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O consentimento informado do paciente nos tribunais

O consentimento informado do paciente nos tribunais

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No presente artigo, analisaremos precedentes nos tribunais nacionais e estrangeiros sobre a importância da autonomia da vontade do paciente e do consentimento informado na escolha de tratamento médico.

O CONSENTIMENTO INFORMADO DO PACIENTE NOS TRIBUNAIS

a) ESTADOS UNIDOS

Caso Brooks –Decisão do Tribunal de Apelação do Estado de Illinois foi a primeira no sentido de reconhecer o direito a um paciente Testemunha de Jeová de recusar transfusão de sangue. Teve como fundamento a Constituição americana que protege a liberdade de crença religiosa.

b) CANADÁ

Caso Mallete v. Schulman – Trata-se do caso de uma Testemunha de Jeová que sofreu um acidente grave. Embora trouxesse consigo um termo em que afirmava recusar transfusão de sangue, o médico responsável ignorou e transfundiu sangue. Mais tarde, o paciente acionou o Judiciário e tanto em primeira instância como em grau de apelação o médico foi condenado a pagar uma indenização por ter administrado sangue sem o consentimento devido. O Tribunal de Apelação de Ontário corroborou a decisão inicial nos seguintes termos: "Um adulto capaz geralmente tem o direito de recusar um tratamento específico ou qualquer tratamento, ou de selecionar uma forma alternativa de tratamento, ainda que essa decisão possa acarretar consigo riscos tão sérios como a morte ou possa parecer equivocada aos olhos da profissão médica ou da comunidade. Independentemente da opinião do médico, é o paciente quem tem a palavra final quanto a submeter-se a tratamento."

c) ARGENTINA

Caso Bahamondez (CS, 06.04.93, Medida Cautelar ED 153-249). Bahamondez, Testemunha de Jeová, sofreu hemorragia no estômago por conta de uma úlcera. Os médicos, a fim de transfundir sangue no paciente contra sua vontade, pleitearam autorização no Judiciário, a qual foi concedida sob o fundamento de que o direito à vida é indisponível.

Em grau de recurso, Bahamondez alegou que era consciente de suas decisões e que seu desejo era viver, privilegiando suas convicções religiosas.

No julgamento, o tribunal declarou ausência de interesse, porquanto o paciente já havia obtido alta. Contudo, os desembargadores desenvolveram teses para casos semelhantes. Nesse sentido, sustentaram que a liberdade religiosa pressupõe a possibilidade de exercício de “objeção de consciência”. Assim, alegam que um adulto consciente é livre e ninguém pode impor terapias que firam convicções pessoais. 

d) BRASIL 

No Brasil, destacarei dois casos particularmente interessantes que sintetizam os demais precedentes nacionais no mesmo sentido.

No primeiro caso, o Hospital Odilon Behrens pleiteou alvará para fazer transfusão de sangue numa paciente Testemunha de Jeová. O juiz Renato Luís Dresch, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte/MG indeferiu o pedido.

Argumentou que o Estado e classe médica têm o dever de salvar a vida do paciente, conquanto haja autorização para tanto. Salientou que  "estando o paciente consciente, e apresentando de forma lúcida a recusa, não pode o Estado impor-lhe obediência, já que isso poderia violar o seu estado de consciência e a própria dignidade da pessoa humana".

Alega que as Testemunhas de Jeová aceitam tratamentos alternativos isentos de sangue. Aduz ainda que respeitar o direito à vida envolve mais que ato mecânico de sustentação da respiração, mas também a preservação de valores morais, espirituais e psicológicos. Nesse aspecto, sopesa o princípio da proteção à vida e da inviolabilidade de liberdade de consciência e crença.

Por fim, conclui que a imposição de transfusão de sangue pode acarretar conflitos de grande monta e ferir gravemente a consciência da pessoa a ponto de violentar a dignidade da pessoa humana.

No segundo caso, o juiz Marco Antonio Castelo Branco, da 2ª Vara de Fazenda de Belém, julgou improcedente o pedido feito em ação cautelar inominada movida pelo Hospital Ophir Loyola contra a paciente E.T.A. O hospital recorreu à Justiça para obter autorização a fim de proceder transfusão de sangue, considerando ser a paciente portadora de doença grave e apresentar quadro hemorrágico. 

No entanto, a paciente, que é da religião Testemunhas de Jeová, não autoriza a medida como parte do tratamento, requerendo o devido respeito à sua vontade e autodeterminação. A decisão do magistrado embasou-se em amplo estudo sobre a matéria, citando juristas sobre a inviolabilidade do direito à vida, a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade do direito de consciência e crença. A liminar antes concedida em favor do hospital foi revogada.

De acordo com os autos do processo, diante do quadro da paciente, que aponta para uma necessária transfusão de sangue, e da recusa da mesma em receber o procedimento como parte do tratamento, o hospital buscou uma determinação judicial visando resguardar-se de eventuais ações futuras pelo desrespeito à vontade da paciente.

Conforme o magistrado, o direito à vida deve ser compreendido como direito à vida digna e este direito é uma lei fundamental positivada em nosso ordenamento. Uma das mais importantes leis da humanidade é a autodeterminação do ser humano. O juiz citou ainda o Código de Ética da Medicina, que autoriza a ação do médico em caso de iminente risco à vida do paciente, mas julgou improcedente o pedido do hospital ressaltando o parágrafo 5º da Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade do direito à vida, garantindo, em seu inciso II, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, demonstrando o magistrado que não há lei que force a paciente a se submeter à hemotransfusão.

Também fundamentou sua decisão no inciso VI do mesmo artigo 5º que aponta ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Dessa maneira, entende o magistrado, que a crença professada pelas Testemunhas de Jeová em nenhum momento prega qualquer doutrina que afronte a vida, que faça apologia ao suicídio, e que a recusa da paciente tem origem em assentamento doutrinário, que, certo ou errado, falso ou verdadeiro, deve ser respeitado diante da demonstração cabal de que a paciente quer viver a ponto de procurar um hospital a fim de buscar tratamento que lhe permita continuar vivendo. Em vista do prontuário da paciente, não tenho dúvidas que a mesma procurou o hospital com o único intuito de buscar qualquer tratamento que lhe minimize a dor, excetuando o tratamento hemoterápico pela via da transfusão. (http://tj-pa.jusbrasil.com.br/noticias/2012687/magistrado-julga-improcedente-pedido-para-autorizacao-de-transfusao-de-sangue-em-testemunha-de-jeova)

No mesmo sentido dos supracitados julgados, colaciono outros arrestos, in verbis:

Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Número do processo: 1.0701.07.191519-6/001(1) Precisão: 100 

Relator: ALBERTO VILAS BOAS 

Data do Julgamento: 14/08/2007 

Data da Publicação: 04/09/2007 

Ementa:
PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA. CASO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. PACIENTE EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITO À VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. – 

No contexto do confronto entre o postulado da dignidade humana, o direito à vida, à liberdade de consciência e de crença, é possível que aquele que professa a religião denominada Testemunhas de Jeová não seja judicialmente compelido pelo Estado a realizar transfusão de sangue em tratamento quimioterápico, especialmente quando existem outras técnicas alternativas a serem exauridas para a preservação do sistema imunológico. - Hipótese na qual o paciente é pessoa lúcida, capaz e tem condições de autodeterminar-se, estando em alta hospitalar.

Súmula: REJEITARAM PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO. Acórdão: Inteiro Teor. Numero: 22395 Ano: 2006 Magistrado: DR. SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA
Ementa:
TESTEMUNHA DE JEOVÁ - PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE - EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA - TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO - RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DIREITO À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - LIMINAR CONCEDIDA - RECURSO PROVIDO. 

Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional, não pode o Estado recusar o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como única via que vai ao encontro da crença religiosa do paciente. A liberdade de crença, consagrada no texto constitucional não se resume à liberdade de culto, à manifestação exterior da fé do homem, mas também de orientar-se e seguir os preceitos dela. Não cabe à administração pública avaliar e julgar valores religiosos, mas respeitá-los. A inclinação de religiosidade é direito de cada um, que deve ser precatado de todas as formas de discriminação. Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica que dispense-na, quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a fazê-la. O princípio da isonomia não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades naturais de cada um. Se o Sistema Único de Saúde do Estado de Mato Grosso não dispõe de profissional com domínio da técnica que afaste o risco de transfusão de sangue em cirurgia cardíaca, deve propiciar meios para que o procedimento se verifique fora do domicílio (TFD), preservando a vida.

CAUTELAR. TRANSFUSAO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVA. [...] Se iminente o perigo de vida, é direito e dever do medico empregar todos os tratamentos, inclusive cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a vontade deste, de seus familiares e de quem quer que seja, ainda que a oposição seja ditada por motivos religiosos. [...] Se transfusão de sangue for tida como imprescindível, conforme sólida literatura médico-cientifica (não importando naturais divergências), deve ser concretizada, se para salvar a vida do paciente, mesmo contra a vontade das Testemunhas de Jeová, mas desde que haja urgência e perigo iminente de vida (art-146, §3°, I, do Código Penal). [...] O direito à vida antecede o direito à liberdade, aqui incluída a liberdade de religião; é falácia argumentar com os que morrem pela liberdade, pois aí se trata de contexto fático totalmente diverso. Não consta que morto possa ser livre ou lutar por sua liberdade. [...] É o voto. 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. 

APELAÇÃO CÍVEL. 595000373. 

6ª.CÂMARA CÍVEL. 

REL. DESEMBARGADOR SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA. 

JULGADA EM 28.03.1995

 

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

2007.002.09293 - AGRAVO DE INSTRUMENTO

DES. CLÁUDIO DE MELLO TAVARES - Julgamento: 27/06/2007 -

DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ESTABELECIMENTO HOSPITALAR. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE

TUTELA PARA PERMITIR O PROCEDIMENTO DE TRANSFUSÃO SANGÜINEA EM

PACIENTE PRATICANTE DA SEITA DENOMINADA TESTEMUNHAS DE JEOVÁ.

PRODUÇÃO DE PROVAS.

Trata-se de ação de cumprimento de obrigação de não fazer, com pedido de liminar inaudita altera pars, pleiteando o estabelecimento hospitalar autor, a antecipação dos efeitos da tutela, no intuito de obstar que os réus oponham qualquer obstáculo à realização da transfusão sangüínea, imprescindível para salvar a vida da paciente / 1ª agravante, visto que, como os demais agravantes, professa a seita denominada como Testemunhas de Jeová e, por este motivo, não permitem a prática de transfusão sangüínea. Os réus/agravantes requerem que o hospital/agravado comprove nos autos a origem do sangue e hemoderivados transfundidos à paciente e a realização dos testes mínimos obrigatórios quanto aos males decorrentes da hemotransfusão. Entretanto, conforme corretamente decidiu o magistrado a quo, ao indeferir a pretensão dos agravantes, tal prova é desnecessária à solução da lide posto que, não restou demonstrado nos autos ter a 1ª agravante contraído doenças decorrentes da transfusão sangüínea. Registre-se, que o artigo 130 do Código de Processo Civil confere poderes ao Magistrado para, de ofício ou a requerimento da parte, determinar os meios probantes necessários à instrução do processo, indeferindo diligências inúteis ou protelatórias, e sendo ele o destinatário da prova, encontra-se dentro do seu juízo aferir a necessidade, ou não, de sua realização. Recurso conhecido e improvido.



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