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Igreja - sociedade política

a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico

Igreja - sociedade política: a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico

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RESUMO

O trabalho a seguir visa à análise e esclarecimentos concernentes à importância, à manifestação e ao poder nos aspectos políticos e jurídicos da Igreja como sociedade política. Elaborado através de pesquisas fundamentadas em diversas obras de renomados autores, buscou-se estruturar o trabalho de uma forma a abranger concisamente os aspectos supracitados.


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por finalidade a análise das sociedades políticas, dando enfoque à sua importância, poder e manifestação do aspecto político e jurídico.

Contudo, antes de se adentrar mais especificamente no que tange às sociedades políticas propriamente ditas, optou-se, por questões metodológicas e propedêuticas, em se tecer considerações iniciais a respeito da sociedade em âmbito geral, da qual a sociedade política é uma espécie.

As principais sociedades políticas existentes são a família, o Estado e a Igreja. Todas possuidoras de estruturas complexas e bem definidas que, ao contrário do que se possa pensar, não as tornam independentes umas das outras, mas sim cria vínculos de inter-relacionamentos.

Dentre essas sociedades políticas supracitadas optou-se pela exploração de matéria versada atinente à Igreja, principalmente por esta estar inserida em ampla discussão doutrinária relacionada à sua aceitação ou não como sociedade política. Essa polêmica acabou servindo como estímulo à presente pesquisa.

Com relação à estrutura desenvolvida, adotou-se a seguinte forma: de início, tratou-se da evolução histórica da Igreja no mundo e, em especial, no Brasil, criando-se condições para o desenvolvimento ulterior da manifestação do aspecto político-jurídico da Igreja no caso pátrio.


PARTE I

SOCIEDADE

1. DA ORIGEM DA SOCIEDADE

O homem, sem dúvida alguma, é um ser eminentemente social, isto é, tem inerente em si a perpétua tendência a ser agrupar, de unir-se a seus semelhantes, não só para lograr atender aos fins que busca e deseja, mas também para satisfazer suas necessidades materiais e de cultura (1). A vida do homem decorre em convivência: os indivíduos em todas as etapas de suas vidas, do berço ao túmulo, mantêm entre si mútuas e constantes relações de colaboração e de dependência. Dessa forma, pode-se considerar que a vida em sociedade é o modo natural da existência da espécie humana (2).

Realmente, os homens a todo instante, para atenderem à satisfação de seus anseios e necessidades e conseguirem os fins almejados, unem-se, relacionam-se, por meio de vínculos das mais variadas naturezas: econômicos, políticos, culturais, familiares, religiosos, etc. (3), contudo a vida em sociedade, além dos benefícios que propicia ao homem, traz consigo a possibilidade da criação de inúmeras limitações que, em certos momentos e determinados lugares, são de tal modo numerosas e freqüentes que chegam a afetar seriamente a própria liberdade humana (4).

Após esse intróito, percebe-se que a sociedade em si compreende um conjunto amplamente complexo e que, portanto, merece várias considerações, por parte do presente estudo, no concernente a sua conceituação, ao seu surgimento e teorias que o explicam, sua evolução e a classificação das diversas formas de sociedades que foram surgindo paulatinamente com a evolução humana.

Segundo discorre Friedrich Nietzsche, todos os conceitos em que um processo total se resume semioticamente escapam à definição, porquanto só é definível o que não tem história (5). Portanto, partindo de tal premissa, pode-se dizer que, no seu mais importante sentido, entende-se por sociedade

          uma espécie de contextura formada entre todos os homens e na qual uns dependem dos outros, sem exceção; na qual o todo só pode subsistir em virtude da unidade das funções assumidas pelos co- participantes, a cada um dos quais se atribui, em princípio, uma tarefa funcional; e onde todos os indivíduos, por seu turno, estão condicionados, em grande parte, pela sua participação no contexto geral (6).

Adotando-se a linha seguida por Dalmo de Abreu Dallari, em sua obra "Elementos de Teoria Geral do Estado", a sociedade pode ser analisada, segundo sua origem, por pelo menos duas vertentes: a dos naturalistas e a dos contratualista (7).

Os naturalistas são favoráveis à idéia da sociedade natural, idéia essa que, hodiernamente, abarca maior número de adeptos e que vem exercendo forte influência na vida política do Estado (8). É nesse grupo que se encontra o eminente filósofo grego Artistóteles, considerado o introdutor de tal pensamento (século IV a.C.). O notável Estagirita defendia ser o homem naturalmente um animal político (9) e, assim sendo, só viveria isolado se fosse um bruto ou um deus (10).

Seguindo o caminho desbravado por Aristóteles, encontra-se, ainda, como defensores da teoria naturalista, outros importantes nomes da história do pensamento, dos quais, a título de exemplo, cita-se Cícero, Santo Tomás de Aquino e o italiano Ranelletti. Citados esses filósofos, torna-se imprescindível tecer alguns comentários, em especial, sobre a contribuição deixada por Santo Tomás de Aquino a essa corrente doutrinária.

O autor de "Summa Theologica" supracitado, consagrou-se entre os autores medievais por ser o mais expressivo seguidor de Aristóteles, reafirmando as postulações deste, e por incrementar a idéia da vida solitária como uma exceção, conforme havia feito o citado filósofo grego, porém segundo uma nova visão, pautada em três hipóteses:

          a) ‘excellentia naturae’, quando se tratar de indivíduo notavelmente virtuoso, que vive em comunhão com a própria divindade, como ocorria com os santos eremitas;

b) ‘corruptio naturae’, referente aos casos de anomalia mental;

c) ‘mala fortuna’, quando só por acidente, como nos casos de naufrágio ou de alguém que se perdesse numa floresta, o indivíduo passa a viver em isolamento (11).

Por conseguinte, pode-se concluir que a corrente até então exposta compreende a sociedade como o produto da conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação humana (12), com o intuito de se obter os meios necessários para a consecução dos fins de sua existência, sejam estes morais, intelectuais ou técnicos. Não obstante, deve-se ressaltar, ainda, dois pontos mais defendidos por essa teoria:

  1. o ser humano, mesmo provido de bens materiais necessários à sua sobrevivência, continua necessitando do convívio com seus semelhantes;
  2. a existência do citado impulso associativo natural não exclui, de forma alguma, o aspecto volitivo humano.

Todavia, surgiram muitos autores que, opondo-se aos adeptos da idéia de sociedade natural, sustentaram ser a sociedade, tão só, o produto de um acordo de vontades, ou seja, de um contrato hipotético celebrado entre os homens (13), motivo esse que lhes renderam a denominação de contratualistas.

Os contratualistas, deve-se dizer, não foram uníssonos em suas explicações com relação ao motivo pelo qual os homens, em determinada etapa de sua evolução, decidiram agruparem-se aos seus semelhantes ao ponto de formarem uma instituição denominada sociedade. Contudo, existe entre eles uma convergência a um ponto comum: todos os seus adeptos negam o fundamento do impulso associativo natural e argumentam ser a vontade humana a única justificativa para a existência da sociedade.

Considera-se como ponto de partida das idéias contratualistas as obras de Thomas Hobbes, em especial a que foi publicada em 1651, intitulada "O Leviatã". Hobbes pôs explicitamente em dúvida a doutrina do homem como um ser privativamente social, o zoon politikón. Afirmava que o homem não é sociável por natureza e só logra sê-lo por educação (14). Os homens vivem primeiro sem instituições, num estado de igualdade em que cada indivíduo tem direito sobre todas as coisas. O esforço para obter vantagens e poderes sobre os outros fez com que o estado natural dos homens, anteriormente a sua reunião em sociedade, fosse a guerra de todos contra todos (15). Assim sendo, o estado de natureza é uma permanente ameaça que pesa sobre a sociedade e que pode irromper sempre que a paixão silenciar a razão ou a autoridade fracassar (16) (grifo nosso).

Os dois termos acima destacados assim o foram por serem de extrema importância na fundamentação desenvolvida por Hobbes e, por isso, a partir de então, tentar-se-á explicar o porquê.

A tendência natural dos homens para se causarem danos recíprocos entra em conflito com as imposições da razão natural que exige a preservação da vida e a possibilidade de cada um dos membros do grupo a conservar (17). E esse conflito só cessa com o triunfo da razão, isto é, com o contrato que assegura a cada um a propriedade de determinados bens. Com essa finalidade e para salvaguardar o primeiro contrato, ou contrato social, estabeleceu-se um, segundo, o de domínio, mediante o qual os indivíduos se submetem às Instituições do Estado (18). O medo de todos a todos é suplantado agora pelo temor a um poder que se situa acima de todos. A convivência entre os homens – ou seja, a sociedade – só é possível em virtude da submissão dos indivíduos. Hobbes empenhou-se em solucionar a dialética de força e direito, outorgando a primazia ao direito, vinculado à razão, mas na medida em que significava uma nova força. Dessarte, o poder do mais forte, no estado natural, converte-se em poder domínio, no estado legal (19).

Hobbes formula, ainda, duas leis fundamentais da natureza, as quais julga estarem na base da vida social e que, portanto, são agora explicitadas:

a) cada homem deve esforçar-se pela paz, enquanto tiver a esperança de alcançá-la; e quando não puder obtê-la, deve buscar e utilizar todas as ajudas e vantagens da guerra;

b) cada um deve consentir, se os demais concordam, e enquanto se considere necessário para a paz e a defesa de si mesmo, em renunciar ao seu direito a todas as coisas, e a satisfazer-se, em relação aos demais homens, com a mesma liberdade que lhe for concedida com respeito a si próprio (20).

Também defensores do contratualismo, porém divergentes do contratualismo hobbesiano, aparecem John Locke e Montesquieu. Aquele, apesar de não poder ser considerado um contratualismo puro devido à divergência existente entre o que prega esta corrente e a sua concepção cristã da criação, opô-se explicitamente ao autor de "O Leviatã" por não acreditar no constante estado de guerra que este afirmava existir no estado de natureza. Já Montesquieu, diverge de Hobbes por considerar que o homem em estado natural, ou seja, antes da formação da sociedade, se apresentava tão fraco que estaria constantemente atemorizado, acrescentando que nesse estado todos se sentem inferiores e dificilmente alguém se sente igual a outrem (21). Afinal, segundo o próprio Montesquieu, a idéia de supremacia e dominação é tão complexa e dependente de tantas outras que não seria ela a primeira idéia que o homem teria (22).

Montesquieu, apesar de não ter mencionado expressamente o contrato social, elaborou leis que considerava serem as que levaram o homem a viver em sociedade, assim como Hobbes havia feito. Essas leis são as seguintes:

          a) o desejo de paz;

b) o sentimento das necessidades, experimentado principalmente na procura de alimentos;

c) a atração natural entre os sexos opostos pelo encanto que inspiram uma ao outro e pela necessidade recíproca;

d) o desejo de viver em sociedade, resultante da consciência que os homens têm de sua condição e de seu Estado. Depois que levados por essas leis, os homens se unem em sociedade, passam a sentir-se fortes, a igualdade natural que existia entre eles desaparece e o estado de guerra começa, ou entre sociedades, ou entre indivíduos da mesma sociedade. (23)

A creditando também na bondade humana no estado de natureza tal qual Montesquieu, contudo concebendo tanto a existência como a organização da sociedade a partir de um contrato social, como Hobbes, apareceu Rousseau que, em especial, em seu livro "O Contrato Social" (1762) deu grande ênfase a temas que se notabilizaram na história da humanidade, como por exemplo, na Revolução Francesa. Rousseau notabilizou como ninguém a figura do povo como soberano e o reconhecimento da igualdade como elemento essencial na vida social.

No tocante à sociedade, Rousseau afirmava que o homem era bom no estado de natureza, conforme já foi dito acima, e que só se preocupava com sua própria com sua própria conservação. Contudo, diante de obstáculos cada vez mais difíceis de serem transpostos individualmente que colocavam em risco a conservação do próprio indivíduo, o homem, instituiu o estado social, através de um contrato social, pelo qual ocorreu a alienação de cada associado, com todos os seus direitos a favor da comunidade (24), formando um corpo moral e coletivo, o Estado, que passaria a atuar no interesse da vontade geral, esta compreendida não como uma simples soma das vontades individuais, mas como uma síntese delas (25).

Destarte, pode-se, por fim, concluir que apesar do contratualismo não possuir hodiernamente adeptos declarados isso não reduz sua importância no âmbito filosófico, não histórico da ordem social (26) e que a sociedade é advinda da necessidade natural inerente ao ser humano, em consonância com os aspectos volitivo e da consciência do homem. Portanto, não há como conceber o homem como um ser isolado, fora de um contexto social.

          2. ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DA SOCIEDADE

O que se nota nesta seara é a existência de uma ampla diversidade de considerações a seu respeito.

Há diversos autores que tratam desse assunto e, na maioria das vezes, cada um adota uma série de elementos que, segundo eles, caracterizam a sociedade. Todavia, o presente estudo optou por se pautar apenas em dois eminentes autores: Pedro Salvetti Netto e Dalmo de Abreu Dallari, sendo que este último receberá maior atenção e destaque devido à fantástica estruturação lógica e didática por ele desenvolvida em sua obra "Elementos de Teoria Geral do Estado" e que por isso servirá de linha mestra na seqüência deste trabalho.

Pedro Salvetti Netto considera existir três elementos constitutivos da sociedade assim dispostos:

a) elementos ou causas materiais: homem e base física;

b) elementos ou causas formais: normas jurídicas e poder;

c) elementos ou causas finais: várias. (27)

          Homem: é o elemento fundamental da sociedade. Consoante expõe Salvetti Netto, a sociedade existe para o homem e constitui-se de homens vinculados, unidos, relacionados em busca de um fim comum (28).

          Base Física: é a base física que propicia a estabilidade das relações humanas em sociedade. Seu âmbito compreende o limite espacial de vigência do poder social (29). Compreende, portanto, o lugar onde são desenvolvidas as relações sociais.

          Normas Jurídicas: o intuito da normatização social é organizar a sociedade e disciplinar o comportamento de seus associados, visto que elas estabelecem os direitos e deveres destes, limitando-lhes, com a garantia do poder , os arbítrios individuais de forma a instituir a ordem social. É pelas normas que os indivíduos se relacionam e logram, no âmbito da sociedade, atingir ao fim almejado (30).

          Poder: é a força que faz com que as normas sejam executadas. Sem ele, ressalta Salvetti Netto, a sociedade descambaria para o caos; à organização sucederia o anarquia, hábil a aniquilar, suprimir e impedir qualquer possibilidade de relação, de comunicação, de convivência (31).

          Finalidade: toda ação humana está voltada à busca de determinados objetivos. Portanto, ao se agrupar, o homem está em busca de um determinado fim que suas ações isoladas não conseguiriam alcançar. Esse objetivo é denominado fim comum (32), que nas sociedades políticas corresponderia ao bem comum.

Já Dalmo de Abreu Dallari, por sua vez, ao expor sua idéia atinente aos elementos característicos da sociedade, afirma que não basta um agrupamento humano mais ou menos numeroso, ainda que motivado por um interesse social relevante (33) para que se possa afirmar que ali foi erigida uma sociedade. Para esse ilustre jusfilósofo, há três elementos que são encontrados em todas as espécies de sociedade e que, portanto, podem ser considerados como os pontos comuns necessários para o reconhecimento de uma grupamento humano como sociedade. Eles são os seguintes:

  1. uma finalidade ou valor social;
  2. manifestações de conjunto ordenadas;
  3. o poder social. (34)

          Finalidade Social: com relação à finalidade da sociedade humana, encontra-se duas correntes teóricas que a explicam: a determinista e a finalista.

Os deterministas defendem ser a vida humana regida pelo princípio da causalidade. O homem estaria submetido a inúmeras leis naturais consideradas inexoráveis e que, portanto, não haveria a possibilidade de se escolher um objeto e de orientar para ele a vida social (35). Dessa forma, o homem não teria fins a alcançar em virtude da impossibilidade dele obstar a sucessão natural de fatos em sua vida.

Por outro lado, pregando a existência de uma finalidade social fruto da atividade volitiva humana, aparecem os finalistas. Consoante seus defensores, o fato de o homem ser consciente da necessidade da vida social faz com que ele estabeleça uma finalidade condizente com suas necessidades fundamentais e com aquilo parece que lhe parece ser mais valioso (36). Tal finalidade social compreenderia o bem comum que, conforme conceitua o Papa João XXIII, nada mais é que o conjunto de todas as condições de vida social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral das pessoa humana (37),inclusive os valores materiais e espirituais.

          Manifestações de Conjunto Ordenadas: as manifestações de conjunto ordenadas compreendem a ação harmônica dos indivíduos inseridos na vida social com o intuito de se atingir a consecução da finalidade comum.

Para que haja as manifestações de conjunto, devem ser preenchidos três requisitos: reiteração, ordem e adequação. (38) Por reiteração entende-se a conjugação de esforços continuamente desenvolvidos durante muito tempo (39), através da qual os membros da sociedade obterão os meios para alcançar os seus fins. Com relação à ordem deve-se fazer a seguinte consideração: há duas espécies de ordens, a humana, ou do Mundo Ético, e a da natureza, ou do Mundo Físico. A primeira é regida pelo princípio da imputação (se "A" é, "B" deve ser), enquanto que a segunda, pelo princípio da causalidade (se "A" é, "B" é). Contudo, é a ordem humana que interessa à presente pauta, visto que é através dela que as manifestações de conjunto podem se concretizar e agir em busca do bem comum. Já a respeito da adequação, deve-se entender o seguinte:

          cada indivíduo, cada grupo humano e a própria sociedade no seu todo devem sempre ter em conta as exigências e as possibilidades da realidade social, para que as ações não se desenvolvam em sentido diferente daquele que conduz efetivamente ao bem comum, ou para que consecução deste não seja prejudicada pela utilização deficiente ou errônea dos recursos sociais disponíveis. (40)

Destarte, nota-se ser imprescindível a correlação, a coexistência desses três elementos supracitados para que se possa visualizar as manifestações de conjunto ordenadas, os quais, por sua vez, auxiliarão na configuração da sociedade. Contudo, essa correlação não é fácil de se alcançar, fazendo surgir a necessidade de um elemento coator capaz de impô-la: o poder social.

          Poder Social: a questão do poder está inserida numa das temáticas mais importantes da vida social, afinal é ele quem trata diretamente da organização e funcionamento da sociedade.

Poder, conforme expõe Marcelo Caetano, pode ser considerado como a possibilidade de, eficazmente, impor aos outros o respeito da própria conduta ou de traçar a conduta alheia. (41) Contudo, não se pode dizer ser esta sua única definição, visto que não é nada fácil chegar-se a uma tipologia do poder. É por isso que prefere-se estabelecer-lhe características ao invés de defini-lo, pois assim, poder-se-á ter uma visão geral a seu respeito, mas não menos precisa.

As características do poder são:

          a) socialidade: significa que o poder é um fenômeno social, jamais podendo ser explicado pela simples consideração de fatores individuais (42);

          b) bilateralidade: indica que o poder é sempre em relação a duas ou mais

          vontades, havendo uma que predomina. (43)

Ressalta-se, ainda, que o poder social pode ser exercido de duas maneiras:

a) por toda a coletividade;

b) ou por representação, isto é, por algum ou alguns dos membros da sociedade considerado (s) mais apto (s) a atuar em nome de todos.

O exercício do poder social consiste, dessa forma,

          em definir normas de conduta dos indivíduos nas suas relações entre si ou com a coletividade e fazer observar essas normas aplicando determinadas sanções previstas para os desobedientes, e em determinar a ação do grupo nas relações com outras coletividades e com os próprios membros. (44)

Outro fator importante a se salientar é a relação existente entre o direito e o poder. O poder, embora não se confunda com o direito, se manifesta simultaneamente a este, fato esse que leva à conclusão de que ambos coincidem em seus objetivos. Assim sendo, a legitimidade do poder não coincide com a legalidade.

Tentando explicar a legitimidade do poder, surge Max Weber o qual formula três hipóteses:

          a) o poder tradicional, característico das monarquias, que independe da legalidade formal;

          b) o poder carismático, que é aquele exercido pelos líderes autênticos, que interpretam, os sentimentos e as aspirações do povo, muitas vezes contra o direito vigente;

          c) o poder racional, que é exercido pelas autoridades investidas pela lei, havendo coincidência necessária, apenas neste caso, entre legitimidade e legalidade (45).

Destarte, já que o poder é considerado necessário tanto à organização como para o funcionamento da sociedade, ele deve estar sempre investido da legitimidade a fim de não se ferir a vontade, os anseios dos membros que configuram a vida social. Isto posto, ressalta-se o seguinte: toda a submissão deve ser precedida pelo consentimento dos que serão submetidos, afirmação essa que entra em consonância com o que dispõe Georges Burdeau: poder legítimo é o poder consentido. (46)

A classificação das sociedades não é unívoca, contudo a que mais fundamentada se mostra é apresentada por Dalmo de Abreu Dallari, a qual assim se apresenta:

          a) sociedade de fins particulares, quando têm finalidade definida, voluntariamente escolhida por seus membros. Suas atividades visam, direta e imediatamente, aquele objetivo que inspirou sua criação por um ato consciente e voluntário;

          b) sociedade de fins gerais, cujo objetivo indefinido e genérico, é criar as condições necessárias que nela se integram consigam atingir seus fins particulares. A participação nestas sociedades quase sempre independe de um ato de vontade (47) (grifo nosso).

As sociedades de fins gerais são comumente denominadas sociedades políticas e que, doravante, receberão maior destaque.

Partindo do que foi dito acima, pode-se enquadrar no grupo das sociedades políticas, em especial, três instituições devido às suas dilatadas importâncias: a família, fenômeno e base da vida social, o Estado, autoridade superior fixadora de regras de convivência de seus membros, e a Igreja, instituição esta que mais adiante merecerá especial atenção devido ao seu importante papel tanto no aspecto político quanto jurídico dentro do Estado.

Todavia, essa classificação adotada está envolta em algumas divergências doutrinárias, como quase tudo no direito, fenômeno social, está. Por isso, tentar-se-á demonstrar sob que aspectos surgem essas divergências.

Marcelo Caetano, em, sua obra "Direito Constitucional", afirma que o surgimento da sociedade política depende de um ato de vontade (48)do indivíduo o que entra em conflito frontal com o que expõe o eminente professor Dalmo de Abreu Dallari, conforme foi acima demonstrado. Já Pedro Salvetti Netto prefere diferenciar as espécies de sociedade de acordo com o diagrama abaixo:

a) sociedade necessárias:
(imprescindíveis aos homens e absolutamente imperativas para a sua existências)

- sociedade familial: família

          - sociedade religiosa: Igreja

- sociedade política: Estado

b)sociedades contingentes
(são circunstanciais e apenas aprimoram ou facilitam o convívio humano).

Como se vê, Salvetti Netto, diferentemente de Dallari, considera a sociedade política apenas o Estado, excluindo, portanto, a família e, também, a Igreja .

No presente estudo, optou-se por não utilizar como linha mestra esta última divisão por considerá-la muito fragmentária, isto é, as sucessivas subdivisões das espécies de sociedade acabam por comprometer a visão do todo, algo de extrema importância à consecução desta obra no seu aspecto didático e, por que não, metodológico.

Dado o exposto, pode-se considerar como ideal a classificação das sociedades elaborada por Dallari e que por isso foi aqui adotada.

Portanto, restringindo-se ao tema proposto de início a ser elaborado (as sociedades políticas: a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico), optou-se por analisar uma das sociedades políticas mais importantes, mais organizada e com um poder social fantástico, capaz de impor determinadas ações e condutas aos mais diversos indivíduos nela inseridos. Essa sociedade política é a Igreja, uma instituição complexa cuja evolução, características e demais elementos intrínsecos a ela tentar-se-á, a partir de agora, apresentá-los e descrevê-los.


PARTE II

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA IGREJA

1. BREVE EVOLUÇÃO DA IGREJA NO MUNDO

A denominação Igreja é de uso especificamente cristão e significa uma assembléia que se reúne por força de uma convocação. Mas não significa somente uma assembléia, pois o termo Igreja também tem a finalidade de assinalar as diferenças entre os adeptos de Jesus como o Messias, e os judeus que o repeliam. (49)

O processo de implantação da Igreja católica na região ocidental da Europa fora difícil devido à hostilidade das autoridades civis.

Foi com a ascensão de Diocleciano como imperador romano, em 284, que se ocasionou o fim ou o interrompimento de um período de paz da Igreja. (50)

Na época do surgimento da Igreja a simples denominação cristão era necessária para condenar tais seguidores. Condenações que iriam da prisão até a morte.

O imperador romano, como moderno ditador, era supremo no poder. Nesse período, o próprio estado era considerado um deus e, ainda, adorava-se a deusa Roma. O mesmo acontecia com a pessoa do imperador. Qualquer cidadão que se recusasse a prestar essa homenagem a Roma e ao imperador deixava de cumprir um dever cívico. (51)

E é por essa razão que os melhores imperadores eram os que perseguiam os cristãos. Nesse período do império de Diocleciano o clero fora preso e torturado e Igrejas foram destruídas.

Além disso, os primeiros cristãos não aceitavam a obrigatoriedade de culto ao imperador, tornando formalmente justificadas as primeiras perseguições romanas contra os cristãos. (52)

Autores pagãos e cristãos afirmam que o número de perseguidos e mortos era imenso.

Oprimida, a comunidade religiosa foi obrigada a reorganizar-se a fim de manter, na clandestinidade, sua missão pastoral e de proselitismo. Assim, o termo Igreja passou a significar forma de organização de uma instituição religiosa cristã, embora apresente analogias com outras maneiras de organização da vida religiosa. (53)

A opressão aos cristãos somente tivera fim no império de Constantino que promulgou o famoso Édito de Milão, em 313. Este Édito não era um indulto cristão, mas tinha a finalidade de dar liberdade de culto a qualquer crença.

Com isso os cristãos começaram a se reunir com o objetivo de debater questões religiosas. Porém havia um problema. Isso porque o cristianismo pregava a existência de um único Deus e, portanto era necessário dar explicações à população sobre o verdadeiro significado de Cristo. E para essa tarefa os pensadores cristãos se empenharam a fim de buscar todas as respostas dessa religião.

Com Diocleciano no poder a integração do cristianismo no Estado significava uma união que já era muito visada pelos políticos. Os benefícios materiais para a Igreja também foram sensíveis.

O Estado se tornara um grande auxiliador da Igreja, pois ajudava a construir templos nos mais diversos locais e ajudava na luta contra as heresias. (54)

Todos esses fatores levaram a uma grande expansão do cristianismo e, no entanto, esse crescimento vertiginoso trouxe alguns problemas que poderiam ameaçar a Igreja. A situação complica-se com a morte de Constantino, em 337. Porém com Teodósio, o Grande, o perigo pagão se afasta, pois esse imperador coloca o cristianismo na categoria de religião oficial e acaba com os templos pagãos. (55)

          1.1. A Igreja Na Idade Média

Na Idade Média o centro dos acontecimentos localiza-se na Itália, França, Inglaterra e Alemanha, diferentemente da Antigüidade que tinha como área de destaque o Mediterrâneo e o Oriente. (56)

A Igreja consegue ganhar fiéis, tais como os germanos e eslavos, porém perde território para o islamismo que dominava todo o norte africano. (57)

O islamismo se torna uma religião que representa ameaça ao catolicismo e no século VII, o islã já alcança a Península Ibérica. Porém os muçulmanos foram detidos pelos espanhóis e expulsos daquela região. Esse freio na expansão muçulmana possibilitou a continuação do catolicismo como religião de maior domínio de fiéis. (58)

Nesse período, a igreja, ainda é ajudada pelas ações do império, pois estes dois estavam unidos. E o chefe da igreja ainda era o imperador.

O Imperador Leão IX, a fim de promover uma reforma romana, decreta a regulamentação da eleição do Papa. Essa reforma ganha mais sentido quando surge a preocupação de que príncipes leigos tenham poder sobre a Igreja.

Já nos séculos X e XI a Igreja novamente se expande e conquista novos povos. Com isso se conseguiu a evangelização da Escandinávia em 826 e a Hungria também adere ao cristianismo com o rei Estevão I. Tempos depois seria a vez da Polônia e da Rússia se unirem a essa nova doutrina.

No final da Idade Média surgem problemas com relação à Questão das Investiduras que fora as conseqüências das lutas entre a Igreja e o Império. A q uestão crítica era saber quem tinha direito de conceder poderes dentro da Igreja. (59)

Nesse momento o papado atinge seu auge de poder com duras repressões feitas pelo Papa Inocêncio III. Esse Papa investiu contra vários reis, tais como Felipe II da França, que fora obrigado a receber de volta a rainha Ingebarg, de quem se havia divorciado injustamente. Por esse mesmo Papa, a Inglaterra foi colocada sob interdito e o seu rei, que na época era João (1199-1216) fora excomungado por impor o seu candidato para o arcebispado de Cantebury. (60)

Contudo o poder real cresce e aos poucos esse poder submete a Igreja que tem seus Bispos reduzidos a vassalos dos reis. Esses reis imediatamente reclamam o direito divino e exercem, portanto, um ofício sacerdotal.

Para fazer oposição à luta pelo poder surgem novas seitas que rejeitam as riquezas e a pretensão política do clero. Várias dessas dissidências religiosas conquistaram seus adeptos e, ao mesmo tempo, mostrava à população que a Igreja estava desvirtuada.

Todos esses desvios da Igreja comprometeram a credibilidade daquela instituição. Isso porque naquele momento estavam se desenvolvendo o espírito intelectual, o sentido de defesa da nacionalidade e o desenvolvimento da classe média urbana que juntos fariam severas críticas aos atos tomados pelos membros da Igreja. Questionava-se o real objetivo daquela instituição religiosa, que naquele momento tinha uma preocupação maior com o poder sobre os povos do que com a pregação religiosa. (61)

Mas o clímax da crise foi a cisma no papado. Isso ocorreu porque com a morte de Gregório XI, a luta entre o povos romano e os cardeais franceses acaba provocando a eleição de dois Papas. Uma sede papal ficou localizada em Roma, outra em Avignon sendo que esses dois pontífices se condenaram reciprocamente.

Surge dois movimentos importantes: o Renascimento e a Reforma.

O Renascimento veio para promover expressão plena da vida humana. A paixão desvairada pela arte e pela arquitetura humanistas influenciam o homem tanto sobre a fé como sobre a moral. Com isso os ideais cristãos foram banalizados e o paganismo se tornou moda. (62)

A Reforma empreendida por Lutero foi o prolongamento daquela reforma proposta por Gregório. Lutero defendia a concepção de justiça de Deus e repudiava a indulgência. Mais tarde ele rompe com a Igreja e é excomungado por ela.

Com a finalidade de dar a compreensão correta à Igreja, Lutero defendia o Evangelho como lei suprema e a bíblia como critério único e pessoal do homem, põe ele em questão a totalidade do aparelho eclesiástico, sem contudo, rejeitar a necessidade da entidade objetiva Igreja. Essa visão de Lutero não fora, porém, um consenso entre os movimentos que defendiam a reforma. Entre estes estavam o de Zwingli, o de Calvino e o Anglicano. (63)

Diante desses movimentos protestantes a Igreja se viu obrigada a dar respostas e reexplicar sua dogmática. Para fazer isso criou-se um concílio em que cada ponto pudesse ser aberta e completamente discutida, e ao qual os protestantes, se quisessem, poderiam comparecer. Esse evento ficou conhecido como Concílio de Trento, e tinha como algumas funções:

  1. Insistir na supremacia papal.
  2. Manter a autoridade da Bíblia e esclarecer que ela não é a única orientação para a fé.
  3. Afirmar que a Igreja é quem interpreta a Bíblia.
  4. Reexplicar o "Pecado Original".
  5. Mostrar os valores dos sacramentos.
  6. Mostrar o significado, de suma importância, da Eucaristia.
  7. Mostrar a presença de Cristo através da sua Transubstanciação.
  8. Afirmar que a missa é um sacrifício tal como o calvário, porém Cristo seria oferecido de outro modo.
  9. Confirmar que o casamento não poderia ser dissolvido mediante traição.
  10. Dizer que a Unção dos Enfermos é também um sacramento verdadeiro.
  11. Afirmar que o catolicismo necessitava de indulgências, porém estas não seriam na forma de bens, e sim na forma de devoção e reza.

Em suma, o Concílio traçou limites entre o dogma católico e a teologia protestante. Essa radicalização, no entanto, afastou ainda mais os protestantes.

          1.2. A Igreja Na Atualidade

A Reforma teve fundamental papel no desenvolvimento posterior das religiões, pois suas conseqüências estendem-se até hoje. Exemplo dessas conseqüências foi a radicalização, vista atualmente entre protestantes e católicos. Surgem, também, no catolicismo e protestantismo movimentos que visavam o conservantismo que assumiu formas reacionárias (64) muito ativas (fundamentalismo entre os protestantes e integrismo entre os católicos).

Com o surgimento do iluminismo, houve uma grande oposição quanto ao jesuitismo nos países católicos. Essa Era iluminista induz, também, o racionalismo na religião, e leva os ingleses a pensar a entre a forma de um deísmo cristão e, posteriormente, a forma de oposição total à religião organizada.

          2. A IGREJA NA AMÉRICA

A América começa a receber as influências a partir do momento de suas colonizações, tais como as conquistas católico-espanholas (1493), portuguesa em 1500, peregrinos e puritanos protestantes na Nova Inglaterra (1620). (65) O desenvolvimento das igrejas protestantes no EUA, tanto se manifestou no crescente número de fiéis quanto na multiplicação das denominações. (66) Simultaneamente, surgem outras versões de religiões protestantes que ganham rápida adesão de fiéis.

Com a explosão dessas novas e diferentes igrejas, o Concílio do Vaticano II revelou, recentemente, uma posição nova e favorável não somente ao diálogo entre cristãos de diferentes Igrejas, mas também com outras religiões e com o ateísmo. Com isso o Papa aceita a eclesialidade das demais igrejas cristãs.

Mais recentemente vem ocorrendo uma nova forma de religião, mais conhecida como popular. (67) E é crescente o número de fiéis dessas religiões o que vem preocupando a Igreja, pois o catolicismo perde muitos adeptos para aqueles credos.

Esse sectarismo de igrejas pode ser entendido como parte de um conjunto estrutural do mundo atualmente. Isso porque com a chagada da tecnologia e dos novos modos de se viver, agravado pelas condições econômicas precárias, a população de classe inferior tende a buscar um auxílio espiritual que a faça sonhar com um modo melhor de vida a curto prazo. É por essa razão que esses tipos de igrejas visam a iludir seus fiéis se utilizando da palavra de algum Deus, e muitas vezes ainda cobram por isso.

          3. HISTÓRIA DA IGREJA NO BRASIL

          3.1. Aspectos Gerais Da Evangelização E Da Instituição Da Igreja Durante O Período Colonial

Os missionários que evangelizaram o Brasil partiram todos de Portugal, seguindo um processo chamado de colonial. Tinham em mente a exclusividade (ou seja, temiam a concorrência de outras nações colonizadoras) e quando aqui chegavam havia a fase do "resgate", onde ocorria a troca de presentes a fim de deslocar os indígenas de seu lugar tradicional para engajá-los na empresa colonial.

Foi no ano de 1500, com o seu "descobrimento" por Pedro Álvares Cabral que o Brasil entra nessa empreitada. Chegaram ao Brasil, na frota de Pedro Álvares, oito franciscanos em companhia de Frei Henrique de Coimbra. Mas, o estabelecimento mesmo da ordem franciscana no Brasil está ligado à conquista da Paraíba, lá pelos anos de 1580. Depois vieram também os carmelitas, beneditinos e os jesuítas. A vinda destes últimos está ligada ao plano de D. João III de colonização do Brasil.

Com respeito ao padroado no Brasil, cumpre salientar que foram os diversos arranjos que conseguiram instrumentalizar a Igreja Católica aqui, exprimindo o Brasil uma aliança entre Roma e Portugal no séc. XV. Os reis de Portugal gozavam do direito de padroado sobre as novas colônias portuguesas e deste modo os monarcas constituíram como verdadeiros chefes espirituais das novas terras, por delegação do papa. Por essa razão, ao monarca português competia implantar a fé cristã nas terras brasileiras.

O significado da atuação dos religiosos na fase colonial do Brasil deve ser entendido dentro do contexto da política colonizadora de Portugal. Para os monarcas portugueses, colonizar e evangelizar se colocavam em pé de igualdade, e muitas vezes se confundiam. Com freqüência os colonizadores identificavam a cultura européia, e especificamente a cultura portuguesa, com o cristianismo. Sendo assim, evangelizar torna-se sinônimo de aportuguesar.

Em 1553 começam os famosos movimentos jesuíticos, com José de Anchieta e Nóbrega e as conhecidas experiências de aldeamentos. Havia uma aliança entre os padres jesuítas com o poder colonizador, porém isto não nos pode fazer perder de vista o valor missionário da experiência jesuítica. Os jesuítas que acompanharam Tomé de Sousa na sua expedição ao Brasil em 1549 se transformarão nos baluartes de defesa da liberdade dos índios, muitas vezes violada pelos colonos em vista da necessidade de braços nas lavouras.

Os jesuítas foram indiscutivelmente os pioneiros da educação no Brasil. Até 1759, data em que Pombal os expulsou, tiveram eles absoluta liderança no setor da educação. Embora o que mais se ressalte seja a obra catequética e evangelizadora, o ponto mais alto de sua atividade está no campo educacional. Já no século XVI os principais centros urbanos do Brasil, como Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, contavam com colégios jesuítas. Ao lado da formação dos futuros jesuítas, que continuou sendo sempre uma das finalidades dos colégios, o alto nível intelectual desses estabelecimentos de ensino preparou os homens que assumiram a liderança do Brasil colônia

Os franciscanos tiveram a sua fase de estabelecimento em conventos a partir de 1585, com a criação da custódia de Santo Antônio em Olinda.

A partir de 1617, a atenção se volta para o Maranhão, surgindo um novo impulso a partir de 1657, quando a Custódia de Olinda é elevada a província, recebendo da coroa novas missões entre Bahia e Paraíba que conserva até meados do séc. XIX (1863).

Com relação à história dos indígenas no primeiro período colonial, é marcante a sua eliminação nas regiões ocupadas pelo branco.

Através de alguns conflitos que surgiram desde o início da evangelização, podemos detectar provas do verdadeiro espírito missionário que animava muitos missionários, como o ocorrido na Paraíba, entre franciscanos e jesuítas, não sendo uma mera discórdia entre clero secular e regular, e sim uma questão de tomada de posição frente ao poder colonial.

Com relação às dioceses, a sua criação durante o período colonial dependia do poder real, sendo muito escassas nessa época. Não corresponderam às exigências do da Igreja do Brasil.

O episcopado também tem pouca influência durante o período colonial, limitando a sua atuação, geralmente, a aspectos de jurisdição eclesiástica, e com freqüência executando função supletiva de cargos públicos.

A participação no governo político significava alta consideração pela dignidade episcopal, mas implicava num envolvimento profundo nos prelados na política colonialista, passando a serem defensores e porta-vozes, em certo sentido. Mesmo assim, houve bispos que protestaram ou simplesmente não se conformaram com as imposições da metrópole, sendo muitos chamados até Portugal para prestar contas de sua atuação ou afastados da sede episcopal e exilados. Nem mesmo isso permitiu que a estrutura do regime fosse questionada pelos bispos, pois a dependência com o rei de Portugal como chefe religioso era bem maior do que a vinculação com a Santa Sé. Com a reforma pombalina na segunda metade do século XVIII o regalismo passa a ser a mentalidade dominante, e a vinculação dos bispos ao poder civil se torna mais patente.

A Igreja do Brasil teve um caráter predominantemente leigo, por força da instituição do padroado. Os leigos participavam ativamente nas construção das igrejas, nos atos do culto e na promoção de devoções.

Um dado histórico importante ocorrido na época foi o caso da Confederação dos Tamoios , sendo os fatos ocorridos os seguinte: na conquista da região da Guanabara, atual Rio de Janeiro, os portugueses encontraram entre 1554 e 1567 forte oposição por parte de uma confederação entre indígenas tupinambás, goitacazes e aimorés , que se deram o nome de "tamoios", que em língua tupi quer dizer: nativos, gente do lugar, velhos da terra. Era uma guerra entre brasileiros nativos, defensores de seu lugar e que tinham consciência do lugar brasileiro, e portugueses novatos, invasores do lugar brasileiro, intrusos. Dentre os demais efeitos surtidos do episódio e da luta que se travou, este movimento em prol da dignidade humana e da fraternidade perdida pelo sistema colonial formou a religião popular no Brasil. O povo, que acostumou ser vendido, traído, humilhado e sangrado, não perdeu a sua dignidade, mas transformou os símbolos da religião dos dominadores em símbolos de sua fé em Deus, de sua paciência apesar de tudo, de sua dignidade, em situações de extrema miséria e degradação, de forma que o catolicismo popular, consoante expõe J. B. Lassègue, se tornou a expressão mais valiosa do evangelho na realidade brasileira (68).

Quanto à formação de vocações nativas, é importante destacar que até a expulsão dos jesuítas no ano de 1759, a formação do clero religioso e do clero diocesano esteve nas mãos de grandes ordens religiosas, como os jesuítas, os beneditinos, etc., podendo-se notar durante esse período duas correntes de pensamento a respeito de se cultivar vocações nativas para o sacerdócio. O primeiro grupo sustenta a impossibilidade da formação de um clero autóctone, alegando o baixo nível cultural, a proclividade para o relaxamento moral e o desprestígio que adviria para o clero mediante a aceitação de elementos indígenas, africanos ou mestiços. Já o segundo grupo defende a idéia de um clero nativo, alegando que esses elementos teriam melhor compreensão do caráter do povo e de seus costumes, mais facilidade na transmissão evangélica e maior disponibilidade para o trabalho apostólico, além de que ajudaria a romper os vínculos de um dependência permanente da metrópole. Podemos destacar a atuação dos jesuítas por apresentarem uma séria preocupação com a formação dos futuros sacerdotes, visando dar continuidade ao trabalho de evangelização e catequese dos indígenas.

A ação missionária no litoral brasileiro estava irremediavelmente ligada aso percursos coloniais e por isso entrou em declínio com o estabelecimento da cultura baseada na cana-de-açúcar e em um sentido mais amplo, esta oposição significa a total incompatibilidade entre missão concebida em termos cristãos de fraternidade e implantação de estrutura agrária baseada em termos de escravidão.

E assim a atividade missionária, a partir do final do séc. XVII entra em decadência, dando lugar ao atendimento aos "moradores", ou seja, aos portugueses aqui residentes, com o surgimento de igrejas, etc.

A vida religiosa, a partir da metade do século XVIII também entra numa fase de crise progressiva. Entre as principais causas está a oposição do Marquês de Pombal aos religiosos em geral e aos jesuítas em particular. Além disso, todo o século XVIII respirava novas idéias do enciclopedismo e do iluminismo, com tendências anticatólicas e antijesuíticas. O resultado foi a expulsão dos jesuítas em 1759.

A partir de 1759, a política de Portugal foi de restrição à vida das Ordens religiosas, até chegar à supressão explícita de conventos e províncias, sendo uma das razões mais fortes dessa oposição do governo o poderio econômico dessas Ordens.

Com relação à presença de outras instituições religiosas não sendo a católica, temos também a presença de missões protestantes na história brasileira, sendo o primeiro episódio em que o protestantismo estava envolvido o da efêmera colonização francesa na baía da Guanabara (1555-1560). Depois, outro período de influência protestante foi o da colonização holandesa no Nordeste (1630-1654), que atingiu temporariamente todo o litoral desde o Maranhão no Norte até o rio São Francisco no Sul.

          3.2. Aspectos Gerais Da Igreja No Fim Do Período Colonial

No início do século XVIII, a situação da religião no Brasil era de perda de identidade, onde o padroado esvaziava de tal forma a função episcopal que os bispos não chegavam a constituir um centro de unidade, além de que o episcopado continuava pouco numeroso, frente ao aumento populacional que vinha ocorrendo, sendo sua influência insignificativa, uma vez que a maior parte das funções episcopais era exercida pela instituição leiga do padroado. Outro dado histórico de decadência era que o papel exercido pelos jesuítas, cuja rede de colégios cobria os pontos mais importantes do litoral, não foi assumido por ninguém. O relacionamento dos fiéis com os pastores reduzia-se a ocasiões especiais, geralmente no tumulto das grandes festas. Repetindo o que dantes foi dito, a Igreja, no Brasil, era uma organização de leigos.

Após a independência, dois partidos se formaram no clero. Um, liderado pelo Padre Antônio Feijó, incluindo o clero de São Paulo, via a possibilidade de constituir-se uma Igreja nacional, cujo centro de unidade seria um Concílio Nacional, além de quererem acabar com os religiosos e tornar o celibato sacerdotal livre, para por um fim aos problemas relacionados a ele. O outro partido, liderado pelo arcebispo da Bahia, Romualdo Antônio de Seixas, propunha a formação de um clero celibatário, mais ligado a Roma, com autonomia do poder espiritual em relação ao Governo.

O Relacionamento de Roma com a Igreja do Brasil era quase nulo nessa época, desnecessário e até suspeito, uma vez que a extensão sem limites do padroado era aceita por bispos e padres.

Com relação aos índios, ou melhor, ao que sobrou deles, neste período, a sua história foi de extermínio e desaparecimento. No início do século XIX os índios eram ainda numerosos, num total difícil de precisar, em torno dos 500.000, numa população global de menos de quatro milhões. Houve também os índios que, sem outro opção, tiveram que abandonar seus costumes e tradições e se integrar na vida do branco, numa sociedade nada promissora para as suas necessidades de convivência e sobrevivência.

No que concerne aos escravos, uma das instituições mais típicas da sociedade brasileira continuava sendo a escravidão negra, mesmo contra as pressões que a Inglaterra fazia para a abolição.

A Igreja era possuidora de vastos terrenos, provenientes principalmente de doações, heranças e promessas dos fiéis e tais terras constituíam patrimônio do santo ou da santa, administradas freqüentemente por leigos. Nas igrejas de Minas, podemos constatar o declínio do ciclo do ouro: muitas foram preparadas para receber esse revestimento e ficaram incompletas.

Um problema da época foi a confusão criada pelo sistema do padroado régio, que recolhia impostos pesados sob o título religioso de dízimos eclesiásticos mas não assumia os compromissos de manutenção do culto, o que era extremamente prejudicial para a imagem da Igreja.

Os dados históricos referentes aos anos subseqüentes à Independência em 1822 serão abordados na Parte III desta. O que tivemos até aqui foi uma panorama geral da conjuntura da Igreja nos fins do período colonial. Após a Independência política de Portugal, a Igreja Católica toma novos rumos aqui, que podem ser analisados em paralela comparação com as Constituições que se sucederam em nossa História, apreciando assim os dados que nos informarão da influência da Igreja em nossas decisões políticas e nos próprios dogmas constitucionais.


PARTE III

A MANIFESTAÇÃO DO ASPECTO JURÍDICO-POLÍTICO DA IGREJA

1. A Igreja nas Constituições Brasileiras

          1.1. A Igreja na Constituição de 1824

          1.1.1. A união entre o Estado e a Igreja

Não podemos estudar a história nacional separando a vida brasileira da Igreja. Como diz Padre Manoel Barbosa:

          Nascemos sob as bençãos da Igreja, iniciamos a colonização com o seu auxílio extraordinário, contamos nos primeiros reveses com o seu incomparável socorro, obtivemos com seu decidido apoio as maiores vitórias, e conseguimos com as suas luzes a civilização de que já nos podemos ufanar. (69)

Nesta época, anterior a independência, a Igreja predominante era a Católica. O Brasil era tão católico que a Constituição Política de 1824, o Pacto Fundamental do Império, não fez senão reconhecer esse fato, prescrevendo no artigo 5o: "A religião católica, apostólica, romana, continuará a ser a religião do Império".

Fundado, então o Império com a proclamação da independência a 7 de setembro de 1822, seguiram seus governantes rumo bem diverso do que se observara no período colonial. Este período, anterior à independência, foi moldado pelos sentimentos religiosos. As normas jurídicas em sua quase totalidade eram religiosas.

O início da independência política assinalou o início de uma grande restrição da liberdade para a Igreja, que dia a dia se acentuou e posteriormente alcançou o auge no último quartel do século XIX, quando o Catolicismo, de religião oficial, se tornou uma vítima sob as regalias.

No Império, deu-se início entre o poder civil e o poder eclesiástico uma perfeita antítese. Enquanto este procurava firmar-se sobre os alicerces da legislação canônica, aquele tudo fazia para arrancá-lo de tão sólida base, procurando seduzi-lo, enfraquecê-lo, dominá-lo, escravizá-lo" (70).

O governo imperial tentava então "atar as mãos" da Igreja. Isto pode ser confirmado por Júlio Maria quando diz que o regalismo invadiu tudo, apoderou-se de tudo, de tudo serviu-se, leis, códigos, ministérios, câmaras, assembléias para manietar a Igreja (71).

Logo, nota-se que o Império surgiu apoiado nas escravidões da Igreja e da raça negra e desmoronou quando se tornara impossível mantê-las sob o mesmo jugo e com o mais absoluto predomínio, ou seja, enquanto se manteve o governo imperial em concordância com a Igreja, o Império caminhava perfeitamente. No entanto, quando o governo sobrepôs-se à Igreja, tentando manietar-lhe, o Império ruiu em suas bases e desmoronou.

          1.1.2. A liberdade religiosa no Império

A Constituição do Império, outorgada por D. Pedro I a 25 de março de 1824 firmou em seu artigo 5o o princípio constitucional da Religião do Estado e institucionalizou como sendo a religião oficial do Império, como já citado, a Católica, apostólica, romana. Assim o culto católico interno como externo constituiu um dos direitos fundamentais dos brasileiros (72).

A religião Católica, e consequentemente a Igreja Católica ficam assim protegidas constitucionalmente. Porém, não era somente a religião Católica a permitida no Império, pois a fé, o amor, a adoração espiritual, é uma relação imediata do homem para com Deus; é um ato privativo de sua consciência. Esta liberdade é um dos mais invioláveis da humanidade ao qual nenhum poder político tem acesso (73).

Percebe-se, então, que o culto interno, seguindo outras religiões é permitido. Quando porém o culto passa a ser externo, manifestando o indivíduo publicamente seu pensamento, sua crença, pelo ensino ou prédica, pelas cerimônias, ritos ou preces em comum (74), objetivando formar uma Igreja de outra religião, que não a católica, tem lugar a intervenção do legítimo poder social em defesa da ordem pública e dos bons costumes. Esse poder social impõe que aquelas pessoas que pretendem seguir outras religiões devem respeitar a do Estado e não ofender a moral pública, crime esse tipificado no Código Penal da época.

Com relação ainda à formação de uma Igreja de outra religião, dizia o artigo 5o, alínea b: "Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo;"; a partir da interpretação desta alínea, nota-se que o culto de outras religiões era permitido, porém de forma discreta, sem divulgação exterior, podendo o local de sua realização ser decorado internamente do modo como quiserem os seus seguidores.

          1.1.3. O poder da Igreja no Estado

Tratado até o momento da liberdade religiosa no Império, mostraremos agora um pouco sobre o poder eclesiástico no aspecto jurídico.

As autoridades eclesiásticas tinham o poder de emitir constituições eclesiásticas, decretos dos concílios e letras apostólicas, porém esse poder era muito limitado, pois para que esses atos das autoridades eclesiásticas pudessem vigorar ao menos no foro externo, dependiam da aprovação do Poder Executivo ou, em determinados casos da Assembléia Legislativa.

Esta aprovação ou, logicamente, negação dos atos eclesiásticos era conhecida como beneplácito régio, o qual era previsto na Constituição em seu artigo 102, §14 que dizia: "Compete ao Poder Executivo conceder o negar beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas e quaisquer outras constituições eclesiásticas que não se opuserem a Constituição, precedendo a aprovação da Assembléia, se contiverem disposição geral".

O beneplácito é uma figura tipicamente regalista que supõe a necessidade de assentimento estatal para que possam vigorar, ao menos no foro externo, os atos da autoridade eclesiástica.

Os atos das autoridades eclesiásticas não poderiam de forma alguma conter disposições contrárias à Constituição do Império, e ainda assim poderiam obter beneplácito negativo.

Quando esses documentos possuíam disposições particulares, por exemplo com relação a uma Igreja, eram submetidos tão-somente ao beneplácito do Poder Executivo. Porém, quando traziam disposição geral, isto é, quando determinam princípios, normas o decisões que devem vigorar em toda Igreja universal, o beneplácito é reservado à Assembléia-Geral Legislativa.

Essa aprovação prévia, segundo José Antônio Pimenta Bueno, é indispensável, pois na respectiva constituição, bula ou decisão pode porventura o legislador eclesiástico incluir algum princípio nocivo ao Estado. (75)

Julga-se, então, pelo lado do Estado que o beneplácito era necessário e correto, no entanto, os bispos brasileiros não concordavam com isso e como diz Magalhães de Azevedo, essa questão "é o cárcere de ouro", causa e origem de tantas angustias para a Igreja e o Estado.

Outra manifestação do poder eclesiástico no aspecto jurídico, e de importância para o nosso estudo, era a manifestação dos Tribunais eclesiásticos.

Enquanto esse tribunais exerciam suas funções corretamente, principalmente sem cometer abusos de autoridade, suas decisões eram normalmente respeitadas, assim como as decisões dos tribunais civis. Porém, existia o chamado recurso à Coroa ou no dizer dos regalistas os chamados "recursos de forças" que consistiam numa apelação contra o abuso ou improcedência dos tribunais eclesiásticos (76).

Quando, portanto, os tribunais abusavam do poder, ou então faziam uso ilegítimo da jurisdição eclesiástica cabia tanto ao ofendido, eclesiástico ou secular, como ex officio pelo procurador da Coroa invocar o recurso à mesma, para que um juiz civil corrigisse as sentenças eclesiásticas.

Tanto o recurso à Coroa como o beneplácito régio, são considerados medidas regalistas, isto é, medidas tomadas pelo Governo Imperial para poder intrometer-se através do poder civil nos negócios eclesiásticos.

          1.1.4. O casamento

O casamento, na época do Imperio, criava uma relação de interdependência entre a Igreja e o Estado, onde para a primeira o matrimônio correspondia a um sacramento e para o segundo, a um contrato.

          Por ser o contrato válido um sacramento, compete à Igreja, ´ipso jure´, a regulamentação do próprio contrato. A Igreja, por sua vez, ensina que, por estar o matrimônio, célula primária da sociedade, ligado à conservação e à propagação da espécie humana, o Estado tem a respeito sua própria competência. Implícita ou explicitamente reconhece as seguintes faculdades à autoridade civil: a) a promulgação de um direito matrimonial positivo para os não-cristãos, contanto que não seja contrário aos princípios do Direito Natural; b) a regulamentação dos efeitos meramente civis, patrimoniais, administrativos e honoríficos. (77)

Embora existissem essas atribuições ao Estado, o casamento era quase que totalmente regido pelo direito canônico, o que causava uma posição incerta e desagradável àqueles que não eram católicos, pois estava o País ainda ligado à antiga e intolerante legislação portuguesa que exigia como prova de estado civil a certidão do pároco católico.

Sendo permitidas outras religiões no Império, deverm ser recebidos como fatos legítimos e irrecusáveis os casamentos realizados segundo elas.

Era então necessário o casamento civil. Por isso, em abril de 1855, foi esboçado o primeiro projeto de lei sobre o casamento civil. Não se tratava, porém, de casamento de pessoas sem religião ou de outras religiões, mas somente de católicos com protestantes ou de protestantes entre si, relata Nabuco (78).

Neste meio tempo, continuava no Império a Legislação canônica, existindo apenas o casamento religioso capaz de produzir efeitos civis. O casamento civil como lei geral será introduzido somente na República.

Nota-se, a partir do que foi relatado, que com relação ao casamento, a Igreja suprimia a falta de legislação por parte do Estado Imperial.

Estas são, portanto, as principais manifestações do apecto jurídico da Igreja na sociedade do Império, onde, por determinação constitucional, era predominante a Católica.

          1.2. A Igreja na Constituição de 1891

Em 15 de novembro de 1889, o General Deodoro de Fonseca proclamou a República e tornou-se seu chefe de Governo.

          1.2.1. A separação da Igreja do Estado

Temendo a separação da Igreja do Estado, o arcebispo da Bahia, Dom Luís Antônio dos Santos, em uma carta ao novo chefe de Governo, em carater confidencial, expressou seus temores sobre a publicação dos decretos da separação da Igreja do Estado e do casamento civil.

Pelo exposto, percebe-se que a Igreja, embora fosse escrava do regime protecionista do Império, não estava preparada à mudança de regime e sobretudo não desejava a separação do Estado: independência, sim; separação, não.

Durante todo o Império, o Brasil tinha vivido num regime de comunhão com a Igreja, com uma legislação copiosa que regulava as relações do Estado e da Igreja e os recursos à Coroa.

Em vista disso, era necessário que o Governo Republicano levasse em conta esta situação, evitando melindrar tanto o Clero como a quase totalidade da população que era católica.

Buscando conciliar relações e interesses antagônicos da Igreja e do Estado, surgiu afinal o famoso decreto de separação da Igreja do Estado, Decreto no 119-A, de 7 de janeiro de 1980. Não podemos negar que esse decreto foi o mais importante sancionado pelo Governo Provisório e encerra as mais delicadas questões da vida brasileira. É um documento sereno, discreto e preciso. Não contém excessos nem esconde ódios. (79)

O Episcopado brasileiro, perante o decreto de separação, se pronuncia através de Dom Almeida Lustosa, que demonstra sua opinião com relação ao mesmo. Dom Almeida diz:

ver nossa Igreja, que tem acompanhado toda a evolução de nossa história, que tem tomado sempre parte em todos os grandes acontecimentos nacionais, confundida de repente e posta na mesma linha com algumas seitas heterodoxas que o aluvião recente da imigração tem trazido às nossas plagas... (80).

Vê-se que Dom Almeida lamenta que tenha havido um certo rebaixamento da Igreja Católica perante os olhos desta, pois antes ela era equiparada ao Estado, em se falando de seu poder, agora é comparada à outras religiões menos conhecidas, tornando-as assim de igual valor.

No entanto diz Dornas, também influente na Igreja Católica: Se nele há cláusulas que podem facilmente abrir a porta a restrições odiosas dessa liberdade, cumpre reconhecer que, como está redigido, o decreto assegura a Igreja Católica do Brasil certa soma de liberdades como ela nunca logrou no tempo da monarquia... (81).

Perante essas palavras, nota-se que o Episcopado, embora lamentando o certo rebaixamento surgido por força do decreto, se consola com a soma de liberdades que antes não lhe eram conferidas.

Por estas palavras de Dornas e de Dom Almeida, o Episcopado reconhece o valor do decreto e admite a separação.

          1.2.2. A liberdade religiosa no decreto 119-a

A Liberdade Religiosa existente no Decreto 119-A diz respeito às liberdades concedidas a partir de então à Igreja Católica e não a todas as religiões, sendo que esta quem faz é a Constituição.

As liberdades concedidas à Igreja Católica, resumidamente, dizem respeito em quase sua totalidade ao fim da influência do Governo na Igreja, não podendo mais aquele influenciar em nada nesta. Esta liberdade, então, significa a libertação da Igreja do Estado.

          1.2.3. A liberdade religiosa na Constituição de 1891

Falando agora da liberdade religiosa referente a todas as religiões, ou seja, a liberdade contida na Constituição, podemos dizer que a primeira Constituição Republicana, que foi promulgada a 24 de fevereiro de 1891 por uma Assembléia Constituinte convocada pelo Governo Provisório, instituído após a proclamação da República e que foi elaborada com base em projeto governamental, no qual Rui Barbosa se destacou como um dos principais, senão o principal e o mais perfeito artífice, aumentou em partes a mesma, principalmente em relação às outras religiões, que não a Católica.

Vê-se que a Constituição de 1891 trata todos os cultos religiosos, inclusive o católico, de modo igual, permitindo a todos a liberdade de culto interno e externo, e além disso, o Estado assume a função de protetor desses cultos no dizer de Barbalho:

          É fora de dúvida, todavia, que na sua tarefa de garantir direito em todas as suas relações, o poder público deve assegurar aos membros da comunhão política, que ele preside a livre prática do culto de cada um e impedir quaisquer embaraços que os dificultem ou impeçam, procedendo nisso de modo igual para com todas as crenças e confissões religiosas (82).

Nota-se claramente que a Constituição de 1891 amplia a de 1824, pois não proíbe a construção de templos de outras religiões, o que antes somente era permitido à Igreja Católica. Isso levará a formação de novas igrejas que virão a possuir seus templos, igualando-se à Católica no aspecto jurídico.

Conclui-se a partir disto que:

          em nome de princípio algum, pode a autoridade pública impor ou proibir crenças e práticas relativas a este objeto, seria violentar a liberdade espiritual. Pertence ao Estado protegê-la como as demais liberdades. Nenhuma lei poderá, jamais invadir o domínio do pensamento; este libra-se acima de todos os obstáculos com que se pretenda tolhê-lo. (83)

No entanto, embora a Constituição não acrescente ao livre exercício dos cultos a condição de certos limites, todavia, outro não pode ter sido o pensamento do legislador. Subentende-se, portanto, que a liberdade garantida pela lei é aquela que não prejudica e não se opõe à moral ou aos bons costumes reconhecidos e aceitos pelos povos civilizados. (84)

          1.2.4. A personalidade jurídica da Igreja

Com o Decreto 119-A de 1890, um ano após a instauração da República, o Estado se separa da Igreja. Mais um ano adiante, é promulgada a primeira Constituição Republicana, que viera conceder maiores liberdades no que diz respeito à religião, permitindo, inclusive, a instauração de templos de outras confissões.

Diante do que foi dito no parágrafo anterior, pode-se dizer que a Igreja Católica se tornou independente do Estado e, portanto, a dominação jurídica que este exercia sobre aquela através do beneplácito régio e do recurso à Coroa foi abolido pela nova Constituição.

Assim, a República adotou o princípio da igreja livre em Estado livre, e com isto, a Igreja Católica passa a ter uma caracterização e influência jurídica na sociedade que é também obtida por todas as outras igrejas, não importando o culto que as originam. Portanto, a Igreja Católica não exerce mais a função jurídica que exercia antes e como diz José Scampini, riscou-se de um só lance pelo artigo 72, § 3o, todo o passado jurídico de mais de cinco séculos. De extremo ao outro extremo. (85)

Pelo artigo 72 da Carta Maior todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum. Nota-se, portanto, que os diversos cultos poderiam fundar suas igrejas e até adquirir bens observando apenas as disposições do direito comum. Aqui, percebe-se que o Estado nada mais influencia na igreja, porém, impõe-lhe regras, assim como ela, diferentemente de períodos anteriores, também não influencia mais no Estado.

A partir do momento em que existem associações religiosas, estas devem possuir personalidade jurídica, pois, no direito constitucional brasileiro, desde que se procedeu a separação entre a Igreja Católica e o Estado, a Santa Sé é pessoa de direito internacional e as associações religiosas, simples pessoas jurídicas de direito privado (86). Aqui é possível fazer um paralelo com o artigo 72 da Carta Política vigente na época. Este artigo dizia que as associações religiosas deveriam respeitar o direito comum, e de acordo com o dito acima, isto é, essas associações serem pessoas jurídicas de direito privado, nada mais correto do que elas respeitarem o direito comum a todas as associações de direito privado. No entanto, a restrição feita não fica bem colocada, pois outras associações podem dispor de seus bens, e as religiosas, não.

          1.2.5. O casamento

Como visto anteriormente, no período do Império chegou-se a conclusão de que era necessário o casamento civil. Este foi criado no Brasil, somente em 1890, já na República, pelo Decreto n o 181, de 24 de janeiro de 1890.

Posteriormente, em 1891, a Constituição recém aprovada reza em seu artigo 72, § 4o: "A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita". Deste parágrafo conclui-se que o casamento que tem agora validade civil é somente o casamento civil, que é totalmente regulado pelo Estado, ficando o casamento religioso somente válido perante a igreja e perante Deus, sem nenhuma conseqüência civil.

Portanto, percebe-se aqui mais um aspecto relevante com relação à separação da Igreja do Estado, pois o casamento religioso era quem produzia efeitos civis no Império, agora, na República, com a separação, distingui-se o casamento religioso do civil.

Estes são os principais aspectos jurídicos da Igreja na Constituição de 1891, podendo, já aqui, ser tratada aquela de um modo geral, independente do culto, isto é, daqui por diante podemos denominar igreja não somente a Igreja Católica, e sim todas as associações religiosas, pertencentes a qualquer confissão.

          1.3. A Igreja na Constituição de 1934

A Constituição de 1934 foi promulgada a 16 de julho por uma Assembléia Constituinte que o Governo Provisório, instalado após a Resolução de 24 de outubro de 1930, sob chefia de Getúlio Vargas, havia teimosamente retardado, mas que afinal teve de convocar através de eleições diretas.

Ao contrário da anterior, que era eminentemente política, a Carta Maior de 1934, seguindo uma nova concepção do direito e do Estado, recebeu de maneira sensível a influência dos abalos sociais provocados pela Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918).

Nessa nova Carta Política surgiram inovações importantes, dentre as quais estudaremos as que estão relacionadas com a igreja.

          1.3.1. A separação do Estado da Igreja

Uma inovação importante da nova Constituição com relação ao assunto por nós aqui tratado diz respeito às relações entre o Estado e a Igreja.

Os incisos II e III do artigo 17 da Carta de 1934 rezam: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício dos cultos religiosos. Ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo".

Assim como a Constituição de 1891, a de 1934 separa a igreja do Estado, permitindo que exista o princípio da igreja livre em Estado livre. Então, ela continua a manter o Estado separado da igreja, não permitindo influência de um no outro.

No entanto, a nova Carta Magna permite a colaboração recíproca em prol do interesse coletivo, isto é, colaboração de todos os credos que desejarem, nos serviços públicos. Como exemplo dessas colaborações podemos citar a ministração de ensino religioso nas escolas, assistência religiosa a hospitais, nas penitenciárias e às classes armadas, em identidade, porém, de condições para todos e para todas as religiões, independentemente de seus credos.

Nota-se, portanto, que pode existir a partir de então uma certa relação do Estado com a igreja, porém, de simples colaboração em favor de interesse coletivo.

          1.3.2. A liberdade de consciência, de crença e de culto

Com relação à liberdade de consciência, de crença e de culto, que formam em conjunto o princípio da liberdade religiosa, a nova Lex Legum acrescenta a liberdade de consciência e de crença no que rezava a Carta Política de 1891. Ela o faz com as seguintes palavras: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contrariem a ordem pública e os bons costumes".

Logo, a liberdade de consciência e de crença passam a ser protegidas de modo explícito, o que não acontecia na Carta anterior, continuando, todavia, garantido o livre exercício dos cultos.

          1.3.3. A personalidade jurídica da Igreja

As associações religiosas, na Constituição de 1891, eram regidas pelo direito comum como previa a mesma. No entanto, a elas era permitido adquirir bens, mas não podiam aliená-los por restrição constitucional.

Com a nova Constituição, essa restrição cai e isso pode ser visto no § 5o do artigo 113 que diz: "As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil". Com isso, essas associações passam a ser tratadas como qualquer outra associação, sendo assim permitido a elas a compra e venda de bens conforme necessitarem.

          1.3.4. O casamento

O casamento, que no Império era somente o religioso e que produzia efeitos civis, que na Carta Política de 1891 existia sob a forma de religioso e civil, e que deveriam se realizados separadamente, produzindo efeitos civis somente o último, nesta Constituição pode vir a assumir diferentes formas daquelas previstas na Carta anterior.

Reza o artigo 146 da nova Constituição: "O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento celebrado perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo de oposição, sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no registro civil. O registro será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento".

Os casamentos nesta Constituição, podem então, ser celebrados separadamente o religioso do civil, produzindo efeitos civis este último, como era na Carta Política anterior, ou podem ser realizados juntos, perante, no entanto, à autoridade religiosa e autoridade civil, para que possa ter valor civil e consequentemente produzir efeitos civis.

São essas, portanto, as principais manifestações da igreja o mundo jurídico regido pela Carta Maior de 1934, notando-se aqui que não há mais nenhuma intervenção da Igreja Católica na Legislação Estatal, assim como o Estado, desde de 1891 laicizado, não influencia mais na Igreja, sendo os dois considerados totalmente distintos.

          1.4. A Igreja na Constituição de 1937

A Constituição de 1937 foi outorgada num golpe de Estado, a 10 de novembro, em plena campanha presidencial, pelo próprio Chefe de Governo, Getúlio Vargas, sob uma justificativa falsa como tantas outras emanadas do arbítrio (87).

Diz-se que de 1937 a 1945 o Brasil viveu praticamente sem Constituição, sob o domínio incontrastável da ditadura. Isso porque não fora realizado o plebiscito dentro do prazo estipulado pela própria Constituição, tornando-se a vigência desta, que antes do plebiscito seria de caráter provisório, inexistente. A Carta Magna de 1937 não teve, portanto, vigência Constitucional. É um documento de caráter puramente histórico e não jurídico.

No entanto, essa nova Constituição trouxe algumas modificações importantes em relação ao nosso assunto, isto porque ela regrediu à Carta Magna de 1891, destruindo os avanços conseguidos na Carta de 1934.

          1.4.1. A separação do Estado da Igreja

A Carta Política de 1937 manteve a igreja separada do Estado assim como as outras Constituições republicanas. Pode-se observar esse fato ao observarmos o artigo 32, alínea b da mesma Carta: "É vedado à União, aos Estados e aos Municípios estabelecer, subvencionar o exercício dos cultos religiosos".

A nova Carta Fundamental mantém o Estado laico, no entanto, ela exterminou um progresso alcançado pela Constituição de 1934, assemelhando-se assim à Carta de 1891. Assim escreve Pontes de Miranda, a Constituição de 1937 saltou 1934 e volveu 1891 no que se refere à laicidade do Estado (88).

Esse progresso abandonado pela nova Carta era a colaboração recíproca em prol do interesse coletivo. Assim ela acabou com a assistência religiosa às forças armadas, nos hospitais e em outros estabelecimentos.

          1.4.2. A liberdade de culto

Um outro aspecto da Carta Magna de 1937 que se assemelha à Carta de 1891, saltando o progresso da Carta de 1934 é a liberdade de culto concedida aos indivíduos e confissões religiosas. O §4o do artigo 122 da Constituição de 1937 reza: "Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente seu culto". Aqui, nota-se que a nova Carta omite a liberdade de consciência e de crença, assim como a de 1891. No entanto, esses direitos não deixam e nem devem deixar de existir, pois como diz Pontes de Miranda, a liberdade de consciência é, em verdade, um dos direitos acima dos Estados (89).

Assim, esses direitos que foram omitidos de má fé da Carta Política de 1937 ficam implicitamente assegurados pelo seu artigo 123 que diz: "A especificação das garantias e direitos enumerados não exclui outras garantias e outros direitos resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição".

          1.4.3. A personalidade jurídica da Igreja

Mais uma vez, agora tratando da personalidade jurídica das associações religiosas, a Constituição de 1937 retorna a de 1981, repetindo desta vez o mesmo dito na última.

Assim como em 1891, a atual Carta reza: "Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum".

Essa declaração da nova Carta Maior é mais uma involução da mesma, suprimindo os progressos alcançados pela Carta de 1934, pois esta dizia que as sociedades religiosas seriam regidas pela lei civil, podendo, portanto, tanto adquirir como alienar bens. A nova Lex Legum volta aos tempos antigos em que as sociedades religiosas só poderiam adquirir bens.

1.4.4. O casamento

A Constituição de 1937 não cogitou do casamento civil e nem do casamento religioso. Deixou o assunto para a legislatura ordinária. A lei, portanto, podia adotar só o casamento civil, ou só o casamento religioso, ou ainda, os dois. (90)

Devido à necessidade para solucionar o problema do casamento, surgiu a Lei no 379, de 16 de janeiro de 1937, que regulou o casamento religioso para os efeitos civis (91).

Finalizando os comentários sobre a Constituição de 1937, podemos dizer que ela foi uma Carta Política retrógrada, pelo menos com relação à igreja, pois ela regrediu todos os seus princípios referentes a esta ao passado, aniquilando os progressos da Constituição de 1934 e adotando os arcaicos preceitos da de 1891.

          1.5. A Igreja na Constituição de 1946

A Constituição de 1946 foi promulgada a 18 de setembro por uma Assembléia eleita em conjunto com o novo Presidente da República, General Eurico Gaspar Dutra, a 2 de dezembro de 1945.

Devido aos rigores ditatoriais do período em que vigorou a Constituição de 1937, a qual banira do País as liberdades públicas, os constiuintes de 1946 buscaram fazer com que a Carta Maior de 1946 restaurasse essas liberdades banidas. Como diz Sarasate, foi por isso mesmo que o Estatuto Fundamental de 1946, na maioria de seus aspectos, foi uma reprodução melhorada da Lei Básica de 1934, livre de seus defeitos e com novas virtualidades a serviço do bem público. (92)

Vejamos, então, o que essa nova Carta Política traz em relação à igreja.

          1.5.1. A separação do Estado da Igreja

A nova Constituição afirma em seu artigo 31 que: "À União, aos Estados e ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: II - estabelecer ou subvencionar cultos religiosos ou embaraçar-lhes o exercício; III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou Igreja, sem prejuízo da colaboração em prol do interesse coletivo".

Conhecemos a origem deste artigo. O seu inciso II reafirma o primeiro artigo do Decreto 119-A que vem sendo transcrito em todas as constituições a partir de 1891. Este inciso reafirma a independência da igreja do Estado.

O inciso III recompõe uma afirmação da Carta Magna de 1934 que havia sido omitida pela de 1937, permitindo novamente que as Igrejas colaborando reciprocamente com o Estado pudessem ministrar o ensino religioso nas escolas, a assistência religiosa nos hospitais, nas penitenciárias e às classes armadas. Resumindo, ele permite a colaboração recíproca em favor do interesse coletivo.

          1.5.2. A liberdade de consciência, de crença e de culto

Retomando novamente aspectos da Carta Magna de 1934, a Constituição de 1946 volta a desdobrar a liberdade de religião em liberdade de consciência, de crença e de culto, assim como nos mostra o § 1o de seu artigo 141: "É inviolável a liberdade de consciência e crença, e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo os dos que contrariem a ordem pública e os bons costumes".

Como vemos, a nova Carta Política reaviva o enunciado da Carta de 1934, voltando a permitir plenamente o culto interno e externo de qualquer religião desde que não perturbe a ordem pública e os bons costumes.

Uma relação entre este parágrafo do artigo 141 e os incisos do ítem anterior estabelecem uma nova característica do Estado. Essa característica é a de que o Estado, agora separado totalmente da igreja, não podendo de nenhum modo interferir nas diferentes confissões, a não ser que perturbem a ordem pública, assume a função de seu protetor, ficando obrigado a impedir perturbações que partam de terceiros. (93)

          1.5.3. A personalidade civil da Igreja

A personalidade civil das associações religiosas e as características do casamento foram substancialmente repetidas pela Constituição de 1946 como estava na de 1934.

O § 7o do artigo 141 estabelece que as associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil, sendo diferente da Constituição de 1934 somente porque esta usava a expressão nos termos da lei civil.

No entanto, a característica de sociedade comum lhe é devolvida, permitindo que adquiram ou alienem bens conforme for de seu interesse.

          1.5.4. O casamento

Com relação ao casamento, o artigo 163, §§ 1o e 2o, repete substancialmente o artigo 146 da Carta de 1934, desdobrando os seus preceitos nos atuais parágrafos.

Logo, voltamos a ter duas hipóteses previstas para o casamento. Uma em que seriam realizados os dois tipos de casamento separadamente, o civil e o religioso, cada um tendo suas respectivas conseqüências. Outra em que seriam realizados os dois casamentos simultaneamente, sendo que obedeceria aos rituais religiosos de cada confissão e ao mesmo tempo, às prescrições da lei civil.

Findados os estudos dos aspectos da Carta Política de 1946 que nos interessam, podemos dizer que, como afirmado anteriormente, esta Carta é praticamente uma réplica melhorada da Carta Maior de 1934, a qual já possuía ótimos preceitos para a sociedade, pois quase não precisou de alterações.

          1.6. A Igreja na Constituição de 1967

A Constituição de 1967 foi promulgada a 24 de janeiro pelo Congresso Nacional investido do poder constituinte delegado e teve sua vigência marcada para 15 de março, data da posse do novo Presidente da República, eleito pelo Congresso Nacional a 3 de outubro de 1966, Marechal Arthur da Costa e Silva.

Esta Constituição, que iniciou a vigorar com o Marechal Costa e Silva, sofreu a Emenda Constitucional número 1, de 17 de outubro de 1969, promulgada pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, que substituíram o presidente impedido de governar por motivo de saúde.

Analisaremos, agora, os aspectos da Constituição de 67, já emendada em 69, que dizem respeito ao assunto tratado neste trabalho.

          1.6.1. A separação do Estado da Igreja

Tratando-se da separação do Estado da igreja, a nova Constituição emendada faz algumas alterações no que foi afirmado na Carta Maior de 1946.

A Constituição de 1967 no inciso II do artigo 9o reza: "À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o exercício ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interesse público, na forma e nos limites da lei federal, notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar".

O princípio da Separação da Igreja é afirmado nos mesmos termos das Cartas de 1891, 1934, 1937 e 1946, com uma pequena alteração.

Essa alteração foi o acréscimo da expressão "seus representantes", que pode ser considerado como uma proibição de reconhecer às autoridades religiosas a personalidade jurídica de Direito Público Interno. (94)

          Implicitamente, constitui uma restrição à autoridade da Igreja Católica. Se não for uma restrição, é, pelo menos, uma precaução (95). Isso se fez, provavelmente como uma medida de fortalecimento do poder, perante a situação do País e dos países da América Latina, que estão sofrendo problemas de subversão e de guerra psicológica.

O princípio de colaboração consagrado pelas Constituições de 1934 e 1946 sofreu também uma restrição na cláusula que aparece na emenda de 1969 e que não se encontra no texto de 67: "na forma e nos limites da lei federal".

O Estado agora, limita e indica o modo como devem ser realizadas as colaborações em favor do interesse coletivo, fazendo-se através de lei federal.

Este princípio recebe também da emenda de 1969 uma explicitação para indicar a área e o campo de ação das colaborações: notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar.

Logo, o princípio da colaboração agora fica determinado no modo e limites da lei federal e com área preferencial de ação; destacando, área preferencial, não obrigatória.

          1.6.2. Liberdade de consciência e de culto

A nova Carta Magna emendada traz a expressão: "É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos que não contrariem a ordem pública e os bons costumes" (96).

Embora utilizado o adjetivo plena, diferentemente da Carta anterior que dizia ser esse direito inviolável, podemos dizer que é garantida do mesmo modo que antes a liberdade de consciência.

A Carta atual não fala sobre a liberdade de crença, mas esta está implicitamente garantida em outros artigos da mesma. Como exemplo desta implicitude podemos citar: o § 1o do artigo 153: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas (...)" (grifo nosso); o parágrafo único do artigo 30: "não será autorizada a publicação de pronunciamentos que envolvem ofensas às instituições nacionais, propaganda de guerra, da subversão, de ordem política ou social, de preconceitos de raça, de religião, ou de classe..." (grifo nosso); § 8o do artigo 153: "Não serão toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe e de publicação e exteriorização contrárias à moral e aos bons costumes" (grifo nosso).

A liberdade de culto nesta Constituição é assegurada assim como nas outras constituições republicanas. Embora, não com as mesmas palavras, a substância deste direito é a mesma em todas elas, e na última fica assegurada pela seguinte frase: "fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos".

          1.6.3. A personalidade jurídica das associações religiosas

Segundo Pontes de Miranda, a personalidade jurídica das associações religiosas é assegurada conforme a lei, respeitado o § 28 do artigo 153 (97), que reza: "É assegurada a liberdade de associação para fins lícitos. Nenhuma associação poderá ser dissolvida, senão em virtude de decisão judicial".

Ainda segundo o mesmo autor, temos, pois, mais do que simples garantia de que a lei regulará a aquisição de bens por parte das associações religiosas. (98)

Nota-se que a Constituição de 1967 trata igualmente do assunto em relação à de 1946, já que esta estabelecia as associações religiosas seguiriam as outras espécies de associações.

          A atitude da Carta Maior de 1967 é de considerar supérfluo o final do artigo 141, §7o, da Constituição de 1946. A garantia da liberdade de associação, que consta do artigo 153, §28, basta a qualquer associação, e seria bis in idem, parcialmente, o que estava na Constituição de 1946. À lei que regular a constituição e funcionamento de associações, ou às leis, especiais, que o regulem, é que fica - dentro do que ao Poder Legislativo permite a Constituição - editar as regras jurídicas cogentes, dispositivas e interpretativas. (99)

          1.6.4. O casamento

Quanto ao casamento, a nova Carta Política se refere a ele em seu artigo 175: "A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção do Poderes Públicos", e em seu § 1o: "O casamento é indissolúvel".

Travou-se grande debate na Câmara por causa deste parágrafo do artigo 175. Isso deu-se porque existem religiões que permitem o divórcio e outras que não o permitem. Logo, como poderia a Constituição determinar que um ato que não é realizado pelo Poder Público, seja obrigatoriamente, indissolúvel. (100)

Com isso, para solucionar o problema, foi considerado que o artigo da Constituição se refere exclusivamente ao casamento civil. (101)

Quanto à regulamentação dos casamentos, graças às emendas 862, de Adauto Cardoso, e 889, de Arruda Câmara, foram inseridos no Texto Constitucional de 1967 os dois parágrafos dedicados ao reconhecimento civil do casamento religioso, substancialmente idênticos aos §§ 1o e 2o do artigo 163 da Constituição de 1946, explicitação do artigo 146 da Carta Magna de 1934, ficando válido para eles os comentários feitos na ocasião.

São essas, portanto, as modificações ocorridas com a Constituição de 1967 e a emenda de 1969 nos aspectos da Igreja aqui tratado por nós.

          1.7. A Igreja na Constituição de 1988

A Constituição de 1988, vigente em nosso país atualmente, foi promulgada a 5 de outubro de 1988 pela Assembléia Nacional Constituinte no Governo Sarney.

Esta Constituição trouxe novas modificações ao assunto por nós aqui estudado, no entanto, alguns assuntos não foram alterados. Buscaremos, então, mostrar as diferenças e semelhanças entre esta Carta Maior e as anteriores, seguindo sempre a mesma linha de assuntos.

          1.7.1. A separação do estado da igreja

A separação do Estado da igreja é retomado pela Carta Política de 1988 quase que integralmente em sua substância.

O artigo 19 e seu inciso I demonstram como a Constituição trata o assunto: artigo 19: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;" e inciso I: estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;".

Como podemos observar, em se tratando da separação do Estado da igreja, o assunto continua sendo abordado como em todas as Constituições anteriores, ficando assim válidos os comentários feitos naquelas ocasiões.

Coloca-se, também, como na Carta Maior anterior, o Estado como protetor da Igreja, cabendo à ele não embaraçar-lhe o funcionamento e não permitir que terceiros o façam.

Existe aqui, como em Cartas anteriores, a colaboração de interesse público, da qual já citamos exemplos anteriormente, e que tornam a ser aqui regulados pela lei ordinária.

Nota-se, neste aspecto, que passa a Carta de 1988 não mais, como fazia a de 1967, a colocar no enunciado áreas que eram preferenciais para a execução desta colaboração, ficando com este encargo, portanto, como escreve Ives Gandra Martins, a lei. Ele diz que a lei, todavia, determinará as hipóteses de auxílio, entendendo-se como colaboração de interesse público aquela em que a igreja supra atividades que estariam no âmbito do Estado praticar, agindo, pois, como sua "longa manus". (102)

          1.7.2. A liberdade de religião

A liberdade de religião é tratada na nova Carta Magna sob seus três aspectos, a liberdade de consciência, liberdade de crença e liberdade de culto. É encontrado o conjunto de seus aspectos no inciso VI do artigo 5o que reza: "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei, proteção aos locais de culto e suas liturgias.

Do mesmo modo que a Constituição de 1967, a atual traz explicitamente dita a liberdade de consciência, a qual, segundo Celso Ribeiro Bastos, não se confunde com a crença. Em primeiro lugar, porque uma consciência livre pode determinar-se no sentido de não ter crença alguma. (103)

No entanto, diferentemente da Carta de 1967, a qual trazia a liberdade de crença de modo implícito, a atual Constituição traz expressamente dito a proteção àquela, permitindo assim que as pessoas possuam o credo que quiserem, assemelhando-se, portanto à Carta Maior de 1946.

A liberdade de culto é explicitamente declarada pela Carta de 1988, permitindo do mesmo modo que a de 1967, que as religiões formem igrejas para a realização de seus cultos.

Porém, a nova Constituição omiti-se em relação a Carta de 1967, sobre o respeito à ordem pública e aos bons costumes.

          Isto não significa, no entanto, que a atual Constituição esteja a proteger cultos que agridam estes valores. A sua omissão do Texto Constitucional não os exclui do direito vigente. Neste, remanescem por implicitude (104). Diz-se isso porque é de se esperar que todos respeitem o principio de que os direitos de uns vão até onde começam os dos outros. Espera-se, portanto, que todo o direito seja utilizado de forma a não prejudicar o direito de outrem.

          1.7.3. A personalidade jurídica da Igreja

Quanto à personalidade jurídica das associações religiosas, continua o mesmo regime de aquisição proporcionado pela Carta Política anterior, ou seja, o inciso Constitucional a ser respeitado é semelhante, o qual na Constituição atual corresponde ao inciso XVII do artigo 5o que reza: "é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;".

Portanto, as associações religiosas adquirem personalidade jurídica segundo leis ordinárias que o estabeleçam e respeitem o princípio constitucional citado.

1.7.4. O casamento

O casamento, na Constituição de 1988, sofreu algumas modificações no tratamento dado por esta àquele.

Nos §§ 1o e 2o do artigo 226 da Carta Magna atual, que rezam: §1o: "O casamento é civil e gratuita a celebração;", e § 2o: "O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei;", existem semelhanças e surgem as primeiras diferenças em relação a Carta de 1967.

Como em 1967, a nova Carta Maior considerou como válido o casamento civil, podendo, no entanto, ter o casamento religioso efeito civil. Porém, com uma diferença, nos termos da lei, sendo que a Carta anterior trazia predispostos em seu texto os requisitos para tal acontecimento. Portanto:

          a Constituição de 1988 preferiu remeter a regulamentação da validade civil do casamento para a lei, ao contrário das Constituições anteriores que já estabeleciam as condições e requisitos da equiparação, trazendo a esse propósito, norma de eficácia plena. Agora, não, a norma é de eficácia limitada, pois dependerá da lei para sua efetiva aplicação. (105)

A maior inovação trazida pela Carta Política de 1988 vem expressa no §6o do mesmo artigo citado acima, que reza: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".

Inovando em muito em relação à Carta anterior, a atual torna o casamento dissolúvel, e para não existirem conflitos, o faz em relação ao casamento realizado pelo Poder Público, ou seja, o casamento civil.

A Carta anterior trazia o casamento como indissolúvel, não especificava qual, se civil ou o religioso. Isso gerou muitos conflitos, principalmente por existirem religiões que permitem o divórcio. Sendo assim, a dissolução do casamento civil se dá pelo divórcio. O prazo de duração da separação judicial é de um ano, e o da de fato, devidamente comprovada, será superior a dois anos (106), ou nas palavras de José Afonso da Silva, pode o casamento ser dissolvido pelo divórcio, após previa separação judicial por mais de uma ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos (107).

São essas, portanto, as inovações e semelhanças trazidas pela Carta Política de 1988 em relação a de 1967 a respeito dos aspectos da igreja aqui tratados.

Estudou-se nesta parte do trabalho todo o relacionamento da Igreja, em seus aspectos mais importantes, com o Estado e consequentemente com as Constituições deste, iniciando-se o estudo na época da primeira Constituição e estendendo-o até a última delas, analisando sempre e somente os aspectos principais da igreja, buscando manter sempre uma mesma linha de pensamento e esclarecimentos.

          2. DO PODER POLÍTICO DA IGREJA E SUAS MANIFESTAÇÕES

          2.1. Da Filosofia Política a Respeito das Religiões

THOMAS HOBBES dizia que a Igreja e o Estado são "dois nomes diferentes" da mesma coisa, assim a Igreja passou a ser reconhecida como uma instituição do Estado, portanto não poderia haver outra Igreja no Estado, além daquela reconhecida, ou imposta pelo Estado. (108) Destarte os fins buscados pela Igreja, na Idade Média, estavam intimamente ligados aos do Estado (ou do soberano).

Já no século XIX, KARL MARX – em "Sobre la cuéstion judía" – (109) mostra que o Estado pode emancipar-se da religião, mas não completamente, uma vez que o povo, como elemento constitutivo essencial daquele, não deixará de ser fiel à sua religião, visto que a religiosidade era algo puramente privado, isto é, ao seu ver os fiéis estariam preocupados apenas com a salvação individual, ao passo que os fins estatais visariam uma busca dos anseios da sociedade – do bem comum. isto posto o autor afirma que no Estado moderno a política (110) deveria estar acima da religião.

No século XX, o sociólogo norte-americano J. MILTON YINGER, em seu livro The scientific study of religion, trata profundamente da relação existente entre a igreja e afirma que a Igreja Católica, por exemplo, é uma fonte de força e união internas, como também, um instrumento de coesão supranacional. (111) Para o autor, neste fim de século, as grandes religiões, como a Católica, têm um papel cada vez mais político-social, uma vez que as Igrejas tomaram a consciência de que o bem-estar espiritual dos fiéis, está profundamente ligado à felicidade material, esta por sua vez, encontra-se relacionada com a finalidade maior do Estado: o bem comum. (112)

          2.2. Da Manifestação do Poder Político da Igreja Católica no Brasil

Entendendo que o poder político influencia e recebe influências sócio econômicas e culturais e consequentemente jurídicas, torna-se evidente que a manifestação desse poder no Brasil, por parte da Igreja Católica, começou bem antes da nossa independência, entretanto, entendendo que o Brasil tornou-se soberano a partir da independência e só então, em tese, o poder político passou a buscar os anseios de seu povo, surgindo as primeiras Constituições, ater-nos-emos ao estudo desse poder a partir de então.

          2.2.1. Da Monarquia aos primeiros anos da República

A Constituição de 1824 manteve a Igreja Católica ligada ao Estado, entretanto o Imperador tornou-se a maior autoridade eclesiástica no Brasil, pois mesmo os documentos papais só erma válidos mediante a aprovação do governante.

No Segundo Reinado, D. Pedro II restringiu o papel político da Igreja, através dos direitos dos padroados (113) concedidos por Roma ainda no Primeiro Império, temendo a intromissão de Roma nos negócios internos do Brasil. Este atrito entre a Igreja e o Estado fez com que em 1870 se realizasse o Concílio do Vaticano I, no qual a Igreja, um dos últimos apoios à Monarquia brasileira, colocou-se em oposição ao governo brasileiro, isto levou à proclamação da República alguns anos mais tarde.

Com a Carta Magna de 1891, o Brasil tornou-se um Estado leigo, ou seja, houve a separação entre Estado e Igreja.

A partir de 1920 a Igreja passou a reivindicar posições perdidas com a laicização do Estado, as quais forma positivadas na Constituição de 1934.

          2.2.2. Nos dias de hoje

Hoje a Igreja Católica, no Brasil, tem desempenhado aquele papel citado por YINGER, assim esta deve ser vista como uma sociedade política, pois sua finalidade imediata varia de acordo com o momento, ao passo que a mediata será sempre a realização espiritual, a salvação de seus fiéis.

Nesse sentido as ações promovidas pela Igreja têm sido variadas, concentrando-se principalmente na assistência social. É de conhecimento público o grande número de obras assistenciais, tais como: Pastorais da Saúde, apoio a campanhas contra a fome, ao desarmamento, aos flagelados da seca nordestina, pelo combate à pobreza.

Outro ato muito importante foi a encíclica Rerum Novarum, de 1981, a qual teve grande repercussão na política mundial, por criticar a política trabalhista dos países capitalistas.

Recentemente o Papa João Paulo II abre nova discussão, desta vez na área cultural, no que tange às ciências, ao conciliar a razão e a religião como a melhor maneira de alcançar o conhecimento verdadeiro, em sua última encíclica, Fides et ratio. Ao citar Santo Agostinho, afirma que: a luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus, por isso, não se podem contradizer entre si... desse modo, a fé não teme a razão, mas solicita-a e confia nela." (114)


PARTE IV

CONCLUSÃO

Em virtude dos aspectos observados, conclui-se que sociedade política é aquela que possui fins genéricos, indefinidos, englobadora de todas as atividades humanas desenvolvidas no seu âmbito. Busca através do desenvolvimento das potencialidades individuais de seus membros a consecução de um fim comum, denominado bem comum. A inserção nessa espécie de sociedade não necessariamente depende de um ato volitivo humano, podendo, em alguns casos, ser fruto de uma compulsão, em virtude da sua efetiva coercibilidade, que no caso da Igreja corresponde à sanção moral.

É em virtude disso que se considerou a Igreja como sociedade política. Afinal, ela busca incessantemente a consecução de diversos fins, não só, como se pode pensar, os relacionados aos aspectos espirituais. A cada dia mais, a Igreja tem se mostrado preocupada com os aspectos temporais, ou seja, com os aspectos políticos, jurídicos, econômicos, sociais, assistenciais (...) que envolvem seus membros, denominados fiéis.

Dessa forma, deve-se ressaltar o seguinte: se a Igreja volta-se aos assuntos atinentes aos aspectos individuais de seus fiéis, buscando através disso a consolidação de suas estruturas e a consecução de um fim comum extensível a todos, fica logo caracterizada como uma sociedade política, conforme se tentou argumentar durante o desenvolvimento desta obra.


NOTAS

  1. Pedro Salvetti Netto, Curso de teoria do Estado, p. 15.
  2. Marcelo Caetano, Direito constitucional, v. I, p.13.
  3. Pedro Salvetti Netto, loc.cit.
  4. Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 9.
  5. Apud Marialice Mencarini Foracchi e José de Souza Martins, Sociologia e sociedade – leituras de introdução à sociologia, p. 263.
  6. Marialice Mencarini Foracchi e José de Souza Martins, loc.cit.
  7. Dalmo de Abreu Dallari, op. cit., p. 9-19.
  8. Ibid., p. 9.
  9. Apud Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 10.
  10. Pedro Salvetti Netto, Curso de teoria do Estado, p. 15.
  11. Dalmo de Abreu Dallari, loc. cit.
  12. Ibid., p. 12.
  13. Ibid.
  14. Apud Marialice Mencarini Foracchi e José de Souza Martins, Sociologia e sociedade – leituras de introdução à sociologia, p. 268.
  15. Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 13.
  16. Apud Dalmo de Abreu Dallari, idem
  17. Apud Marialice Mencarini Foracchi e José de Souza Martins, loc. cit.
  18. Ibid.
  19. Ibid.
  20. Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 13.
  21. Ibid., p. 15.
  22. Apud Dalmo de Abreu Dallari, loc. cit.
  23. Ibid., p. 16.
  24. Ibid., p. 17.
  25. Ibid.
  26. Ibid.
  27. Pedro Salvetti Netto, Curso de teoria do Estado, p. 24.
  28. Ibid., p. 24-25.
  29. Ibid., p. 25.
  30. Ibid.
  31. Ibid., p. 26.
  32. Ibid., p.27.
  33. Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 20.
  34. Ibid., p. 21.
  35. Ibid., p. 22.
  36. Ibid., p. 23.
  37. Apud Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 24.
  38. Dalmo de Abreu Dallari, op. cit., p. 25.
  39. Ibid., p. 26.
  40. Ibid., p. 31.
  41. Marcelo Caetano, Direito Constitucional, v. I, p. 17.
  42. Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de teoria Geral do Estado, p. 34.
  43. Ibid., p. 34.
  44. Marcelo Caetano, op. ci., v. I, p. 18.
  45. Apud Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 44
  46. Ibid.
  47. Dalmo de Abreu Dallari, op.cit., p. 48.
  48. Marcelo Caetano, Direito Constitucional, v. I, p. 21.
  49. Enciclopédia Mirador Internacional, p. 5961.
  50. Ibid.
  51. Gordon Albion, A História da Igreja, p. 193.
  52. Enciclopédia Abril, p. 2430.
  53. Ibid.
  54. Enciclopédia Mirador. p. 5966
  55. ibid.
  56. Ibid.
  57. Ibid.
  58. Gordon Albion, A história da Igreja, p. 218.
  59. Enciclopédia Mirador. p. 5967.
  60. Ibid.
  61. Ibid., p.5967.
  62. Gordon Albion, A história da Igreja, p. 256.
  63. Enciclopédia Mirador. p. 5968.
  64. Enciclopédia Mirador. p. 5969.
  65. Ibid.
  66. Ibid.
  67. Ibid.
  68. Apud Eduardo Hoornaert, Riolando Azzi, Klaus Van der Grijp e Brenno Brod, História da Igreja no Brasil – Primeira Época, p. 405.
  69. Apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 41: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. pp. 78 e 79.
  70. José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 41: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 79.
  71. Apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 41: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 80.
  72. José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 41: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 82.
  73. Ibid., p. 83.
  74. Ibid.
  75. Apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 41: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 87.
  76. José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 41: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 88.
  77. Ibid., pp 92 e 93.
  78. Apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 41: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 93.
  79. José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 42: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 378.
  80. apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 42: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 379.
  81. Apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 42: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 380.
  82. Apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 42: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 391.
  83. José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 42: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 391.
  84. Roberto Magalhães de Barcelos apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 42: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 393.
  85. José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 42: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 398.
  86. Ibid.
  87. Sarasate apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 44: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 162.
  88. Apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 44: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 164.
  89. Apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 44: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 166.
  90. José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 44: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 164.
  91. Ibid., p. 165.
  92. apud José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 44: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 173.
  93. José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 44: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 178.
  94. José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 45: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 95.
  95. Ibid.
  96. artigo 153, § 5o.
  97. Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda no 1, de 1969. p.137. tomo V.
  98. Ibid.
  99. Ibid., p 138.
  100. José Scampini. Revista de Informação Legislativa no 45: A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras. p. 100.
  101. Ibid.
  102. Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. p. 36. vol. 3. tomo I.
  103. Celso Ribeiro Bastos. Comentários à Constituição do Brasil, p. 4. vol. 2.
  104. Ibid., p. 52.
  105. José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 256.
  106. José Carlos Cal Garcia. Linhas Mestras da Constituição de 1988. p. 218.
  107. José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 819.
  108. Norberto Bobbio. Thomas Hobbes. 1ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1991. p.
  109. Octavio Ianni (org.). Karl Marx: Sociologia. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1980. P. 183.
  110. Entendida aqui como um instrumento, um meio, pelo qual o Estado busca alcançar seus objetivos.
  111. J. M. Yinger. op. cit., p. 417.
  112. Idem, 53-347passim
  113. Dentre estes direitos estavam aqueles que permitiam ao Imperador criar dioceses e suas jurisdições, nomear bispos, recolher e aplicar o dízimo, além do domínio completo da Igreja como um "órgão do governo".
  114. Apud. João Paulo II, op. cit., p. 60.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Luciano Pereira; CARNIETTO, Alexsandro et al. Igreja - sociedade política: a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66. Acesso em: 23 abr. 2024.