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A inconstitucionalidade da cobrança de iluminação pública

A inconstitucionalidade da cobrança de iluminação pública

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A constitucionalidade da cobrança de iluminação pública pelo Supremo. O objetivo no Congresso Nacional na aprovação da emenda nº 39/2002. A deficiência técnica da proposta de emenda. A flagrante inconstitucionalidade.

Pretende-se fomentar uma discussão que até o presente momento se encontra pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, isto é, a constitucionalidade da contribuição de iluminação pública. Neste momento, se propõe a esclarecer o grande objetivo do Congresso Nacional ao aprovar a proposta de emenda nº 39/2002, sendo assim, procura julgar a proposta de emenda à luz da técnica do Direito Tributário Constitucional e da legislação tributária refutando os argumentos que deram base ao Constituinte derivado na época. Com isso, mostra de forma clara a deficiência técnica da proposta o que culmina em sua flagrante inconstitucionalidade.

A contribuição especial de iluminação pública foi alvo de grandes discussões na época da emenda 39/2002, visto sua natureza jurídica que admitia uma serie de controvérsias, de tal maneira que muitos doutrinadores advogaram a tese de que ela poderia ter fato gerador de taxa, como também poderiam ter de imposto, há quem chegou a defender que ela nem teria natureza jurídica de tributo, por esta razão, houve divergência na doutrina e até no próprio Poder Judiciário, por isso, houve dificuldades no início de sua instituição para um posicionamento em relação a temática.

Com efeito, resta comprovado que a COSIP foi produto de uma reação legislativa promovida pelas municipalidades junto ao congresso nacional que culminou nesta terrível atrocidade não só com o contribuinte que fora ludibriado, como também com a técnica do Direito Tributário que foi atropelada e desprezada, assim, verifica-se até onde é capaz de ir o ímpeto dos entes políticos quando o assunto se trata de uma nova fonte de renda para seus gastos.


Análise do caso sob o olhar da Competência Privativa

A competência tributária é dada aos entes federados com uma simples finalidade, a de impedir que um invada o território do outro e prejudique o exercício da autonomia que cada ente tem em relação aos outros.Para conceituar e elucidar melhor o assunto de competência tributária, o professor Luciano Amaro diz:

“(...) a competência tributária (...) a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição. A competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisão sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência, não obstante o legislador esteja submetido a vários balizamentos (...)”.

Nesta lâmina, entende-se que o exercício da competência é pessoal de cada ente político não podendo nenhum ente ultrapassar a frente do outro para tributar em território alheio, isso porque, há um tratado, ou melhor, um pacto entre os entes de forma a impossibilitar tal invasão.

Não obstante a Constituição distribuir poder privativo a cada ente para atuar nos limites de sua competência, esta prerrogativa é dada de forma dosada devendo cada um obedecer aos limites da Lei Maior.

Sendo assim, vejamos, o Caput do artigo 149 da Constituição Federal é muito claro não deixando qualquer margem para dúvidas. Ele revela exatamente o ímpeto, a vontade do legislador constituinte originário pelo que se faz necessária transcrição em letras garrafais:

Art. 149. COMPETE EXCLUSIVAMENTE À UNIÃO INSTITUIR CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS, DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E DE INTERESSE DAS CATEGORIAS PROFISSIONAIS OU ECONÔMICAS, COMO INSTRUMENTO DE SUA ATUAÇÃO NAS RESPECTIVAS ÁREAS, OBSERVADO O DISPOSTO NOS ARTS. 146, III, E 150, I E III, E SEM PREJUÍZO DO PREVISTO NO ART. 195, § 6º, RELATIVAMENTE À CONTRIBUIÇÕES A QUE ALUDE O DISPOSITIVO. (Negrito nosso).

O legislador, neste texto, tratou da competência privativa da União para instituir as contribuições especiais sociais, desta maneira, não haveria de se pairar dúvidas em relação à matéria, uma vez que, não se vislumbra lacunas para disposições em contrário.

A competência privativa ou exclusiva contempla dois aspectos importantíssimos, quais sejam: a irrenunciabilidade e incaducabilidade.

Irrenunciabilidade: O ente político pode por alguma razão não exercer sua competência tributária, mas esta é irrenunciável, quem a possui não pode abrir mão dela.

Sendo assim o artigo 7º do Código Tributário Nacional disciplina:

              “A competência tributária é indelegável, salvo               atribuição das funções de arrecadar ou               fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços,               atos ou decisões administrativas em matéria               tributária, conferida por uma pessoa jurídica               de direito público a outra (...)”.

Incaducabilidade: O poder de tributar é uma faculdade do ente político que o exerce quando lhe seja mais conveniente e oportuno, o fato de permanecer inerte e não criar o tributo não altera sua competência tributária, permanecendo sempre a mesma, isto é, de acordo com a leitura do dispositivo do art. 8º do mesmo diploma:

“O não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.” (Negrito nosso).

Firma-se o entendimento de que o não exercício da competência tributária privativa não faz com que passe para outro ente político.

Neste sentido, não pode jamais a União renunciar o seu poder de instituir tributos aos Estados ou aos Municípios e Distrito Federal, sendo assim, e se está consagrado pelo legislador originário, qualquer emenda a constituição que versar sobre disposição em contrário deve ser rechaçada e taxada de inconstitucional sob pena de violar o pacto federativo entre os entes políticos e a consequente desarmonia com o texto constitucional vigente. Porque se desta forma não fosse, o legislador de 1988 não recepcionaria os artigos 7º e 8º do CTN.

A grande questão é procurar entender a vontade do legislador originário e, para isso, deve-se fazer um excelente uso dos recursos de interpretação, a saber, a exegese do texto de 88 procurando buscar a revelação pura da vontade do legislador daquela época.

Nesta linha de interpretação exegética o art. 149, CAPUT, CF, revelou a vontade do constituinte originário que abstraído de qualquer favoritismo ou pressão política, expressou o seu ímpeto de dar uma maior segurança ao ordenamento jurídico constitucional de tal forma a privar a competência exclusiva à União Federal para instituir as três únicas espécies de contribuições especiais.

Neste diapasão, percebe-se que os Municípios, Estados e Distrito Federal não podem exercer a competência privativa de instituir contribuições especiais, com a única exceção das contribuições cobradas de seus servidores para o custeio do regime previdenciário, também não podem exercer a competência residual como se verificará mais a frente, então, só restou ao constituinte derivado ferir o pacto federativo matéria resguardada e selada pelo constituinte originário como cláusula pétrea é o que tem se subtraído da leitura do texto constitucional art. 60, § 4º, I, CF:

“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado”. (Negrito nosso).

Assim, entende-se que a matéria de competência é um assunto discutido e consolidado no pacto federativo que somente fora possível devido a forma federativa de ser do Estado, com isso, não se faz forçoso o argumento de que de uma forma direita ou indireta a emenda constitucional nº 39/2002 feriu esse compromisso firmado entre os entes políticos materializado no pacto federativo entre os entes políticos da federação brasileira.


A emenda 39/2002 é atentatória ao pacto federativo

A emenda constitucional nº 39/2002 se fez atentatória ao pacto federativo, vez que dilatou em prol dos Municípios e Distrito Federal o uso da competência exclusiva da União para instituir contribuições sociais, tal medida se fez inconstitucional pelo que diz o art. 60§ 4ºICF, quando diz que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir o pacto federativo.

O art. 149, CAPUT, CF, não deixa a menor margem de dúvida, no sentido de ser exclusiva da União a competência de instituir contribuição social, a única exceção está no § 1º quando o legislador de 88 concedeu aos Estados, Distrito Federal e Municípios a competência para instituírem contribuição de seus servidores para o custeio do regime previdenciário, esta é a única exceção prevista pelo legislador de 1988.

Desta maneira, está claramente verificado que o assunto não poderia ser objeto de emenda, visto que, está a disciplinar questão de reserva de competência dos entes federativos, assunto fechado e definido em 1988 com clausula de reserva pela enorme importância, sendo assim, União não pode delegar sua competência a Municípios e Distrito Federal e muito menos tais entes políticos invadirem a competência da União para avocarem para si.


O estranhamento da COSIP com o caput do artigo 149CF

Ao fazer a leitura não muito apurada do artigo 149CF/88, é muito fácilperceber que o legislador só reservou, à União, a competência para instituir ascontribuições especiais, desta forma, não há dúvidas de sua competência exclusiva.

O problema surgiu com a emenda constitucional nº 39/2002 quando deucompetência também aos Municípios e Distrito Federal para instituição da COSIP.

O que aconteceu foi uma reação legislativa na época, visto que,anteriormente a esta emenda o custeio da iluminação era feito pela modalidade tributária das taxas como já mencionado no início. Os Municípios cobravam a taxa de iluminação pública, muito criticada na época e objeto de muitas ações judiciais, desta forma a Suprema Corte se posicionou contrária à cobrança por aquela via modal foi então que o Supremo editou a súmula vinculante nº 41 declarando inconstitucional a TIP.

Sendo assim, os Municípios vieram a pressionar o Congresso Nacional para a edição da emenda constitucional 39/2002, o que veio a causar um terrível descompasso com o texto de 1988.

O professor Sacha Calmon trás em uma de suas obras lembranças da época de sua militância contra a TIP:

“Tivemos a oportunidade de dar parecer contrário a projeto de lei que instituía uma taxa de iluminação pública em prol dos municípios, mas que quebrava o princípio da divisibilidade dos serviços que ensejam taxa, sem a qual o quantum devido por cada um não pode ser individualizado à medida do uso que faça do serviço público, que, por isso mesmo, tem que ser específico e divisível. Agora temos um imposto com o nome de contribuição que será pago por todos os proprietários de imóveis para financiar de maneira indistinta a iluminação pública das cidades brasileiras. A ânsia arrecadatória vai, pouco a pouco, derruindo as bases científicas do Direito Tributário como plasmado na Constituição e no Código Tributário Nacional.”

Foi muito feliz o professor Sacha nessas últimas palavras quando disso daânsia arrecadatória dos entes políticos, visto que, de uma forma ardilosa os entesmunicipais (Poder Executivo) em conjunto com o Congresso nacional deturparam otexto do artigo 149CF, numa ação forçosa de dilatar a competência para instituir (criar) as contribuições sociais, enxertaram no diploma constitucional o artigo 149-A,com isso, desarmonizaram a Constituição e se furtaram da vontade legítima dolegislador constituinte originário.

O artigo 149-A é tão desarmônico que a impressão que ficou foi que oconstituinte derivado precisava encaixar o tributo em alguma das espécies tributáriasde qualquer forma, mas para sua infelicidade no artigo 149 o constituinte originárioconcedeu competência privativa de instituir contribuições sociais a União, destaforma, não deixando lacuna para outra interpretação.

Imagina-se que tenha sido muito difícil pensar em alguma solução que não quedasse inconstitucional, pois, de um lado, a União não poderia delegar a função aos Municípios e Distrito Federal, por ser indelegável tal função, de outro, a União não poderia instituir o tributo dentro do território dos entes políticos, sob pena de violar a autonomia dos mesmos.

Realmente, deve ter sido difícil, mas o Congresso Nacional em conjunto com a vontade dos Municípios e Distrito Federal se superou, assim, nasceu a COSIP, e após o seu nascimento artificial, para a infelicidade da harmonia do ordenamento jurídico constitucional a Suprema corte, os guardiões da Constituição, resolveu acatar o tributo taxando-lhe, lamentavelmente, de Constitucional.


A cobrança atenta contra o Princípio do devido processo legal tributário dado a via pela qual se tem realizado a cobrança.

Não bastasse a gritante inconstitucionalidade da contribuição de iluminação pública por diversos fatores já ventilados até aqui o Poder Constituinte derivado contemporâneo a época de 2002 ainda facultou a cobrança nas faturas do consumidor, momento em que fez confusão da relação tributária com a consumerista.

Na concepção do doutrinador Hugo de Brito Machado:

"O fato de haver a norma, inserida na Constituição pela Emenda n. 39, dito ser facultada a cobrança da aludida contribuição na fatura de energia elétrica, com certeza não quer dizer que possa o pagamento daquela contribuição ser colocado como condição para o pagamento da conta de energia elétrica.            

Realmente, uma coisa é a cobrança de a contribuição ser feita na fatura de consumo de energia elétrica. Outra, bem diversa, é a exigência do pagamento da contribuição como uma condição para o pagamento da fatura de energia. Como o não pagamento da fatura de consumo de energia elétrica autoriza a concessionária do serviço a interrompê-lo, colocar o pagamento da contribuição como condição para o pagamento da fatura de consumo de energia seria dar ao sujeito ativo da obrigação tributária um meio violento, que exclui o devido processo legal e atropela o direito de defesa do contribuinte contra eventual cobrança indevida. Meio de cobrança que, por isto mesmo, não tem sido admitido para os tributos em geral”. (Negrito nosso).

Com isso, corrobora-se o argumento de que tanto a Contribuição quanto sua forma de cobrança e exigibilidade do crédito não se mostram nada harmônicos com a Lei maior, de forma que tem ferido, diametralmente, o Princípio do devido processo legal, no momento em que, condiciona o pagamento de um serviço essencial ao pagamento de um tributo.

O ato de o Poder Público condicionar o pagamento do pagamento da conta de telefone ao pagamento da COSIP se faz claramente violento, uma vez que o Poder Público tem meios próprios para compelir o contribuinte ao pagamento da obrigação tributária. Esta forma de coerção se dá pela via do devido processo legal administrativo como se dá em regra com todas as espécies tributárias.

A partir do momento em que a autoridade municipal efetua a cobrança na conta de energia elétrica, ela não dá opção para o contribuinte exercer o seu direito de escolha, o que não de coaduna a um Estado democrático de direito, pois, ou o contribuinte paga a conta de energia ou fica sem o serviço dentro de casa, o que também sem sombra de dúvidas fere o princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesta ordem de pensamento, verifica-se que o mais correto seria os Municípios e Distrito Federal realizarem a cobrança de maneira apartada de qualquer serviço prestado por concessionária, numa cobrança a parte como faz com o IPTU, deste modo, o contribuinte teria condições de recorrer administrativamente e, se a autoridade municipal entendesse por bem, faria a constituição definitiva do credito seguinte o tramite normal da legislação tributária.

Sendo assim, o objetivo principal verificado neste conteúdo acadêmico foi demostrar tecnicamente o erro crasso da visão de se achar que há amparo na Constituição Federal para a contribuição especial de iluminação pública, uma vez que, a própria Constituição disciplina como regra requisitos de competência exclusiva que consequentemente sendo violado fere o pacto federativo entre os entes políticos e a sua forma de cobrança esbarra no Princípio do Devido Processo Legal Tributário.

Por todo o exposto, corrobora-se o argumento de que a COSIP é uma anomalia frente às demais espécies de Contribuições especiais, entende-se sobre a ótica da finalidade que seu objetivo se confunde com a espécie tributária das taxas e que possui, portanto, o mesmo fato gerador dessa espécie tributária, contudo tem caráter “uti universo” que é característica de impostos, desta forma, entende-se que não haveria problemas algum se o serviço de iluminação pública fosse custeado pela via dos imposto.

Bibliografias

AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário brasileiro. São Paulo. EditoraSaraiva, Editora Saraiva, 1997.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed. Editora forense, Rio de janeiro, 2015.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Ed. 31ª. Editora Malheiros Editores. São Paulo, 2010.


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