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Breve análise do processo de adoção no sistema jurídico brasileiro

enfoque nas inovações legislativas advindas da Lei nº 13.509/2017

Breve análise do processo de adoção no sistema jurídico brasileiro: enfoque nas inovações legislativas advindas da Lei nº 13.509/2017

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A essência da inovação legislativa trazida pela Lei nº 13.509/ 2017 é dar mais celeridade ao processo de extinção do poder familiar e colocação em família substituta, bem como propiciar um lar familiar para aquela criança/adolescente destituído do afeto necessário para o seu bem-estar.

Resumo: Com o advento da Constituição Federal de 1988, a legislação envolvendo crianças e adolescentes ganhou um enfoque mais protetivo, pautado na doutrina da proteção integral cuja principal característica fora colocar no centro do nosso ordenamento jurídico o infante como sujeito de direito e não mais como objeto de direito. Norteados pelo princípio da prioridade absoluta e da proteção integral, em 1990 entrou em vigor a Lei nº 8069, a qual detalhou e estabeleceu as ações judiciais envolvendo as crianças e adolescentes, como, por exemplo, as ações de colocação em família substituta, quais sejam: a guarda, tutela e adoção, esta última objeto deste trabalho. Buscou-se fazer uma breve análise sobre adoção em nosso ordenamento jurídico, esclarecendo os aspectos gerais que regem o referido instituto, as inovações legislativas sobre o tema, bem como destacar meios de otimizar o processo de colocação definitiva da criança ou adolescente em família substituta.

 Palavras-chave: ADOÇÃO. LEGISLAÇÃO. LEI Nº 13.509/2017.


1 Introdução

O presente trabalho versa sobre a evolução legal do instituto da adoção, buscando evidenciar os aspectos positivos das inovações legislativas sobre o tema, bem como explanar os problemas atuais que perpassam o referido instituto.

A adoção tem como finalidade extinguir laços de filiação e fazer surgir uma nova e definitiva relação familiar. Além das concepções jurídicas inerentes ao instituto, existem aspectos sociológicos e afetivos que tornam a temática complexa.

Por intermédio de fontes bibliográficas, jurisprudenciais e das atualizações legislativas, buscou-se analisar de modo geral as inovações legais sobre o instituto da adoção, dentre elas a recente Lei nº 13.509/2017, bem como orientar os operadores do direito que lidam com o tema, para que o analisem de modo a efetivar e otimizar  o referido instituto, tendo como norte o princípio da melhor interesse da criança e do adolescente.


2 Breve histórico da adoção no Brasil

A criança e o adolescente, por um longo período, ocuparam papéis secundários no direito brasileiro, diante da doutrina da situação irregular e da doutrina penal do menor, de modo que não havia proteção à infância. Contudo, este cenário veio a ser alterado com o advento da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, que passaram a ser norteados pelos princípios da proteção integral e o melhor interesse da criança e do adolescente.

No tocante à adoção, a evolução legislativa acompanhou o caráter protecionista exarado pela Constituição e pelas leis ordinárias.

A adoção pode ser conceituada como ato jurídico o qual faz surgir uma nova relação parental advinda de um procedimento judicial. Nesse contexto, “A adoção é ato jurídico solene pelo qual uma pessoa humana passa a ter laços de filiação e parentesco com outra, que não decorrem da natureza” (DI MAURO, 2017). Conforme estabelece o Estatuto da Criança e Adolescente, a adoção é o modo irrevogável de colocação de uma pessoa em família substituta, perpassando por diversas inovações no decorrer evolutivo do ordenamento jurídico brasileiro.

De acordo com RODRIGUES (2006, p. 336-339 apud TARTUCE, 2017, p.286):

a adoção talvez seja o instituto de Direito de Família que mais tenha sido objeto de alterações estruturais e funcionais com o passar do tempo, diante de várias leis que o regulamentaram (anteriormente, Código Civil de 1916, Lei 3.133/1957, Lei 4.655/1965, Código de Menores – Lei 6.697/1979, e Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990), o que acabou por gerar uma colcha de retalhos legislativa a respeito do tema de acordo com RODRIGUES (2006, p. 336-339 apud TARTUCE, 2017, p. 286)

O Código Civil Brasileiro, instituído pela Lei nº 3.071/16, sistematizou a adoção em sua Parte Especial, em dez artigos, sendo apenas permitida a adoção para maiores de cinquenta anos que não tivessemk prole legítima ou legitimada.

Com a vigência da Lei nº 6.697/79 instituiu-se o Código de Menores, trazendo a adoção plena em vez da adoção condicional do CC/16, “substituindo a legitimação adotiva da Lei 4.655/65 que foi expressamente revogada e também admitiu adoção simples, regulada pelo Código Civil” (GRANATO, 2010)

O Código de Menores aplicava-se aos menores de até dezoito anos, que se encontravam em situação irregular, desse modo, aqueles que se encontrassem em uma situação regular, poderiam ser adotados nos termos do Código Civil, independentemente de autorização judicial.

A Constituição Federal é marco essencial na proteção das crianças e adolescentes, norteando os novos diplomas legais sobre o tema.[1]

O Estatuto da Criança e Adolescente, inicialmente, concentrou a normatização do processo de adoção no Brasil dos menores (crianças e adolescentes), enquanto o Código Civil de 2016 tratava da adoção dos maiores de idade. Com o advento do Código Civil de 2002, toda normatização da adoção, maiores de idade ou não, ficou a cargo do novo diploma civilista.

Contudo, com o advento da Lei Nacional de Adoção (Lei nº 12010/09), “houve uma reviravolta no tratamento legal, eis que não há mais dispositivos no Código Civil regulamentando o instituto”.(TARTUCE, op. cit. p.286).

Nesse diapasão, as mudanças introduzidas no Estatuto da Criança e do Adolescente provenientes da Lei nº 12.010/2009 passaram a regularizar e detalhar todos os tipos de adoção, estabelecendo o art. 1618 do Código Civil, que o ECA regulamenta, inclusive, o processo de adoção dos maiores de 18 anos.

Diversas inovações legislativas ocorreram durante esses quase de 30 anos de vigência do Estatuto. No entanto, no que tange à adoção e a colocação da criança e adolescente em família substituta, a mudança mais recente foi a proveniente da Lei nº 13.509/2017.


3 Primeiras inovações trazidas pela Lei Nacional de Adoção no ECA

A vigência da nº 12.010/2009 acarretou diversas inovações na seara da adoção, além de determinar a aplicação das normas estabelecidas no Estatuto da Criança e Adolescente a todos os tipos de adoções, sejam dos maiores de idades ou dos menores, edificou mudanças na parte geral do estatuto, dentre elas:

3.1 A adoção como medida excepcional e irrevogável

Nos termos do art. 39, §1º da Lei 8069/90, a adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 do mesmo diploma legal. Ademais, estabeleceu-se no parágrafo segundo, a vedação da adoção por procuração, segundo Flávio Tartuce justifica-se a proibição diante do caráter personalíssimo do instituto,  “ainda a respeito da adoção, o art. 39, § 2.º, do ECA veda a adoção por procuração, justamente diante do seu caráter personalíssimo” (TARTUCE, op. cit p.292).

3.2 Adoção conjunta e a possibilidade da adoção quando do falecimento do adotante

A nova nomenclatura 'adoção conjunta' substituiu a antiga 'adoção bilateral'. De acordo com o art. 42, §2º do ECA, para a concretização da adoção conjunta é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.

Destaca-se, ainda, que com a decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4277, reconhecendo a união homoafetiva como entidade familiar, esclarece Tartuce: “Diante da tendência inafastável de reconhecimento de novas entidades familiares, seguida por esta obra, o casamento e a união estável podem ser homoafetivos, sendo viável a adoção em casos tais, sem qualquer discriminação” (TARTUCE, op. cit p. 288)

Ressalta-se que, excepcionalmente, o Superior Tribunal de Justiça, buscando o melhor interesse da criança possibilitou, mediante decisão paradigmática, a adoção realizada por irmãos[2].

Ademais, a adoção post mortem restou-se devidamente consagrada pela Lei Nacional de Adoção, diante da previsão constante no art. 42, §6º da Lei 8069/90, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos no mencionado artigo.

3.3 Estabeleceu-se o estado de convivência;

O estado de convivência tem por objetivo estimular e fomentar a adaptação do ambiente familiar entre o adotante e o adotado, o referido instituto foi estabelecido inicialmente pela lei nº 12.010/2009 sofreu considerável alteração com o advento da Lei nº 13.509/2017, tendo em vista que antes da referida inovação legislativa, o período de convivência entre o adotado e o adotante era estabelecido discricionariamente pelo magistrado; no entanto, atualmente, estabeleceu-se um período de 90 (noventa) dias, podendo ser dispensado em casos determinados, bem como ter sua duração alterada.

Vejamos as alterações realizadas em relação ao referido tema:

Art. 46.  A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)

§ 1o  O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 2o  A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 2o-A.  O prazo máximo estabelecido no caput deste artigo pode ser prorrogado por até igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.  (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

§ 3o  Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência será de, no mínimo, 30 (trinta) dias e, no máximo, 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogável por até igual período, uma única vez, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)

§ 3o-A.  Ao final do prazo previsto no § 3o deste artigo, deverá ser apresentado laudo fundamentado pela equipe mencionada no § 4o deste artigo, que recomendará ou não o deferimento da adoção à autoridade judiciária.  (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

§ 4o  O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

 § 5o  O estágio de convivência será cumprido no território nacional, preferencialmente na comarca de residência da criança ou adolescente, ou, a critério do juiz, em cidade limítrofe, respeitada, em qualquer hipótese, a competência do juízo da comarca de residência da criança.  (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

Sobre o estágio de convivência aquilata Nucci:

“(...) é o período no qual adotante e adotando convivem como se família fossem, sob o mesmo teto, em intimidade de pai e filhos, já devendo o adotante sustentar, zelar, proteger e educar o adotando. É um período de teste para se aquilatar o grau de afinidade entre ambos os lados e, se, realmente, fortalecem-se os laços de afetividade, que são fundamentais para a família.”

Conforme apercebe-se, o estágio convivência passou por diversas modificações legais.

3.4 Registro da sentença de instituição do vínculo da adoção e acesso irrestrito ao adotado acerca do processo judicial

O artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu expressamente que a adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, exceto na hipótese prevista no § 6º do art. 42 da referida Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito.

Contudo, outrossim, restou-se evidenciado que o processo de adoção será mantido em arquivo para consulta a qualquer tempo, com a finalidade de garantir a execução do comando normativo estabelecido no artigo 48, o qual preleciona:

 Art. 48.  O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos.   (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) 

Parágrafo único.  O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.    (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) 

3.5 Cadastros estaduais e nacional de adotantes e de menores aptos à adoção

O artigo 50 estabeleceu expressamente a criação do cadastro regional para adoção, só podendo nele figurar os interessados que satisfizessem as determinações legais e que passassem por um período de preparação psicossocial e jurídica.

A função do referido cadastro seria otimizar e regularizar, efetivamente, o processo adotivo, o que não ocorreu na prática jurídica, como veremos a seguir. No entanto, o cadastro de adoção recebeu grande proteção normativa, senão vejamos:

A Lei 12.010/09 foi bastante exigente quanto à operacionalização deste cadastro, tanto que qualificou como crime contra a criança e o adolescente o ato omissivo da autoridade competente que deixar de providenciar a instalação, operacionalização e cadastramento, podendo sofrer pena de multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais).[3]

3.7 Adoção internacional

A colocação do infante em família substituta estrangeira tornou-se caráter subsidiário e como ultima ratio. A lei nacional de adoção estabeleceu o trâmite a ser seguindo para ocorrência da adoção internacional. Deu-se clara preferência à adoção por nacionais, exigindo-se, inclusive, prévia consulta de adotantes interessados com residência permanente no Brasil, quando da hipótese de interesse postulado por estrangeiro.


4. Entraves existentes no processo de adoção

O surgimento da Lei Nacional de Adoção, embora tendente a solucionar os problemas que circundavam o processo adotivo, não aprimorou, a contento, a adoção. Vislumbrou-se um descompasso entre o referido processo e a realidade do judiciário brasileiro.

A demora excessiva no andamento da lista de adoção, bem como a política retrógrada de institucionalização da criança e do adolescente em vez da sua colocação em um lar, são causas que resultam no entrave desgastante do processo de adoção.

Tamanha a desproporcionalidade e incoerência em nosso sistema jurídico, que em matéria publicada pela BBC brasileira, a notícia jornalística emitia o seguinte questionamento: “Se o número de crianças inscritas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) é de 6.567, o de famílias habilitadas para adotá-las é quase seis vezes maior: 35.571. Mas se para cada criança na fila de adoção há seis adotantes, por que elas ainda estão na fila?”[4]

 A referida matéria aduziu que a demora se dava, em suma, pela restrição impostas pelos adotantes no que se refere ao perfil da criança, como também pela falta de estrutura do poder público. “Em muitas varas da Infância, não há juízes, psicólogos e assistentes sociais em número suficiente para suprir a demanda”6.

De fato, o Conselho Nacional de Justiça até dispôs de um modo mais célere para cadastrar as crianças e adolescentes, conforme demonstra o site do CNJ[5], aduzindo que “os magistrados não precisam de mais do que cinco minutos para cadastrar crianças e pretendentes no CNA”.

Contudo, a realidade encontrada nas Varas de Infância e Juventude não é bem essa. O tempo médio para iniciar o processo de adoção (desde a habilitação prévia dos pretensos adotantes até o trânsito em julgado da sentença de adoção) é de cerca de 2 anos e 3 meses (valores referentes a Região Sudeste)[6]. O processo de adoção que deveria ser encarado como a maior demonstração de amor e altruísmo, acaba se tornando uma tarefa árdua tanto para os ansiosos pais, como para os pretensos filhos.

A celeuma no processo adotivo não deve ser apenas fundamentada na morosidade existente no Judiciário, concepções retrógradas dos operadores do direito, também podem ser responsáveis pela demora na concretização da colocação do infante em uma família substituta.

Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente seja pautado no melhor interesse do infante e no princípio da desinstitucionalização, muitos juízes e promotores insistiam em colocar os menores em programas de acolhimento institucional, em vez de possibilitá-los um convívio mais salutar e afetivo, o qual seria se fossem colocados, mesmo que provisoriamente, no seio de uma família substituta.   Não há que se discutir que a pessoa em desenvolvimento estará mais propícia a desenvolver reações e laços afetivos se estiver em um ambiente familiar do que em um programa de acolhimento institucional (antigamente chamado de abrigo).

O Juiz Federal Márcio Cavalcante preleciona em seu site de atualizações jurisprudências as seguintes informações sobre o acolhimento institucional:

Acolhimento institucional significa retirar a criança ou o adolescente de seu lar original e colocá-lo para residir, temporariamente, em uma entidade de atendimento (antigamente chamada “abrigo”) a fim de que ali ele fique protegido de situações de maus tratos, desamparo ou qualquer outra forma de violência (física ou moral) que estava sofrendo.

O acolhimento institucional é uma medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade (art. 101, § 1º).

Reitero que o acolhimento institucional somente pode ser determinado pelo magistrado.[7]

Apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente já prever, timidamente, a colocação em famílias acolhedoras, artigos 19, §1º, 34 e outros do referido diploma legal, as inovações trazidas pela Lei nº 13.509/2017 vieram para consagrar o melhor interesse da criança, facilitando e buscando efetivar a colocação dos infantes em família substituta em detrimento dos abrigos.


5. Inovações trazidas com o advento da Lei nº 13.509/2017

Observa-se que com a publicação da Lei nº 13.509/2017 a intenção do legislador foi efetivar a proteção integral da criança e adolescente, protegendo-os de modo mais efetivo nas situações de risco e oportunizando-lhes uma convivência familiar, enaltecendo o convívio em famílias acolhedoras e colocando em última hipótese o acolhimento institucional.

O rol de artigos que versa sobre a colocação em família substituta, os quais foram alterados no dia 23 de novembro de 2017, com a vigência da nova lei, ocasionaram as seguintes alterações: art. 19; 19-A ; 19-B 39, §3º; 46, §2º-A, §3º, §3º-A, §5º; 47,§10; 50, §10 e §15; 51, §1º, I e II; 100, X; 101, §10; 157, §1º.

 Salienta-se, que houve modificações também na Consolidação das Leis do Trabalho, no tocante ao direito do período de licença maternidade à detentora da guarda provisória. Nos casos de colocação provisória em família substitua, conferiu-se igualdade de direito à genitora que possui a guarda provisória, do mesmo modo conferido à mãe biológica ou àquela detém a guarda definitiva (Art. 391-A da CLT).

Abaixo serão arroladas e destacadas as mudanças introduzidas no ECA, as quais relacionam-se com o processo de adoção:

5.1 Permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional, antes eram 2 (dois) anos,  agora são 18 meses (Art. 19, §2º)

Não é saudável que a criança ou adolescente fique muito tempo no acolhimento institucional, sendo essa uma medida provisória e excepcional. Em razão disso, o ECA estipula um prazo máximo no qual a criança ou adolescente pode permanecer em programa de acolhimento institucional.

5.2 Convivência integral da mãe adolescente com seu filho(a) (Art. 19, §5º e 6º)

Fora acrescentado dois parágrafos ao art. 19 aduzindo que se uma adolescente estiver em programa de acolhimento institucional e ela for mãe, deverá ser assegurado que tenha convivência integral com seu(sua) filho(a), além de ter apoio de uma equipe especializada (exs: psicóloga, assistente social etc.).

5.3 Facilitações para mulher que deseja entregar seu filho para adoção (Art. 19-A Caput, §1º, §2º)

Os entraves para entrega dos filhos pelas mães que desejavam colocá-los para adoção era uma das problemáticas que desgastavam e complicavam, na prática, o processo adotivo. Na tentativa de facilitar essa entrega, estabeleceu-se o encaminhamento ao juizado da mãe, acompanhamento especializado, tratamento, mediante sua vontade na rede pública de saúde.

5.4 Preferência que a criança fique com o pai ou com alguma representante da família extensa (Art. 19-A, §3º)

A manutenção na sua própria família biológica também é uma das diretrizes centrais do Estatuto, diante desse pressuposto estabeleceu-se que:

Se a mãe indicar quem é o pai da criança, deve-se tentar fazer com que este assuma a guarda e suas responsabilidades como genitor. Se não houver indicação de quem é o pai ou se este não manifestar interesse na criança, deve-se tentar acolher a criança em sua “família extensa”.

Família extensa ou ampliada é aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (art. 25, parágrafo único do ECA). Ex: tios.[8]

É demasiadamente importante destacar que a busca pela família extensa não deve procrastinar desarrazoadamente a colocação do infante em família substituta, e, por isso, deverá durar, no máximo, 90 dias, prorrogável por igual período.

5.5. Não sendo possível ficar com o pai nem com a família extensa (Art. 19-A, §4º)

Se a mãe não indicar quem é o genitor e se não houver representante da família extensa apto a receber a guarda, o juiz deverá: decretar a extinção do poder familiar e determinar a colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional.

5.6 Desistência da entrega para adoção e sigilo do procedimento (Art. 19-A, §8º e §9º e art. 166, §5º)

Antes da vigência da Lei nº 13.509/2017, nos termos do artigo 166, parágrafo 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o consentimento da entrega de menor para adoção é retratável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção.

A legislação agora estabelece que o momento adequado para retratação dos genitores será a audiência estabelecida no art. 19-A, §8º:

Art. 166. (..) § 5o  O consentimento é retratável até a data da realização da audiência especificada no § 1o deste artigo, e os pais podem exercer o arrependimento no prazo de 10 (dez) dias, contado da data de prolação da sentença de extinção do poder familiar

Art. 19-A. (...) §8o  Na hipótese de desistência pelos genitores - manifestada em audiência ou perante a equipe interprofissional - da entrega da criança após o nascimento, a criança será mantida com os genitores, e será determinado pela Justiça da Infância e da Juventude o acompanhamento familiar pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias.  (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

§ 9o  É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei. 

Quem receber a guarda da criança terá o prazo de15 dias para propor a adoção. No tocante à desistência da entrega da criança, o pai ou a mãe deverá manifestar esta desistência em audiência ou perante a equipe interprofissional. A criança será, então, mantida com o(s) genitor(es) e será determinado pela Justiça da Infância e da Juventude o acompanhamento familiar pelo prazo de 180 dias.

5.7 Sistema de apadrinhamento (Art. 19-B)

O sistema de apadrinhamento é uma forma alternativa e eficaz para desinstitucionalização do infante em situação de risco, proporcionando um ambiente familiar e afetivo à criança e ao adolescente, tudo em conformidade e sintonia com o princípio da proteção integral e melhor interesse da criança que regem o Estatuto.

Preleciona o Juiz Federal Márcio Cavalcante sobre  o tema:

O ECA prevê que se a criança ou o adolescente estiver em situação de risco (art. 98), o juiz da infância e juventude poderá determinar medidas protetivas que estão elencadas no art. 101.  Destacam-se duas importantes e frequentes medidas de proteção:  o acolhimento institucional (art. 101, VII); e o acolhimento familiar (inciso VIII).

O apadrinhamento consiste, portanto, em proporcionar (estimular) que a criança e o adolescente que estejam em “abrigos” (acolhimento institucional) ou em acolhimento familiar possam formar vínculos afetivos com pessoas de fora da instituição ou da família acolhedora onde vivem e que se dispõem a ser “padrinhos”. (...)

As crianças ou adolescentes têm encontros com seus “padrinhos”, fazem passeios, frequentam a casa, participam de aniversários, datas especiais, como Dia das Crianças, Natal, Ano Novo etc.

A intenção do programa de apadrinhamento é fazer com que a criança ou adolescente receba afeto e possa conhecer como funciona uma saudável vida em família, com carinho e amor.

O sistema de apadrinhamento pode ser realizado por pessoa física ou jurídica e tem por principal escopo introduzir o menor em um ambiente aconchegante e essencial para seu desenvolvimento psíquico social.

5.8 Estágio de Convivência

Anteriormente, o estágio de convivência era fixado pela autoridade judiciária, observadas as peculiaridades do caso concreto. Com a redação atual do art. 46, estabeleceu-se um prazo de no máximo 90 dias para a concretização do referido estágio.

Desse modo, restringiu-se a discricionariedade do magistrado, pois com a nova redação, não se poderá estabelecer períodos muito longos, que acabavam por diminuir a celeridade da concretização do processo de adoção. Ademais, o §2º-A, estabelece que esse período de 90 dias poderá ser prorrogado por igual período, desde que por fundamentada decisão.

Além das inovações supramencionadas, outras mudanças foram introduzidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, como por exemplo, o procedimento de habilitação para adoção (novo § 2º do art. 197-E). Destaca-se, que quando o adotante candidatar-se a uma nova adoção, será dispensável a renovação da habilitação, bastando a avaliação por equipe interprofissional (novo § 3º do art. 197-E);

Alterou-se também a contagem dos prazos, de acordo com art. 152. §2º, esta contagem deve ser feita em dias corridos, não se aplicando aos procedimentos judicias do ECA, a contagem do prazo em dias úteis, como ocorre no Processo Civil.

Ademais, a figura do curador especial recebeu nova interpretação coadunando-se o que entendimento já sedimentando na nossa jurisprudência, de que não haverá necessidade de nomeação de curador especial quando o processo de adoção for iniciado pelo Ministério Público. Inovou-se, também, que o prazo máximo de conclusão do processo de destituição do poder familiar será de 120 dias. Por fim, no caso de notória inviabilidade de manutenção do poder familiar, caberá ao juiz dirigir esforços para preparar a criança ou o adolescente com vistas à colocação em família substituta (nova redação do art. 163).

Essas alterações também trouxeram consequências mais severas para os adotantes habilitados no cadastro que desistirem do processo ou que recusarem as crianças postas para lhe serem adotadas:

Se o postulante habilitado recusar, por três vezes, adotar as crianças/adolescentes disponíveis, após as 3 recusas injustificadas, pelo habilitado, à adoção de crianças ou adolescentes indicados dentro do perfil escolhido, haverá reavaliação da habilitação concedida (novo § 4º do art. 197-E) e também, a desistência do pretendente em relação à guarda para fins de adoção ou a devolução da criança ou do adolescente depois do trânsito em julgado da sentença de adoção importará na sua exclusão dos cadastros de adoção e na vedação de renovação da habilitação, salvo decisão judicial fundamentada, sem prejuízo das demais sanções previstas na legislação vigente (novo § 5º do art. 197-E)[9].

A essência da inovação legislativa trazida pela Lei nº 13.509/ 2017 é dar mais celeridade ao processo de extinção do poder familiar e colocação em família substituta, bem como propiciar um lar familiar para aquela criança/adolescente destituído do afeto necessário para o seu bem-estar. Nesse sentido, preleciona o artigo o art. 50, §10: “Enquanto não localizada pessoa ou casal interessado em sua adoção, a criança ou o adolescente, sempre que possível e recomendável, será colocado sob guarda de família cadastrada em programa de acolhimento familiar”.


6. Conclusão

O presente artigo teve como objetivo explanar a evolução legislativa no tocante à colocação da criança e do adolescente em família substituta, destacando a recente lei nº 13.509/2017 cuja vigência se deu no dia 23 de novembro de 2017.

Constatou-se que apesar das reiteradas mudanças envolvendo a adoção e os demais institutos afetos ao acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco, os princípios do melhor interesse da criança e da proteção integral acabaram renegados a segundo plano, na medida em que a demora e os entraves para colocação do infante em um lar afetivo restava-se procrastinada e demasiadamente burocrática.

Com o advento da Lei nº 13.509/2017, buscou-se não apenas acelerar e otimizar o procedimento de colocação dos menores em uma família substituta. Vislumbrou-se modificar a postura dos operadores de direito, afastando, veementemente,  a política de institucionalização da criança e do adolescente, herança jurídica tão combatida e proveniente do famigerado Código de Menores, a qual desfavorecia e estigmatizava os infantes.

Nesse diapasão, espera-se que os juristas apliquem com afinco e celeridade os institutos trazidos pela recente inovação legislativa, propiciando às crianças e adolescentes um ambiente salutar e de afeto em um seio familiar, requisito essencial para o seu desenvolvimento psíquico-social.


Referências

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__________. Lei nº 8069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>Acesso em: 03 de jan. 2018.

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TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 5 : Direito de Família – 12. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.


Notas

[1] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[2] REsp 1217415/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 28/06/2012

[3] Disponível em: <http://portal.metodista.br/gestaodecidades/publicacoes/artigos/sippi-2010-2/A%20Lei %2012010.pdf> Acesso em: 04 jan.2018.

[4] BERNARDO. André. Por que 36 mil pais não conseguem adotar 6,5 mil crianças em abrigos? BBC, 2016.  Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil/2016/05/160509_adocao_criancas_ab> Acesso em: 04 jan. 2018 6 op. cit

[5] Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/cadastro-nacional-de-adocao-cna> Acesso em: 05 jan. 2018.

[6] Disponível em:< https://www.adocaobrasil.com.br/o-tempo-medio-na-fila-da-adocao-na-regiaosudeste-do-brasil/> Acesso em: 05 jan.2018.

[7] Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2017/11/comentarios-lei-135092017-quefacilita.html> : Acesso em: 05 jan 2018

[8] Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2017/11/comentarios-lei-135092017-quefacilita.html> : Acesso em: 05 jan 2018

[9] Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2017/11/comentarios-lei-135092017-quefacilita.html> Acesso em 06 jan. 2018.


Autor

  • Raissa Barbosa Assis

    Assessora Jurídica do Ministério Público do Estado da Paraíba. Pós Graduada pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus curso de pós graduação lato sensu em Direito Processual Civil. Graduada pela Universidade Estadual da Paraíba. .Aprovada no concurso da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte. Aprovada no concurso da Procuradoria Estadual da Bahia. Aprovada para o Cargo de Advogado da Dataprev/2012. Aprovada para o Cargo de Advogado da Caixa Econômica Federal Região Nordeste.Aprovada para o cargo de Procurador do Município de Maceió. Aprovada no concurso de Juiz Leigo do Estado da Paraíba.

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ASSIS, Raissa Barbosa. Breve análise do processo de adoção no sistema jurídico brasileiro: enfoque nas inovações legislativas advindas da Lei nº 13.509/2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5305, 9 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63335. Acesso em: 16 abr. 2024.