As Cláusulas de Desempenho no Brasil: Pluripartidarismo, Governabilidade e a EC nº 97/2017

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18/12/2017 às 16:47
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5. CONCEITO E BREVE HISTÓRICO DAS CLÁUSULAS DE DESEMPENHO NO BRASIL

Nos dizeres de Alexandre de Moraes [2] as denominadas “cláusulas de desempenho”, também conhecidas como cláusula de barreira ou de exclusão, são um conjunto de normas que instituem a exigência de um quantum mínimo de apoio do eleitorado nas eleições anteriores, para fins de obtenção do direito de atuação parlamentar, visando assim o controle qualitativo da legitimidade e representatividade das agremiações partidárias.

A instituição das cláusulas de desempenho busca fortalecer a democracia representativa, razão pela qual fora adotada por diversas democracias contemporâneas, porém, para os seus críticos a exigência mostra-se desproporcional podendo atingir frontalmente a representatividade dos direitos das minorias.

Entretanto, impende destacar que diversos países adotam as cláusulas de desempenho, possuindo difusão no que tange ao direito comparado, muitos Estados detentores de democracias consolidadas, sob o prisma histórico e jurídico, adotaram normas de limitação à proliferação de partidos, inclusive, mediante rigorosas exigências legais. Na experiência internacional destacam-se variados Estados europeus, entre eles:Alemanha, França, Espanha, Grécia, Itália, Hungria República Theca e Polônia.

Já no Brasil, a inclusão das cláusulas de desempenho ou de barreira remonta ao Código Eleitoral de 1950, o qual em seu art. 148, Parágrafo Único, estabeleceu, de forma relativamente amena, o cancelamento do registro dos partidos em razão do descumprimento de duas condições, quais sejam: eleger, pelo menos, um representante no Congresso Nacional ou alcançar, em todo o país, cinquenta mil votos sob legenda.

Posteriormente, durante o período da ditadura militar, as exigências foram majoradas, implicando numa radicalização das cláusulas de desempenho. A Constituição Federal de 1967 consignou como requisito para o funcionamento dos partidos políticos, conforme o disposto no inciso VII do seu art. 149, a observância de 10% do eleitorado das eleições gerais para a Câmara dos Deputados no ano anterior, distribuídos em 2/3 dos Estados, com o mínimo de 7% em cada um deles, bem como 10% dos Deputados, em, pelo menos, 1/3 dos Estados, e 10% de Senadores.

Todavia, as exigências foram, posteriormente, minoradas pelas EC 1/1969 com a redação do inciso VII art. 152 da CF/1967, que reduziu para 5% a obtenção dos votos válidos nas eleições gerais distribuídos em no mínimo sete Estados.

Ato contínuo, também ocorreram flexibilizações com a EC 11/1978, que modificou a previsão estabelecendo a exigência de 5% do eleitorado e, pelo menos, a distribuição deste quantum em no mínimo nove Estados, com 3% em cada um deles. Com o advento da EC 25/1985, manteve-se o movimento de redução das exigências consignadas pela cláusula de desempenho, desta forma, a alteração do art. 152 reduziu para 3% a exigência de obtenção do apoio do eleitorado das eleições gerais, distribuídos em pelo menos cinco estados, com mínimo de 2% em cada um deles, sendo que restava aos parlamentares filiados aos partidos, que não obtivessem os percentuais exigidos, a filiação, no prazo de 60 dias, aos partidos remanescentes, conforme previa o § 2º do art. 152 da CF/1967.

Porém, durante todo o período ditatorial vigorou o bipartidarismo, razão pela qual tais exigências não foram aplicadas na prática, mas denota-se o intuito do regime na inviabilização dos surgimentos de partidos de oposição.

Frise-se que as exigências perpetradas no período da ditadura militar para o funcionamento dos partidos políticos, em que pese às flexibilizações posteriores, contribuíram para o estigma que circunda as cláusulas de barreira. Os seus críticos aduzem os resquícios totalitários e antidemocráticos que supostamente seriam inerentes às cláusulas de barreira, já que vilipendiaria os direitos das minorias na participação política. Porém, como veremos, tratam-se de exigências fundamentais para a regular governabilidade nacional.

Assim, quando da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, a perspectiva predominante fora a de rechaçar a inclusão das cláusulas de barreira, manifestando-se os constituintes contrários à regulamentação em sede constitucional. Posteriormente, na Revisão Constitucional de 1993, o posicionamento dos constituintes mostrou-se ratificado com a recusa peremptória do Parecer nº 36 do então Deputado Federal Nelson Jobim, o qual sequer fora submetido à votação pelo Congresso Nacional, sendo o mesmo rejeitado de plano.

Logo, verifica-se que a Lei Fundamental atribuiu a lei infraconstitucional a regulamentação do disposto pelo inciso IV do art. 17 da CF/88, no qual estabelece o funcionamento parlamentar como um preceito a ser observado pelos partidos políticos.

Com o advento da Lei nº 9.096/1995, veio a ser regulamentado o funcionamento dos partidos políticos no ordenamento jurídico nacional, cujo art. 13 estabeleceu as cláusulas de desempenho que impuseram a observância da obtenção de um apoio mínimo dos votos apurados nas eleições anteriores para o regular funcionamento parlamentar dos partidos, vejamos:

Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles. Destaque Nosso.

Como se depreende da leitura deste dispositivo, o legislador ordinário estabeleceu a necessidade de preenchimento de dois requisitos para a aquisição do funcionamento parlamentar, quais sejam: a obtenção do quantum mínimo de 5% da totalidade dos votos válidos, não computados os brancos e nulos, concernentes às cadeiras da Câmara dos Deputados, bem como que os votos conquistados estivessem distribuídos em nove Unidades da Federação, com no mínimo 2% em cada uma delas.

Aaplicabilidade do disposto pelo art. 13 da Lei 9.096/1995 fora projetada temporalmente para o início da legislatura do ano de 2007, considerada as eleições gerais ocorridas no ano de 2006, nos moldes das regras de transição estabelecidas pelos art. 56 e 57 da referida lei. Todavia, o art. 13 da LOPP foi suprimido pela decisão unânime do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento das ADIs nº 1.351-3/DF e ADI nº 1.354-8/DF, com relatoria do Ministro Marco Aurélio, que resultou na declaração por unanimidade à inconstitucionalidade do art. 13, bem como por reverberação dos demais dispositivos previstos pelos art. 41, inciso II, art. 48, art. 49 e incisos do art. 57, todos da Lei n. 9.096/1995, afastando a aplicabilidade da cláusula de desempenho prevista naquele diploma

Tratou-se de uma decisão que possui importância histórica, conforme afirmado pelo Eminente relator Ministro Marco Aurélio ao iniciar a leitura do seu voto, haja vista que tangenciou sobre “o próprio Estado Democrático de Direito, a transferência de poder pelo povo a mandatários, a transferência de poder pelo povo aos representantes”.[3]

Ora, em que pese o caráter unânime verificado no julgamento conjunto das ADIs supramencionadas, é importante esclarecer que a tese da possibilidade de acolhimento das cláusulas de barreira na ordem constitucional não foi peremptoriamente afastada, mormente diante das manifestações do Ministro Gilmar Mendes naquela ocasião. De maneira precisa, o Douto Constitucionalista afirmou que:

É possível, sim, ao legislador – não precisaria elevar a questão para o patamar da legislação constitucional – estabelecer uma cláusula de barreira. [...] De certa forma, o modelo proporcional já dá ensejo a alguma limitação quando estabelece o quociente eleitoral [...], portanto, já há cláusula semelhante na regulação, na concretização do modelo proporcional. Então, parece-me que isso é possível de se fazer entre nós. [4]

Logo, de fato, é plausível que o nosso Pretório Excelso, em futuros julgamentos, realize um verdadeiro overruling da sua jurisprudência, avançando e acolhendo a saneadora cláusula de desempenho, principalmente diante da publicação da EC nº 97/2017 que a consignou no texto constitucional.


7. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 97/2017

O histórico julgamento acima explanado provocou um movimento parlamentar para a inclusão das cláusulas de desempenho no próprio texto da Constituição Federal, tal como ocorria na égide da CF/67, tal corrente parlamentar resultou na Emenda Constitucional nº 97 de 05/10/2017.

A Emenda Constitucional em epígrafe estabeleceu normas expressas na Lei Fundamental acerca do acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão, bem como vedou as coligações partidárias nas eleições proporcionais. Mas, em razão dos limites deste artigo, iremos nos deter as alterações constitucionais relativas à inclusão da cláusula de desempenho pela EC nº 97/2017, vejamos:

Art. 17

§ 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:

I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou

II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação

Como se vê, as alterações foram profundas e estabeleceram a observância das cláusulas de desempenho em sede constitucional. Para fins de regulamentação paulatina das mudanças ensejadas pelo novel diploma, além de possibilitar que os novos partidos e aqueles já existentes possam adequar-se às exigências estabelecidas, a EC nº 97/2017 prevê em seu texto disposições de caráter transitório.

Desta forma, o seu art. 3º dispõe que as exigências previstas pelo § 3º do art. 17 da CF/88 somente terão aplicabilidade a partir das eleições de 2030, fixando gradativas exigências que deverão ser observadas pelos partidos, tomando por base os resultados aferidos na eleição de 2018, da seguinte maneira:

Art. 3º

I - na legislatura seguinte às eleições de 2018:

a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou

b) tiverem elegido pelo menos nove Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação;

II - na legislatura seguinte às eleições de 2022:

a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2% (dois por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou

b) tiverem elegido pelo menos onze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação;

III - na legislatura seguinte às eleições de 2026:

a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2,5% (dois e meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou

b) tiverem elegido pelo menos treze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.

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Ademais, a EC nº 97/2017 também estabeleceu uma nova hipótese de justa causa do membro do Poder Legislativo para mudança de partido político, isto conforme o novo § 5º do art. 17 da CF/88, que assegura o mandato do eleito filiado a partido que não preencheu os requisitos previstos pela cláusula de desempenho, facultando ao mesmo a filiação a outro partido que os tenha atingido, sem perda do mandato, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso ao tempo de rádio e de televisão.

Convém observar que a liberdade para a criação das agremiações políticas subsiste plenamente, inclusive, mediante a aquisição da personalidade jurídica e registro do estatuto partidário junto ao TSE, bastando o preenchimento de todos os requisitos outrora delineados para que o partido político adquira existência jurídica.

De fato, o que fora limitado pela EC nº 97/2017 concerne apenas ao acesso dos recursos oriundos do Fundo Partidário, além do direito de antena, já que a nova disposição exige o cumprimento do desempenho eleitoral pela agremiação para que a mesma possua direito a aquisição dos recursos públicos destinados para as campanhas eleitorais.

Prestigia-se o gasto racional da receita, haja vista que apenas agremiações políticas com regular desempenho eleitoral e, por conseguinte, detentores de representatividade junto aos cidadãos estarão abarcados pelo dispêndio do dinheiro público destinado para o fundo partidário. Afinal, conforme veementemente versado pelo atual MinistroAlexandre de Moraes [2]:

Nada justifica a obrigatoriedade do contribuinte brasileiro sustentar inúmeras agremiações partidárias e seus respectivos dirigentes, por meio da distribuição dos recursos do fundo partidário a grupos sem qualquer representatividade e legitimidade, em face do diminuto número de votos obtidos nas eleições.

Nada justifica, também, a invasão obrigatória que os brasileiros sofrem mensalmente em suas residências por meio do acesso gratuito ao rádio e televisão desses partidos políticos que não lograram o êxito mínimo nas últimas eleições em virtude do povo ter repudiado suas ideias por meio do sufrágio universal e do voto secreto.

Não há que se cogitar a violação dos direitos das minorias ou mitigação da sua representatividade na esfera política, porque a cláusula de desempenho mostra-se razoável ao exigir um quantum mínimo para a obtenção dos recursos do fundo partidário, que oneram demasiadamente o cidadão.

A EC nº 97/2017 não elimina as agremiações partidárias de pequena expressão nacional, haja vista que elas poderão manter suas atividades através das contribuições perpetradas pelos seus membros, além de exercer a liberdade de associação e manifestação, desde que nos limites da Lei.

Enfim, a EC nº 97/2017 representa um importante avanço para o ordenamento jurídico pátrio, estabelecendo a responsabilidade dos partidos políticos e o gasto razoável dos recursos públicos para o custeio de partidos políticos que de fato possuam representatividade, atenuando a proliferação de agremiações políticas, cujo único intuito é a obtenção de diversos recursos dos cofres públicos para o custeio de poucos líderes partidários.

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Sobre o autor
Wendenberg de Aquino Santana

Advogado inscrito na OAB/PB sob nº 26.742, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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