pretório Excelso, em futuros julgamentos, realize um verdadeiro overruling da sua jurisprudência, avançando e acolhendo a saneadora cláusula de desempenho, principalmente diante da publicação da EC nº 97/2017 que a consignou no texto constitucional.


7. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 97/2017

O histórico julgamento acima explanado provocou um movimento parlamentar para a inclusão das cláusulas de desempenho no próprio texto da Constituição Federal, tal como ocorria na égide da CF/67, tal corrente parlamentar resultou na Emenda Constitucional nº 97 de 05/10/2017.

A Emenda Constitucional em epígrafe estabeleceu normas expressas na Lei Fundamental acerca do acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão, bem como vedou as coligações partidárias nas eleições proporcionais. Mas, em razão dos limites deste artigo, iremos nos deter as alterações constitucionais relativas à inclusão da cláusula de desempenho pela EC nº 97/2017, vejamos:

Art. 17

§ 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:

I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou

II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação

Como se vê, as alterações foram profundas e estabeleceram a observância das cláusulas de desempenho em sede constitucional. Para fins de regulamentação paulatina das mudanças ensejadas pelo novel diploma, além de possibilitar que os novos partidos e aqueles já existentes possam adequar-se às exigências estabelecidas, a EC nº 97/2017 prevê em seu texto disposições de caráter transitório.

Desta forma, o seu art. 3º dispõe que as exigências previstas pelo § 3º do art. 17 da CF/88 somente terão aplicabilidade a partir das eleições de 2030, fixando gradativas exigências que deverão ser observadas pelos partidos, tomando por base os resultados aferidos na eleição de 2018, da seguinte maneira:

Art. 3º

I - na legislatura seguinte às eleições de 2018:

a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou

b) tiverem elegido pelo menos nove Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação;

II - na legislatura seguinte às eleições de 2022:

a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2% (dois por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou

b) tiverem elegido pelo menos onze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação;

III - na legislatura seguinte às eleições de 2026:

a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2,5% (dois e meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou

b) tiverem elegido pelo menos treze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.

Ademais, a EC nº 97/2017 também estabeleceu uma nova hipótese de justa causa do membro do Poder Legislativo para mudança de partido político, isto conforme o novo § 5º do art. 17 da CF/88, que assegura o mandato do eleito filiado a partido que não preencheu os requisitos previstos pela cláusula de desempenho, facultando ao mesmo a filiação a outro partido que os tenha atingido, sem perda do mandato, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso ao tempo de rádio e de televisão.

Convém observar que a liberdade para a criação das agremiações políticas subsiste plenamente, inclusive, mediante a aquisição da personalidade jurídica e registro do estatuto partidário junto ao TSE, bastando o preenchimento de todos os requisitos outrora delineados para que o partido político adquira existência jurídica.

De fato, o que fora limitado pela EC nº 97/2017 concerne apenas ao acesso dos recursos oriundos do Fundo Partidário, além do direito de antena, já que a nova disposição exige o cumprimento do desempenho eleitoral pela agremiação para que a mesma possua direito a aquisição dos recursos públicos destinados para as campanhas eleitorais.

Prestigia-se o gasto racional da receita, haja vista que apenas agremiações políticas com regular desempenho eleitoral e, por conseguinte, detentores de representatividade junto aos cidadãos estarão abarcados pelo dispêndio do dinheiro público destinado para o fundo partidário. Afinal, conforme veementemente versado pelo atual MinistroAlexandre de Moraes [2]:

Nada justifica a obrigatoriedade do contribuinte brasileiro sustentar inúmeras agremiações partidárias e seus respectivos dirigentes, por meio da distribuição dos recursos do fundo partidário a grupos sem qualquer representatividade e legitimidade, em face do diminuto número de votos obtidos nas eleições.

Nada justifica, também, a invasão obrigatória que os brasileiros sofrem mensalmente em suas residências por meio do acesso gratuito ao rádio e televisão desses partidos políticos que não lograram o êxito mínimo nas últimas eleições em virtude do povo ter repudiado suas ideias por meio do sufrágio universal e do voto secreto.

Não há que se cogitar a violação dos direitos das minorias ou mitigação da sua representatividade na esfera política, porque a cláusula de desempenho mostra-se razoável ao exigir um quantum mínimo para a obtenção dos recursos do fundo partidário, que oneram demasiadamente o cidadão.

A EC nº 97/2017 não elimina as agremiações partidárias de pequena expressão nacional, haja vista que elas poderão manter suas atividades através das contribuições perpetradas pelos seus membros, além de exercer a liberdade de associação e manifestação, desde que nos limites da Lei.

Enfim, a EC nº 97/2017 representa um importante avanço para o ordenamento jurídico pátrio, estabelecendo a responsabilidade dos partidos políticos e o gasto razoável dos recursos públicos para o custeio de partidos políticos que de fato possuam representatividade, atenuando a proliferação de agremiações políticas, cujo único intuito é a obtenção de diversos recursos dos cofres públicos para o custeio de poucos líderes partidários.


8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O pluripartidarismo é essencial para a adequada concretização da democracia representativa, já que precisamos de organizações que captem os ideais, angústias, desejos e inspirações dos cidadãos para reverberar no exercício do poder pelos detentores dos mandatos eletivos. Desta forma, durante anos, sob o pretexto de privilegiar as minorias, a inclusão de qualquer limitação à proliferação dos partidos políticos fora visualizada como resquícios do período ditatorial vivenciado no país.

Todavia, o aumento vertiginoso das agremiações partidárias, sob o viés pragmático, não encontra sequer fundamento, já que é notório que os ideais, elemento essencial para o surgimento de um partido, muitas vezes não é o fator orientador da sua criação. Na realidade fática da nação, o intuito criativo dos partidos, muitas vezes, limita-se tão somente à obtenção de recursos públicos oriundos do fundo partidário, além do acesso gratuito à imprensa.

As minorias não se beneficiam pela proliferação exacerbada de partidos políticos, porque muitos se mostram, na prática, desvinculados do viés ideológico que supostamente defendem. Basta verificarmos a formação de coligações entre agremiações com posicionamentos diametralmente divergentes. Perceberemos que a existência de muitos partidos nanicos limita-se apenas a servir como moeda de troca para a tomada do poder, privilegiando tão somente os donos do partido político.

Perpassamos, na atualidade, por um momento de profunda crise no sistema representativo, cujo descrédito dos cidadãos acerca do modelo político-partidário vem a ser majorado pela ampla fragmentação partidária. É que a existência em demasia de partidos políticos provoca a necessidade de uma política de coalização, havendo a troca de favores entre o Chefe do Executivo e o Parlamento, muitas vezes dissonantes dos princípios republicanos, buscando a aquisição de apoio para a aprovação de medidas e concretização de políticas públicas. A população, escandalizada, assiste as manobras que o governante utiliza para manter a governabilidade e estabilidade política do país. Há como exemplo, o escândalodo mensalão de 2006, que expressaa veracidade destas considerações.

O advento da EC nº 97/2017 surge em boa hora, porque incute a necessidade do esforço sistemático na responsabilidade partidária, a coerência do modelo representativo e a racionalidade da política nacional.

Buscamos o aperfeiçoamento da nossa democracia. Paratanto, não basta amera inclusão das cláusulas de desempenho para filtrar e fortalecer as engrenagens imprescindíveis para a governabilidade. Torna-se essencial, também, operar uma mudança radical no pensamento político da nação, pois a sociedade clama que as ações partidárias e dos seus eleitos sejam, de fato, indubitavelmente voltadas para a satisfação do interesse coletivo.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Roberto Moreira. Curso de Direito Eleitoral. 11 ed. São Paulo: JusPodivm, 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº1.351-3/DF. Relator: AURÉLIO, Marco. Publicado no D.J. em 30.03.2007. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=416150> Acesso em02 de dezembro de 2017.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2017.

MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo: JusPodivm, 2016.

MORAES. Alexandre de. “Cláusula de desempenho” fortalece o sistema eleitoral. Consultor Jurídico. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2013-nov-08/justicacomentadaclausula-desempenho-fortalece-sistema-eleitoral?imprimir=1> Acesso em 07/12/2017


Notas

[1]Disponível em: <http://www.paraibaradioblog.com/2017/11/27/excesso-de-partidos-preocupa-magistrados-e-advogados/> Acesso em: 04/12/2017

[2] MORAES. Alexandre de. “Cláusula de desempenho” fortalece o sistema eleitoral. Consultor Jurídico. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2013-nov-08/justicacomentadaclausula-desempenho-fortalece-sistema-eleitoral?imprimir=1> Acesso em 07/12/2017

[3]STF, ADI 1.351-3/DF. Debates: Ministro Marco Aurélio. p. 64

[4] STF, ADI 1.351-3/DF. Debates: Ministro Gilmar Mendes. p. 86 e 87.


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