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Os testamentos ordinários: público, cerrado e particular

Os testamentos ordinários: público, cerrado e particular

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O artigo explica as diferenças entre os testamentos ordinários e aborda pontos juridicamente controversos.

A lei civil prevê três tipos de testamentos ordinários: o público, o cerrado e o particular. Os testamentos especiais são o marítimo, o aeronáutico e o militar. Este artigo apenas tratará dos ordinários.

Tendo em vista que o Código Civil já prescreve minuciosamente as regras de sucessão de bens, na prática, o testamento é visto em nossa cultura como um meio oneroso, desconhecido e talvez até redundante. Muitos enxergam o testamento como um meio de favorecimento a determinado familiar em detrimento de outros. Por tais motivos, a grande maioria dos brasileiros tradicionalmente não dispõem de um testamento.

No entanto, dentre as pessoas que possuem bens materiais, porém não têm herdeiros necessários, ou seja; descendentes, ascendentes ou cônjuge; o testamento é uma forma conveniente e até necessária de se dispor de bens para depois da morte.

Os que possuem bens e herdeiros necessários têm o direito de testar. Todavia, estes apenas poderão dispor em testamento de metade de seus bens (Código Civil art. 1.789). A outra metade, chamada de “legítima”, é protegida por lei e será obrigatoriamente transferida aos herdeiros necessários. Esta regra apenas é modificada em caso de sentença [cuja natureza é constitutiva-negativa] de deserdação contra herdeiro legítimo, pedido movido em ação própria.

Todos os testamentos têm o mesmo valor comprobatório em juízo, seja ele escrito de próprio punho, por um testamenteiro ou tabelião. Dentre os testamentos ordinários, o público é o mais comum em nossa cultura, pois muitos creem que o testamento elaborado em um órgão estatal como o cartório de notas lhe atribuiria maior legitimidade.

Porém, essa crença não condiz com a realidade. De acordo com a lei, além de possuírem o mesmo valor comprobatório da vontade do testador, todos os testamentos estão sujeitos ao prazo decadencial de cinco anos para impugnação (CC art. 1.859). O impugnante tem o ônus de provar a nulidade em juízo, da qual advirá de erro, dolo ou coação (CC art. 1.909).

O testamento público é aquele lavrado em cartório pelo tabelião e perante duas testemunhas, que o subscrevem. O documento permanecerá depositado no cartório até a morte do testador, quando, então, será apresentado ao juiz.

A grande desvantagem do testamento público é a ausência de sigilo, pois o testamento público está sujeito à consulta por qualquer pessoa. Além de ter acesso ao rol de bens, terceiros também terão acesso ao inteiro teor da disposição testamentária, ou seja, saberão quem receberá o quê ou quanto após a morte do testador.

Porém, na prática, não é tão fácil obter acesso ao conteúdo de testamento público, tendo em vista grande resistência imposta por iniciativa dos próprios tabeliães, os quais entendem se tratar de matéria sigilosa. No entanto, além de o entendimento dos tabeliães não encontrar respaldo em nenhuma lei até o presente momento, não lhes cabe o papel de legislar a respeito deste ou de qualquer assunto, a ponto de justificar tal negativa.

Na verdade, se a lei de fato tivesse a intenção de conferir caráter sigiloso ao conteúdo desta modalidade de testamento, por qual motivo o próprio Código Civil teria criado o testamento público e o cerrado?

Visando combater a incorreta interpretação da lei pelos tabeliães, em janeiro de 2011, a Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo decidiu que qualquer pessoa tem direito de conhecer o conteúdo de testamento público e que apenas o testamento cerrado é sigiloso. Com isso, os cartórios e tabelionatos não podem se negar a emitir certidões. Eventual negativa poderá ser atacada por meio de Mandado de Segurança, com fundamento na lei 12.016/2009.

Outra modalidade de testamento ordinário é o testamento cerrado. Escrito pelo próprio testador, este sim tem a finalidade de guardar sigilo de seu conteúdo até o momento do falecimento do testador. É levado ao tabelião para leitura e aprovação mediante duas testemunhas. O testamento cerrado não permanecerá em posse do cartório, mas sim do próprio testador. O tabelião não manterá sequer cópia do conteúdo do testamento. O papel do tabelião é apenas aprová-lo e manter registro da nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue ao testador. Falecido o testador, o testamento será apresentado ao juiz para abertura pela pessoa que estiver em posse do documento.  

A abertura do testamento cerrado que não pelo juiz anula o testamento. Tendo em vista que a intenção do testamento cerrado é guardar sigilo do seu conteúdo e que a cédula testamentária não ficará em poder do cartório, mas sim do próprio testador, pode haver receio de que este testamento não será levado a juízo, motivo pelo qual essa modalidade é a menos utilizada.

A terceira modalidade dentre os ordinários é o testamento particular. Este não é lavrado em cartório, mas sim escrito pelo próprio testador ou terceiro, conhecido como “testamenteiro”, além de subscrito por três testemunhas. Embora não seja obrigatório, recomenda-se que o testamenteiro seja advogado, por estar melhor qualificado a atender às formalidades legais.

Dentre as maiores vantagens do testamento particular estão a desnecessidade da intervenção de um cartório de notas e um elevado grau de sigilo do conteúdo, desde que bem preservado o testamento durante a vida do testamenteiro. Por outro lado, a maior desvantagem desta modalidade é o risco de extravio ou destruição da cédula testamentária, o que poderá ser remediado com a lavratura de outro testamento, caso o testador ainda se encontre vivo.

A capacidade para testar, segundo o art. 1.860 parágrafo único do Código Civil, é de 16 anos.

Por fim, o testamento não tem data de validade. Muito pelo contrário, a finalidade do testamento é justamente durar até o falecimento do testador. Havendo interesse em atualizar quaisquer disposições testamentárias, basta lavrar um novo testamento. A qualquer tempo se permite ao testador revogar parcial ou completamente o testamento em vigor. Além disso, não há que se falar em conflito entre testamentos, pois o posterior revogará completamente o testamento anterior. 


Autor

  • J Marcel

    Advogado especializado em direito público e privado com atuação desde 2007. Áreas de maior atuação incluem: Administrativo, Constitucional, Internacional e civil. Experiência em ações de homologação de sentença estrangeira perante o STJ; retificação de nome; divórcio em cartório ou judicial, testamentos particulares, inventários e contratos; pedidos administrativos perante órgãos públicos; mandados de segurança; ações tributárias.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCEL, J. Os testamentos ordinários: público, cerrado e particular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5967, 2 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64895. Acesso em: 19 abr. 2024.