Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/6875
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Uma análise histórico-jurídica do holocausto

Uma análise histórico-jurídica do holocausto

Publicado em . Elaborado em .

Sumário: 1. Esclarecimentos da análise do Holocausto e do caso da Editora Revisão. 2. O que foi o Holocausto? 3. I Guerra Mundial (1914-1918). 4. Origens do Nazismo. 5. Ascensão ao poder. 6. O Holocausto posto em prática: campos de concentração e de extermínio. 7. Holocausto: o testemunho das vítimas. 8. A "contribuição" jurídica para o Holocausto. 9. Neonazismo e negacionismo do Holocausto: O caso jurídico HC – 8424, Rio Grande do Sul - (STF). 10. Nossa Posição em relação ao caso concreto. 11. Conclusão: A intolerância moderna


1. Esclarecimentos da análise do Holocausto e do caso da Editora Revisão

O presente artigo analisa o Holocausto, bem como o caso envolvendo o dirigente da Editora Revisão de Porto Alegre, RS, Siegfried Ellwanger, a qual publica artigos negando a veracidade da morte de 6.000.000 de judeus pelos nazistas no referido evento histórico 1. Desta análise surgem diversas questões atormentadoras: Como uma sociedade culturalmente avançada como a alemã pôde tornar-se presa de um regime ditatorial e cruel como o nazismo? E o que dizer da classe jurídica na Alemanha da década de 30 e 40? Qual foi o seu papel para a implementação da máquina de morte nazista? E o que dizer daqueles que negam a veracidade do Holocausto? Poderia, sob a óptica do Direito, um cidadão contestar fatos históricos tidos como incontroversos? Qual é o limite entre contestar a veracidade de um fato e utilizá-lo como propaganda contra um povo? Como equilibrar o direito fundamental a liberdade de expressão e a honra e dignidade de outros cidadãos? Caracterizar-se-ia no caso em estudo o crime de racismo?

Não é possível adentrarmos direto aos aspectos jurídicos sem antes compreendermos o ambiente histórico que paira sobre a discussão. Assim, num primeiro momento, a presente pesquisa fornecerá uma noção do que foi o "Holocausto", bem como o surgimento de grupos denominados pela mídia de "neonazistas". De posse dessas informações históricas, o leitor obterá uma melhor noção da seriedade do caso em análise.

Em seguida, será dada uma breve explicação de como o caso envolvendo o sócio da Editora Revisão foi parar no Supremo Tribunal Federal e como o referido tribunal decidiu a questão. Após, darei meu ponto de vista sobre a lide e a decisão do STF. No final, será feita uma reflexão sobre a intolerância a grupos minoritários em nossa era.

Desde já, deixo claro que o presente trabalho não pretende de forma alguma ofender à Alemanha ou o povo alemão. Seria mesmo ilógico culpar uma geração pelo erro dos seus antepassados, bem como generalizar de forma a tipificar o alemão como atroz e criminoso. De fato, a guerra, a barbárie e o massacre, infelizmente são características que acompanharam o governo humano nas mais variadas épocas, sociedades, raças e culturas. Ademais, a própria sociedade alemã vem trabalhando arduamente desde o fim da Segunda Guerra Mundial no sentido de se reaproximar dos antigos adversários de guerra e atuar de forma pacífica na comunidade dos povos. A maior prova disso é a sua integração na União Européia. Do mesmo modo, compreendemos que a bela, culta, civilizada e milenar história do povo alemão (dos povos germânicos em geral) não pode ser esquecida ou totalmente manchada pelos 12 anos de horror nazista (1933-1945). Para citar um exemplo, foi o alemão Gutenberg quem inventou a imprensa, uma contribuição inestimável para a proliferação do conhecimento e da cultura para todos os povos.

Para finalizar não pode ser desconsiderado que muito embora o Brasil seja um país caracterizado pela miscigenação e, de certa forma, por uma boa convivência entre as raças, o assunto em estudo lança base para uma discussão sobre se o nazismo deixou algumas sementes em nosso país no período getulista, as quais poderiam estar germinando os frutos da intolerância agora. De qualquer forma, este julgamento do STF pode traçar um importante marco em nossa história jurídica.


2. O que foi o Holocausto?

O termo "holocausto" está associado aos sacrifícios religiosos dos povos antigos, no qual a "vítima sacrificial" era entregue em fogo aos seus deuses 2. Os cananeus, por exemplo, ofereciam vítimas humanas, já os hebreus ofereciam animais, conforme delineado na "Lei Mosaica". Devido ao processo de extermínio nos campos nazistas, nos quais as vítimas eram selecionadas, mortas e lançadas ao fogo dos fornos crematórios, nos fazer lembrar estes rituais, atualmente, este termo é empregado pela historiografia mundial para descrever o genocídio de judeus e outras minorias durante a era nazista (1933-1945).

No entanto, como tal movimento conseguiu assumir o controle de toda uma nação? Para obter a resposta a esse questionamento é necessário analisarmos alguns fatos históricos que antecederam a ascensão do nazismo.


3. I Guerra Mundial (1914-1918)

Não é possível compreender as causas que possibilitaram o surgimento e a ascensão do nazismo na Alemanha sem entender o cenário alemão pós - I Guerra Mundial (1914-1918):

1º- À Alemanha assinara sua rendição em 1918 com suas tropas ainda não completamente esgotadas – logo surgiria a idéia de que tal derrota não era fruto de derrotas militares, mas de uma suposta traição interna por parte dos propagandistas judeus e bolcheviques que queriam destruir à Alemanha.

2º- À Alemanha foi obrigada a assinar o tratado de Versalhes, o qual lhe impôs pesadas multas, perdas de território e reduziu drasticamente seu exército – logo isto seria usado (pelos nazistas) para instigar o orgulho nacional ferido dos alemães, bem como atiçar desejos imperialistas e expansionistas.

3º- A situação de miséria do povo alemão era desesperadora. Principalmente depois da quebra da Bolsa de Nova York em 1929, a qual desencadeou uma crise mundial, à Alemanha tornou-se uma das economias mais fracas do mundo e o número de desempregados crescia assustadoramente – logo isto seria usado como "prova" (pelos nazistas) de que o sistema democrático é falho, e que só um governo forte com um grande líder poderia reerguer a nação alemã.

Assim, os nazistas aproveitaram bem a situação caótica pelo qual passava à Alemanha. De fato, quando assumiram o poder em 1933, eles realmente conseguiram reerguer a economia alemã e combater o desemprego. Porém, este "sucesso" foi obtido pelos meios mais repugnantes – maciça produção da indústria bélica, obras faraônicas, confisco de riquezas e exclusão da vida sócio-econômica de diversos grupos (notadamente os judeus).

Mas, de onde surgiram os nazistas? Como foi a sua escalada ao poder?


4. Origens do Nazismo

O termo "nazista" provém do nome do "Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães". Adolfh Hitler fazia parte deste partido desde 1919, e assumiu a sua presidência em 9 de novembro de 1921. No ano de 1923, Hitler com o seu partido tentaram o "putsch" – um golpe para apoderar-se do Estado alemão da Baviera e marchar até a capital alemã, Berlim. Mas o "putsch" (golpe) não teve o necessário apoio popular e fracassou. Hitler foi sentenciado a cinco anos de prisão (dos quais só cumpriu nove meses) e o partido quase se dissolveu.

Durante o tempo em que ficou na prisão, Hitler escreveu o livro "Mein Kampf" ("Minha Luta"), no qual traçou diretrizes que mais tarde seriam o alicerce ideológico do regime nazista. A partir de 1928, com muitos comícios (nos quais dava um show de oratória), passeatas e propaganda, Hitler começou a ressuscitar o Partido Nacional-Socialista (nazista), e nas eleições deste mesmo ano o partido conseguiu 12 cadeiras no "Reichstag" (uma espécie de parlamento alemão). Nas eleições de 1930, os nazistas conquistaram 107 cadeiras no Reichstag, e na de 1932 conquistaram 230! Neste mesmo ano, Hitler concorreu à presidência do Reich (reino ou governo) e perdeu para o marechal Von Hindenburg, mas alcançou a impressionante marca de 13.500.000 votos.

Assim, os nazistas tornavam-se um partido forte na Alemanha, e iniciava uma fulminante caminhada ao poder baseando-se num discurso nacionalista e anticomunista, o que atraiu tanto o interesse da burguesia alemã (a qual temia a chegada dos comunistas ao poder), como o da população em geral que enfrentava o desemprego, a inflação e o orgulho nacional ferido pela derrota na Primeira Guerra Mundial.


5. Ascensão ao poder

No dia 30 de janeiro de 1933 Hitler foi nomeado chanceler pelo presidente Von Hindemburg. No dia 27 de fevereiro os nazistas aplicaram um golpe político: incendiaram o Reichstag, jogaram a culpa nos comunistas e convenceram o presidente Hindemburg a expedir um "Decreto de Emergência", do qual saiu a "Lei de Plenos Poderes", suspendendo os direitos individuais. De imediato, os nazistas invadem a sede dos demais partidos políticos, prendem seus dirigentes e acabam com suas atividades. Agora, o Partido Nacional-Socialista tornava-se o único legal da Alemanha.

Mas a repressão não foi aplicada só aos oponentes políticos. Organizações apolíticas consideradas inimigas também foram rechaçadas. Os sindicatos foram ocupados, lojas maçônicas foram atacadas e a sede das Testemunhas de Jeová foi invadida no mês de abril e confiscada no mês de junho. Neste ano foram instalados os primeiros campos de concentração.

No ano de 1934 morreu o presidente Von Hindemburg. Assim foi feito um plebiscito, no qual cerca de 98% do eleitorado alemão votou a favor do acúmulo de cargos por parte de Hitler - chanceler e presidente. Agora Adolfh Hitler tornava-se o "Führer" (líder) do "Reich" (reino ou governo) alemão.


6. O Holocausto posto em prática: campos de concentração e de extermínio

O primeiro campo de concentração foi instalado na cidade de Dachau em 1933. No início foram encarcerados oponentes políticos e objetores de consciência do regime nazista. Assim, nos primeiros anos, milhares de comunistas, social-democratas, sindicalistas, Testemunhas de Jeová, pacifistas e alguns filósofos antinazistas foram aprisionados. A partir da "Kristallnacht" ("Noite dos Cristais" - ataque aos estabelecimentos comerciais e sinagogas dos judeus) na noite de 9/10 de novembro de 1938, começou a deportação em massa de judeus.

Com o início da Segunda Guerra Mundial em setembro de 1939 (invasão da Polônia pelo exército alemão), e á medida que os nazistas conquistavam e ocupavam vários países da Europa, proliferaram-se os campos de concentração, guetos e prisões. Com o passar do tempo, foram criados os campos de extermínio, os quais tornaram-se verdadeiras indústrias da morte!

O mais destacado deles foi Auschwitz (localizado na Polônia). Sobre este campo de extermínio, o seu próprio comandante Rudolf Höss escreveu:

Sem o saber, eu era um simples dente na cadeia da grande engrenagem de extermínio do Terceiro Reich...o Reichsführer das SS ( Heinrich Himmler) mandou vários líderes de alta categoria do Partido, e oficiais das SS, a Auschwitz, de modo que eles pudessem ver por si mesmos o processo de extermínio de judeus. Todos eles ficaram profundamente impressionados com aquilo que viram. 3

Quando foi testemunhar no Tribunal de Nuremberg, Rudolf Höss declarou:

Em junho de 1941, recebi ordens para construir o campo de extermínio em Auschwitz. Para esse fim fui a Treblinka (um outro campo de extermínio) para ver a maneira como funcionava...Nossas instalações eram melhores, capazes de exterminar 2.000 pessoas de cada vez, ao passo que em Treblinka, para o mesmo ritmo eram necessárias 10 câmaras de gás... 4

Até a libertação de Auschwitz pelos russos em 27 de janeiro de 1945, mais de 1.500.000 seres humanos foram mortos neste campo!

Mas estes não foram os únicos meios de extermínio usados pelos nazistas. Havia também os "Einsatzgruppen" que vinham logo atrás do exército nazista fazendo execuções em massa, de modo que "quando tais grupos chegaram aos territórios soviéticos, alguns índices parciais de mortes dão um total de mais de 900.000", sendo a maioria judeus. 5


7. Holocausto: o testemunho das vítimas

De Max Liebster, um judeu enviado a Sachsenhausen:

Minha declaração baseia-se em minha experiência pessoal e no que testemunhei neste campo... a mídia e o governo nazista afirmavam que é um campo de detenção preventiva... a Gestapo me disse que eu estava a caminho de um campo de extermínio.

Os maus-tratos quando chegamos a Sachsenhausen estão além da compreensão humana... os barracões eram tão apinhados que era necessário deitar como sardinhas em lata, um homem com os pés virados para a cabeça dos outros. De manhã, encontravam-se homens mortos ao lado dos vivos...

Ouvi dizer que meu pai estava a uma distância de três barracões. Eu o encontrei deitado atrás do monte de sacos de palha, suas pernas inchadas de hidropisia, e suas mãos congeladas. Depois que ele morreu, tive de carregar o corpo dele no ombro até o crematório. Ali vi mais mortos empilhados do que eles conseguiam cremar. Milhares morreram em Sachsenhausen devido ao tratamento desumano... 6

De Martin Poetzinger, uma Testemunha de Jeová alemã:

Eu e minha esposa, ambos alemães, passamos em conjunto, um total de 17 anos nos campos de concentração nazistas. Eu estive em Dachau e Mauthausen, e minha esposa, Gertrud, esteve em Ravenbrück... nós éramos objetores de consciência para com a idolatria e o militarismo obrigatórios de Hitler. Ao passo que milhares de nós sobrevivemos aos campos, muitos não sobreviveram...

Logo que Hitler assumiu o poder, em 1933, ele começou a perseguir sistematicamente as Testemunhas de Jeová, por causa de sua posição neutra quanto à política e à guerra. Em resultado disso, milhares de Testemunhas alemãs, muitas das quais eram meus amigos, tornaram-se não só vítimas do Holocausto, mas também mártires...

Dois breves exemplos mostrarão o tipo de espírito que ardia no peito de alguns dos alemães que deveras resistiram ao hitlerismo. Wilhelm Kusserow, de 25 anos, de Bad Lippspringe, foi fuzilado em 27 de abril de 1940, por ter-se recusado a servir nos exércitos de Hitler.

Dois anos depois, o irmão de Wilhelm, Wolfgang, foi decapitado, pelo mesmo motivo, na prisão de Brandenburg. Segundo os cálculos de Hitler, o fuzilamento já era, então, dignificante demais para os objetores de consciência. Wolfgang só tinha 20 anos... 7

Interessante notar que o regime nazista não aniquilou apenas judeus e estrangeiros, mas até mesmo milhares de cidadãos alemães que não concordavam com as medidas racistas e belicosas de Hitler foram amargamente perseguidos.

Apesar de todas as provas, ainda assim, o Holocausto tem sido questionado como um verdadeiro fato histórico, conforme será analisado mais adiante.


8. A "contribuição" jurídica para o Holocausto

O historiador John Cornwell escreveu um livro intitulado "O Papa de Hitler", no qual ele critica a postura do Vaticano durante o Holocausto e o silêncio de Pio XII em relação ao massacre de judeus 8. Logo após, ele escreveu um outro livro intitulado "Os cientistas de Hitler", abordando o apoio tecnológico que essa classe deu para a guerra e os massacres cometidos pelos nazistas. Agora eu confesso que fico imaginando se um dia ele escreverá uma obra com o título: "Os juristas de Hitler!".

Para a tristeza e vergonha da classe jurídica, boa parte dos juristas alemães deram uma "mão" para Hitler construir seu Império de terror e degradação dos judeus e outras minorias. Mas como pôde acontecer isso logo na Alemanha? (e depois por extensão na Áustria)? Logo nas mais cultas classes jurídicas do mundo? Logo nas terras de Kant, Ihering e Kelsen?

Muitos poderiam alegar que os juristas não poderiam ter feito muita coisa, e que bater de frente com Hitler seria morte certa. Aliás, é mais ou menos esse o argumento utilizado pelos defensores de Pio XII.

No entanto, não são os jurista quem se intitulam os "defensores da civilização?" Não passamos cinco anos nas faculdades sendo doutrinados sobre a pretensa importância e beleza do Direito na luta contra o Totalitarismo? Não é verdade que alguns de nossos professores nem mesmo fazem questão de esconder sua crença numa "superioridade" do Direito em relação às demais áreas de atuação humana?

Para que sirva de alerta (e até mesmo de "toque de humildade"), passamos a demonstrar algumas medidas "jurídicas" que os nazistas tomaram para desumanizar seus inimigos com o aval (ou pelo menos a omissão) da classe jurídica.

Restrição dos direitos dos judeus 9:

  • 15 de setembro de 1935: Lei para a Proteção do Sangue e Honra Ariana, proibindo os casamentos entre judeus e arianos.

  • 15 de novembro de 1935: Decreto obrigando os judeus a utilizarem como símbolo de identificação a "estrela-de-Davi"costurada na roupa, bem como restringindo sua circulação (liberdade de locomoção).

  • 6 de julho de 1938: Decreto determinando a liquidação de agências imobiliárias de corretagem e casamento pertencentes a judeus, transferindo-as aos não-judeus.

  • 3 de dezembro de 1938: Decreto autorizando autoridades locais a barrarem judeus nas ruas em determinados dias (feriados nazistas).

  • 9/10 de novembro de 1938: Destruição de sinagogas e lojas judaicas por toda à Alemanha e Áustria no que ficou conhecido como Kristallnacht ("Noite dos Cristais" ou também "Noite dos Vidros Quebrados"). Além de não ser concedida nenhuma reparação aos judeus, eles foram obrigados a pagar uma multa de 1 bilhão de marcos, sendo ainda considerados culpados ou provocadores do "incidente".

  • 28 de Dezembro de 1938: Nova Instrução para a segregação de judeus (os famosos guetos).

  • 30 de Dezembro de 1939: Comunicado do Ministro dos Transportes para o Ministro do Interior para a exclusão de judeus dos vagões-restaurantes.

  • Restrição de direitos de outras vítimas 10:

  • Abril de 1933: Invasão da sede nacional alemã das Testemunhas de Jeová na cidade de Magdeburg.

  • Junho de 1933: Confisco da sede das Testemunhas de Jeová e proscrição de sua organização. Em seguida, encaminhamento de diversas Testemunhas de Jeová para "detenção preventiva", o que geralmente revertia no envio aos campos de concentração.

  • 1º de Abril de 1935: Lei Nacional estabelecendo proibição de Testemunhas de Jeová trabalharem em órgãos públicos; divórcio liberado para cônjuges de Testemunhas de Jeová; Gestapo retira guarda de filhos de Testemunhas de Jeová confinando-os em orfanatos e casas de famílias nazistas para tentarem transforma-los em nazistas longe da influência religiosa de seus pais.

  • 1937: Estigmatização de Testemunhas de Jeová com o "triângulo roxo" em campos de concentração e extermínio.

  • 15 de setembro de 1939: Fuzilamento de jovem Testemunha de Jeová alemão, August Dickmann, no campo de Sachsenhausen, sob acusação de sabotador do esforço de guerra nazista (é o primeiro objetor de consciência da II Guerra Mundial a ser morto, tendo a notícia escapada da Alemanha e acabando sendo publicada dois dias depois no New York Times). A partir daí, começa a tática de pressão por fuzilamento, enforcamento e câmaras de gás.

  • 14 de Julho de 1933: Lei Para a Prevenção da Progênie com Doenças Hereditárias, com base nessa lei os nazistas esterilizaram e depois assassinaram centenas de milhares de deficientes físicos e mentais.

  • Junho de 1936: Aberto o Escritório "Para o Combate da Praga dos Ciganos na Europa".

  • 12 de julho de 1936: Envio de milhares de ciganos para o campo de Dachau. Até o fim da guerra entre 200.000 a 500.000 ciganos são assassinados por toda Europa.

Esses são apenas alguns exemplos da "legitimação" da barbárie. Encerrada a exposição histórico-jurídica do tema, passemos a análise de um caso particular que ocorreu no Brasil.


9. Neonazismo e negacionismo do Holocausto: O caso jurídico HC – 8424, Rio Grande do Sul - (STF).

Após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha Ocidental tomou diversas medidas para a redemocratização. A população alemã, no geral, buscou ansiosamente livrar-se do estigma de racismo e violência que manchara a história de seu país na década de 30 e 40. De fato, a Alemanha até mesmo está indenizando sobreviventes do Holocausto como tem sido noticiado na mídia.

No entanto, como o nazismo deixou profundas marcas na Europa, há alguns grupos que, com algumas variantes, defendem idéias que se assemelham aos do nazismo. Estes são comumente denominados de "neonazistas". Na realidade, às vezes se nota que não há uma estrutura ideológica racista como a dos nazistas. Não raro, o preconceito destes grupos assume aspectos econômicos e culturais, tal como ocorre em agressões e discriminação de imigrantes.

Porém, não significa que os neonazistas não estejam impregnados de sentimentos racistas. Na realidade, este também aflora, como no que diz respeito à difamação de judeus. Mas como o racismo é extremamente combatido na civilização Ocidental (em decorrência do que ocorreu na segunda grande guerra), eles tentam dar um caráter econômico de fachada ao seu combate aos judeus (como veremos mais adiante).

O Brasil é um país caracterizado por sua diversidade racial, o que a primeira vista neutraliza a proliferação de tais movimentos. No entanto, não deve ser esquecido que durante boa parte da Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas (admirador do ditador italiano fascista Benito Mussolini), quase se posicionou ao lado do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Nesta época, havia na região Sul e Sudeste do nosso país alguns focos de simpatizantes do nazismo. Desta forma, mesmo em nosso país há movimentos que negam (ou minimizam) os crimes do regime nazista, bem como estimulam o anti-semitismo.

Um caso em particular chamou a atenção dos juristas. Diz respeito a um escritor e sócio dirigente da Revisão Editora Ltda, com sede em Porto Alegre, chamado Siegfried Ellwanger, a qual tem editado e distribuído ao público obras de autores nacionais e estrangeiros que retratam os judeus de forma extremamente negativa. Entre estas, destacou-se uma intitulada: "Holocausto: Judeu ou Alemão?", de própria autoria do referido dirigente.

A questão gerou controvérsias. No primeiro grau, a magistrada absolveu o autor com a fundamentação de que:

Os textos dos livros publicados não implicam induzimento ou incitação ao preconceito e discriminação étnica ao povo judeu. Constituem-se em manifestação de opinião e relatos sobre fatos históricos contados sob outro ângulo. Lidos, não terão, como não tiveram, porquanto já o foram e, por um grande número de pessoas, o condão de gerar sentimentos discriminatórios ou preconceituosos contra a comunidade judaica... As outras manifestações apresentadas pelas obras, com relação aos judeus, outra coisa não são, senão simples opinião, no exercício constitucional da liberdade de expressão. 11

Porém, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi condenado por racismo a dois anos de reclusão com sursis (suspensão condicional da pena), tendo sido importante o parecer do representante do Ministério Público, Carlos Otaviano Brenner de Moraes 12, o qual pesquisou diversas obras da Editora Revisão. A pena está prevista no artigo 20 da Lei 7.716/89 que classifica como crime "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Os advogados de Siegfried Ellwanger impetraram habeas-corpus no STJ (o qual foi denegado), com pedido para mudar os termos da condenação proferida pelo Tribunal de Justiça gaúcho, para trocar a acusação de "racismo" por "práticas discriminatórias". Desta feita o réu poderia pleitear a extinção da pena (em virtude de já estar prescrito), o que é inviável no caso do crime de racismo, o qual é imprescritível. O principal argumento utilizado pelos defensores é de que os judeus não seriam uma raça, utilizando-se de uma série de argumentos antropológicos e históricos. 13

Por fim, o caso foi parar no STF (habeas corpus). Qual foi a decisão? Segue a ementa do caso. No próximo tópico apresentarei o meu ponto de vista.

HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada. 14


10. Nossa posição em relação ao caso concreto

As principais alegações dos que defendem Ellwanger são: 1º ele não estaria discriminando os judeus, mas apenas dando um outro ponto de vista a respeito de um fato histórico – o Holocausto; 2º não seria possível caracterizar-se como crime de racismo, porque judeu não seria raça; 3º estaria fazendo usufruto da liberdade de expressão (direito fundamental tutelado pela Constituição).

Quanto ao primeiro ponto, ressalta-se que realmente todos têm o direito de discordar da veracidade de um fato histórico (por mais incontroverso que seja, como é o caso do Holocausto), no entanto, isso não lhe dá direito de discriminar uma raça, etnia ou nacionalidade. Assim, se o dirigente da Revisão estiver apenas alegando em seu livro (e naqueles que são publicados por sua editora) que o Holocausto não ocorreu, assim como tem escritores que contestam que o homem foi à lua em 1969 ou que Jesus Cristo existiu, não há que se suprimir sua liberdade (por mais que isso possa nos incomodar). Por outro lado, se nestas obras há ataques à dignidade do homem e do povo judeu, e se o negacionismo do Holocausto estiver associada a esta prática, não resta dúvida de que estamos diante de um ilícito.

Então, o que dizem as obras publicadas pela Revisão? Estimulam o ódio, bem como o anti-semitismo?

Bem, no livro "Holocausto: Judeu ou Alemão?’’, do próprio Ellwanger, ele afirma que os judeus "lutam contra nós mais eficazmente que os exércitos inimigos... É de lamentar que todo Estado, há tempo, não os tenha perseguido como a peste da sociedade e como os maiores inimigos da felicidade da América’’ (p.59).

Outra obra publicada pela editora, diz:

... Num mundo de Estados territoriais organizados, o judeu tem apenas duas fórmulas: derrubar os pilares de todos os sistemas nacionais dos Estados ou criar o próprio Estado nacional... O judeu é adversário de toda ordem social não judaica... O judeu é um autocrata encarniçado... A democracia é apenas o argumento utilizado pelos agitadores judeus, para se elevarem a um nível superior àquele que se julgam subjugados. Assim que conseguem, empregam imediatamente seus métodos, para obter determinadas preferências, como se estas lhes coubessem por direito natural... Porque todo judeu é impelido pela mesma tendência, que se enraíza no sangue: o anseio de dominação... Os métodos de ação das classes baixas judaicas não visam somente a libertar-se da repulsão social, mas anelam francamente o poder. É essa vontade de dominar que caracteriza seu espírito...não existe raça alguma que suporte a autocracia mais voluntariamente do que a raça judia, que deseje e respeite mais do que esta o poder... O judeu é um caçador de fortunas, principalmente porque, até este momento, só o dinheiro lhe tem proporcionado os meios de conquistar certo poderio... O supremo intuito que eles denotam consiste em solapar toda ordem humana, toda constituição de Estados, para erigir um novo poder, em forma de despotismo ilimitado.(Grifo nosso). 15

Como pode se observar, qualquer pessoa que fizer uma análise honesta detecta o caráter discriminatório. Não só afirma que os Estados deveriam perseguir os judeus como uma peste, como afirma que qualidades aviltantes como a dominação e a ganância estão arraigadas no sangue, no espírito, na raça judia! É como se estas características já fizessem parte da carga genética do judeu! Assim, não há como negar que está presente uma conotação racial no texto. Isso fica mais claro no próximo texto:

...o judeu não passa sem prestações. É uma inclinação racial... Judeu sem prestação não é judeu.... Um dia, os povos compreenderão a verdadeira origem de todos os seus males e, então, as bichas vorazes e nojentas serão duramente castigadas... O nosso Brasil é a carniça monstruosa ao luar. Os banqueiros judeus, a urubuzada que a devora. (Grifo nosso). 16

É interessante que o texto não critica meramente os financistas judeus (ou o sistema capitalista), mas atacam todos os judeus, como se fossem um câncer no meio da sociedade Ocidental e culpado por todos os males sociais (evocando mitos medievais).

Assim sendo, não resta a menor dúvida que o foco principal da editora não é apenas discutir a veracidade de um evento histórico (no caso o Holocausto), mas denegrir a imagem do povo judeu, atiçando o ódio da sociedade contra os mesmos por imputar-lhes a responsabilidade de todos os problemas da humanidade.

Quanto ao segundo ponto, realmente cientificamente não é possível dizer que o judeu seja uma raça. Mas por que?

É que conforme brilhantemente exposto pelo julgado do STF, com o mapeamento do genoma humano, ficou provado que os humanos são biologicamente iguais! Porém, sob o ponto de vista histórico e social, o homem ainda se divide em raças, de modo que subsiste juridicamente o crime de racismo. Caso contrário, se fossemos adotar unicamente o critério biológico, toda ofensa dirigida a um negro ou branco jamais iria se configurar como racismo, de modo que o art.5º, XLII da Constituição Federal se tornaria letra morta.

Ademais, mesmo que o termo "judeu" possa ser utilizado nos mais variados sentidos (como no de religião, cultura etc), o que importa é o sentido empregado no texto. Assim, ao analisar as obras da editora, salta aos olhos que o termo "judeu" tem sido usado no sentido étnico ou racial. Segue-se mais outro exemplo:

Qualquer pessoa que esteja de olho no mundo e nos negócios deste, poderá perfeitamente compreender esse plano (totalitarismo perfeito e absoluto), que já tomou forma... A humanidade está dividida não apenas pelas raças naturais, criadas por Deus, e pelas nações. Hoje em dia, até as nações estão divididas. A Alemanha esta dividida em Oriental e Ocidental, o mesmo acontecendo com a Coréia: do Sul e do Norte. A China e a Indochina estão divididas ou separadas, enquanto a Europa está dividida pela Cortina de Ferro. As populações são separadas e divididas em pessoas brancas e de cor, capitalistas e bolchevistas, empregadores e empregados, gente rica e classes operárias, católicos e protestantes, supressores e suprimidos, vencedores e vencidos. Mas, como veremos adiante, toda essa divisão, toda essa desordem, todo esse caos, é dirigida pela mesma vontade férrea, pela mesma força secreta que age segundo o interesse dos líderes de uma raça de 15 milhões de pessoas... São elas que instigam multidões furiosas a fazerem greves e passeatas, enquanto ao mesmo tempo elas dão aumento de salários e promovem a inflação... Elas são as arqui-inimigas dos ideais patrióticos; pregam contra a soberania dos Estados e contra a discriminação racial, enquanto que durante todo esse tempo elas representam um nacionalismo racial de uma veemência até hoje sem paralelo na história de todos os países do globo terrestre... Esse diabólico nacionalismo tribal tem o poder mundial na mão... O judeu jamais foi um internacionalista; ele foi, isto sim, o representante consciente de um nacionalismo tribal que visava dominar todos os outros países do mundo. (Grifo nosso). 17

Para completar, no site da Revisão, há um "rol de famosos" no artigo "Opiniões sobre os judeus", no qual é alistado uma série de declarações negativas em relação aos mesmos:

  • Abd el Kadir - Os Judeus que vivem dispersos pelo mundo de nenhum modo perdem a sua coesão, são criaturas ardilosas, perigosas e hostis para com terceiros. O indivíduo deve matá-los como serpentes, sem lhes dar tempo para erguer a cabeça, senão eles morderão infalivelmente. A sua mordida é letal.

  • Mirza Hassan Chan - Não consigo compreender como esses répteis venenosos não foram destruídos até agora. Bestas das preces são mortas; são os Judeus diferentes de canibais?

  • Maria Teresa, Imperatriz da Áustria - Não conheço pior peste para o estado que o Judeu.

  • Adolf Hitler, Um revolucionário Alemão - O Judeu é e permanecerá um parasita, uma esponja, que como um pernicíoso bacílico se espalha por extensas áreas uma vez que algumas áreas favoráveis o atraem. O efeito produzido pela sua presença é semelhante ao de um vampiro; pois onde quer que ele se estabeleça, as pessoas que lhe deram hospitalidade estão destinadas a sangrar até à morte mais cedo ou mais tarde.

  • Einar Aberg - Aquele que descobre a verdade sobre o judaísmo e não combate a Judaría e alerta os seus camaradas cidadãos da ameaça Judaíca, torna-se um cúmplice dos Judeus e parte da desgraça da sua nação. - Prácticamente cada Judeu possui um nome intermediário, e por milhares de anos esse nome foi o de "Mentiroso". Portanto, o que espera? - Nenhum sistema social no mundo permanecerá são enquanto hospedar o psiconeurótico Judeu... e muito criticamente, o Judeu irá perverter toda a cultura e destruir cada povo hospedeiro. 18

Logo, essas palavras por si só já bastam para comprovar o tipo de mentalidade radical, intolerante e racista que permeia a Editora Revisão e seus responsáveis!

Por fim, no que diz respeito ao terceiro e último ponto, vale ressaltar que a liberdade de expressão não é absolutamente ilimitada. É interessante que, a título de exemplo, Alexandre de Moraes diz que a liberdade de expressão e pensamento pode vir a ser limitada pelos direitos tutelados no art.5º, X, da C.F 19.

Desta forma, não resta dúvida que tal liberdade não pode ser utilizada para promover condutas ilícitas (como o ódio e a discriminação de um grupo étnico ou racial), o que no caso concreto viola a honra e a dignidade (art.1°,III, da C.F.) do homem e do povo judeu.

Assim sendo, somos da opinião de que o Supremo Tribunal Federal decidiu corretamente ao denegar o habeas corpus, prezando os valores e direitos humanos, o qual envolve o combate à discriminação racial, étnica e de nacionalidade, consubstanciada no art.20, da Lei 7.716/89.


11. Conclusão: A intolerância moderna

Era uma normal e bela partida de futebol (Espanha Vs Inglaterra – cidade de Madrid) em um dos mais conceituados centros esportivos do mundo. Tudo seguia normal, até que dois jogadores negros da seleção da Inglaterra entraram em campo. Logo, a torcida espanhola começou a emitir sons que lembravam macacos (com evidente tonalidade racista) para os referidos atletas.

O incidente provocou até mesmo uma nota no site da FIFA, que na sua introdução diz:

La FIFA preocupada por el aumento de incidentes racistas

18 de noviembre de 2004 - La FIFA está preocupada por el reciente aumento en el fútbol de incidentes racistas, los cuales condena severamente. Durante los partidos amistosos entre España e Inglaterra, disputados los días 16 y 17 de noviembre por las selecciones nacionales sub-21 y "A", respectivamente, los jugadores de piel oscura ingleses se convirtieron en el objeto de improperios racistas por parte de numerosos espectadores. El pasado sábado en Francia, al término del partido entre el SC Bastia y el AS St. Etienne, se registraron agresiones de supuestos aficionados, quienes atacaron a los jugadores negros del club Bastia. Hace un mes, se escucharon igualmente injurias racistas en el partido entre el Panathinaikos Athen y el Arsenal... 20

Com toda certeza, este problema que vem sendo detectado em alguns estádios de futebol da Europa, reflete um desafio social com os quais os Estados membros da União Européia terão muita dor de cabeça.

No entanto, já em 1965 foi adotada na ONU uma Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. O objetivo era evitar o ressurgimento de atividades nazi-fascistas e o anti-semitismo. Porém, com a imigração de milhões de árabes, africanos e asiáticos para a Europa nas últimas três décadas, pode se acentuar os conflitos devido à competição no mercado de trabalho. Assim, a grande questão é o racismo esconder-se por detrás de um caráter econômico.

De qualquer forma, no dia 9 de fevereiro de 2005, as seleções de Portugal, Holanda, Rússia e Itália, jogaram seus amistosos com camisas brancas e negras numa campanha de combate ao racismo no futebol europeu.

Na Rússia, a luta é contra o passado stalinista. Este deixou marcas de intolerância e incompreensão muito forte para com algumas comunidades e grupos religiosos. O site Missão Portas Abertas, que denúncia ataques a grupos religiosos, noticiou no dia 23/04/04:

Testemunhas de Jeová não podem mais pregar em Moscou

Apesar de não ter entrado ainda em vigor legalmente, a recente decisão de um tribunal russo (de Moscou) de proibir as testemunhas de Jeová, já provocou problemas para aquela comunidade religiosa e levantou objeções aos defensores da liberdade religiosa, que vêem isso como um mal sinal da direção futura da liberdade para as minorias religiosas da Rússia...

Este processo legal começou em abril de 1998. Foi cancelado em fevereiro de 2001 por ‘não ter base legal’, mas foi reativado em outubro de 2001 no mesmo tribunal (Moscou) com o mesmo promotor, mas com um juiz diferente. 21

A conseqüência imediata foi que oito congregações de Testemunhas de Jeová em Moscou que se reuniam por três anos no Hotel Tourist, foram impedidas de utilizar os salões de encontro no dia 2 de julho. O gerente do hotel recusou-se a discutir o assunto, no entanto, um assistente afirmou que a decisão foi tomada em decorrência da decisão do Tribunal de Moscou. Pelo menos uma das congregações pode ser forçada a se reunir ao ar livre ou na floresta.

Outro incidente grave envolveu Yekaterina Victorova Gorina 22, que com a ajuda dos oficiais de polícia, ilegalmente finalizaram uma reunião de 150 testemunhas de Jeová numa congregação para surdo-mudos.

Consta ainda que nesse período diversas Testemunhas de Jeová foram detidas pela polícia na rua, demitidas de seus empregos e perderam o direito de utilizarem os seus locais de reunião. 23

Mas, qual é o verdadeiro motivo da proscrição e antipatia em relação ao referido grupo religioso?

A edição de 2 de abril do jornal Moscow News, o qual trouxe uma cobertura completa do julgamento das Testemunhas de Jeová, citava a recusa das mesmas em pegar em armas, servir o exército, fazer juramentos e saudações a símbolos nacionais entre outras crenças. 24

É interessante que estas foram basicamente as mesmas razões alegadas por Stalin para proscrever e exilar Testemunhas de Jeová na Sibéria. Desta forma, fica muito claro que o Tribunal está resgatando antigas picuinhas que já haviam sido superadas na Rússia na década de 90 (quando às Testemunhas de Jeová obtiveram seu registro depois de mais de 40 anos de proscrição).

É digno de nota que já foi apresentado ao Kremlin um abaixo-assinado com mais de 300.000 assinaturas (sendo a maioria de cidadãos russos não-Testemunhas de Jeová) protestando contra a referida decisão do Tribunal de Moscou. A Corte de Direitos Humanos de Helsinque também enviou uma carta ao presidente russo Vladimir Putin condenando os incidentes.

Na França, recentemente foram relatados vários casos de profanação a cemitérios judaicos (pichações com o símbolo da suástica) e incêndio de algumas sinagogas.

Há diversos outros casos que poderíamos mencionar aqui. Porém, creio que já basta para o leitor compreender o quão complexa é a questão da tolerância para com as minorias. Sem dúvida, este é um dos maiores desafios para o Direito. Não estamos afirmando que o mesmo possa acabar com a discriminação (isso seria utopia), até porque o preconceito envolve diversos outros aspectos que fogem ao seu alcance (cultura, criação, critérios econômicos etc). No entanto, o Direito pode pelo menos proporcionar alguns meios de defesa àqueles grupos tradicionalmente atacados ou "mal vistos" nas sociedades.


Notas

  1. Além dos 6.000.000 de judeus, teriam sido assassinados pelos nazistas cerca de 5.000.000 de não-judeus no Holocausto, incluindo como vítimas os ciganos, eslavos, negros, Testemunhas de Jeová, homossexuais, oponentes políticos e objetores de consciência do regime nazista.

  2. "Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa", Ed. Nova Cultural, pg.498, São Paulo, SP, 1999.

  3. Revista "Despertai!", 8 de abril de 1989, Ed. Associação Torre de Vigia das Testemunhas de Jeová, Cesário Lange, SP.

  4. "Holocausto: o massacre de seis milhões", Bem Abrahan, Ed. Record, pg.86, São Paulo, SP, 1975.

  5. 5Revista "Despertai!", 8 de abril de 1989, Ed. Associação Torre de Vigia das Testemunhas de Jeová, Cesário Lange, SP.

  6. Idem.

  7. Este depoimento foi publicado no jornal "The New York Times" de 14 de maio de 1984, e na Revista "Despertaí!" de 8 de abril de 1989 da Associação Torre de Vigia das Testemunhas de Jeová, Cesário Lange, SP.

  8. Não entraremos no mérito desta discussão.

  9. Baseado nas obras: "A Marca dos genocídios", de Michael e Raquel Stivelman, o qual trata dos genocídios de judeus, armênios, Testemunhas de Jeová, ciganos e partisans na Europa, Ed. Imago, Rio de Janeiro, RJ; e "Holocausto: o massacre de seis milhões", de Bem Abraham, sobre a preparação e o extermínio de judeus na Europa sob domínio nazista, Ed.Record, São Paulo, SP.

  10. Informações extraídas da Exposição Histórica Internacional: Triângulos Roxos: as vítimas esquecidas do nazismo, (hospedada em Campo Grande, MS, nos dias 5 a 30 de Setembro de 2003).

  11. Site Internet: https://www.neofito.com.br/pecas/parece1.htm. Acesso em 17 de Outubro de 2004, às 19:21hs.

  12. Site Internet: https://www.neofito.com.br/pecas/parece1.htm. Acesso em 17 de Outubro de 2004, 19:44hs.

  13. Site Internet: https://www.advogadocriminalista.com.br/home/casosenoticias/0040.html. Acesso em 17 de Outubro de 2004, às 19:38 HS.

  14. Site Internet: www.stf.gov.br/jurisprudencia. Acesso em 17 de Outubro de 2004, ás 19:51hs.

  15. O Judeu Internacional, Henry Ford, 2ª reedição, 1989, págs. 24, 25, 65, 75 e 79.

  16. Brasil, Colônia de Banqueiros, Gustavo Barroso, 1ª reedição, págs. 34, 37, 46 e 95.

  17. Os Conquistadores do Mundo - Os Verdadeiros Criminosos de Guerra; Louis Marschalko, 3ª edição, págs. 9/10 e 18.

  18. Site Internet: https://www.libreopinion.com/revision5/opijude.htm. Acesso em 22 de outubro de 2004, às 18:00hs.

  19. Direito Constitucional, Alexandre de Moraes, pg.73, Ed.Atlas, 2001.

  20. https://www.fifa.com

  21. https://www.portasabertas.org.br

  22. O qual é um comissário de Direitos Humanos na Rússia!

  23. Idem.

  24. Ibidem.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINI, Bruno. Uma análise histórico-jurídica do holocausto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 725, 26 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6875. Acesso em: 2 maio 2024.