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Incorporação de rede elétrica particular

Divergência jurisprudencial entre o TJ de Rondônia e o STJ quanto ao marco inicial do prazo prescricional da pretensão indenizatória

Incorporação de rede elétrica particular. Divergência jurisprudencial entre o TJ de Rondônia e o STJ quanto ao marco inicial do prazo prescricional da pretensão indenizatória

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Análise da manifesta divergência jurisprudencial entre o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia e o Superior Tribunal de Justiça quanto ao marco inicial do prazo prescricional de ação versando sobre incorporação de rede elétrica particular.

A controvérsia em questão diz respeito ao termo inicial da contagem do prazo prescricional face a incorporação de rede elétrica particular por concessionária de serviços públicos.

Tratando-se de demanda fundada em enriquecimento ilícito e à mingua de celebração de contrato entre as partes, o prazo prescricional aplicável é de 3 (três) anos, nos termos da Súmula 547 do Superior Tribunal de Justiça. Quanto a isso não há controvérsia.

A grande celeuma diz respeito ao marco inicial do prazo prescricional, sendo certo que o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia possui pacífica jurisprudência no sentido de que o prazo prescricional passa a fluir a partir do desembolso do valor aportado para construção da rede elétrica. Nesse sentido:

Apelação cível. Rede de eletrificação rural. Custeio da obra. Ausência de previsão contratual. Prescrição trienal. Reconhecimento. Extinção do processo com resolução do mérito.

O pedido de ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do consumidor no custeio da construção de rede elétrica rural, quando inexistente previsão contratual, prescreve em 3 anos, nos termos do art. 206, § 3º, do Código Civil, devendo ser contada a partir do desembolso pelo particular (TJRO, APELAÇÃO 7005858-39.2016.822.0002, Rel. Des. Rowilson Teixeira, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia: 1ª Câmara Cível, julgado em 18/12/2017 – grifou-se).

Apelação cível. Rede de eletrificação rural. Custeio da obra. Ausência de previsão contratual. Prescrição trienal. Ocorrência. Ressarcimento indevido. Recurso não provido.

O pedido de ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do consumidor no custeio da construção de rede elétrica rural, quando inexistente previsão contratual, prescreve em 3 anos, nos termos do art. 206, § 3º, do Código Civil, devendo ser contada a partir do desembolso pelo particular (TJRO, Apelação 0005476-05.2015.822.0002, Rel. Des. Marcos Alaor Diniz Grangeia, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia: 2ª Câmara Cível, julgado em 07/12/2017. Publicado no Diário Oficial em 18/12/2017 – grifou-se).

Apelação cível. Rede de eletrificação rural. Custeio da obra. Ausência de previsão contratual. Prescrição trienal. Reconhecimento. Extinção do processo com resolução do mérito.

O pedido de ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do consumidor no custeio da construção de rede elétrica rural, quando inexistente previsão contratual, prescreve em 3 anos, nos termos do art. 206, § 3º, do Código Civil, devendo ser contada a partir do desembolso pelo particular (TJRO, Apelação 0000199-19.2013.822.0021, Rel. Juiz Adolfo Theodoro Naujorks Neto, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia: 1ª Câmara Cível, julgado em 29/11/2017. Publicado no Diário Oficial em 06/12/2017 – grifou-se).

Ocorre, no entanto, que este entendimento destoa da remansosa jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça, assentada no sentido de que, em demandas dessa natureza, a prescrição tem início no momento em que a concessionária incorpora ao seu patrimônio a rede elétrica do consumidor. Confira-se:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ELETRIFICAÇÃO RURAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.

1.É do momento em que a concessionária incorpora ao seu patrimônio a rede elétrica da parte recorrida que, em tese, se tem configurado o enriquecimento ilícito, com aumento do ativo da recorrente e diminuição do passivo do recorrido, devendo ser este, portanto, o marco inicial do prazo prescricional. Precedentes. [...]

3. Agravo interno a que se nega provimento (AgInt no AREsp 969.329/MS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 07/11/2016 – grifou-se).

AGRAVO INTERNO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS. INCORPORAÇÃO DE REDE PARTICULAR DE ENERGIA ELÉTRICA. AFRONTA AOS DECRETOS N. 4.873/03 E 5.163/04; E ÀS LEIS N. 10.848/04 E 10.438/02. NÃO DEMONSTRAÇÃO. ENUNCIADO 284 DA SÚMULA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 3º, 7º E 9º, § 1º, III, DA RESOLUÇÃO ANEEL N. 229/06; AO ART. 1º, II, 'C', DA PORTARIA N. 5 DO DNAEE. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE EM SEDE ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. VINTENÁRIA OU TRIENAL. TERMO INICIAL. MOMENTO DA INCORPORAÇÃO. ENTENDIMENTO ADOTADO NESTA CORTE. VERBETE 83 DA SÚMULA DO STJ. VERIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. INDENIZAÇÃO. DEFERIMENTO.

REVISÃO. NÃO CABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. NÃO PROVIMENTO.

1. Não havendo a devida demonstração de ofensa aos dispositivos legais apontados como violados incidente o enunciado 284 da Súmula do STF.

2. A via especial é inadequada para análise de legislação não enquadrada no conceito de lei federal.

3. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência pacífica desta Corte. Incidente, portanto, o enunciado 83 da Súmula do STJ.

4. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ).

5. Agravo interno a que se nega provimento (AgInt no AgInt no REsp 1.570.383/MT, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 06/10/2017 – grifou-se).

Sobre a matéria também vale a pena citar excertos de decisões monocráticas proferidas por Ministros da Primeira, Segunda, Terceira e Quarta Turma do STJ:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DECORRENTE DO FINANCIAMENTO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL. CUSTEIO DE OBRA DE EXTENSÃO DE REDE ELÉTRICA PELO PARTICULAR. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES. NÃO OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. MATÉRIA JULGADA PELO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS (RESP. 1.418.194⁄SP, REL. MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO). RECURSO ESPECIAL DO PARTICULAR A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

[...]

10.Dessa forma, a hipótese enquadra-se no caso de ausência de previsão contratual de reembolso, situação em que a pretensão de cobrança prescreve em três anos na vigência do Código Civil de 2002.

11.Porém, o precedente é claro em destacar que não seria possível o reconhecimento da prescrição se não houvesse prova da data precisa em que ocorreu a incorporação da rede elétrica ao patrimônio da agravada, como no presente caso, em que a instância de origem não precisou a data da efetiva incorporação.

12.Dessarte, diante da ausência de comprovação da data precisa da efetiva incorporação da rede ao patrimônio da concessionária, torna-se inviável a alegada prescrição, merecendo, portanto, reforma o acórdão recorrido, conforme estabelecido na sentença.

13.Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso especial do particular, a fim de afastar o reconhecimento da prescrição e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para que prossiga no julgamento da apelação como entender de direito (REsp 1.642.198, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 06/09/2017 – grifou-se).

O referido entendimento está de acordo com a orientação desta Corte de que "é do momento em que a concessionária incorpora ao seu patrimônio a rede elétrica do recorrido que, em tese, se tem configurado o enriquecimento ilícito, com aumento do ativo da recorrente e diminuição do passivo do recorrido, devendo ser este, portanto, o marco inicial do prazo prescricional" (REsp 1.418.194/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 27/11/2015)

Aplica-se, no ponto, o disposto na Súmula 568/STJ: "O relator, monocraticamente e no STJ, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema." (REsp 1.692.664/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe: 18/10/2017).

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. INAPLICABILIDADE DO NCPC. AÇÃO DE COBRANÇA DE VALORES DESPENDIDOS NA CONSTRUÇÃO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL PELO CONSUMIDOR. (1), (2) e (5) ARTS. 333, II, E 355 DO CPC/73, ARTS. 2º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, 3º, 6º, VIII, E 29 DO CDC E ART. 14, §§ 5º E 7º, DA LEI 10.438/2002. MATÉRIAS NÃO ANALISADAS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282 DO STF. (3) PRESCRIÇÃO TRIENAL. MARCO INICIAL. DATA DA EFETIVA INCORPORAÇÃO DA REDE À MALHA DA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. PRECEDENTES. (4) SUPOSTA AFRONTA AO ART. 143 DO DECRETO 41.019/57 E AO ART. 9º, § 8º, DA RESOLUÇÃO NORMATIVA 229/2006 DA ANEEL. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA Nº 284 DO STF. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO (AREsp nº 980.147/MT, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 22/03/2017 – grifou-se).

Dessarte, ante a ausência de comprovação da data precisa da efetiva incorporação da rede ao patrimônio da concessionária, não é possível o reconhecimento da alegada prescrição, de modo que o acórdão recorrido merece reforma.

Diante do exposto, nos termos do art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou provimento ao recurso especial, a fim de afastar o reconhecimento da prescrição e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para que prossiga no julgamento da apelação interposta pelo agravado, na esteira do devido processo legal (REsp 1.651.958/SP, Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Quarta Turma, DJe 24/10/2017).

Nada obstante, recentemente, essa matéria passou a ser distribuída por competência exclusiva à presidência da Corte Superior, notadamente diante da jurisprudência já consolidada.

Com efeito, a eminente Presidente, Ministra Laurita Vaz, proferiu inúmeras decisões assinalando que “a jurisprudência desta Corte é firme ao reconhecer que o termo inicial dos referidos prazos prescricionais é a data da incorporação da rede elétrica” (v. g., REsp 1.725.683/SP, DJe 23/03/2018; REsp 1.725.449 /SP, DJe 23/03/2018; REsp 1.724.641/SP, DJe 23/03/2018; REsp 1.722.822 /SP, DJe 23/03/2018; REsp 1.703.641/SP, DJe 30/11/2017; REsp 1.702.697/SP, DJe 30/11/2017; REsp 1.702.597/SP, DJe 27/11/2017; REsp 1.702.545/SP, DJe 27/11/2017; REsp 1.700.420/SP, DJe 27/11/2017; REsp 1.706.686/SP, DJe 24/11/2017; REsp 1.701.258/SP, DJe 17/11/2017; REsp 1.700.945/SP, DJe 17/11/2017; REsp 1.700.679/SP, DJe 17/11/2017; REsp 1.700.415/SP, DJe 17/11/2017; REsp 1.700.405/SP, DJe 17/11/2017 etc.).

Portanto, na linha dos precedentes do Tribunal da Cidadania, o prazo prescricional somente passa a fluir a partir do momento em que a concessionária incorpora ao seu patrimônio a rede elétrica particular, caracterizando, somente a partir desse evento, o enriquecimento ilícito.

Nessa mesma linha, o Subprocurador-Geral da República José Flaubert Machado Araújo emitiu, no REsp 1.696.456/RO, de relatoria do eminente Ministro Og Fernandes, o parecer 16.433/2017-C-JFMA/STJ, cuja ementa merece transcrição:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. Construção de rede elétrica rural por particular. Incorporação pela concessionária. Ação julgada procedente para condenar a CERON à formalização da incorporação e pagamento de indenização por dano material. Apelação provida para reconhecer a ocorrência da prescrição. Recurso especial interposto contra Acórdão que negou provimento ao Agravo Interno. Alegada violação ao art. 189 do CC. Prequestionamento verificado. Dissídio jurisprudencial caracterizado. Obra concluída em 1998. Inexistência de contrato prévio firmado entre as partes para a construção da referida rede elétrica. Indefinição quanto à data da efetiva incorporação: segundo o particular, ocorreu entre os anos de 2011 e 2012; segundo a CERON, não houve incorporação. A ação foi ajuizada em 2013. A contagem do prazo prescricional deve-se dar a partir da data de incorporação, porque somente a partir desse momento configura-se, em tese, o enriquecimento ilícito da concessionária, ao incorporar ao seu patrimônio rede elétrica inteiramente custeada pelo particular. Recurso especial que deve ser conhecido e provido para determinar o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que analise a ocorrência ou não da prescrição, tomando como termo inicial da contagem do prazo prescricional a data da efetiva incorporação pela concessionária.

Como se vê, o Ministério Público Federal possui posicionamento congruente com as decisões do STJ no sentido de que a prescrição deve ter como marco inicial a data da incorporação da rede particular ao acervo patrimonial da concessionária de energia elétrica.

Conclui-se, pois, que existe manifesta divergência jurisprudencial entre o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia e o Superior Tribunal de Justiça quanto ao marco inicial do prazo prescricional em ações dessa natureza.

Numa análise jurisprudencial-vertical, deveria prevalecer o entendimento do STJ. No entanto, como as decisões até então proferidas pelo Tribunal da Cidadania são desprovidas de efeito vinculante, o TJRO não está obrigado a segui-las, embora a inobservância dos precedentes da Corte Superior gere um ambiente de insegurança e incerteza em detrimento dos jurisdicionados.


Autor

  • Lucas Mello Rodrigues

    Mestre em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa (UAL) com reconhecimento do título no Brasil pela Universidade de Marília (Unimar). Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná (CEULJI/ULBRA). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Processual e Cível. Aprovado no Exame da OAB na primeira vez que o realizou, quando ainda cursava o 9º período do curso de Direito. Aprovado em 1º lugar para o cargo de Oficial de Diligências do Ministério Público do Estado de Rondônia (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado em 1º lugar para Estagiário de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, onde exerceu a função por 2 (dois) anos. Aprovado em 1º lugar para Estagiário de Direito do Ministério Público Federal - MPF (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado em 1º lugar para Estagiário de Direito do Ministério Público do Trabalho - MPT (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado para o cargo de Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado para o cargo de Agente de Sistema de Saneamento da Companhia de Águas e Esgoto de Rondônia - CAERD (nomeado, renunciou à vaga). Sócio-proprietário do escritório Lucas Mello Rodrigues Sociedade Unipessoal de Advocacia. Autor do livro "Projeção da Autonomia Privada no Processo Civil e sua contribuição para a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva: autonomia privada e processo civil". Tem vários artigos publicados, inclusive em periódico de circulação nacional. É autor do anteprojeto da Lei 1.232, de 28 de julho de 2016, que "dispõe sobre o atendimento prioritário às pessoas idosas e demais pessoas que especifica nos estabelecimentos comerciais, de serviços e similares de Alto Paraíso [RO], e dá outras providências".

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