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Responsabilidade civil e teoria da imprevisão

Responsabilidade civil e teoria da imprevisão

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INTRODUÇÃO

          Os contratos são instrumentos viabilizadores de negócios jurídicos, sendo responsáveis pela criação, extinção ou modificação de um direito.

          O estado que se encontram as partes, no momento de firmar a convergência de vontades, muitas vezes são responsáveis pelo abuso, que origina vantagem indevida para um lado da relação.

          Vivendo sob o mundo capitalista de hoje, verificamos cada vez mais o intuito das pessoas em tirar vantagem de situações indevidamente. A segurança e harmonia social estão por um fio e encontram sempre mais alguém para agravar o caos existente.

          O Direito como instrumento de pacificação da sociedade parecia prever o momento atual e a tempos atrás criou condições de nos acautelarmos de situações vexatórias e turbulentas, como a que presenciamos dia a dia no mundo jurídico, formulando cláusulas e teorias possibilitadoras de maior relaxamento social.

          A Teoria da Imprevisão, objeto de nosso estudo, é uma evolução jurídica relevante posto que, o mal crescente na sociedade o qual fazia as partes contratantes penar, encontrou obstáculo a altura com mais este dispositivo jurídico.

          É pena, precisar a sociedade da formulação desta Teoria, melhor seria que o bom senso dos contratantes possuísse implicitamente a possibilidade de resolução do contrato pela alteração do status quo ante. Mas, como os sonhos ainda não são alvo de malícias decorrentes de egoísmo e outros sentimentos menores, trabalhamos sobre este tema com o sentimento de que um dia poderemos evoluir e concretizar nosso sonho.


I

HISTÓRICO

          O direito antigo era altamente formal, solene e rígido. No Direito Romano, estas características evoluíram com o tempo, passando a ser aceito o compromisso verbal. Este, então, baseado na boa-fé, era o tão conhecido "pacta sunt servanda" (o contrato é lei entre as partes).

          A cláusula rebus sic stantibus, a qual foi elaborada pelos pós-glosadores, dizia que todos os contratos dependentes de prestações futuras possuíam uma cláusula tácita de resolução, se as condições se alterassem profundamente, porém não apareceu no direito antigo, começou ela a surgir na Idade Média, mas logo chegou ao esquecimento. Depois, voltou a aparecer no século XVIII nos Códigos Germânicos, sendo esquecida mais uma vez e renascendo no atual século XX.

          Sabe-se que a modificação da obrigação contratual já era tolerada pelo Código de Hamurabi na Lei 48, onde um evento futuro, exemplificando uma tempestade que destruísse uma plantação de trigo, isentava o devedor agricultor de dar a colheita e de pagar juro ao credor. A modificação da obrigação ocorria, não por vontade das partes contratantes, mas por algo que surgia depois, aleatoriamente, no entanto não tinha qualquer denominação especial.

          O Código de Napoleão surgido na França, por volta do século XVIII e inspirado nos ideais de liberdade ante aos privilégios da realeza, mostrava a importância dos contratos e os efeitos das obrigações contratuais. Tem-se, aqui, dois artigos deste Código: "Art. 1.134. As convenções legalmente constituídas têm o mesmo valor que a lei relativamente às partes que a fizeram. Só podem elas, ser revogadas pelo seu consentimento mútuo, ou pelas causas que a lei admite. Devem ser executadas de boa-fé". "Art. 1.135. As convenções obrigam não somente ao que está nelas expresso, mas ainda a todas as conseqüências que a eqüidade, o uso ou a lei derem à obrigação de acordo com a sua natureza".

          O Código Napoleão enxergava a boa-fé com grande importância para as convenções entre as partes e só o consentimento mútuo é que poderia, além da lei, revogar os contratos. No entanto, tudo que fosse conseqüência das convenções seria regido pelas mesmas, ou melhor, tudo que surgisse após o contrato celebrado seria regido pelo acordo mútuo entre as partes, porém teria que ser baseado na eqüidade, no uso e na lei.

          No final do século XIX, a cláusula rebus sic stantibus, com esta denominação, ressurgiu de modo destacado. Antes, primitivamente, era denominada de rebus sic se habentibus, uma pequena parte da fórmula "Contractus qui habent tractum succestum et debentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur". Esta fórmula frisava que a obrigação assumida numa cláusula contratual se condicionava à continuidade do estado de fato, baseado na época da assinatura do contrato.

          Nesta época, se comemorava o centenário do Código Napoleão, ao passo que se verificava tal mudança nos efeitos dos contratos. Desta forma, legislações, como a alemã, incorporaram tal inovação e no seu Código Civil de 1896 tinham a imprevisão, a qual surgiu com esta denominação nos meados do século XX, de forma expressa, justificando as alterações das obrigações pactuadas. O § 308 do Código Germânico dizia: "A impossibilidade da prestação não é contrária à validade do contrato quando a impossibilidade puder ser removida". E completava: "Se uma prestação impossível for prometida sob uma outra condição suspensiva ou com estipulação de um prazo inicial, será o contrato válido quando a impossibilidade for removida antes do início da condição ou do termo".

          Também, no final do século XIX, por conta das grandes inflações e modificações monetárias que surgiram após as guerras da Secessão e Franco-Alemães, houve um realce da cláusula rebus sic stantibus, por conta da grande onerosidade para as partes contratantes. Na maioria das vezes, uma das partes saía perdendo dinheiro ou levava alguma desvantagem em relação à outra. Então, por conta de algum motivo imprevisto, com o intuito de garantir que as prestações se equivalessem, esta cláusula protegia a parte que teve sua prestação excessivamente onerosa.

          A situação da instabilidade da moeda também influenciou a França como conseqüência das guerras de 1914 a 1918. Com isso, nasceu a Lei Faillot de 21 de janeiro de 1918, onde a rigidez contratual foi modificada, pois tal Lei permitia a alteração ou renovação de contratos atingidos por situações imprevistas da guerra, consagrando o princípio da revisão. Ao Judiciário, então, era facultado modificar cláusulas contratuais, por conta de situações imprevistas, para tentar garantir o cumprimento da obrigação. Então, os contratos que concediam serviços públicos poderiam ser revistos, uma vez que circunstâncias novas e imprevistas influenciassem no cumprimento das obrigações e acarretassem a onerosidade e ruína econômica do devedor.

          Já na Itália, a imprevisão foi denominada de teoria da superveniência e as guerras eram consideradas casos de força maior, quando tornavam impossível a prestação e, principalmente, quando a tornavam excessivamente onerosa. O Código Civil italiano de 1943, ainda em vigor, passou a consagrar a teoria da imprevisão. Apenas a desconsidera nos contratos aleatórios, nos quais a prestação depende de fato futuro que poderá vir ou não a suceder.

          Na Inglaterra, surgiu uma doutrina considerada como extensão da cláusula rebus sic stantibus, denominada de frustration of adventure, a qual continha a idéia de que se surgisse um novo evento ou uma nova situação, o contrato não vigoraria, porque perderia seu sentido original. Assim também foi acolhido pelo Direito Austríaco, sendo que ele só se referia aos contratos preliminares.

          Outro país que também adotou a cláusula rebus sic stantibus foi a Polônia, apenas, até ser promulgado o Código das Obrigações de 1934, pois com este surgiu a moderna teoria da imprevisão. Se ocorresse perda para um dos contratantes por conta de algo excepcional ao contrato, este poderia ser anulado ou alterado, de acordo com este Código.

          A teoria da imprevisão também surgiu em outros países como Portugal, só que bem mais tarde, em 1966, com o Código Civil. Diz seu art. 437: "se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de eqüidade".

          No Brasil, tal teoria ainda não é abordada pelo Código Civil, este apenas contém alguns dispositivos em comum com a cláusula rebus sic stantibus, mas nenhum deles se adequou à teoria da imprevisão. Esta vigorou e se consolidou na legislação brasileira a partir do Código de Defesa do Consumidor, em 1990.


II

NOÇÕES BÁSICAS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL

          2.1. Conteúdo, Noção e Definição:

          O ato ilícito constitui violação à lei ou contrato, é ato material (ato ou omissão), portanto, delito civil ou criminal. Nosso Código Civil define ato ilícito como ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência que viola direito ou causa prejuízo a outrem. Deste ato antijurídico, decorre a responsabilidade ao agente que o praticou, ou seja, a responsabilidade é uma conseqüência da prática do ato ilícito. Esta pode ser legal, quando é imposta por lei, caso o ato jurídico seja decorrente de violação da lei, ou contratual (aquiliana), se decorre de convenção entre as partes.

          Responsabilidade é a obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, de ressarcir ou reparar danos, de suportar sanções penais, exprimindo sempre a obrigação de responder por alguma coisa. Portanto, a responsabilidade é o dever contraído pelo causador da ameaça de dano (dano consubstanciado), de assumir perante a esfera pública, seja judicial ou extrajudicialmente, o prejuízo decorrente de seus atos. Responsabilidade civil é a obrigação que o agente tem de ressarcir e reparar os danos ou prejuízos causados injustamente a outrem. Essa obrigação quase sempre acarreta um ônus ao agente do dano, mediante indenização, podendo recair sobre o sujeito passivo da relação originária ou sobre algum terceiro. Quando a responsabilidade decorre de ato próprio, há a chamada responsabilidade direta, e a indireta é aquela que decorre de ato ou fato alheio à sua vontade, mas de algum modo sob sua proteção e vigilância. Podemos então dizer que responsabilidade civil é a obrigação de compor o prejuízo ou dano, originado por ato do próprio agente (direta) ou ato ou fato sob o qual tutelava (indireta), e ainda que sua obrigação deve ser assumida diante do Poder Judiciário.

          2.2. Mecanismos da Responsabilidade

          Toda responsabilidade representa-se na feição de interrogatório. O órgão emissor ou zelador na norma indaga, e, o violador responde. Se responder de forma satisfatória será desobrigado, caso contrário, ou seja, se responder de maneira irrelevante será condenado. Tendo que se levar em conta sempre, e como em todos os casos que cheguem ao âmbito judicial, os princípios protetores da paz pública, a possibilidade de igual tratamento entre as partes, a busca da verdade, enfim, todos os instrumentos necessários para a busca da justiça em seu maior grau de harmonia.

          2.3 Responsabilidade Jurídica e Moral

          A responsabilidade nasce da violação das normas jurídicas ou morais, de atos ou fatos pelos quais o agente adquire a obrigação de trazer o "status quo ante" de volta. Portanto, o ato praticado pode ser proibido pela lei moral, religiosa, de costumes ou pelo direito.

          Os dois tipos de responsabilidades são interdependentes, mas o domínio da moral é muito mais amplo do que o do direito, por razões óbvias, posto que, ao direito são relevantes as normas morais de maior significado para a manutenção da harmonia social.

          Não se cogita da responsabilidade jurídica enquanto não há um prejuízo. A responsabilidade moral – explicam Henri e Léon Mazeuaud - se confina no problema do pecado, da má ação; o homem se sente moralmente responsável perante Deus, perante sua consciência. Ele próprio se pune, quando se julga culpado pelos atos desastrosos cometidos. Puramente objetiva, portanto, é a sua noção.

          A regra de direito careceria de fundamento, caso não se ativesse à ordem moral. O domínio desta é, sem dúvida, mais extenso do que o do direito. Mas, o direito também não deixa de ser expressão dos princípios definidos pela moral. A responsabilidade jurídica ao contrário da moral tem função essencialmente de fazer prevalecer a ordem e assegurar a liberdade individual e harmonia de relações entre os homens. O direito é um instrumento de pacificação criado pelos homens, para que estes possam viver sem que a barbárie seja instituída.

          A responsabilidade jurídica exige sempre a imediata recomposição do equilíbrio atingido. O equilíbrio da situação social harmônica é fator essencial para que o direito atue de forma imperiosa e cogente. Envolve a responsabilidade jurídica, desse modo, a pessoa que infringe a norma, a pessoa atingida pela infração, o nexo causal entre o infrator e infração, o prejuízo ocasionado, a sanção aplicável e a reparação, consistente na volta ao "status quo ante" da produção do dano. São, assim, pressupostos de existência da responsabilidade jurídica.

          2.4. Responsabilidade Civil e Penal

          Como já foi mencionado, a responsabilidade civil consiste na obrigação de indenizar o prejuízo feito por violação de norma legal (aquiliana) ou contratual, que o agente causou a outrem, podendo recair sobre algum terceiro, como na situação de pagamento de aluguéis pelo fiador (terceiro), caso o locatário não os possa pagar ou não os pague. Limita-se o Direito Civil a garantir o equilíbrio patrimonial e interessa ao Direito Penal a vontade íntima do agente e o porquê de seu ato.

          Responsabilidade Penal ou Criminal é aquela resultante de um fato criminoso, seja praticado na forma comissiva ou omissiva. Traz uma sanção ou um castigo, como conseqüência para o agente do fato criminoso ou da omissão criminosa. Essa responsabilidade surge no caso dos delitos previstos pela lei penal, que são suscetíveis ou não de serem apreciados no âmbito civil. As normas penais têm um caráter subjetivista, pois visam assegurar a defesa da sociedade pela aplicação da pena entendida extracontratual, seja como fator intimidativo ou repressivo, seja como meio de readaptar o infrator à vida social. Assim, temos ilícitos penais que não são civis e vice-versa. Em muitos casos, porém, o ilícito penal é também civil, todavia, conforme estabelece o art. 1.525 do C.C., a responsabilidade civil independe da penal. No entanto, não se pode mais discutir no juízo cível a existência do fato ou autoria do mesmo, quando já decididas no juízo criminal ( art. 65 do C.P.P.), ou seja, o indivíduo quando condenado no âmbito penal, automaticamente estará condenado na esfera cível, se demandado em ambos os juízos.

          2.5 Responsabilidade e Dano

          Não há responsabilidade sem prejuízo. O prejuízo causado pelo lesante é o dano. Enfatiza Cretella Jr. que:

          "Em nenhum caso, a responsabilidade das pessoas físicas ou jurídicas pode prescindir do evento danoso".

          Pode-se disto tirar a condição sine qua non da existência do prejuízo para o surgimento da responsabilidade e conseqüente possibilidade de ressarcimento a favor do agente passivo.

          O agente passivo mencionado corresponde a pessoa que sofreu o prejuízo e não a pessoa que responde judicialmente.

          Os pressupostos da responsabilidade, segundo Cretella Jr. são:

          "Aquele que infringe a norma; a vítima da quebra; nexo causal entre o agente e a irregularidade; o prejuízo ocasionado - o dano - a fim de que se proceda à reparação, ou seja, tanto quanto possível, ao reingresso do prejudicado no status econômico anterior ao da produção do desequilíbrio patrimonial."

          O dano deve ser reparado completamente pelo agente que o causou a fim de que o prejudicado possa retornar ao estatus quo ante, ou seja, antes do evento danoso. Não desnecessário voltar a afirmar, que não há motivo para se falar de responsabilidade sem que haja prejuízo, e não há motivo ou razão para recorrer ao Estado-Juiz, se o dano e conseqüente prejuízo for ressarcido antes do ingresso em juízo. É responsável no âmbito civil, o agente que atinge a esfera patrimonial, quando resulta dano no patrimônio do prejudicado, ou moral, quando resulta dano à moral, à honra, à reputação. Não esquecendo ainda, que o dano moral pode ensejar dano patrimonial, dependendo do caso, este ressarcimento irá abranger tanto o dano moral quanto o patrimonial.

          2.6 Responsabilidade Objetiva

          A Responsabilidade Objetiva e a Culpa Presumida:

          A princípio, a responsabilidade civil fundou-se na doutrina da culpa, adotada pelo nosso Código Civil de 1916. A multiplicação das oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação.

          A doutrina objetiva nasceu devido às técnicas de juristas que sentiram a necessidade desse novo elemento para desempenhar mais ampla cobertura para a reparação do dano.

          A corrente da responsabilidade objetiva é aquela que defende a responsabilidade civil como fundamento não apenas da culpa, mas também do risco, ou seja, quem desenvolve determinada atividade deve arcar com os riscos da atividade que podem, inclusive, criar riscos para terceiros. Temos, então, que a responsabilidade objetiva visa a estimulação do cuidado que as pessoas devem possuir com estados e condições adquiridas. Essa corrente tem caráter predominantemente social.

          Como disse Stoco, "(...) A teoria da "culpa presumida" é um dos meios técnicos que se identifica com essa doutrina. Trata-se de uma espécie de solução transacional ou escala intermediária, em que se considera não perder a culpa a condição de suporte da responsabilidade civil, embora aí já se deparem indícios de sua degradação (...) e aflorem fatores de consideração da vítima como centro da estrutura ressarcitória, para atentar diretamente para as condições do lesado e a necessidade de ser indenizado."

          E, ainda, "(...) A responsabilidade objetiva difere da culpa presumida. Na tese da presunção de culpa subsiste o conceito genérico de culpa como fundamento da responsabilidade civil. Onde se distancia da concepção subjetiva tradicional é no que concerne ao ‘ônus da prova’."

          Dentro da teoria clássica da culpa, a vítima tem de demonstrar a existência dos elementos fundamentais de sua pretensão, sobressaindo ao comportamento culposo do demandado. Na culpa presumida ocorre uma inversão do onus probandi. Em certas circunstâncias, presume-se o comportamento culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência de culpa, para se eximir do dever de indenizar. Foi um modo de afirmar a responsabilidade civil, sem necessidade de provar o lesado a conduta culposa do agente, mas sem repelir o pressuposto subjetivo da doutrina tradicional.

          Diz Stoco, ainda, que: "(...) Em determinadas circunstâncias é a lei que enuncia a presunção. Em outras, é a elaboração jurisprudencial que, partindo de uma idéia tipicamente assentada na culpa, inverte a situação impondo o dever ressarcitório, a não ser que o acusado demonstre que o dano foi causado pelo comportamento da própria vítima."

          Pode-se afirmar ainda, que a impossibilidade de ciência sobre o infrator, não prejudica a ação a ser proposta, posto que responderá aquele que assumiu o risco da atividade.

          2.7. A Responsabilidade Subjetiva e a Teoria do Risco

          A corrente tradicional é a subjetiva, e exige que o prejudicado prove além do dano, a infração ao dever legal, o vínculo de causalidade, a existência da culpa do sujeito passivo da relação jurídica, ou seja, aquele que prejudica é o único responsável pelo dano, não havendo possibilidade de se saber o culpado pelo prejuízo, não há também, porque se falar em responsabilidade subjetiva.

          A responsabilidade subjetiva, dentro da doutrina de culpa, depende da comprovação pelo lesado, da vulneração de norma preexistente e nexo causal entre o dano e a antijuridicidade da conduta do agente. Verificamos, que nem sempre o lesado consegue provar esses elementos e em conseqüência, a vítima remanesce não indenizada, posto se admita que foi efetivamente lesada. A responsabilidade civil fundada na culpa tradicional não satisfaz e não dá resposta segura à solução de numerosos casos. A exigência da vítima de provar o erro de conduta do agente deixa o lesado sem reparação em grande número de casos. Com esta conotação, a responsabilidade, segundo a corrente objetivista, deve surgir exclusivamente do fato. É esta, atualmente, a conotação adotada.

          Como bem preceitua Stoco:

          "(...) A doutrina objetiva encontra maior supedâneo na ‘doutrina do risco’. De um lado, uns mantêm fidelidade à teoria da responsabilidade subjetiva, repelindo a doutrina do risco, de outro lado, há os que abraçam a doutrina do risco, considerando-a substitutivo da teoria da culpa, que seria insatisfatória e estaria superada. Outros admitem a convivência de duas teorias : a culpa exprimiria a noção básica e o princípio geral definidor da responsabilidade aplicando-se a doutrina do risco nos casos especialmente previstos, ou quando a lesão provém de situação criada por quem explora profissão ou atividade que expôs o lesado ao risco do dano que sofreu."

          A doutrina objetiva assenta-se na equação binária cujos pólos são o dano e a autoria do evento danoso, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante de elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade entre uma e outro ).

          O importante é verificar, para o ressarcimento, se ocorreu o evento emanando dele o prejuízo, em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável.

          No plano prático, e tendo em consideração a pessoa do lesado, a teoria do risco é defendida com o argumento de que permite sempre reparar o dano sofrido, mesmo naqueles casos em que, por um motivo qualquer, o lesado não logra estabelecer a relação causal entre o seu prejuízo e a culpa do causador deste.

          2.8. Caso Fortuito ou Força Maior

          Se o fato foi provocado por força maior ou caso fortuito cessará a responsabilidade do agente, pois com a ocorrência de um desses fatos não há o que se falar em culpa e, conseqüentemente, não haverá responsabilidade. O nosso Código Civil, em seu art. 1058 diz que : "o caso fortuito, ou de força maior ,verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar", ou seja, tem que haver inserido, no caso ora em questão, a inevitabilidade do evento (elemento interno) e a ausência de culpa do suposto lesante (elemento externo).

          Arnold Medeiros Fonseca ressalta que é inútil a distinção entre caso fortuito e força maior, posto que essas expressões são sinônimas, conforme exemplificamos nos anexos.


III

TEORIA DA IMPREVISÃO

          3.1 Superveniência de Acontecimentos Quanto à Intervenção da Justiça

          A Teoria da Imprevisão, hoje, é consagrada implícita nos contratos dos quais advenham circunstâncias propriamente imprevistas que possam alterar ou rescindir a relação contratual, porque se tais circunstâncias pudessem ser previstas, seriam pactuadas de forma diferente. É por isso que os contratos são baseados na eqüidade, para aqueles que propagam esta teoria, e são realizados na previsão de qualquer ato vantajoso, não sendo possível uma contratação para prejudicar qualquer das partes, ou seja, não se contrata para perder ou levar desvantagem.

          A imprevisibilidade e a extraordinariedade precisam caminhar juntas para caracterizar a teoria da imprevisão, no ver de alguns doutrinadores. A não execução dos termos do contrato deve decorrer não da impossibilidade, mas de uma extrema dificuldade de realizar a atividade contratual, pois se falássemos em impossibilidade econômica estaríamos nos reportando ao caso de força maior. O cumprimento da obrigação precisa ser excessivamente oneroso, ou seja, deve haver um sacrifício econômico. Esta dificuldade excessiva faz com que seja conturbado o adimplemento da obrigação e não impossível. O vínculo contratual pode ser resolvido a requerimento da parte prejudicada e o juiz, desta forma, altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito.

          Quanto à intervenção da justiça, o juiz pode intervir para reajustar as prestações contratuais, quando em situações que queiram rescindir o contrato (no caso de contratos comutativos, de execução continuada ou periódica), examinando se há onerosidade excessiva e se esta tem nexo causal com o fato imprevisível que a gerou. A sentença deve produzir efeitos retroativos entre as partes.

          O Judiciário tem o dever de evitar a iniqüidade e de humanizar a lei, portanto tem a máxima legitimidade para tal mister. No entanto, deve-se frisar o seguinte pensamento: "(...) rever o contrato não é substituir arbitrariamente à vontade das partes pela vontade judicial. O magistrado só pode reajustar a declaração de vontade em virtude de fato superveniente". Portanto, somente a superveniência de fatos imprevisíveis e imensamente onerosos permite a revisão contratual.

          O Supremo Tribunal Federal tem pronunciado que por conta do Brasil vir passando por vários acontecimentos inflacionários, com uma economia não estabilizada, não surpreende as partes contratantes, sendo previsível tanto para o vendedor quanto para o comprador tal fenômeno inflacionário, assolador da economia de países economicamente em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. É por isso que muitos julgados brasileiros discordam, neste ponto, da teoria da imprevisão, pois aquele que contrata deve ter em mente a situação econômica do seu país, para não ter que se beneficiar da boa-fé da parte contrária.

          3.2 Elementos da Imprevisão ou do Regime Contratual

          O Princípio da Força Obrigatória ou Pacta sunt servanda, como já vimos, mostra que o contrato é lei entre as partes. Ou seja, tudo que está nele escrito não pode ser modificado; devendo, os pressupostos e requisitos de validade e os preceitos legais imperativos, serem observados. No entanto, a eqüidade, a boa-fé, a proibição do abuso de direito e tantas outras noções gerais podem levar o legislador a alargar exceção a este tão importante princípio da Força Obrigatória, fazendo com que situações imprevistas surgidas, permitam a revisão do contrato, principalmente, se a parte contratante se achar em situação de prejuízo decorrente do contrato.

          Indubitavelmente, para que se possa corrigir o contrato, em caso de fatos imprevistos surgidos, deve ocorrer requisitos ou elementos que caracterizem a Teoria da Imprevisão, a saber:

          a) "Vigência de um contrato de execução diferida ou sucessiva", ou seja, o contrato tem que ser de execução continuada, se prolongar no tempo;

          b) "Alteração radical das condições econômicas objetivas no momento da execução, em confronto com o ambiente objetivo no da celebração", ou seja, alterações que ao momento da celebração contratual não sejam de modo algum previsíveis e que ocorram após o contrato celebrado;

          c) "Onerosidade excessiva para um dos contratantes e benefício exagerado para o outro", ou seja, um contratante não pode se beneficiar em detrimento de prejuízo do outro, tem que haver uma equivalência (eqüidade) entre as partes, a qual é um requisito básico de qualquer contrato;

          d) "Imprevisibilidade daquela modificação", pois qualquer fato que ocorra depois, não pode ser conhecido previamente.

          3.3. Princípio da Força Obrigatória

          De suma importância para a segurança dos contratantes, é o Princípio da Força Obrigatória, que aduz da imperativa necessidade, que se mune o contrato, pelo cumprimento do acordo firmado entre as partes. Esta necessidade imperiosa provém da importância jurídica da liberdade de convergência de vontades, onde há de se presumir a livre e consciente escolha de ambas as partes para a feitura do negócio.

          Desse modo, outro princípio surge e consubstancia-se do Princípio da Força obrigatória: o chamado Princípio da Intangibilidade do conteúdo dos contratos, o qual traz em seu direcionamento, a decorrente impossibilidade de apreciação pelos pretórios ou desmotivação, para o adimplemento, por ato unilateral, podendo ser alterado de qualquer forma, apenas se sobrevier novo acordo de vontades.

          Devido a natureza de sua constituição, o Princípio da Intangibilidade tomou força, visto que sua alteração unilateral ou por intervenção estatal feririam o Princípio da Autonomia da Vontade. A palavra dada era requisito impossibilitador da revisão contratual. Mesmo que o ato de adimplir o acordo gerasse dificuldades de sobrevivência para a parte, teria ela plena liberdade para desaprovar as obrigações adquiridas à época do acordo, sendo desnecessário, se a obrigação fosse onerosa demasiadamente, ou se o direito constituído não lhe retribuísse de forma justa.

          Absoluto era esse princípio, a começar pelos romanos, que diziam que o contrato faz das partes servas ("pacta sunt servanda") passando por seu apogeu, que se deu com o liberalismo econômico e o extremo individualismo dominante na doutrina jurídica que vigorava. Porém, com o passar dos tempos surgiram novos acontecimentos, como guerras, aos quais este princípio não se adequava por revelar-se injusto. O Direito, como algo dinâmico que é, passou a atenuar-lhe a força, preservando sua substância, mas dando-lhe certa relatividade. Passou-se a aceitar a intervenção judicial no conteúdo de certos contratos, desde que fosse em caráter excepcional, nos contratos de execução duradoura ou diferida, que atribuísse condição insustentável a uma das partes, impondo-lhe uma onerosidade excessiva.

          A Lei Failliot, a primeira norma jurídica a permitir exceções à intangibilidade dos contratos, constitui marco decisivo na evolução do pensamento jurídico.

          Como justificativa às exceções à intangibilidade do contrato, a doutrina procurou ressurgir a cláusula "rebus sic stantibus", oriunda do Direito Canônico e que era considerada implícita nos contratos de duração e de execução diferida, estabelecendo que estes deveriam conservar o estado de fato existente no momento de sua formação. No entanto, constatou-se que não era apenas necessária a mudança do estado de fato existente na formação do vínculo, mas também que este fosse imprevisível para que pudesse haver intervenção judicial, modificando o conteúdo do contrato, ou resolvendo-o.

          3.4. Teoria da Imprevisão na Jurisprudência Brasileira

          Sabemos que para aplicarmos a teoria da imprevisão há a necessidade de alguns pré-requisitos, são eles: anormalidade do evento, imprevisibilidade do mesmo, geração de uma onerosidade excessiva e impossibilidade do cumprimento do contrato.

          No Brasil, um evento absolutamente anormal, que não poderia ser previsto foi o chamado Plano Collor, em março de 1990, este plano gerou uma onerosidade excessiva, tornando assim, impossível o cumprimento de alguns contratos.

          Foram bloqueados os ativos financeiros acima de NCz$ 50 mil, e os valores que ficaram disponíveis com os contratantes impossibilitavam o adimplemento de cláusulas de pagamento com vencimentos próximos àquele mês.

          Todos que recorreram à justiça obtiveram decerto a resolução contratual.

          No Tribunal de Justiça de São Paulo, foi julgado em nível de recurso ordinário o pedido de cliente de empresa de construção, pois o mesmo se encontrava em grande dificuldade para liquidar obrigação em face do "evento extraordinário e imprevisível" que marcou o início do governo Fernando Collor.

          Relatado pelo Des. Ruy Camilo (15ª Cam. Cív., Ap. 177.744-2) e proferido por acórdão unânime, o contrato foi anulado e o status quo ante foi restabelecido, como se aquele não houvesse sido firmado.

          Tendo analisado o plano e suas implicações, que conduziram à morosidade excessiva, o aresto ressalta que a parte autora optou pela resolução contratual "em vista de tais eventos absolutamente imprevisíveis e implicaram em profunda alteração da economia do país e que ainda não foi totalmente superada". E conclui:

          "A ação assim procede, ficando decretada a resolução do contrato com o retorno das partes à situação anterior, como se contrato jamais tivesse sido celebrado. Em conseqüência, deverá a ré restituir os valores recebidos devidamente atualizados desde a data do desembolso, e com a aplicação de indexadores pertinentes, sem dedução de quaisquer despesas próprias do empreendimento e que por isso deverão ser suportadas pela incorporadora, que evidentemente assumiu os riscos de tal iniciativa." (ADV, n. 60.190.)

          A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro julgou uma ação de procedimento ordinário. Esta ação visava à alteração de cláusula de periodicidade de reajustes de aluguel, em face dos altos índices inflacionários. Neste caso o Tribunal entendeu que sendo a inflação, no Brasil crônica e previsível, inaplicável é a teoria da imprevisão para justificar a modificação de obrigação pactuada.

          O acórdão, relatado pelo Des. Mauro Fonseca (Ap. 6.251, j. 14-11-1991), destaca que, "inexistindo acontecimento determinante de radical alteração do Estado contemporâneo à celebração do contrato, acarretando onerosidade excessiva para uma das partes, não há que falar na teoria da imprevisão".

          O Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, por ocasião do julgamento da Apelação n.443.657, em ação de devedor da empresa paulista Pergo Ind. e Com. De Moldados Ltda., que pedia resolução contratual pela ocorrência de fatores imprevisíveis, proferiu acórdão unânime, pela sua 2ª Câmara Cível, relatado pelo Juiz Alberto Tedesco, em que assim resume os pressupostos da teoria da imprevisão:

          "Na justificação moderna da relatividade do poder vinculante do contrato, a idéia da imprevisão predomina. Exige-se que a alteração das circunstâncias seja de tal ordem que a excessiva onerosidade da prestação não possa ser prevista. Por outras palavras, a imprevisão há de ocorrer do fato de ser a alteração determinada por circunstâncias extraordinárias."

          "As modificações por assim dizer normais do estado de fato existente ao tempo da formação do contrato devem ser previstas, pois constituem, na justa observação de Ripert, uma das razões que movem o indivíduo a contratar, garantindo-se contra as variações que trariam insegurança a suas relações jurídicas"

          "Quando, por conseguinte, ocorre a relação da responsabilidade maior, econômica, ainda a ponto de trazer para o contratante muita onerosidade, mas que podia ser razoavelmente prevista, não há que pretender a resolução do contrato ou alteração do seu conteúdo. Nesses casos, o princípio da força obrigatória dos contratos conserva-se intacto. Para ser afastado, previsto é que o acontecimento seja ordinário e imprevisível. Mas não basta."

          "Necessário ainda que alteração imprevisível do estado de fato determine a dificuldade de o contratante cumprir a obrigação, por se ter tornado excessivamente onerosa a prestação. A modificação quantitativa da prestação há de ser tão vultosa, que, para satisfazê-la, o devedor se sacrificaria economicamente. Chega-se a falar em impossibilidade. Pretende-se, até, criar a categoria da impossibilidade econômica, ao lado da física ou jurídica, para justificar a resolução do contrato; mas se a equiparação procedesse, estar-se-ia nos domínios da força maior, não cabendo, em conseqüência, outra construção teórica."

          "A onerosidade excessiva não implica, com efeito, a impossibilidade superveniente de cumprir a obrigação, mas apenas dificulta, embora extremamente, o adimplemento. Porque se trata de dificuldade e não de impossibilidade. Decorre importante conseqüência, qual seja a de necessidade de verificação prévia, que se dispensa nos casos de força maior."

          "Portanto, quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando alterações imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no suprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito. Em síntese apertado: ocorrendo anormalidade da álea que todo contrato depende do encerra, pode-se operar sua resolução ou a redução das prestações." (ADV, n.. 59.631.)

          3.5. Teoria da Imprevisão no Exterior e Direito Comparado

          É cada vez maior o interesse nos meios jurídicos pela teoria da imprevisão, com isso ela se torna tema de debate:

          a) na Semana Internacional de Direito, que, em 1937, reuniu em Paris juristas de todo o mundo;

          b) no Congresso Internacional de Direito Privado, em 1950, em Roma;

          c) no XIV Congresso da União Internacional dos Advogados, realizado no Rio de Janeiro, em 1951.

          Os encontros acima mencionados estabeleceram novos conceitos, e, embora elaborado em 1916, o Código Civil Brasileiro pouco cuidou do problema da imprevisão. A demora em sofrer os reflexos desses novos conceitos é sentida ao verificarmos que o Código Civil Brasileiro, até hoje, não trata de uma forma direta da teoria da imprevisão.

          O caso fortuito ou a força maior (art. 1050), apenas guardam correlação com aquela teoria, embora com ela não se confunda, pois o que esses dois institutos regulam são fatos cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, isentando, assim, o devedor de responder pelos prejuízos deles resultantes.

          A inevitabilidade, portanto caracteriza o caso fortuito ou a força maior, pois a imprevisibilidade, só por si, não isenta o devedor dos prejuízos decorrentes de onerosidade superveniente.

          Tendo em vista que a teoria da imprevisão não é tratada diretamente pelo nosso Código Civil, não se pode afirmar que ele admitiu a teoria da imprevisão. Caio Mário e outros insignes civilistas entendem que, ao contrário, o Código Civil não comporta a teoria da imprevisão "não só pela ausência de disposição genérica ao respeito, como também pelo jogo dos princípios afirmativos, que repelem a idéia-força do instituto". (Instituições, cit., v. 3, p. 113.)

          Em 1931, o Governo Provisório baixou o decreto n. 19.573, pelo qual, considerando de força maior as demissões e redução de vencimentos de funcionários públicos, logo após a revolução de 1930, em dificuldade para cumprir as obrigações assumidas em contratos de locação de imóveis, dispunha que o pacto poderia ser rescindido.

          A cláusula rebus sic stantibus passou a ser consagrada em nosso ordenamento jurídico regulamentando a renovação dos contratos de locação comercial, com o decreto n 24.150, de 20 de abril de 1934, que permitia ao juiz, não havendo acordo, a fixação do novo aluguel de conformidade com as condições econômicas e financeiras do momento.

          A Lei de Luvas, que já foi extinta, estabelecia que, se, em virtude de mudança das condições econômicas o valor locativo sofresse variação substancial, o locador poderia rever judicialmente o preço estipulado.

          A teoria da imprevisão, de um modo indireto sempre foi acolhida pela doutrina e pela jurisprudência e passou, assim, pouco a pouco, a dominar o direito brasileiro. Um exemplo claro é que posteriores leis inquilinárias também permitiram o reajustamento de aluguéis condicionados a desvalorização da moeda.

          Apesar de aprovado pela Câmara dos Deputados em 1983 - o projeto do Código Civil, que em vários títulos refletiu a evolução do nosso direito, mas que não chegou a vigorar, incluía dispositivos (arts. 478 a 480) sobre a resolução do contrato por "onerosidade excessiva". O Anteprojeto do Código das Obrigações, de 1941, também admitia, nessa hipótese (art. 322), a modificação do cumprimento da obrigação contratual.

          Embora, tendo sido invocado muitas vezes no âmbito dos tratados internacionais, rebus sic stantibus, sua aplicação é rara. Em 23 de maio de 1969, a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados prescreveu:

          "Art. 61 – 1. Uma parte pode invocar a imposibilidade de cumprir um tratado como causa de extinção ou de retirada, se essa impossibilidade resultar da destruição ou do desaparecimento definitivo de um objeto indispensável à execução do tratado. Se a impossibilidade for temporária, pode ser invocada somente com motivo para suspender a execução do tratado.

          "Art. 62 – 1. Uma mudança fundamental de circunstâncias, ocorrida em relação àquelas existentes no momento da conclusão do tratado e não prevista pelas partes, não pode ser invocada como causa para a extinção ou a retirada do tratado, a menos que:

          "a) a existência dessas circunstâncias tenha constituído uma condição essencial do consentimento das partes em se obrigarem pelo tratado; e

          "b) essa mudança tenha por efeito a transformação radical da natureza das obrigações ainda pendentes de cumprimento em virtude do tratado.

          "2. Uma mudança fundamental de circunstâncias não pode ser invocada como causa para extinção ou retirada do tratado:

          "a) se o tratado for de limites; ou

          "b) se a mudança fundamental resultar de violação pela parte que a invoca, seja de um tratado seja de qualquer outra obrigação internacional em relação às outras partes no tratado.

          "3. Se, nos termos dos parágrafos anteriores, uma parte pode invocar uma mudança fundamental de circunstâncias como causa para extinção ou retirada do contrato, pode também invocá-la para suspender a execução do tratado."

          O Direito Internacional possui uma variante da cláusula rebus sic stantibus, onde toda e qualquer relação contratual que gera obrigações, podem ser alteradas e até extintas quando da argüição da chamada hard ships clauses. Esta cláusula possui em seu conteúdo dispositivo que aduz da possibilidade de resolução do contrato, por este proporcionar a uma das partes situação gravosa e insustentável.

          A doutrina internacional diverge quanto a necessidade de inclusão desta cláusula no instrumento contratual. Parte possui entendimento de que esta cláusula deveria estar contida no contrato de forma expressa e alguns acham, ainda, que apenas nas hipóteses descritas no instrumento contratual poderia esta ser argüida. Outra parte da doutrina acha desnecessária a colocação desta cláusula, pois se deve sempre contar com sua presença implicitamente em quaisquer acordos ou simples convergências de vontades.

          Quando a Corte Permanente de Justiça Internacional examinava o litígio franco-suíço relativo às zonas francas de Alta-Savóia e Gex, entre 1929 e 1932, a França invocou o princípio rebus sic stantibus , alegando que as regras fixadas após as guerras napoleônicas deveriam ser consideradas peremptas. As linhas alfandegárias francesas haviam sido abolidas a alguma distância da fronteira franco-suíça, o que implicava mudanças de circunstâncias. (Cf. J. Francisco Resek, Direito dos Tratados, Rio de Janeiro, Forense, 1984, p.522.)


CONCLUSÃO

          É indiscutível a importância do instrumento da Responsabilidade Civil, que possui o Direito, para a vida do homem. Este homem que se serve desta possibilidade, de muito tempo atrás, até hoje, e com certeza não haverá de perdê-la, até que se encontre uma outra forma de reparação, que não duvidamos seja uma evolução desta.

          Não diferente, a Teoria da Imprevisão, objeto desta singela e humilde explanação, traz consigo o poder de retirar dos contratos os acordos desfavoráveis vindo, assim, manter a justiça e a igualdade em sua forma mais limpa e pura.

          O Direito como forma de pacificação, fixação de uma estabilidade social e de uma harmonia entre os indivíduos que integram sua sociedade faz surgir, em seu bojo, instrumentos que objetivam uma certa estabilidade social.

          Essa estabilidade é buscada por toda a sociedade para que possa haver uma harmonia, que não deve jamais ser quebrada, seja pela prática de atos ilícitos, seja por culpa ou até mesmo, por eventos considerados imprevistos pelos indivíduos.

          Concluímos, que a Teoria da Imprevisão não equivale à Força Maior ou ao Caso Fortuito, os quais são expressamente regulamentados pela nossa legislação civil, pois esta provém da dificuldade excessiva de se cumprir a obrigação devido a, como o próprio nome indica, fatos imprevistos surgidos após o perfazimento do contrato e não é uma impossibilidade do cumprimento obrigacional, como ocorre com aqueles citados.

          Verificamos, ainda, em síntese apertada não haver responsabilidade civil na teoria da imprevisão, o que há é a possibilidade de revisão contratual através do Judiciário, visando restabelecer a harmonia quebrada pela superveniência de fatos não previstos.

          Haveria, sim, responsabilidade civil se um dos contratantes tivesse conhecimento da situação que tornaria o contrato excessivamente oneroso. Mas, neste caso, não há que se falar em teoria da imprevisão.


ANEXOS

"Como casos fortuitos e ou de força maior não podem ser consideradas quaisquer anormalidades mecânicas, tais como a quebra ou a ruptura de peças verificadas em veículos motorizados", (RF – 161/ 249).

"Responsabilidade civil- Acidente de trânsito – Evento conseqüente de estouro de pneu, que estava em bom estado de conservação – Hipótese de caso fortuito-indenizatória improcedente", ( JTACSP 15/118).

"Defeitos mecânicos em veículos, como o estouro de pneus, não caracterizam caso fortuito ou força maior para a isenção da responsabilidade civil", ( RJTJSP 15/118).

"A morte de empregado rural vitimado por raio é acontecimento trágico, imprevisível e inevitável, puro evento de origem natural, caracterizando-se o caso fortuito ou força maior, assim excludente de cargo indenizatório" ( TJSP – 1ª .C.- Ap. – Rel. Euclides de Oliveira- j.2.3.93- JTJ- LEX 145/103).

"Responsabilidade civil – Operário eletrocutado quando pela madrugada regressava para casa – Inexistência de culpa do empregador - caso fortuito configurado pelas provas – ação de indenização improcedente – "Em nosso direito, ressalvadas as exceções, a responsabilidade se esteia na culpa. Sem a prova desse elemento subjetivo, não há indenização. Tudo não passou de caso fortuito. No dia do fato choveu muito. A vítima que regressava de um baile, entrando pelos fundos da casa, com roupa molhada, bateu no fio de eletricidade, cujo isolador se desprendera, em virtude de forte temporal. Não tendo havido culpa, inexiste a obrigação de indenizar". ( RT 369/89). Parte do acórdão : "o caso fortuito não pode jamais provir de ato culposo do obrigado, pois a própria natureza inevitável, o acontecimento que o caracteriza exclui essa hipótese. Somente pode resultar de uma causa estranha à vontade do devedor, irresistível, o que já indica ausência de culpa. Se o evento decorre de um ato culposo do obrigado, não será inevitável; logo, não haverá caso fortuito"- Arnold M. da Fonseca, Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão, 3ª ed. , Forense, 1958, n. 102, p.147)."


BIBLIOGRAFIA

GOMES, Orlando. Contratos. Princípios Fundamentais do Regime Contratual. Teoria da Imprevisão. 13ª edição. Atualização e notas de Humberto Theodoro Júnior. Rio de janeiro: Editora Forense, 1994.

MEDEIROS, Rui. Dicionário de Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Saraiva, 1996.

STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e Jurisprudência. 3ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

SOARES, Orlando Estevão da Costa. Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro: Teoria, Prática Forense e Jurisprudência. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. 7º volume. 8ª edição aumentada e atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 1994.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. 26ª edição, revista. 2ª triagem. Volume 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.

INTERNET - http://www.jurinforma.com.br/notas/0050.shtml - A Teoria da Imprevisão na Lei Brasileira (de Nelson Zunino Neto, advogado em Florianópolis- SC).



Informações sobre o texto

Trabalho elaborado sob a orientação do Prof. Dr. Jerônimo Roberto e dos monitores Márcia, Bruno e Wilton.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Danielle Rénne Gomes; SANTOS FILHO, Edson Vitor de Oliveira et al. Responsabilidade civil e teoria da imprevisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/649. Acesso em: 27 abr. 2024.