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As fontes do Direito Penal numa perspectiva axiológica

As fontes do Direito Penal numa perspectiva axiológica

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Os princípios jurídico-penais possuem força diretriz para a definição dos conteúdos que devem prevalecer no Direito. Sendo normas (mandamentos de dever ser), também possuem a força de imperatividade normativa formal.

            Já de muitos anos venho desenvolvendo um conjunto de reflexões a respeito da idéia de sistema jurídico (1), defendendo a idéia de que o sistema jurídico deve ser encarado numa perspectiva axio-teleológica (2). Ou seja, o Direito, enquanto sistema, deve ter por base os princípios que lhe dão unidade e as finalidades que ordenam o conjunto normativo. Tal concepção procura ressaltar (3) o papel dos direitos humanos como conteúdo desses princípios e como guias das finalidades do sistema jurídico.

            Nas páginas seguintes será desenvolvida uma aplicação destas idéias na esfera do Direito Penal, de modo que as suas fontes de conteúdo sejam analisadas numa lógica de interconexões, repensadas criticamente e projetadas valorativamente.

            A abordagem das fontes do Direito Penal, portanto, é uma abordagem que se deve fazer dentro desse contexto, não podendo, assim, ser uma abordagem asséptica, sendo imprescindível a conjugação dos aspectos normativos e técnicos com os aspectos valorativos e práticos.


3.1 - CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES DO DIREITO PENAL

            Em sentido lato, fonte é a origem, a nascente de algo. Nesse sentido, falar-se de fonte do Direito Penal é falar-se onde genericamente é produzido o conteúdo jurídico-penal aplicado no cotidiano de cada um de nós. E esse conteúdo tem origem basicamente no Estado (4).

            Através da edição das normas constitucionais, das leis, dos atos administrativos e das sentenças, o Estado identifica o que está e o que não está contido no âmbito do Direito – no caso, no âmbito penal. Sobretudo em termos legislativos (já que o Direito Penal é construído formalmente sobre o princípio da legalidade) o Estado caracteriza-se como fonte penal.

            Afinal, a definição do que é e do que não é crime, e de quais são as condutas criminosas, é tarefa legislativa, e, portanto, tarefa exclusiva do Estado. Tal preceito é, aliás, expressamente consagrado na Constituição Federal, a qual prevê: "Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito (...) penal (...)".

            Não significa, porém, que apenas o Estado defina os conteúdos penais, mas sim que o Estado, por excelência, tem a função de produzir conteúdos penais ou referendar o conteúdo produzido por outras instâncias sociais (doutrinadores, por exemplo).


3.2 - Classificação das Fontes do Direito Penal

            Numa ótica normativista - ou ao menos afinada a ela - tem se posicionado a maioria dos penalistas brasileiros (com elogiáveis exceções) ao abordar as fontes do Direito Penal.

            Tal se dá, primeiramente, pela posição meramente complementar que dão aos princípios jurídico-penais, ignorando ou fingindo ignorar a importância valorativa que os princípios possuem no cotidiano jurídico. Além disso, tratam os costumes, a doutrina e, sobretudo, a jurisprudência como meros complementos interpretativos (alguns lhes negam o próprio caráter de fontes de conteúdo), o que, de pronto, leva a uma dissociação entre a teoria e a prática do Direito Penal.

            Veja-se, nesse sentido, Damásio de Jesus (5), que identifica como fonte imediata a lei, como fontes mediatas os costumes e os princípios gerais do Direito (expressão esta em desuso), relegando tratados, doutrina e jurisprudência ao papel de formas de procedimento interpretativo.

            Menos drasticamente Mirabete (6), que indica como fonte direta a lei e como fontes indiretas os costumes e os princípios gerais do Direito; igualmente doutrina, tratados e jurisprudência são relegados a um segundo plano.

            Tais respeitáveis autores servem como exemplos de uma visão das fontes jurídicas que, embora teoricamente sustentável, não mais satisfaz, nem está adequada à prática cotidiana do Direito.

            Numa perspectiva outra, que procura aproximar teoria e prática - numa ótica que não se limita ao normativismo (7) - as fontes de conteúdo do Direito Penal classificam-se em fontes imediatas e fontes mediatas. As fontes imediatas são aquelas que acabam incidindo, em termos finais, sobre os fatos regulados. Compreendem os princípios jurídico-penais (normas-princípio) e as regras (normas penais legisladas). Já as fontes mediatas se referem a instâncias de produção de conteúdos penais voltados para a interpretação e aplicação das fontes imediatas aos fatos concretos. Pode-se dizer, assim, que as fontes imediatas têm o foco nos próprios fatos regulados, enquanto que as fontes mediatas têm o foco nas fontes imediatas.

            Nessa ótica, as fontes do Direito dividir-se-iam, então, da seguinte maneira:

Fontes do Direito

Imediatas

Princípios (normas-princípio)

Regras (normas legisladas)

Mediatas

Costumes

Doutrina

Jurisprudência

Tratados Internacionais


3.3 - PRINCÍPIOS JURÍDICO-PENAIS

            A teoria geral do Direito se encarregou ao longo do século XX de demonstrar a importância que os princípios possuem para a determinação de conteúdo do Direito como um todo, e de cada área do Direito em específico. Tal determinação através dos princípios ganha corpo sobretudo na interpretação de normas estatais e na aplicação de tais normas interpretadas a casos concretos. Assim o é no Direito Penal. Há um conjunto de princípios que servem como diretrizes interpretativas e aplicativas das diversas normas penais (incriminadoras e não incriminadoras), ou seja, dentro das fontes imediatas, são as diretrizes de conteúdo do Direito Penal.

            3.3.1 - Princípio da Legalidade

            Dentro do Direito Penal, o qual vai lidar com a liberdade de cada cidadão (a qual é um bem especial dentro da relação indivíduo/Estado) o que temos é a legalidade como uma referência fundamental. O rigor na aplicação do princípio da legalidade é absolutamente indispensável devido ao fato de que existe uma relação muito especial entre indivíduos e Estado. O indivíduo se depara com um questionamento: ‘quem é legitimado para retirar a minha liberdade?’. No Direito Administrativo, no Direito Tributário, ordinariamente não há quem tenha este Direito. Já no Direito Penal, o Estado está autorizado a tomar liberdade individual, a retirar o indivíduo do convívio social. Trata-se de um ‘gigante’ - o Estado - contra, no mais das vezes, um indivíduo comum, sem poder.

            É exemplar o pensamento de Ferrajoli, que constrói sua análise penal tendo como referência o princípio da legalidade. Para tanto, trabalha com tal princípio como um duplo axioma; mera legalidade e legalidade estrita. Enquanto princípio de mera legalidade, exigiria a lei como condição necessária da pena e do delito. Enquanto princípio de legalidade estrita, exigiria todas as garantias (a lei em sentido substancial) como condições necessárias da legalidade penal (8).

            A legalidade formal (a necessidade de que os delitos e as penas estejam previstos em lei) teria como complemento necessário, para a adequada configuração do princípio, a legalidade estrita (como condição material de validade da lei formal, na conjunção e adequação substancial desta com as demais normas do sistema jurídico). Como afirma Ferrajoli,

            "A lei, em outras palavras, se bem seja exigida em qualquer caso para a configuração do delito em virtude do primeiro princípio, exige, por sua vez, em virtude do segundo, uma técnica legislativa específica para a válida configuração legal dos elementos constitutivos do delito. Diremos, portanto, para expressar conjuntamente os dois princípios: nulla poena, nullum crimen sine lege valida.". (9)

            O fato é que quando se aplica a privação da liberdade está se retirando o indivíduo do mundo, e, para isso ser feito de forma aceitável, tem que se agir dentro de limites muito estreitos. Com isso, há de ser otimizada a aplicação do princípio da legalidade.

            Como decorrência, somente se pode pensar em crime - partindo da legalidade - se o fato for típico, se a conduta humana corresponder ao preceito normativo, ao que estiver definido em lei.

            Tem-se nesse sentido uma formulação filosófica clássica, de Cesare Beccaria (10), construindo-se uma máxima: nenhum crime e nenhuma pena sem lei prévia. Essa máxima filosófica do Direito Penal está presente no artigo 5o, XXXIX, da Constituição Federal (princípio da legalidade propriamente dito) e no artigo 1o do Código Penal (princípio da anterioridade da lei penal). Todos os princípios jurídico-penais partem destes pontos.

            3.3.1.1 - Subprincípios de Legalidade

            O princípio geral é uma diretriz geral, evidentemente, enquanto que o subprincípio (11), como diretriz específica, o concretiza. Tem-se assim o princípio da legalidade como diretriz geral, e quatro subprincípios que o concretizam (12).

            a) Reserva Legal

            Crimes e sanções só podem ser criados por leis, que só podem ser criadas pelo Estado. Trata-se da reserva legal - somente ao Estado está reservada a possibilidade de, criando leis, criar (juridicamente) crimes.

            b) Jurisdicionalidade (artigo 5o, LIII e LVII, Constituição Federal)

            Tem dois aspectos. Primeiro, só se pode ser julgado e condenado pela prática de um crime por uma autoridade judicial, com poderes jurisdicionais legais específicos para isto. Não é qualquer juiz que pode julgar uma questão penal. O indivíduo não pode, por exemplo, ser condenado penalmente pela prática de um crime na esfera cível. Têm-se, ainda, crimes de competência da Justiça (Jurisdição) Federal e Estadual e existem poderes específicos para, se for o caso, julgá-lo e condená-lo em uma ou outra esfera.

            O segundo aspecto significa que o indivíduo só é considerado culpado penalmente depois que a sentença de um juiz que o condena transitar em julgado, ou seja, quando não couber mais nenhum recurso (em vias normais) que possa levar à alteração de tal sentença condenatória.

            c) Irretroatividade "in pejus" da Lei Penal (artigo 5o, XL, Constituição Federal/ artigo 2o, Código Penal)

            In pejus significa para pior; in mellius significa para melhor. Tanto do Código Penal como na Constituição Federal temos a mesma disposição: a lei penal não retroagirá a não ser que seja para beneficiar o réu. Por conseguinte, não poderá retroagir para agravar a situação de um indivíduo que seja acusado ou condenado.

            Importa aqui destacar a relação da regra de retroatividade com a vigência normativa. Uma lei, ao retroagir estará atingindo um fato que aconteceu antes de ela ter vigência. Ou seja, sua vigência é excepcionalmente estendida para aquele fato.

            Como se afirmou antes, não pode a norma retroagir para prejudicar, mas sim para beneficiar. Isso pode ocorrer inclusive após uma sentença penal condenatória ter sido prolatada (no julgamento de um recurso), e inclusive depois de seu trânsito em julgado (através da revisão criminal). Assim, pode haver a retroatividade benéfica não só por ocasião do julgamento, mas mesmo após ele ocorrer, e inclusive depois de não caber mais recurso da sentença.

            d) Taxatividade Legal (determinação típica)

            Os tipos penais devem ser o mais claros e específicos possível, de maneira a possibilitar uma clara distinção dos limites do lícito e do ilícito. Deve-se evitar, dentro da esfera penal, tipos genéricos, ambíguos, que ampliem demasiadamente os poderes de definição de sentidos do Judiciário. Isto porque o indivíduo, ao agir no exercício de sua liberdade, tem que ter clareza sobre o que pode ou não estar violando.

            3.3.2 - Princípio da Culpabilidade

            Contemporaneamente, só se admite, no Direito Penal ocidental, a responsabilidade penal congregando-se seu aspecto objetivo e seu aspecto subjetivo. No seu aspecto objetivo seria a conduta penal reprovável, que correspondeu, que se encaixou no modelo incriminador - seria a conduta objetivamente típica.

            No entanto, somente através disso não se resolve a questão penal. Não basta a responsabilidade penal objetiva. É preciso que subjetivamente a conduta do agente seja recriminável.

            A idéia de responsabilização subjetiva (e recriminação do fato) compreende, por um aspecto, a idéia geral de dolo e culpa. Além disso, compreende, ainda, a capacidade psíquica de discernir o certo do errado. Tem-se que lidar com os dois aspectos, objetivo e subjetivo, quando se trata da esfera criminal.

            A culpabilidade serve, também, como medida da pena, ou seja, através da culpabilidade vamos fixar uma quantidade específica de pena. Se a lei prevê 6 a 20 anos de privação da liberdade, um dos elementos que se deve analisar para fixar a pena, o quantum da pena, é a culpabilidade (enquanto grau de reprovabilidade da conduta).

            3.3.3 - Humanidade das Penas

            Tem vários reflexos dentro da Constituição Federal e da esfera penal. Dentro da esfera penal não se pode admitir punições que atentem contra a dignidade do ser humano. Assim, o artigo 5º da Constituição Federal, por exemplo, veda prisão perpétua, trabalhos forçados, pena de morte (com exceção), tratamento degradante do ser humano. Tem-se, ainda, por exemplo, a lei de execuções penais exatamente fixando que o cumprimento das penas tem que se dar dentro de alguns parâmetros que respeitem a dignidade do ser humano.

            3.3.4 - Pessoalidade das Penas

            Princípio decorrente do artigo 5º, XLV da Constituição Federal, significa que a pena não pode ultrapassar a figura do agente delitual (aquele que comete o crime), ou seja, só a pessoa que realmente praticou o crime pode ser atingida pela pena. A pena imposta pelo Estado na esfera criminal não pode atingir familiares, amigos, outras pessoas que não o próprio indivíduo. A pessoa que agiu é que é responsável penalmente pelos seus atos.

            Este princípio, atente-se, não se confunde e não entra em choque com o princípio da individualização, que diz que se deve levar em consideração a responsabilidade específica de cada agente. Se alguém é mentor intelectual de um crime de furto, responde pelo crime mesmo que não tenha praticado o ato de furtar, devendo sua responsabilização ser proporcional à importância de sua conduta no contexto do fato criminoso.

            3.3.5 - Individualização das Penas

            A pena deverá ser individualizada caso a caso, e segundo a conduta de cada indivíduo. É o que prevê o artigo 5º, XLVI da Constituição Federal.

            Tendo-se uma pena, por exemplo, de 6 a 20 anos, na hora de definir que o indivíduo X vai receber a quantidade Y ou Z tem-se que individualizar a pena. Para tanto, passando pelo artigo 68 do Código Penal e utilizando-se, também, o artigo 59, deve-se adequar a pena à conduta específica de quem cometeu o crime. Isso é especialmente significativo quando se trata de concurso de pessoas, em que a pena deverá ser fixada individualmente para cada indivíduo

            3.3.6 - Proporcionalidade das Penas

            É um princípio complementar da idéia de individualização. A pena tem que ser proporcional à gravidade da conduta do agente, seja pela conduta em si, seja por seus resultados. Com isso, deve se garantir correspondência entre o fato criminoso praticado e a pena jurisdicionalmente aplicada.

            Trata-se de um princípio garantista, voltado à correlação necessária entre o ônus pessoal e social gerado pelo fato criminoso e a reação estatal de violência (real ou simbólica) incidente sobre o autor desse crime.

            3.3.7 - Princípio da Intervenção Mínima

            Significa que o Direito Penal deve intervir nos conflitos interindividuais (de um agente em relação a outro) apenas quando for absolutamente indispensável. Ou seja, a intervenção do Direito Penal nos conflitos sociais deve ser mínima.

            Além disso, a intervenção penal caracteriza-se por ser residual e fragmentária. A esfera penal interviria, em tese, quando não bastasse a atuação de outra área jurídica sobre a potencial violação de direitos regulada. E, de forma complementar, não haveria nenhum tipo de conduta que fosse objeto jurídico penal por excelência – todos os conteúdos das regulações penais são derivados de outras áreas do Direito, são resíduos de regulações insuficientes. Por decorrência, o conteúdo do Direito Penal é fragmentário, já que engloba os mais variados temas da vida social.

            Por decorrência, o Direito Penal só deve abranger um certo conteúdo quando absolutamente não for possível resolver a questão dentro de uma outra esfera jurídica que não a penal (intervenção mínima). Ferrajoli propugna, neste sentido, que o Direito Penal seja a última instância jurídica a atuar, um último recurso. No mesmo caminho, defende a minimização (e mesmo a eliminação gradual) das penas privativas de liberdade (13).

            Enfim, ressalta-se o fato de que não há um conteúdo insitamente penal: o crime trata-se sempre de uma opção política e cultural de quem detém o poder estatal de legislar, em face de um conjunto de circunstâncias histórico-sociais.

            3.3.8 - Princípio da Adequação Social

            Significa que as condutas que, mesmo sendo típicas, estiverem incorporadas ao cotidiano social como aceitáveis e legítimas dentro do contexto de convivência, devem ser penalmente desconsideradas. Isso não significa aceitação moral da conduta, mas tão somente que, no contexto de diversas condutas socialmente ‘aceitas’, uma determinada conduta não deve ser considerada crime (14).

            Exemplifique-se: em uma partida de futebol, é aceitável que em um disputa pela posse da bola um jogador, ao cometer uma falta, possa até mesmo quebrar a perna do outro em função da disputa. Mas, se fora da disputa pela bola, um jogador inadvertidamente soquear o seu adversário, causando-lhe, por exemplo, a perda de dentes, sua conduta será inaceitável, e passível de punição penal (a depender, nos termos do artigo 88 da Lei 9.099/95, de representação do ofendido).

            3.3.9 - Princípio da Insignificância (15)

            Quando se fala no Direito como um todo, fala-se de bens jurídicos tutelados, ou seja, cada norma protetiva e/ou reguladora vai ter um bem jurídico no seu âmago, na sua essência - há algo que está sendo garantido por aquela norma. O bem jurídico é o interesse atingível por aquela conduta abstratamente prevista e o sujeito passivo é a vítima. Na esfera penal só estariam inseridas condutas cuja proteção penal seria indispensável para garantir aqueles direitos insertos direta ou indiretamente nas normas, devido à proeminência dos bens jurídicos que trazem no seu âmago. Por exemplo: o direito à vida é tutelado pelo artigo 121 do Código Penal, destacando-se no mundo jurídico por condicionar multiplamente o exercício de qualquer outro direito individual.

            Especial importância tem o princípio da insignificância, até mesmo pela polêmica constante que gera. Partindo-se da presunção de que os bens jurídicos protegidos em leis penais são mais destacados, mais relevantes, tais bens mereceriam uma proteção penal especial que pode até mesmo atingir a liberdade dos indivíduos. Este princípio indica que por mais que a conduta formalmente esteja enquadrada no modelo incriminador, se por acaso esta conduta não vier a efetivamente causar um dano a bem jurídico relevante, não deverá ser considerada crime.

            Suponhamos que um indivíduo viesse a subtrair a quantia de um real de um estudante colega seu. Evidentemente, tal situação poderia até gerar inconvenientes (poderia ocorrer, por exemplo, que se tratasse do dinheiro da passagem de ônibus...). Mas, dentro da lógica protetiva do patrimônio contida no artigo 155 do Código Penal, é evidente que a lesão ao direito de propriedade seria, no todo das relações privadas, irrelevante. Tal irrelevância leva à aplicação do princípio da insignificância, indicando que sendo em termos sociais insignificante a lesão de direito causada, dever-se-ia desconsiderar o enquadramento formal da conduta, desconsiderando penalmente a própria lesão de direito (16).

            Observe-se que formalmente houve a subtração, para si, de coisa alheia móvel. No entanto, materialmente, a lesão causada foi tão pequena, diante do contexto geral das relações sociais, que há de ser desconsiderada juridicamente. De maneira que, embora haja formalmente a tipicidade, pela ausência de lesão de direito ela é desconsiderada, por não haver tipicidade material (17).

            Evidentemente, não há uma ‘tabela’ de relevância ou irrelevância de lesões a bens jurídicos. Tal situação só poderá ser definida como ocorrente caso a caso. Para tanto, há uma operação a ser desenvolvida: primeiro, deve-se analisar o tipo penal que está em discussão, identificando o bem jurídico que por ele está sendo protegido e identificando qual a finalidade tal proteção; em seguida, deve-se analisar a sanção penal que está prevista para tal tipo penal, verificando, por sua gravosidade para o possível acusado, qual o grau de lesão ao bem jurídico protegido que se pretende reprimir com a previsão legal; enfim, deve-se analisar a situação concreta e verificar se a lesão causada tem, diante do tipo penal em questão, relevância jurídico-social. Ademais, é evidente que nem todos os crimes são passíveis da aplicação do princípio da insignificância - embora não haja, a priori, um grupo de crimes, um ‘título’ do Código Penal que seja absolutamente refratário ao princípio.

            O que se tem, em síntese, é que se a conduta do indivíduo gerar um dano absolutamente irrelevante, insignificante, ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora, será possível apurar-se a exclusão da tipicidade material, de maneira que, diante de tal situação, o fato pode se tornar atípico - não havendo crime, portanto. Ou seja, este princípio é uma espécie de princípio negativo. Afastaria da esfera penal uma conduta irrelevante, insignificante, sem importância para o mundo jurídico legal, preservando a idéia de que a esfera penal deve ser resguardada para situações que afetem de maneira grave as relações sociais.

            3.3.10 - Princípio do In Dubio Pro Reu

            Como se viu no capítulo anterior, tal princípio tanto tem caráter penal como processual penal, e por isto é um princípio com características peculiares.

            É de se ressaltar que o Direito Processual Penal está, de maneira muito marcada, no caminho do Estado, do seu direito de punir, e é um instrumento potencial do indivíduo, na busca de garantir o seu direito de liberdade. Neste sentido, o Direito Penal, sem o Direito Processual Penal, é inexecutável, sendo este último um instrumento necessário para execução (punitiva ou não punitiva) das regras do Direito Penal.

            Penalmente, aplica-se este princípio na interpretação das normas penais em geral, incriminadora ou não incriminadora. Já processualmente, utiliza-se-o (além da interpretação das normas processuais) como critério de decisão em situações probatórias dúbias.

            É dentro desse contexto que se insere o princípio do in dubio pro reu: maximiza a idéia contemporânea de que a restrição da liberdade de alguém pelo Estado deve se dar dentro da mais ampla certeza possível sobre os fatos e dentro da mais objetiva transparência possível quanto às normas.


3.4 - AS NORMAS PENAIS (REGRAS PENAIS (18))

            O Direito Penal, como se viu, é eminentemente normativo. As proibições ou imposições de deveres (e punições correspondentes) são estabelecidas normativamente, de maneira que tal tarefa não fique ao arbítrio do julgador ou dos órgãos repressores ou punitivos do sistema penal. Assim sendo, caracterizando-se as normas penais como fontes imediatas de conteúdo, a primeira indagação de ordem lógica refere-se ao que são as normas jurídicas. Após, indagar-se-á a respeito especificamente das normas penais (regras penais).

            As normas jurídicas (19) consistem em diretrizes e regras de conduta e procedimento impostas coativamente pelo Estado, que possuem caráter genérico e abstrato. Elas ordenam, proíbem ou estimulam condutas, e, ainda, estabelecem procedimentos (requisitos de validade formal) e critérios (requisitos de validade material) para ações privadas e estatais (20). Caracterizam-se, para tais fins, como mandamentos de dever ser (21). Para a esfera penal, devido à importância do princípio da legalidade, interessam em especial as normas penais legisladas, ou seja, contidas em leis (22).

            As normas penais, por sua vez, são normas jurídicas cujo objeto refere-se de algum modo (prescritivo, permissivo, explicativo etc) à idéia de crime. São diretrizes ou regras de conduta, num primeiro plano, e regras interpretativas e complementares de tais regras de conduta (num segundo plano). Assim, as normas penais (como corolário lógico do próprio conceito de Direito Penal) são normas jurídicas que definem os crimes e suas respectivas sanções, bem como estabelecem as condições (positivas e negativas) de aplicação dessas sanções.

            As normas penais, na mesma linha de qualquer norma jurídica, possuem como principais características: - generalidade (têm eficácia ‘erga omnes’); abstração (dirigem-se a hipotéticos fatos futuros); estatalidade (possuem origem estatal); coercibilidade (possibilitam o uso da coerção estatal); imperatividade (impõem-se a todos).

            Por outro aspecto, são destinatários das normas penais: os cidadãos, no sentido de obediência (sentido ‘negativo’, de prevenção e repressão de crimes) e referência frente ao Estado (sentido ‘positivo’, de garantia contra a eventualidade de arbitrariedade estatal); os órgãos estatais, para a prevenção delitual, para a aplicação punitiva das normas (jurisdicional e executiva) e para a definição dos limites de sua atuação repressiva e punitiva.

            Partindo-se da definição proposta de normas penais, e destacando-se delas as diretrizes (normas-princípio), pode-se afirmar que elas se dividem em dois grandes grupos distintos: aquelas que definem os crimes e estabelecem as sanções, chamadas de normas (regras) penais incriminadoras; e aquelas que estabelecem as condições (de sentido positivo ou negativo) para aplicação dessas sanções, chamadas de normas (regras) penais não incriminadoras.

            3.4.1 - Normas Penais Incriminadoras

            Como se viu, a definição dos crimes e a identificação das sanções que a eles correspondem está nas normas penais incriminadoras. Elas poderão ser encontradas no Código Penal dispostas a partir do artigo 121, na Parte Especial do Código (23). Na legislação penal complementar estão esparsas nas diversas leis.

            Sua estrutura lógica segue a idéia da ‘proposição jurídica’ kelseniana: "Se A é, B deve ser". Ou seja, as normas incriminadoras caracterizam-se como proposições de dever ser, hipotéticas e abstratas, em que para a hipótese abstratamente descrita está prevista uma conseqüência jurídica.

            Compõem-se, assim, de preceito + sanção. O preceito caracteriza-se como a parte descritiva da norma incriminadora, na qual são definidas as características peculiares de cada crime. É através do preceito normativo que se forma o tipo penal (modelo incriminador) (24).

            Seu caráter descritivo, porém, não lhe retira a condição de designar um imperativo de conduta, através de um comando implícito proibitivo ou obrigacional (de dever). Assim, de uma norma como a do caput do artigo 121 do Código Penal, que descritivamente prevê "Matar alguém" (estabelecendo para tal conduta descrita a pena de reclusão de 06 a 20 anos), retira-se o comando proibitivo ‘é proibido matar’. Já de uma norma como a do artigo 135 do Código Penal, que descritivamente prevê "Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo (...)", retira-se o comando obrigacional (de dever) ‘todos têm o dever de prestar socorro quando possível fazê-lo sem risco pessoal’.

            Como regra geral, verifica-se que as normas penais incriminadoras conterão comandos implícitos proibitivos, e só excepcionalmente comandos obrigacionais (de dever). Tais comandos implícitos são decorrentes do tipo de definição do crime contido no preceito. Se o preceito, ao definir o crime, descrever uma ação para a qual é prevista a sanção, implicitamente haverá uma proibição. Se, no entanto, o preceito incriminador descrever uma omissão, um não fazer, tratar-se-á implicitamente de uma obrigação de conduta (de um dever de agir).

            A sanção, por sua vez, caracteriza-se como a parte em que está prevista a pena, a punição. Para cada conduta descrita no preceito incriminador, há uma correspondente sanção, ordinariamente consiste em pena de detenção ou de reclusão.

            3.4.2 - Normas Penais Não Incriminadoras

            Definido o crime e estabelecida a sanção correspondente em uma norma penal incriminadora, não basta que um fato corresponda a tal definição para que se caracterize como crime, ou para que possa ser imposta uma pena a quem o praticou. É, primeiramente, necessário que algumas condições sejam preenchidas (condições ‘positivas’) para que haja o crime e seja imposta uma sanção (25). De outra parte, é também necessário que algumas hipóteses normativas não sejam preenchidas (condições ‘negativas’) - pois se forem ou não há crime ou não há possibilidade de impor a sanção (26). As normas que prevêem tais hipóteses (condições positivas ou negativas) são chamadas de normas penais não incriminadoras (27). Ademais, a interpretação de todas essas normas deve ser balizada pelos princípios jurídico-penais.

            Importa frisar que as normas não incriminadoras não possuem caráter incriminatório-punitivo autônomo, mesmo quando expliquem conceitos ou de qualquer modo complementem normas incriminadoras. Por um lado, não criam novas incriminações (não prevêem novos crimes), nem ampliam especificamente alguma norma incriminadora (não acrescentam alguma hipótese qualificadora ou majorante à definição de crime). Por outro lado, tais normas não prevêem específicas sanções penais.

            Atente-se: a expressão ‘não incriminadora’ significa apenas que tais normas não trazem definição de crime e estabelecimento de sanção. Representa apenas, então, que elas não são incriminadoras. Não significa, portanto, que elas sejam (ao menos não necessariamente) anti-incriminadoras (descriminalizantes ou despenalizantes).

            De outra parte, as normas penais não incriminadoras podem ser divididas em quatro grupos:

            a) diretivas: são as normas penais ou constitucionais-penais que prevêem princípios jurídicos, tendo efeito condicionante sobre a interpretação e aplicação das demais normas e dos demais conteúdos do Direito Penal (28).

            a) permissivas justificantes: são normas que prevêem hipóteses que, sob as circunstâncias que descrevem, tornam permitido o que ordinariamente é proibido, tornam lícito o que ordinariamente é ilícito, tornam justificado o que ordinariamente é crime.

            São exemplos de normas penais não incriminadoras permissivas justificantes as previstas nos artigos 23, 128 e 142 do Código Penal.

            b) exculpantes: São normas que afastam a culpabilidade do fato (por não ser recriminável seu agente), ou determinam a impunibilidade ou a diminuição da punibilidade de certas condutas (embora o fato em si não se torne justificado).

            São exemplos de normas penais não incriminadoras exculpantes os artigos 26, 27 e 181 do Código Penal.

            d) complementares/explicativas/interpretativas: são normas de caráter múltiplo, pois ao menos duas das três características sempre estarão juntas. Elas complementam, esclarecem o conteúdo ou delimitam o âmbito de aplicação de outras normas, explicam conceitos gerais ou explicam expressões utilizadas em outras normas.

            São exemplos de norma penais não incriminadoras complementares/ explicativas/interpretativas os artigos 4º a 7º, 10 a 12, 33, todos do Código Penal.

            Em síntese, as normas penais (especialmente as legisladas, devido à preponderância do princípio da legalidade na esfera penal) podem ser assim divididas:

Normas Penais

Incriminadoras

 

Não Incriminadoras

Complementares/Explicativas/ Interpretativas

Permissivas Justificantes

Exculpantes

Diretivas


3.5 – AS FONTES MEDIATAS

            3.5.1 - Costumes

            Os costumes definem-se como comportamentos sociais constantes e habituais, comuns a um vasto grupo de pessoas, que assim agem porque acreditam na necessidade de assim o agir. Partindo disso, dos costumes derivam regras sociais (morais) de conduta, de uso geral e constante, que as pessoas observam em suas vidas pela convicção de corresponderem a uma necessidade. Importa destacar que dos costumes podem derivar regras específicas ("as pessoas devem agir de tal modo") ou regras genéricas ("as pessoas devem decidir por si mesmas como devem agir em determinadas situações").

            São elementos que compõem os costumes: observância constante (elemento objetivo) e convencimento geral da necessidade (elemento subjetivo). A observância constante por um vasto grupo de pessoas indica que não se trata de modismo comportamental, mas sim de um modo de agir internalizado pelos indivíduos. O convencimento geral da necessidade de seguir ou respeitar as regras sociais derivadas dos costumes indica que os costumes têm algum tipo de força moral sobre os indivíduos, seja positiva (induzindo a ações) seja negativa (induzindo ao não fazer).

            3.5.2 - Doutrina

            A doutrina penal consiste no conjunto de conhecimentos escritos, teóricos e científicos, sobre o Direito Penal. Decorre da elaboração dos diversos estudos do crime enquanto fenômeno normativo, da pena enquanto imposição estatal e das definições jurídico-penais enquanto valorações sobre os crimes e as penas. Trata-se, portanto, do conhecimento ´´científico´´ produzido sobre os conteúdos - normativos ou sub-normativos (29) - do Direito Penal, definindo ou especificando conceitos operacionais para que o Direito Penal seja aplicado a situações concretas do mundo da vida.

            O papel da doutrina é singular, pois através das reflexões dos teóricos do Direito se apontam os rumos gerais que as interpretações jurídicas têm e podem ou devem vir a ter ao longo do tempo e diante das transformações culturais que ocorrem na sociedade. De maneira que serve ela, inclusive, como instrumento de atualização dos conteúdos normativos do Direito Penal.

            3.5.3 - Jurisprudência

            Consiste no conjunto de decisões judiciais constantes e repetidas sobre temas semelhantes, emanadas principalmente dos tribunais (embora não sejam desprezíveis as decisões de juízes singulares). Representa a direção efetiva que o Direito toma em sua aplicação concreta, em sua interpretação in casu.

            Destacam-se como conteúdos jurisprudenciais as Súmulas, por registrarem de modo específico o entendimento dos Tribunais sobre determinados temas. Elas consistem em enunciados específicos, de um determinado tribunal, sobre um assunto que reiteradamente é julgado por tal órgão jurisdicional num mesmo sentido. Assim, o tribunal define previamente que o seu entendimento sobre aquele assunto, a priori, será o que estiver expresso na Súmula.

            3.5.4 - Tratados e Convenções Internacionais

            Consistem em acordos entre Estados soberanos, sobre temas específicos, indicando normas (ordinariamente ‘normas-princípio’) que os Estados signatários comprometem-se a tentar cumprir. Têm especial importância para o Direito Penal quanto à fixação de compromissos internacionais de respeito aos direitos humanos.


3.6 - CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

            Na definição dos conteúdos do Direito Penal aplicável à solução de problemas concretos do mundo da vida, utilizam-se as diversas fontes jurídicas de maneira relacionada. Não há um recurso exclusivo às normas legisladas, aos princípios jurídicos, ou a qualquer das fontes mediatas. Procede-se a uma combinação de conteúdos e operações jurídicas interpretativas, para se definir como atuará o Direito diante de determinadas situações concretas.

            É evidente, porém, por tudo que se afirmou antes, que o ponto de partida e de referência para tal definição são os princípios jurídico-penais e as normas legisladas - ou seja, as fontes imediatas. Afinal, neles estão dispostos juízos de dever-ser, com as peculiaridades de serem (cada norma à sua maneira) genéricos, abstratos, estatais, coercitivos e imperativos. Além disso, em sua grande maioria (excluem-se alguns princípios) possuem forma escrita e específica como mandamentos de dever-ser, possibilitando aos seus destinatários transparência (30) quanto aos elementos que compõem cada juízo valorativo neles contido.

            Na determinação dos conteúdos jurídicos aplicáveis a casos concretos, porém, é central o papel desempenhado pelos órgãos aplicadores do Direito - destacando-se juízes e tribunais, em especial pela jurisprudência como fonte de conteúdo. Os juízes e tribunais possuem, como em nenhuma outra posição jurídica ou nenhum outro órgão público ou privado, a possibilidade de identificar e determinar o Direito aplicável à solução de determinado problema. Ao fazê-lo, procedem ao inter-relacionamento dialético entre as fontes de conteúdo do Direito, combinando princípios jurídicos e normas legisladas, utilizando a doutrina para a definição de conceitos, considerando os costumes que porventura envolvam aquele problema específico, considerando os precedentes judiciais sobre casos semelhantes e considerando eventuais tratados que interfiram sobre aquele problema.

            Assim, a cada julgamento se produz Direito, produzindo-se em algum grau conteúdo normativo (individual e específico, porque ordinariamente destinado apenas às partes de uma ação, mas normativo, por consistir em mandamento de dever ser). A cada nova decisão judicial, portanto, está se (re)construindo (dialeticamente) o conteúdo do Direito.

            Entretanto, em qualquer esfera de aplicação do Direito, importa se ter claro que os princípios jurídico-penais possuem força diretriz para a definição dos conteúdos que devem prevalecer no Direito. Sendo normas (mandamentos de dever ser), os princípios possuem, além da força diretriz (material), a força de imperatividade normativa formal.

            Ora, se os princípios jurídicos possuem tal força diretriz e podem possuir tal imperatividade, o que se tem é que eles estão, na relação com as demais normas (regras), em posição de sobre-determinação do conteúdo destas. Vale dizer: ao se criar novas normas, deve-se ter o cuidado de evitar que elas entrem em conflito com o conteúdo diretivo dos princípios gerais do sistema jurídico e dos princípios jurídico-penais. Ao se interpretar e aplicar normas já existentes, deve-se adequar tal interpretação e aplicação ao conteúdo diretivo dos princípios jurídico-penais. Assim, numa perspectiva tributária do garantismo de Luigi Ferrajoli, os princípios são condicionantes da validade das demais normas (31).

            Deve-se ressaltar, enfim, como decorrência lógica do exposto nas páginas anteriores, que, se os princípios jurídico-penais e as normas penais legisladas em geral são fontes imediatas do Direito, eles, em conjunto, sobre-determinam os demais conteúdos do Direito. E, se os princípios indicam os valores superiores do sistema jurídico e, em específico, os valores superiores do subsistema jurídico-penal, eles condicionam, como diretrizes, a definição e delimitação dos conteúdos das normas e a definição e a delimitação dos demais conteúdos jurídico-penais (seja nos âmbitos de eficácia temporal, territorial ou material – de regulações de conduta – desses conteúdos).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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            FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1991.

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            TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

            ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.


Notas

            1

Assim se deu já no ano de 1995 (COELHO, Edihermes Marques. Apontamentos para uma idéia de sistema constitucional a partir do pensamento de Claus-Wilhelm Canaris (dissertação de mestrado). Florianópolis: Curso de Pós-Graduação em Direito/UFSC, 1995 – não publicada). Crê-se ser preferencial a expressão sistema jurídico à expressão ordenamento jurídico. Este seria uma parte daquele, pois no sistema incluem-se os aspectos principiológicos de caráter valorativo; ademais a expressão sistema jurídico traduz uma idéia de dinâmica, de inter-relação entre as partes do Direito, o que realmente se dá no cotidiano da atuação jurídica.

            2

Vide, a respeito, COELHO, Edihermes Marques e BORGES, Alexandre W.. Ensaios sobre sistema jurídico. Uberlândia: IJCon, 2001, passim.

            3

Procura-se, com isso, desenvolver e aplicar a teoria garantista do Direito de Luigi Ferrajoli, aprofundando suas conexões teórico-práticas.

            4

Um qualificado e elucidativo estudo sobre as fontes do Direito como um todo está em FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1991, pp. 200-225.

            5

JESUS, Damásio de. Direito Penal parte geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 1, pp. 11-12.

            6

MIRABETE, Júlio. Fabbrini. Manual de Direito Penal parte geral. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 1, pp. 45-47.

            7

Afinal, se é de se saudar a idéia de que o princípio da legalidade seja o norte teórico-prático da esfera penal, é inegável que na definição dos conteúdos normativos o papel dos tratados internacionais, da doutrina, da jurisprudência (especialmente as duas últimas) é decisivo. Por exemplo, não há na lei clara definição (ao contrário) do que seja imprudência, negligência e imperícia, muito menos possui a lei critérios de distinção entre o dolo eventual e a culpa - tais definições e critérios são encontrados na doutrina e na jurisprudência. E não há como imaginar, sem a identificação de tais conteúdos, a solução de casos concretos - a não ser que se admitisse o arbítrio ilimitado de cada juiz penal!

            8

Conforme FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão, p. 76.

            9

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão, p. 306.

            10

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 14. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, capítulos II e III.

            11

O subprincípio é uma diretriz derivada de um princípio geral, uma sub-realização deste. Através do subprincípio faz-se com que o princípio (mais genérico e abstrato) seja especificado para situações concretas. O subprincípio, entretanto, não é uma simples regra, pois ele também possui caráter de diretriz para interpretação e aplicação do Direito – apenas mais específica que a diretriz geral dos princípios.

            12

Semelhante exposição é encontrada em PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 111-114.

            13

Vide FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão, pp. 329-334.

            14

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em sentido semelhante decidiu: "Casa de prostituição. Havendo inúmeros prostíbulos, motéis, apartamentos para encontros e lugares similares com divulgação através de comerciais em rádio, televisão, jornais, etc., que não sofrem qualquer restrição do poder público, nem são objeto de persecução criminal, não se pode agora pretender a condenação dos acusados, sob pena de tornar o direito penal seletivo. Dado provimento ao apelo defensivo." (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - Apelação nº 70002838407 – Relator Cláudio Baldino Maciel – 28/11/01).

            15

Tal qual os princípios da adequação social e da intervenção mínima, este princípio da adequação social depende da postura ideológica de quem interpreta o Direito Penal. Isto porque se o juiz adota uma postura minimalista vai adotar os três princípios. Se adotar uma postura criminológica punitivista vai naturalmente refutar, rechaçar estes três princípios, porque importam numa redução das condições penais incriminadoras.

            16

Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: "Furto. Fato sem relevância. Insignificância da ação delituosa. Absolvição. Impõe-se a absolvição do apelante, tendo em vista a irrelevância da ação delituosa e a insignificância da situação em julgamento após a devolução do bem à vítima. No caso, o recorrente tentou furtar quatro tubos de xampu de, no total, valor irrisório, os quais foram entregues à loja prejudicada. Como salientado na sentença, na visão moderna do direito penal, para que uma conduta seja típica, não mais basta que ela esteja definida de forma abstrata na norma penal. Ela (conduta) deve provocar, no mundo fático e nas relações sociais, um resultado efetivamente lesivo. Apelo improvido." (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - Apelação nº 70005066147 – Relator Sylvio Baptista Neto – 07/11/02).

            17

Tal não significa que a atipicidade do fato em relação a um crime, gerada pelo princípio da insignificância, atinja toda a esfera pena. Ela é específica em relação a um tipo penal determinado, a um crime em particular, mas poderá subsistir a tipicidade de outro crime ou contravenção penal.

            18

A palavra regra designa uma espécie do gênero normas – nesse sentido chamar as regras de normas não é equivocado. É tradicional o uso, na esfera penal, da palavra norma com o sentido de regra. Não obstante isso, melhor seria a adoção da palavra regra, pois os princípios também são normas (sobre o assunto vide COELHO, Edihermes Marques. Direitos humanos, globalização de mercados e o garantismo como referência jurídica necessária. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, capítulo 2).

            19

Importa aqui lembrar a diferença entre norma jurídica e lei. A norma pré e pós existe à lei. Como bem alerta Prado, "norma jurídica e lei são conceitos diversos. A primeira vem a ser o prius lógico da lei, sendo esta o revestimento formal daquela" (PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2. ed., p. 92).

            20

Muito comum é a redução das normas jurídicas a normas que ordenam ou proíbem. Tal reducionismo muito bem foi refutado pelo inglês Herbert Hart (HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, passim).

            21

Exemplar é o magistério de Engish: "as regras jurídicas são regras de dever-ser, e são verdadeiramente, como sói dizer-se, proposições ou regras de dever-ser hipotéticas. Elas afirmam um dever-ser condicional, um dever-ser condicionado através da ‘hipótese legal’." (ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, p. 36).

            22

Importa frisar que os princípios também são normas (normas-princípio), mas com um caráter diretivo (como se viu antes) – ao contrário das normas não principiológicas, que funcionam como regras de conduta e/ou procedimento. Nesse sentido, pode-se dividir as normas em princípios (ou ‘normas-princípio’) e regras (ou simplesmente ‘normas’).

            23

Importa perceber que a Parte Especial do Código não está restrita a normas penais incriminadoras (embora elas sejam ali predominantes) – há também normas penais não incriminadoras, como se verá em item próprio.

            24

Importa frisar que há as chamadas normas penais em branco, que seriam normas incriminadoras em que se apresenta incompleta ou indeterminada, quanto a alguma de suas características, a descrição da conduta incriminada (embora a sanção seja determinada). Carecem, por isso, de complementação especial (incriminadora) de outra norma (legislada ou administrativa). São exemplos de normas penais em branco os artigos 237, 184, 269, todos do Código Penal, e o artigo 12 da Lei 6.368/76 (Entorpecentes).

            25

Por exemplo, que o crime seja doloso ou culposo, que haja nexo causal entre conduta e resultado etc.

            26

Por exemplo, o artigo 27 do Código Penal prevê que são penalmente inimputáveis os que tiverem menos do que 18 anos no momento da prática do crime; se tal hipótese normativa for preenchida, não será possível aplicar-se uma pena ao autor do fato.

            27

Importa salientar que a expressão não-incriminadora não deve ser confundida com ‘anti-incriminadora’, que expressaria a descriminação do fato. Uma norma caracteriza-se como não incriminadora simplesmente porque não define um crime e estabelece uma sanção correspondente. O que não significa que ela deva prever uma hipótese que afasta a ocorrência do crime - a maioria das normas não incriminadoras não tem função descriminante.

            28

As normas-princípio penais podem ser divididas em dois grupos: princípios gerais do Direito Penal (estudadas no item anterior) e princípios penais específicos (assim, por exemplo, a teoria da pena tem seus princípios específicos; a eficácia da lei penal no espaço os seus etc).

            29

Ao se colocar que as fontes do Direito incluem fontes mediatas (indiretas), como os costumes, a jurisprudência e a própria doutrina, explicita-se que os conteúdos jurídicos não estão necessariamente previstos em normas, podendo estar definidos e determinados em formas que possivelmente poderão chegar a se caracterizar como normas, mas que presentemente não o são (por isso a expressão ´´sub-normativo´´). Assim se dá, por exemplo, no Direito Penal, quanto aos conceitos e as diferenças entre imprudência, negligência e imperícia, e as diferenças de tais formas culposas com o dolo eventual. São questões jurídicas que possuem definições e parâmetros que são seguidos cotidianamente no mundo do Direito, e não se encontram delimitadas em normas, mas sim na doutrina e na jurisprudência.

            30

Não se deve confundir transparência com clareza: a transparência resume-se à possibilidade de se identificar quais são os elementos das definições normativas; já a clareza diz respeito à fácil identificação do que significam tais elementos, o que, evidentemente, não é possível plenamente quanto a normas jurídicas, já que elas são, como já vimos, construções culturais.

            31

Vide a respeito COELHO, Edihermes Marques. Direitos humanos, globalização de mercados e o garantismo como referência jurídica necessária. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, pp. 25-28.

Autor


Informações sobre o texto

Texto originalmente publicado como artigo na Revista Jurídica da Faculdade de Direito da Alta Paulista (FADAP), Tupã (SP), Editora da Faculdade de Direito da Alta Paulista, 2002, pp. 105-133.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Edihermes Marques. As fontes do Direito Penal numa perspectiva axiológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 680, 12 maio 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6719. Acesso em: 19 abr. 2024.