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O Tribunal Penal Internacional entrelaçado com os Direitos Humanos

O Tribunal Penal Internacional entrelaçado com os Direitos Humanos

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Trata-se da situação do Tribunal Penal Internacional, dando-se maior ênfase à análise dos mecanismos por ele ofertados de proteção aos direitos humanos e as suas respectivas sanções.

“O direito é um poder passivo ou pacificado pelo Estado

E é sinônimo de poder, pois sem esta participação.

E legitimação democrática,

Só resta a violência,

A descrença e a barbárie”.

Hannah Arendt – Filósofa

RESUMO: Este trabalho trata da situação do Tribunal Penal Internacional, dando-se maior ênfase à análise dos mecanismos por ele ofertados de proteção aos Direitos humanos e as suas respectivas sanções. Serão abordados, com acuidade e, de uma forma sucinta, os principais princípios norteadores do Tribunal de Haia, destacando-se a diferença entre este os demais Tribunais ad hoc criados no decorrer da História. Finalmente, será abordada a questão em si da compatibilidade entre o texto constitucional brasileiro e o Estatuto de Roma, demonstrando os fundamentos jurídicos para tanto.

Palavras chave: Tribunal Penal Internacional, Direitos Humanos, Constituição da República.


INTRODUÇÃO

Esta pesquisa vai tratar de um tema extremamente interessante que é o Tribunal Penal Internacional.

No presente trabalho será abordado o tema dos antecedentes históricos que deram margem ao surgimento do Tribunal Penal Internacional, seus princípios fundadores, suas características peculiares, analisando, com acuidade, os crimes julgados por ele, bem como temas correlacionados aos crimes violadores de Direitos Humanos e o cenário mundial e brasileiro de atuação do Tribunal Penal Internacional.

Os dois grandes marcos teóricos que podem ser apontados para enriquecer essa dissertação sobre o tema deságuam no surgimento dos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, que ocasionaram, por si só, impacto de grande monta, uma vez que idealizaram a responsabilização criminal de indivíduos, ostentando uma nova versão do conceito de soberania, atuando na repressão e prevenção de práticas criminosas, de maneira em que foi fortalecendo o alicerce de um sistema normativo internacional de direitos humanos, deixando, pois, de ser um assunto de jurisdição doméstica para adquirir contornos internacionais.

O lastro de persecução penal internacional foi muito além dos dois Tribunais acima citados, deflagrando-se os Tribunais ad hoc para os territórios da Ex Iugoslávia e Ruanda, culminando com a criação do Tribunal Penal Internacional - originado pelo Estatuto de Roma, na data de 17 de julho de 1998, cujo marco institucional se deu em 11 de abril de 2002.

O combate aos crimes perpetrados em clara violação aos Direitos Humanos é preocupação iminente da comunidade internacional que busca, dentre suas metas primordiais, o fortalecimento do ideal humanitário de segurança, dando realce ao seu caráter preventivo, tendo em vista que após a consumação das atrocidades o prejuízo para o planeta é de dimensão incalculável.

Todavia, acurar se esse objetivo geral tem tido eficácia prática, em que pese à idoneidade de julgamentos levados a efeito pelo Tribunal Penal Internacional corrobora a proposta deste trabalho. Para tanto, iremos analisar a criação e a validade da jurisdição do Tribunal Penal Internacional, a partir de fatos que o precederam, do seu modo de instituição e da forma como tem sido vistos os temas atinentes aos Direitos Humanos.

Como objetivos específicos deste trabalho pontuamos a análise da acepção dos Direitos Humanos no cenário mundial, com destaque na América Latina, bem como da internacionalização desses direitos após a deflagração da segunda guerra mundial. Para tanto visamos ao estudo das Cortes e Tribunais que precederam o Tribunal Penal Internacional, com os seus aspectos positivos e negativos para a humanidade. Levamos ao leitor a motivação precisa que ensejou a criação do Tribunal Penal Internacional, bem como a sua estrutura, os seus propósitos, a sua implementação e execução, nos moldes traçados pelo Estatuto de Roma. Tais objetivos passaram pela compreensão da segurança como vetor dos Tribunais Penais Internacionais, até então criados numa clara percepção de flexibilização (e não de mitigação!) do conceito de soberania, culminando com a aceitação dos países signatários ao Tribunal Penal Internacional validando-o em seara internacional.

No que toca ao problema objeto de estudo, ainda que haja o consenso deste organismo em distribuir uma justiça internacional, muito se tem discutido a respeito da legitimidade, justiça e efetividade dos seus julgados. Dessa feita, indaga-se: Deve ser aferida a soberania de um país e a autodeterminação de seu povo para que se realize uma punição adequada com uma ideologia doméstica, dos agressores e agredidos? O Tribunal Penal Internacional gozaria da pecha da imparcialidade? Seria esse organismo um verdadeiro instrumento de tutela aos Direitos Humanos? Apresenta o mesmo lastro de legalidade e legitimidade para existir no cenário mundial?

Um ponto crítico a ser estudado nesse trabalho é o fato do Tribunal Penal Internacional se relacionar com o Conselho de Segurança (que não é um órgão jurisdicional!) mantendo-se entrelaçado com os Estados - partes do Estatuto. É cediço que o Conselho de Segurança vincula todos os Estados membros das Nações Unidas não se limitando aos Estados – Partes do Estatuto de Roma e isso, de certa maneira, torna um tanto temerária a atuação do Tribunal Penal Internacional, tendo em vista que o veto de um único país que faça parte do Conselho de Segurança (ainda que não tenha aderido ao Estatuto de Roma!) ceifará toda atuação investigativa e processual que o Tribunal Penal Internacional possa levar adiante no que diz respeito a um Estado violador. Logo, comandaria a atuação do Tribunal Penal Internacional um país não signatário do próprio Estatuto, por via do Conselho de Segurança, que não é considerado um órgão jurisdicional.

Assim, no primeiro capítulo far-se-á um exame preliminar da criação do Tribunal Penal Internacional, bem como da posição chefiada pelos Estados Unidos da América na atualidade face ao seu Poder de Império, mostrando-se posição doutrinária acerca do tema e sua implicação, assim como um acurado estudo sobre o entrelaçamento do Direito Penal Internacional utilizado como uma bússola na implementação do Tribunal Penal Internacional, com os seus contornos históricos e políticos que o antecederam, logo após a Segunda Guerra Mundial.

No segundo capítulo, pretende-se tratar especificamente dos princípios estruturais do Tribunal Penal Internacional focando na validade territorial e extraterritorial do Tribunal face aos seus jurisdicionados, a sua eficácia perante os mesmos, sem esbarrar na soberania do país signatário do Tratado com as suas leis internas (princípio da complementaridade), tendo em vista a legalidade de seus julgamentos, a prescritibilidade de seus crimes e ao juiz natural para a causa. Ademais, ainda que transpareça ser uma grande ameaça para os Estados, o que em verdade não o é, ainda nesse enfoque o processo de internacionalização dos Direitos Humanos simboliza uma belíssima resposta desta dita comunidade no que toca a elaboração de princípios que visam assegurar a convivência pacífica e harmônica entre os Estados.

No terceiro capítulo enfoca-se os crimes que são da competência do Tribunal Penal Internacional verificando os cenários políticos e jurídicos no Brasil e no mundo no tocante ao combate das respectivas infrações penais. Paulatinamente, após a sentida experiência vivenciada pela comunidade internacional com o Nazismo, constituiu-se um esqueleto de normas jurídicas atinente aos crimes de guerra e contra a humanidade. A existência de um Direito Penal Internacional que previsse crimes internacionais (conjunto de atos praticados por indivíduos que violam valores reputados como fundamentais por grande parte dos Estados) e suas respectivas penas nada mais significou que uma exigência de cunho moral dos povos para o progresso da humanidade.

No quarto capítulo, a ênfase gira em torno de temas que guardam relação com a prática de crimes que são objeto de julgamento pelo Tribunal Penal Internacional, desde discussões iniciais de eficácia das reprimendas nacionais e internacionais, com amostra de julgamentos nacionais e de como a questão vem repercutindo mundo a fora. Estuda-se nesse tópico a responsabilidade criminal do individuo e do Estado por delitos que repercutem internacionalmente falando.

No quinto capítulo discute-se a forma como o Tribunal Penal Internacional é visto pela Constituição da República Federativa do Brasil. Assim tornou-se imperiosa a verificação do contexto da política nacional, desde as discussões iniciais acerca da criação do Tribunal Penal Internacional, passando por sua aprovação e ratificação em nosso território e seu processo de implementação e validez face a Constituição da República Federativa do Brasil, com espeque na pena de prisão perpétua, a entrega de nacionais e a imprescritibilidade, seus aparentes conflitos e  aparentes antinomias com a lei interna.

Por fim, não seria crível apresentar um estudo de defesa aos Direitos humanos sem uma conclusão que levasse o leitor a uma reflexão acerca do que tem sido, até então, implementado pelo Tribunal Penal Internacional no Brasil e no mundo, bem como daquilo que ainda poderá, no futuro, ser implementado por ele, pela força e potência que já adquiriu desde os primórdios de sua criação até a atualidade. Quais os crimes ainda poderiam ser objeto de julgamento pelo Tribunal Penal Internacional que ainda não constam de sua pauta e de suas discussões.


CAPITULO I - Antecedentes históricos e a criação do Tribunal Penal Internacional, bem como a posição chefiada pelos Estados Unidos da América, na atualidade.

Passemos agora a um breve apontamento de seus antecedentes históricos.

O tema do Tribunal Penal Internacional, para ser bem compreendido, necessita de um levantamento histórico, ainda que breve. O Tribunal Penal Internacional é o resultado de um longo processo histórico pela tomada de poder, onde ditadores, obcecados pela posse de poder, se valiam da prática de crimes bárbaros. Vamos encontrar em nossa história recente os principais marcos para que o Tribunal Penal Internacional Permanente seja criado. Perspassando a linha demográfica da história, destacamos o ano de 1919. Nesta data houve a previsão no Tratado de Versalhes, de uma Corte especial para julgar determinado indivíduo. Apontamos liminarmente, o Tratado de Versalhes que simbolizou, pois, um tratado de paz, cujo horizonte maior era a paz Européia, encerrando oficialmente à Primeira Guerra Mundial. Fora assinado em 28 de junho de 1919 com sede na cidade de Versalhes.  Tal documento abordava também a criação da Liga das Nações, organização cuja finalidade última era a de promover a paz e a prevenção de conflitos. O destaque do tratado ditava que a Alemanha seria apontada como a responsável pelo início da guerra, e assim sendo, deveria cumprir uma série de reparações acoimadas aos integrantes da Tríplice Entente, o nome da coalização adversária de Alemanha e seus aliados.

Vale dizer: A assinatura de um tratado tão rígido causou um grande choque na Alemanha. Sua população apontava como desonra a aceitação por parte de seu próprio governo de opressivas condições, sem esforços em conduzir negociações de paz mais planejadas. Fato é que, nas exigências rigorosas do Tratado de Versalhes podemos encontrar o embrião da Segunda Guerra Mundial. Assim, com previsão no Tratado de Versalhes, a Corte Especial fora prevista, porém não implementada na prática, para o julgamento exclusivo de kaiser Guilherme II, cuja denúncia fora feita basicamente por ofensa suprema contra a moral internacional e a chamada autoridade sagrada dos tratados. Isso porque houve a recusa na extradição deste, oriunda dos países baixos, sob a assertiva de que os delitos por eles perpetrados não guardavam o caráter criminal e sim político. O nível de massacre e devastação originados, pois da segunda guerra mundial, infundiram a ideia de responsabilização dos agressores.

 Logo, o primeiro marco data de 1920, a segunda guerra mundial, que externou os excessos ditatoriais, onde é feita uma proposta da liga das Nações para a criação de um Tribunal Penal Internacional, proposta essa que não foi adiante. No contexto da segunda guerra mundial, em 1943, as Nações Aliadas, chamadas Nações Unidas vão se juntar e firmar o compromisso de criar tribunais específicos para o julgamento dos criminosos de guerra, compromisso esse que deu origem a própria criação da ONU (Organização das Nações Unidas).

A ONU é uma organização internacional que foi criada em 1945, após a segunda guerra mundial, com o fito de substituir a Liga das Nações, criada como uma organização internacional no lapso temporal da primeira guerra mundial (em 1919) pela Conferência de Paz, traduzindo-se em miúdos como um acordo de paz e resolução dos conflitos internacionais, não atingindo os seus reais propósitos, devido a sua instabilidade institucional, não contando com a adesão de grandes potências da época, tais como dos Estados Unidos da América, Itália e União Soviética. Fato esse que historicamente se explica pelo fato de ter havido a recusa de o Congresso norte-americano em ratificar o Tratado de Versalhes, o que impediu que os Estados Unidos da América se integrassem como membro do novo organismo. 

O objetivo primordial da ONU consiste em deter a guerra entre os países cuja missão maior é estabelecer uma plataforma de diálogo entre eles, bem como fomentar relações amigáveis entre eles, em trabalho conjunto para eliminação da pobreza, analfabetismo e preservação do meio ambiente, incentivando e respeitando a preservação de liberdades individuais e internacionais, atuando, pois como um verdadeiro centro de paz.

Em 1945 e em 1946 são criados dois Tribunais importantes, quais sejam: o Tribunal de Nuremberg em 1945 e o Tribunal de Tóquio, em 1946. Ambos para julgarem os indivíduos responsáveis pelas violações dos direitos humanos.

 O Tribunal de Nuremberg, especificamente, para julgar os nazistas. Surgiu através de um acordo entre os líderes da Ex- URSS, dos Estados Unidos da América, da Grã Bretanha e da França; após o lapso temporal da segunda guerra mundial no território de Nuremberg, na Alemanha, apresentando a natureza jurídica de um verdadeiro Tribunal apto ao julgamento dos crimes perpetrados pelos nazistas durante a guerra. Estima-se que tenha julgado cento e noventa e nove homens sob acusações diversas, de prática de crimes contra o direito internacional e até mesmo de incitação a guerra.

O Tribunal de Tóquio ou Tribunal de crimes de Guerra de Tóquio ou também conhecido como Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente encontra o seu fundamento de validade na Declaração de Cairo cujos representantes foram Estados Unidos da América, Grã Bretanha e China, e cujos objetivos primários eram o de colocar fim a agressão japonesa, levando a julgamento os seus agressores no combate aos crimes de guerra. Tribunal este composto de juízes das onze nações aliadas; quais sejam: Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, Grã Bretanha, França, Índia, Países Baixos, Nova Zelândia, Filipinas e União Soviética. Esses Tribunais apresentaram alguns avanços, mas também apresentaram algumas críticas. Um dos principais avanços é o de promover a responsabilização internacional do indivíduo. E aqui temos um marco extremamente importante no desenvolvimento dos direitos humanos: a responsabilização penal dos indivíduos. Até aquele momento a responsabilidade internacional era focada sobre o Estado. O Estado seria o sujeito de direitos. Apenas o Estado. Aqui nós encontramos não apenas o Estado, mas também o indivíduo, como sujeito de direitos e obrigações no plano internacional. Tanto ele é sujeito de obrigações no plano internacional que ele pode, inclusive, ser responsabilizado por violações decorrentes sobre os direitos humanos.

O que se deu é que vários nazistas foram levados a julgamento, alguns recebendo a sanção de prisão perpétua, outros, com a pena de morte pelo enforcamento.

Agora, em que pese esse avanço da responsabilização internacional do individuo, também há que se fazer referência a algumas críticas. Vou pontuar as seguintes críticas: Trata-se de um Tribunal pós factum, ou seja, é um tribunal criado após o fato. É um Tribunal ad hoc. É um Tribunal criado para o ato. E é um Tribunal composto pelos vencedores. Então nós temos os vencedores julgando os vencidos, por meio de um Tribunal que foi constituído após o fato, e apenas para aquele ato. Alguns chegam a dizer que essas características, por si só, já seriam suficientes para caracterizar estes Tribunais como de exceção, o que denotaria um desrespeito às garantias processuais do indivíduo.

Agora, em que pesem tais críticas considera-se que os avanços superam as críticas, especialmente por força da gravidade e da dimensão das atrocidades, praticadas no período da Segunda Guerra Mundial processadas. Tivemos-nos mais de 11 (onze) milhões de pessoas mortas, das quais 6 ( seis) milhões de judeus. Foi um verdadeiro massacre. Um verdadeiro genocídio, não só de judeus, mas de ciganos, negros, homossexuais e tantos outros grupos que foram dizimados pelo regime nazista. As atrocidades praticadas davam legitimidade para a atuação dos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio. Esses, os dois grandes marcos para o surgimento de um Tribunal Penal Internacional.

Após esses Tribunais terem existido e terem atuado há um debate no âmbito da ONU sobre a criação do Tribunal Penal Internacional. Debate este que gerou uma comissão de estudos, com pareceres e propostas de criação do TPI. O problema é que, logo após a Segunda Guerra Mundial, começa o problema de bipolarização mundial na década de 50, se agravando com aquilo que chamamos de guerra fria, paralisando-se, assim, o debate para a criação do TPI. O debate é restaurado após a guerra fria, ou seja, com a queda do muro de Berlim e com o colapso da União Soviética.

A guerra fria nada mais foi que uma disputa travada entre os Estados Unidos da América e a União Soviética pela titularidade do poder mundial, assim denominada por simbolizar uma guerra econômica, diplomática e ideológica, assim sucedida no intuito maior da conquista de zonas de influencia. Disputa esta que bipolarizou o mundo em duas grandes potências, numa disputa armamentista, que perdurou por quarenta longos anos. Apresentavam sistemas econômicos e políticos discrepantes, ameaçando o continente com uma guerra nuclear, com devastações incalculáveis. Politicamente os Estados Unidos se apresentavam ao cenário mundial com sistema político do capitalismo e a União Soviética com o comunismo.

Em 1990 é apresentada uma nova proposta formal perante a ONU para a criação do TPI. Em 1993 e 1994 são criados dois Tribunais de extrema importância. Em 1993 para julgar os crimes cometidos na antiga Iugoslávia e em 1994 para julgar os crimes praticados em Ruanda. Esses Tribunais também são caracterizados como Tribunais ad hoc e, após o fato, e há outra crítica relevante a tais Tribunais: Tais Tribunais foram criados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou seja, por um órgão não jurisdicional. Atente-se para a circunstância de desde meados de 1991, o conflito armado na Iugoslávia estava na pauta da agenda do Conselho de Segurança, que estava agindo de diversas formas com o fito de conter hostilidades em países que ostentavam desintegração violenta. Em 1992, com a deflagração do conflito da Bósnia e diante da pesada situação humanitária, o Conselho de Segurança se pronunciou no sentido de atribuição de responsabilidade individual àqueles que perpetraram violações graves do direito internacional humanitário; exigindo das partes beligerantes a paralisação imediata das violações, deixando claro que o não cumprimento da determinação ocasionaria a adoção de medidas adicionais. Tal advertência não fora atendida pelos beligerantes, que seguiram cometendo ações de limpeza étnica.

Se o Conselho de Segurança não é um órgão jurisdicional há um questionamento relevante sobre a sua competência para criar um órgão de natureza jurisdicional, sem haver previsão nos tratados internacionais para tanto.

Esse questionamento serve inclusive para se questionar a legitimidade dos Tribunais da ex Iugoslávia e Ruanda. Marco histórico para tanto pode ser apontado como o ano de 1994, em que se desencadeou outra catástrofe humanitária mundial que chamou a atenção das Nações Unidas, qual seja, o genocídio praticado em Ruanda, objeto da vitimização de oitocentas mil pessoas num contexto temporal de três meses. Fato esse que se deu no bojo de uma guerra civil que acontecia naquele território. Se vendo impotente de evitar uma catástrofe desse patamar apresentada, o Conselho de Segurança, por força dos Estados Unidos e Nova Zelândia resolveu, pois, adotar solução semelhante à imposta no caso atinente a antiga Iugoslávia, criando, pois um Tribunal Internacional para Ruanda, com o fito de processar e julgar os agentes por genocídio e outros graves ataques do direito internacional humanitário. As decisões do Conselho, ainda que dessem margem a controvérsias, foram assim impostas em respeito ao clamor da comunidade internacional frente às atrocidades cometidas na Bósnia e em Ruanda. 

Além desses antecedentes históricos aqui mencionados (e são aqui os principais!) nós vamos ter o debate sendo aprofundado no âmbito da ONU, sendo criado um órgão específico para esse debate, e em 1998, à partir de uma conferência internacional, conferência esta que dura vários dias e com o seu término  foi elaborado um tratado internacional, que criou o Tribunal Penal Internacional. Esse tratado internacional é chamado de Estatuto de Roma, exatamente por ser Roma a cidade em que se sediou a conferência e o tratado foi elaborado.

Esse tratado próprio criou o TPI. Qual é a natureza jurídica do Estatuto de Roma? A natureza jurídica do Estatuto de Roma é de tratado internacional. Esse tratado elaborado em 1998 somente vai entrar em vigor em 1º de julho de 2002. Logo, na Lei Maior, foi inserida a Emenda Constitucional n. 45 integrando o Tribunal Penal Internacional ao Rol dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Com a sua criação, seu objetivo maior se delineou no julgamento e punição dos indivíduos oriundos de países que ratificaram o tratado e que cometessem crimes de maior gravidade contra a humanidade (genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão de um país contra outro – art. 5º do Estatuto de Roma, Decreto nº 4.388 de 25 de setembro de 2002). Assim, a Corte Penal Internacional mostrava-se, já na sua criação, identificada com as tendências jurídico-sociais contemporâneas, tendo em vista que os atentados aos Direitos Humanos (objeto jurídico do Estatuto de Roma) vão além das fronteiras de qualquer nação, na medida em que violam toda a coletividade, expondo as vulnerabilidades do ser humano, mitigando em certo ponto a soberania dos países, com o fim de coibir a prática de atrocidades mundiais de grave monta.

 No âmbito de criação desse Tribunal Penal Internacional há uma Assembléia de Estados, composta pelos Estados membros do TPI, que realiza a supervisão do próprio tratado e também tem a possibilidade de realizar a revisão do tratado.

O Tribunal Penal Internacional é um órgão independente, um órgão que não integra o sistema da ONU e está sediado em Haya. Não há que se confundir o Tribunal Penal Internacional com o Tribunal Internacional de Justiça. Ambos são internacionais e ambos estão sediados em Haya, na Holanda. Essas são as semelhanças.

Vamos traçar as distinções: O Tribunal Penal Internacional constitui-se em órgão independente. Possui personalidade jurídica de direito internacional própria e é criado por um tratado específico, e, portanto, não integra a ONU. Já o Tribunal Internacional de Justiça é um órgão integrante da ONU e, portanto, não é um órgão independente. Outra distinção é a de que o Tribunal Penal Internacional julga pessoas responsáveis pela violação dos direitos humanos e não julga Estados. O Tribunal Penal Internacional julga o indivíduo. Já o Tribunal Internacional de Justiça ele julga o Estado e não o individuo.

O Tribunal Penal Internacional ostenta competência para julgar indivíduos por crimes que estão tipificados no próprio Estatuto de Roma. São 4 ( quatro) tipos de crimes tipificados no Estatuto de Roma: são eles os seguintes: o crime de genocídio, o crime contra a humanidade, o crime de agressão e os crimes de guerra. Vamos entender a idéia inicial de cada um desses crimes. Começando pelo crime de genocídio. O crime de genocídio é um ataque para a destruição total ou parcial de um determinado grupo que apresenta uma identidade, ou seja, de uma determinada raça, de um determinado grupo nacional, de um determinado grupo religioso. É um ataque entre um grupo que apresenta um elo de identidade. Então, se eu ataco os judeus eu estou atacando um grupo que apresenta um elo de identidade, que seria uma forma de genocídio. O genocídio pode se dar de diversas formas e o extermínio de pessoas não é a única. Mas não se resume a isso. Nós podemos encontrar, por exemplo, um processo de deslocamento forçado, onde um grupo é retirado de uma determinada região e levado para outra região. Um processo, por exemplo, de escravidão sexual ou de esterilização em massa ou um processo de infanticídio. Um processo que, imediatamente, não gere um extermínio, mas que vai gerar uma destruição a médio e longo prazo.

O segundo crime é o crime contra a humanidade. Nos crimes contra a humanidade nós também encontramos um ataque contra um grupo. Só que aqui não é um ataque contra um grupo de uma mesma identidade, com um mesmo ele de identidade ou uma mesma cultura, raça, origem, nação. Aqui é a população civil de forma geral. Do mesmo modo, o crime contra a humanidade, ou seja, esse ataque generalizado contra uma população civil pode se dar pelo extermínio, por armamentos que o direito internacional da guerra não permite, pode se dar também pelo deslocamento forçado de pessoas, pela escravidão sexual, pela escravidão laboral, enfim... São varias as formas que existem de crimes contra a humanidade, tendo como objeto central esse ataque generalizado contra uma população civil.

O terceiro crime é o crime de guerra. Os crimes de guerra são violações praticadas contra as convenções de genebra, de 1949 e contra o direito da guerra. As convenções de genebra de 1949 estabelecem regras sobre o direito humanitário, ou seja, sobre o atendimento e socorro aferidos em período de guerra. O direito internacional da guerra estabelece, por exemplo, os tipos de armas, projéteis, bombas, mísseis que podem ser utilizados, como um prisioneiro de guerra pode ser tratado. Enfim, o direito de guerra estabelece um código de conduta mínima no período das hostilidades, no período de conflitos armados. Se houver a violação de qualquer dessas regras haverá a caracterização de um crime de guerra e o indivíduo pode, então, ser levado a julgamento perante o Tribunal Penal Internacional.

E o quarto tipo de crime seria o crime de agressão. Crime esse que originalmente o Estatuto de Roma não tipificou. Previu o crime de agressão sem uma tipificação específica.

Vamos ver agora as competências do Tribunal Penal Internacional e quais as penas que ele pode aplicar. A competência do TPI é exercida sobre indivíduos que sejam membro de um Estado parte ou que tenham praticado um crime num estado parte do Tribunal Penal Internacional .

A jurisdição do Tribunal Penal Internacional será exercida através da aplicação do principio da complementaridade. O que é o princípio da complementaridade? Significa que o Tribunal Penal Internacional somente funciona no caso de falência das instituições internas, ou seja, o Estado em que à violação foi praticada ou o Estado do qual o indivíduo é membro buscou responsabilizá-lo, buscando a materialidade e autoria e, efetivamente, atuou na responsabilização desse indivíduo. Ora, se houve essa atuação efetiva do Estado em relação ao individuo, nesse caso, resta afastada a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Por outro lado, se nós verificarmos que há uma negligencia, uma demora injustificada ou que a jurisdição interna atuou sem que a responsabilidade tenha sido de fato praticada ou efetiva, nesse caso, a jurisdição do TPI pode atuar. Então, ela é complementar a jurisdição interna. Uma noção bastante grave e baseada nessa ideia de complementaridade é a seguinte:

Vamos imaginar que a jurisdição interna do país devesse atuar na responsabilização do indivíduo que praticou a violação, só que a atuação que existiu foi marcada por um processo fraudulento ou foi marcada por uma pena ou por uma conclusão flagrantemente contrária aos direitos humanos. Suponhamos que o indivíduo era um ditador e praticou graves violações aos direitos humanos. Veio a responder internamente por essas violações e foi condenado a uma pena irrisória de fornecimento de uma cesta básica para uma instituição qualquer. Uma pena completamente desproporcional em relação à gravidade dos fatos praticados por ele. Nesta situação específica, é possível o Tribunal Penal Internacional relativizar a coisa julgada interna para submeter o indivíduo a um novo processo e julgamento perante o próprio TPI, o que implica numa mitigação do próprio processo do ne bis in idem, ou seja, ninguém pode ser julgado e processado pelo mesmo fato duas vezes.

 É uma situação mais delicada porque isso coloca em risco a soberania estatal. Essa questão da soberania estatal em relação aos direitos humanos é um dos pontos sensíveis que ainda existe hoje no plano internacional. Até que ponto a soberania estatal prevalece sobre os direitos humanos ou até que ponto os direitos humanos prevalecem sobre a soberania estatal? Pode, por exemplo, um Estado ser obrigado a não aplicar a sua lei interna se, por ventura, se verificar que essa lei interna viola os direitos humanos? Citamos, a título de exemplo, em 2010, um caso bastante rumoroso versando sobre uma mulher que teria praticado o crime de adultério no Irã, cuja pena seria capital e o modo de execução seria por apedrejamento. Seria legítimo se entender que essa legislação interna deveria ceder espaço para os direitos humanos? Ou seria ofensa a soberania interna do país? Eis a questão. Nossa posição é a de dar uma proeminência aos direitos humanos sem que isso sacrifique o conceito de soberania. Contudo, o Tribunal Penal Internacional só vai atuar se verificar que a decisão interna é desproporcional e ilegítima porque a atuação do TPI é complementar e subsidiaria a atuação da jurisdição interna.

Vejamos agora como está estruturado o TP Tribunal Penal Internacional.

 Há uma presidência, com duas vice-presidências, além disso, existem os órgãos ou decisões judiciais. Esses órgãos podem ser enquadrados em 3 (três) situações. Nós temos os órgãos de instrução ou turmas de instrução, com a função de dilação probatória, e também temos as turmas de julgamento que, como o próprio nome indica, julgam o caso e equivalem a órgão de primeiro grau. Temos também a turma de apelação para onde vai à turma de julgamento. Além desses, nós temos a procuradoria ou gabinete do procurador e a secretaria geral do Tribunal Penal Internacional.

A procuradoria faz a função do Ministério Público e, uma vez recebida a notitia crimines, ele vai exercer a função de investigação, e poderá oferecer denuncia perante o TPI, que vai gerar o início do processo. Pode ser provocado por um Estado- parte ou pelo Conselho de Segurança da ONU. São 18 ( dezoito) juízes que compõe o TPI, eleitos pela assembléia dos Estados- partes, embora não representem o seu país, com mandato a título pessoal. No Brasil há que ser citada como nossa representante a juíza Silvia Helena Stainer, eleita por um mandato de 9 ( nove) anos. A competência do Tribunal Penal Internacional é racione tempores; só julga os crimes praticados após a entrada em vigor do Estatuto e pelos Estados - partes. O indivíduo responde perante o TPI e não perante o Estado, lembrando que a idade mínima  para ser julgado é a de 18( dezoito) anos.

As penas que são aplicadas pelo Tribunal Penal Internacional são as seguintes: pena de prisão perpétua, pena de reclusão até 30 anos, a depender da alta gravidade já fixada na prisão perpétua. Outro tipo de pena: multa e confisco de bens provenientes direta ou indiretamente da prática criminosa. Não necessariamente a pena será cumprida onde foi violado o bem jurídico. Não há uma polícia que exerça uma coação para efetivar a decisão do TPI, que acaba por depender de uma cooperação internacional. A ausência dos EUA culmina por enfraquecer o TPI no cenário internacional, pela significativa população mundial. Está enfraquecido, mas o TPI não está relegado a papel irrelevante. Mostra disso foi à prisão do presidente do Sudão realizada pelo TPI.

Alguns pontos de tensão entre o Tribunal Penal Internacional e a CRFB. O Brasil incorporou o Tribunal Penal Internacional no ano de 2002, e houve emenda dizendo o que Brasil integrará ao Tribunal Penal Internacional. O primeiro ponto de tensão é a previsão de pena de prisão perpétua e a vedação constitucional interna. A Constituição da república prevê que o brasileiro nato não pode ser extraditado. Aqui vamos diferençar entrega de extradição. A extradição envolve duas jurisdições nacionais, já a entrega envolve a entrega de uma jurisdição nacional para uma jurisdição internacional. Ambas as vedações se referem à jurisdição nacional e não internacional a qual o Brasil integra. Se a jurisdição interna atuar a priori resta afastada a atuação do Tribunal Penal Internacional, salvo decisão fraudulenta ou um simulacro de jurisdição porque envolvida a própria humanidade

A criação do Tribunal Penal Internacional e a posição chefiada pelos Estados Unidos da América, na atualidade.

O Tribunal Penal Internacional veio ao mundo no dia 9 de Julho de 1998 em Roma, através da Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, com o escopo de criar uma jurisdição criminal internacional. A sede determinada para o Tribunal foi Haya (para tanto se justificam as nomenclaturas Tribunal de Haya ou Corte Internacional de Haya ou Corte de Haya). Há que se fazer sobre a criação do mesmo um último registro: Tal sede localiza-se nos Países Baixos.

Apresenta a natureza jurídica de organismo internacional judicial – elaborado pelo do Estatuto de Roma, que guarda compatibilidade lógica de nomenclatura com o local de sua aprovação; qual seja: Roma. Em dados mais precisos: elaborado em 17 de julho de 1998, com adoção final do texto, e cuja entrada em vigor de deu em 01 de julho de 2002. Detentor de personalidade jurídica própria ostenta no cenário mundial o papel de uma Corte Criminal Permanente, localizada geograficamente em Haya, na Holanda. É órgão autônomo e independente da Organização das Nações Unidas. Não possui nenhuma vinculação com a mesma. Tal assertiva consta da previsão do art. 13 c.c o art. 16 do Estatuto de Roma, ambos levam à essa interpretação.

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, formalmente falando, obteve a aprovação de não menos que cento e vinte (120) Estados, embora grande parte do território do planeta tenha se subtraído (por vontade própria) de sua Jurisdição. Registre-se, pois, sete (7) votos contrários a sua aprovação, com vinte e uma (21) abstenções. Dentre os votos contrários, elencamos o voto da maior potência mundial; qual seja, os Estados Unidos da América, caminhando ao seu lado os seguintes países: China, Filipinas, Israel, Índia, Sri Lanka e Turquia. Alguns motivos podem ser elencados pela não adesão de alguns países. Os EUA, em defesa, alegaram que o Tribunal Penal Internacional, por si só, poderia debilitar o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, bem como, que a Corte não deveria ter competência sobre cidadãos de países que não tivessem ratificado o Estatuto de Roma.

Já a China votou de forma contrária à criação do Tribunal Penal Internacional, em detrimento da questão do Tibet. A China alega que o Tibete faz parte de seu território desde meados do século XIII e deverá ficar sob o comando de Pequim. Todavia, muitos tibetanos, no entanto, possuem uma outra visão da história, sob a assertiva de que a região do Himalaia ficou independente durante vários séculos e que o domínio chinês nem sempre foi uma constante. Conclusão: O Tibete vem sendo palco de protestos contra os mais de 50 anos de domínio chinês

No que tange a Índia foi, e ainda é contrária ao “princípio da complementaridade”, sob a assertiva de a mesma ofender a sua soberania interna.

No que toca Israel manifestou sua contrariedade em virtude do conceito, adotado no Estatuto de Roma, de crimes de guerra.

Segue a pergunta que não quer calar: Os Estados Unidos da América, ao não ratificarem o Estatuto de Roma, assumiram uma postura diametralmente contrária a sua criação mundialmente falando?

A resposta negativa se impõe, por mais paradoxal que isso possa parecer. Do contrário ficaria sem sentido explicar a direta participação da maior potência do planeta no que tange ao alcance material do crime de genocídio.

No ano de 2000, devido à péssima repercussão internacional do seu voto contrário à criação do Tribunal Penal Internacional, os Estados Unidos da América estenderam “bandeira branca” à Corte Criminal Permanente. Subscreveu o Estatuto de Roma, manifestando, ainda que de forma implícita, o desejo de colaborar com o Tribunal. 

Ainda que não o tenha ratificado e, assim, ainda que tenha notificado expressamente o Secretário Geral das Nações Unidas no ano de 2002, em razão do atentado terrorista ocorrido em 11 de setembro do mesmo ano, de que não possuía a intenção de se tornar parte no Tratado (em razão do medo em perder a sua soberania, já ameaçada por bombas), ainda assim, não se pode perder de vista a sua posição de amigo da Corte, ente colaborador ou qualquer outra nomenclatura a que se queira dar.

A explicação acima se justifica pelo registro de propostas até então apresentadas. No escólio de Valério de Oliveira Mazzuoli: “Países como os Estados Unidos tiveram, contudo, a oportunidade de oferecer as suas propostas para o alcance material do crime de genocídio ao grupo de trabalho sobre os elementos do crime”. [1]

Assim, o Estatuto conceitua o crime de genocídio como qualquer ato praticado com intenção de destruir total ou parcialmente grupo nacional, étnico, racial e religioso, encampando:

  • Matar membros do grupo;
  • Causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
  • Submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capaz de

Ocasionar-lhes a destruição física, total ou parcial;

  • Adotar medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo, e,
  • Efetuar a transferência forçada do grupo para outro grupo.

Ainda sob o aspecto formal cumpre a nós tecermos as seguintes considerações: O Estatuto de Roma, apesar de sua nomenclatura Estatuto ostenta a natureza jurídica de um tratado. Sabemos todos que não é rótulo que muda a substância das coisas. Assim, o tratado nada mais significa que um acordo internacional concluído entre Estados, em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional, consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação específica. Na ótica mais abalizada de Francisco Rezek, trata-se de “todo acordo formal concluído entre sujeitos de Direito Internacional Público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”. [2]

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, materialmente falando, representou um avanço gigantesco no contexto político, social e cultural entre os povos; pois graças a ele conseguiu-se obter o imprescindível consenso para levar a julgamento, por um Tribunal de índole internacional, políticos, chefes militares e pessoas comuns praticantes de crimes gravíssimos que lesam a humanidade como um todo e, que, até o presente momento, tinham ficado impunes, sob o manto da soberania. Constitui, pois, o retrato maior da efetividade da proteção internacional dos Direitos Humanos.

Ensina-nos Oscar López Goldaracena: “ La implementación del Estatuto de Roma representa una excelente oportunidad para que los Estados que aun no han incorporado las infracciones graves de los Convenios y Protocolos de Ginebra y demás instrumentos internacionales, revisen y actualicen toda su normativa interna en relación con las obligaciones que emanan del Derecho Internacional Humanitario, desarrollando una legislación adecuada en lo vinculado con la tipificación, persecución y juzgamiento de los crímenes de guerra. Sin perjuicio, también resulta una oportunidad inestimable para cumplir con las obligaciones que impone el derecho internacional de los derechos humanos en relación con otros crímenes internacionales”.[3]

A criação do Tribunal Penal Internacional inaugura, pois, um novo estágio da atuação da ONU no cenário mundial.

Com proficiência esclarece-nos: Maia Marielle: “O ingresso dos 121 países, com a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, pode ser considerado o passo mais importante da sociedade internacional na batalha contra a impunidade e em favor de um maior respeito aos Direitos Humanos”. [4]

Isto posto, conclui-se que embora não ratificando a atuação do Tribunal Penal Internacional, os Estados Unidos da América, com o receio de serem réus freqüentes por seus crimes de seara internacional, a nosso ver, não fecharam os olhos para a realidade existente no mundo internacional. Atuam, ainda que mediatamente, através do Conselho de Segurança, que exerce o controle internacional na jurisdição do Tribunal Penal Internacional, embora não se apresente como órgão jurisdicional. Um verdadeiro paradoxo!

A jurisdição doméstica de um país de braços dados com a soberania.

Ao nos reportarmos ao aspecto cronológico destacamos a Idade Média como ápice do Estado Moderno na Europa face à tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. O dito Estado Moderno entrava no cenário mundial com características peculiares, dentre elas, a soberania, que nada mais significava que a subtração das competências normativas de vários centros de poder, até então existentes, passando o Estado ao posto de summapotestas em cotejo aos demais poderes que dentro dele atuavam.

Uma definição concisa e precisa acerca de soberania nos foi ministrada, com maestria, por Bodin que profetizava: “A soberania era o poder absoluto e perpétuo do Estado”. [5]

A inexistência de um direito absoluto para esses “direitos”, já que a dogmática jurídica se caracterizava pela historicidade, sendo o Direito passível de constantes modificações, advindas da sociedade, da cultura, da moral, e, sobretudo, da economia, se alteravam, dia após dia. Não se pôde dar, assim, um fundamento eterno para algo que necessariamente sofreria modificações.

Um preceito só pode ser considerado jurídico quando nele estiver presente o caráter repressivo, que lhe concede eficácia. Se a Ordem Jurídica nada pode fazer para assegurar o cumprimento desses preceitos, eles não podem ser denominados “direitos”, pois são meras expectativas de conduta, meras expressões de boas intenções que orientam a ação para um futuro indeterminado, incerto.

Atualmente, porém, há uma tendência à “positivação” dos direitos humanos, de forma a inseri-los nas Constituições Estatais, através da criação de novos mecanismos para garanti-los, além da difusão de sua regulação por meio de mecanismos internacionais, como os Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos.

Assim, após a conquista de sua supremacia interna, o Estado conquistou a soberania de reflexos externos que, em outras palavras, nada mais significa que a sua independência e que, por conseqüência, desaguou na cláusula de jurisdição doméstica, termo utilizado para traduzir o princípio da não intervenção de organismos internacionais nos assuntos internos dos membros, princípio este encampado expressamente no art. 2º, parágrafo 7º, da Carta da ONU.

Registre-se que o princípio da jurisdição doméstica acoberta a responsabilidade ou irresponsabilidade do Estado a nível internacional, sendo palco para o cometimento de genocídio, massacres, assassinatos, torturas, mutilações e demais ofensas aos direitos humanos, e prevaleceu por um bom tempo na história da humanidade, corporificado, sobretudo, doutrinariamente com a obra de Maquiavel, em 1503: O Príncipe, segundo a qual: “um príncipe, e especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas a que são obrigados os homens considerados bons, sendo frequentemente forçado, para manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade e a religião”. [6]

O manto da irresponsabilidade dos governantes somente caiu por terra depois da Primeira Guerra Mundial. Houve, pois, um verdadeiro clamor da sociedade internacional pela efetiva consagração da responsabilidade penal internacional, ainda que tal pretensão não fosse considerada absolutamente imparcial e universal. As teses de que os Estados deveriam ter uma soberania absoluta e sem limites cederam lugar a que os doutrinadores afirmassem que “a soberania estatal não é um princípio absoluto, mas deve estar sujeita a certas limitações, em prol dos direitos humanos. Os direitos humanos tornam-se uma legítima preocupação internacional com o fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas, com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia Geral da ONU, em 1948 e, como consequência, passam a ocupar um espaço central na agenda das instituições internacionais. No período do pós-guerra, os indivíduos tornam-se foco de atenção internacional. A estrutura do contemporâneo Direito Internacional dos Direitos Humanos começa a se consolidar. Não mais poder-se-ia afirmar, no fim do século XX, que o Estado pode tratar de seus cidadãos da forma que quiser, não sofrendo qualquer responsabilização na arena internacional. Não mais poder-se-ia afirmar no plano internacional that king can do no wrong”[7].

Ensina-nos Valério de Oliveira Mazzuoli:

A segunda grande guerra, que ensangüentou a Europa entre 1939 e 1945, ficou marcada na consciência coletiva mundial por apresentar o ser humano como algo simplesmente descartável e destituído de dignidade e direitos. O que fez a chamada Era Hitler foi condicionar a titularidade de direitos dos seres humanos ao fato de pertencerem à determinada raça, qual seja a raça pura ariana, atingindo-se, com isto, toda e qualquer pessoa destituída da referida condição. Assim, acabaram os seres humanos tornando-se refugiados e apátridas. E por faltar-lhes um vínculo com a ordem jurídica nacional, acabaram não encontrando lugar num mundo como do Século XX, totalmente organizado e ocupado politicamente. Conseqüentemente, tais vítimas do regime nazista acabaram se tornando – de fato e de direito – desnecessárias porque indesejáveis erga omnes, não encontrando outro destino senão a própria morte nos campos de concentração. [8]

Isto posto, conclui-se que, a nosso sentir, a tendência universalística de se propor normas gerais atinentes a proteção dos Direitos Humanos foi bastante positiva e teve, pois, o mérito de colaborar para uma ocidentalização do mundo e propiciar responsabilidade internacional, a quem para ela virava as costas, no governo particular de cada um por si e Deus para todos!

1.2. Tribunal Penal Internacional x Tribunais ad hoc.

Os Tribunais ad hoc guardam a natureza jurídica de Tribunais de exceção, criados posteriormente a prática do fato delituoso - definido como crime ou contravenção penal, perpetrados por indivíduos, e em frontal violação aos bens jurídicos mais caros a que a ordem jurídica busca proteger. Vislumbrando a paz como bússola a evitar um mal maior frente aos crimes bárbaros, até então existentes, a ideia de uma corte criminal internacional passou a significar o sonho dourado aspirado por muitos países massacrados no contexto mundial, tendo em vista que as atrocidades já ultrapassavam os limites da barbárie frente às guerras e, por conseqüência, os ataques bélicos simbolizavam, sem nenhum exagero, um passo para o fim dos tempos.

No mundo a sensação de impunidade passou a incomodar governantes e governados, fato esse que levou a um grito por justiça e, com ele, a instituição nos anos de 1993 e 1994 de dois Tribunais ad hoc (Nuremberg e Tóquio); com o real e firme propósito da intervenção da comunidade internacional na ex – Iugoslávia frente a uma luta fratricida, que lançou sérvios contra croatas e outras etnias. Igual proteção fora oferecida ao território de Ruanda, palco em que extremistas hutus reduziram a pó os rivais da nação tutsi, em frontal violação as regras mais “comezinhas” de dignidade da pessoa humana, coisificando o homem como objeto a ser conquistado ou perdido em uma disputa internacional afeta a pobreza de espírito dos pseudo-s detentores do poder.

A intervenção por uma Corte Internacional Superior aos entes envolvidos passou a ser, pois, uma questão de sobrevivência a própria conservação da espécie humana.

Todavia, se por um lado os Tribunais ad hoc, até então instituídos, tiveram o condão de criar o precedente do julgamento de pessoas que cometeram crimes considerados de caráter interno, que até então se subtraiam da legislação penal internacional face à irresponsabilidade do agente causador do dano, reafirmado no conceito distorcido de soberania, tendo em vista que essa nunca foi sinônima de massacre; por outro lado, a História registrou o lado negativo dos respectivos Tribunais de exceção; qual seja a falta de autonomia do Tribunal, preso as correntes por ele mesmo criadas. Acima afirma sobre a vinculação do TPI e da ONU, incidiria no mesmo resultado!

Assim, os Tribunais ad hoc, no julgamento dos delitos a ele afetos, dependiam de decisão do Conselho de Segurança da ONU, que oscilava de acordo com as convicções políticas do momento. São, pois, carecedores de legitimidade, força moral e poder político.

A grande verdade é a de que em um Estado que se intitula um Estado Democrático de Direito, em perfeita consonância de legitimidade na tomada de decisões com a vontade popular, deve nele reinar o princípio do juiz natural, princípio esse totalmente compatível com o Tribunal Penal Internacional e incompatível com os Tribunais de exceção. Garante-se a igualdade com a pré-determinação do juízo competente e de vedação para julgamentos casuísticos.

Nas preciosas lições de Pontes de Miranda: “a proibição dos Tribunais de exceção representa, no Direito Constitucional Contemporâneo, garantia constitucional: é Direito ao juízo legal comum, indicando vedação à discriminação de pessoas ou casos para efeito de submissão a juízo ou Tribunal que não o recorrente para todos os indivíduos”. [9]

Desta feita, O Tribunal Penal Internacional “sai na frente” dos Tribunais ad hoc em seara democrática, ou seja, enquanto estes últimos são criados pelo Conselho de Segurança da ONU, composto de quinze (15) membros (15 países, dos 189 que o integram), destituídos de legitimidade, força moral e poder jurídico, embora com o fim nobre de sinalizar as atrocidades cometidas no mundo, não ostentam o status de Cortes predeterminadas em lei constituídas anteriormente aos fatos, em clara violação ao princípio do juiz natural, poluindo o sistema, sem o respeito devido à democracia, que deve vigorar não apenas internamente com o Estado parte; mas, sobretudo, com reflexos externos a ditar uma democracia internacional e igualitária entre os Estados, partes ou não.

Sobre o tema, ensina-nos com maestria Valério de Oliveira Mazzuoli: “Apesar do entendimento já consagrado pela consciência coletiva mundial de que aqueles que perpetraram atos bárbaros e hediondos contra a dignidade humana devam ser punidos internacionalmente, os Tribunais ad hoc não passaram imunes a críticas, dentre elas a de que tais Tribunais (que têm caráter temporário e não permanente) foram criados por resoluções do Conselho de Segurança da ONU (sob o amparo do Capítulo VII da Carta das nações Unidas, relativo às ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão), e não por tratados internacionais multilaterais, como foi o caso do Tribunal Penal Internacional, o que poderia prejudicar (ao menos em parte) o estabelecimento concreto de uma justiça Penal Internacional de caráter permanente”. [10]

Estabelecer Tribunais Penais Internacionais ad hoc por meio de resoluções (ainda que com isso se resolva o problema da imparcialidade e insuspeição dos Estados partícipes daquelas guerras) significa torná-los órgãos subsidiários do Conselho de Segurança da ONU, para cuja aprovação não se requer mais do que nove votos dos seus quinze membros, incluídos os cinco permanentes. Este era, aliás, um argumento importante, no caso da antiga Iugoslávia, a favor do modelo de resolução do Conselho de Segurança, na medida em que o modelo de tratado seria muito moroso ou incerto, podendo levar anos para a sua conclusão e entrada em vigor internacional.

Outra crítica assaz contundente voltada àqueles Tribunais ad hoc – que já se ouvia desde a criação do Tribunal de Nuremberg – era no sentido de que os mesmos violavam a regra basilar do Direito Penal, segundo a qual o juiz, assim como a lei, deve ser pré-constituído ao cometimento do crime e não ex pos fato.

Foi justamente pelo fato de que tais Tribunais tiveram a sua criação condicionada pelos fatos que imediatamente a antecederam, que alguns países, dentre eles, o Brasil, ao aprovarem a instituição de Tribunais ad hoc, expressamente expressaram o seu ponto de vista pela criação, por meio de um tratado internacional, de uma corte penal internacional permanente, imparcial, competente para o processo e julgamento dos crimes perpetrados depois de sua entrada em vigor no plano internacional.

Mas ainda que existam dúvidas acerca do alcance da Carta das Nações Unidas em relação à legitimação do Conselho de Segurança da ONU, para a criação de instância judiciária internacional ad hoc, as atrocidades e os horrores cometidos no território da ex – Iugoslávia e em Ruanda foram de tal ordem e de tal dimensão que parecia justificável chegar-se a esse tipo de exercício, ainda mais quando se têm como certas algumas contribuições desses Tribunais para a teoria da responsabilidade penal internacional dos indivíduos, a exemplo do não reconhecimento das imunidades de jurisdição para crimes definidos pelo Direito Internacional e do não reconhecimento de ordens superiores como excludentes de responsabilidade internacional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em resolução da III Seção Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas proclama: “A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, em promover o respeito a esses direitos e liberdades e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, em assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros, quanto entre os povos dos territórios sob a sua jurisdição”.

A Carta das Nações Unidas de 1945 consolida o movimento de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos ao propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto de instituições internacionais e do Direito Internacional, bastando, para tanto, examinar os arts. 1.º (3), 13, 55, 56, 62 (2 e 3) da Carta das Nações Unidas.

Nos termos do art.1. º (3), fica estabelecido que um dos propósitos das Nações Unidas seja alcançar a cooperação internacional para a solução de problemas econômicos, sociais, culturais ou de caráter humanitário e encorajar o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Neste sentido, cabe à Assembléia Geral iniciar estudos e fazer recomendações, com o propósito de promover a cooperação internacional para a solução de problemas econômicos, sociais, culturais ou de caráter humanitário e encorajar o respeito aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião, em conformidade com o art. 13 da Carta. Também ao Conselho Econômico e Social cabe fazer recomendações, com o propósito de promover o respeito e a observância dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais, bem como preparar projetos de Convenções Internacionais para este fim, nos termos do art. 62 da Carta da ONU.

O art. 55 reforça o objetivo de promoção dos Direitos Humanos, quando determina: “Com vistas à criação de condições de estabilidade e bem estar, necessárias para a pacífica e amistosa relação entre as Nações, e baseada nos princípios da igualdade dos direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas promoverão o respeito universal e a observância dos Direitos Humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. O art. 56 reafirma o dever de todos os membros das Nações Unidas em exercer ações conjugadas ou separadas, em cooperação com a própria organização, para o alcance dos propósitos lançados no art. 55. Alguma discussão há sobre a natureza jurídica da Declaração, assim como sobre seu valor jurídico.

O doutrinador Carlos Weis, escrevendo a respeito, afirma que a Declaração não decorre do surgimento de direitos subjetivos aos cidadãos, nem obrigações internacionais aos Estados, uma vez tratar-se de recomendação. Assinala, todavia, sua contribuição, pelo fato de ter influenciado vários textos constitucionais, sustentando que refletiu e deu origem a vários tratados internacionais, os quais, sim, com força vinculante[11].

Com maestria Flávia Piovesan, sobre o tema, aduz que “a Declaração Universal não é um tratado. Foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas sob a forma de resolução, que, por sua vez, não apresenta força de lei” [12].

Sobre o tema Fábio Konder Comparato, por seu turno, professa que “tecnicamente, a Declaração Universal do Homem é uma recomendação, que a Assembléia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas), artigo 10” [13].

Embora a Declaração Universal de 1948 não configure um tratado internacional, Flávia Piovesan e Fábio Konder Comparato, entre outros, entendem que a Declaração tem força jurídica obrigatória e vinculante, pela qual os Estados, à luz desse documento, têm o compromisso de assegurar tais direitos às pessoas. Assim, entendem que a Declaração integra o Direito Internacional, que, a par dos tratados e convenções, também recebe o influxo dos costumes e princípios gerais de direito.

Arrematando o tema, J. A. Lindgren Alves elucida que as declarações, em contraposição aos tratados, convenções, pactos e acordos, não têm força jurídica compulsória. Assinala, todavia, o caráter especial e peculiar da Declaração Universal.

Nesse sentido, e tendo em conta que a Declaração Universal é encarada como uma interpretação autorizada da Carta das Nações Unidas, “a Declaração teria, para alguns intérpretes, os efeitos legais de um tratado internacional”. Para outros, porém, “a força da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como a de qualquer outro documento congênere, advém de sua conversão gradativa em norma consuetudinária” [14].

Daí o motivo pelo qual avultava de importância a criação e o estabelecimento efetivo de uma instância penal internacional com caráter permanente e imparcial, instituída para processar e julgar os acusados de cometimento dos crimes mais graves, já conhecidos no planeta, que ultrajam a consciência da humanidade e que constituem infrações ao próprio Direito Internacional Público, a exemplo do genocídio, dos crimes contra a humanidade, dos crimes de guerra e dos crimes de agressão.

Entretanto, a grande mácula da Carta das Nações Unidas, nesse ponto, ainda é a de que jamais o Conselho de Segurança poderá criar Tribunais com competência para julgar e punir eventuais crimes cometidos por nacionais dos seus Estados-membros com assento permanente. Não se traduz em órgão jurisdicional. Por ser o Conselho de Segurança um órgão de grande repercussão política questiona-se a sua interferência junto ao Tribunal Penal Internacional, tendo em vista que, por si só, amplia a competência do Tribunal Penal Internacional via casos a ele enviados pelo Conselho de Segurança, através de órgão não jurisdicional, e, se tal ampliação for usada discricionariamente, países que não aderiram ao Tribunal, mas que estão atrelados ao Conselho de Segurança, vão dominar o cenário internacional, de acordo com os seus interesses próprios. 

Isto posto conclui-se que apesar da crítica de o Conselho de Segurança afetar a imparcialidade do Tribunal Penal Internacional, para que não haja um julgamento precipitado, necessária a reflexão sobre a compatibilidade dos objetivos do Conselho de Segurança e do Tribunal Penal Internacional. O ponto em comum entre ambos é a manutenção da paz e da segurança internacional, os objetivos de ambos, portanto não são colidentes. A competência do Tribunal engloba a do Conselho, pois o fim último é a justiça internacional. Não haveria uma quebra de igualdade entre os Estados com a interferência de Estados aderentes ao Conselho de Segurança levando casos ao TPI afetando, pois, a sua imparcialidade, tendo em vista que a atuação conjunta do Conselho de Segurança, dentro do Tribunal Penal Internacional, propicia uma maior efetividade nas investigações do Tribunal chancelando a ele (com a adesão de Estados não partes) um caráter universal no objetivo comum, qual seja, a justiça internacional. Do contrário, a investigação ficaria restrita e fracionada aos países signatários do Tribunal Penal Internacional. A questão de o Conselho de Segurança poder interromper inquéritos em andamento na Corte e, com tal desiderato, atingir a sua imparcialidade cai por terra, a partir do instante em que se verifica que uma exigência para atuação do Conselho de Segurança breca os inquéritos e processos no TPI, sendo o consenso de seus cinco membros permanentes a respeito do tema, o que na prática torna a atuação do órgão muito difícil, já que rara a unanimidade. Nossa conclusão a respeito do tema é de que apesar das preocupações geradas as críticas de atuação do Conselho de Segurança junto ao Tribunal Penal Internacional, tais críticas são impertinentes, se analisadas em sua profundidade. Em termos de proporcionalidade, o bem da atuação é maior que qualquer temor a afetação de soberania.


CAPITULO 2. Princípios estruturais do Tribunal Penal Internacional

Antes de adentrarmos ao estudo específico dos princípios integrantes do Tribunal Penal Internacional iremos delimitar o que se entende por princípios e regras universalmente aceitos.

A interpretação dos princípios se faz através da ponderação: o operador do direito indicará o princípio que mais se adequou à resolução do caso concreto, sem que, com isso, venha a fulminar o princípio confrontado. Ou seja, a rivalidade entre princípios não acarreta o alijamento do “perdedor” do ordenamento jurídico. Já no tocante às regras jurídicas, a interpretação se dá no campo da validade; uma regra, ao prevalecer sobre outra, estará alijando a norma derrotada do ordenamento jurídico, exteriorizando uma equação binária “de tudo ou nada”. Há que se destacar também que os princípios são menos densos do que as regras. Por conseguinte, os princípios são mais genéricos do que as regras.

             O princípio é, portanto, um vetor para as soluções interpretativas. É uma regra básica, com âmbito de validade maior, que exerce, dentro do sistema jurídico função axiologicamente mais importante do que a regra, mesmo a constitucional. Assim, ao interpretar, o aplicador do Direito não pode contrariar o sentido demonstrado, devendo caminhar na direção indicada por tal princípio, sob pena de feri-lo, o que tornará inconstitucional a interpretação. Também deve respeito aos princípios o legislador, uma vez que, ignorando suas disposições, criará lei contaminada pela inconstitucionalidade.

A atuação do Tribunal Penal Internacional lastreia-se sobre alguns princípios ditos fundamentais. Agasalha-se em alguns princípios basilares que lhes são fundamentais, dentre eles destaca-se: o princípio da complementaridade, o princípio da universalidade, o princípio da responsabilidade penal individual, o princípio da imprescritibilidade, o princípio do nullumcrimemsine lege e nullapoenasine lege, o princípio do ne bis in idem, o princípio da não retroatividade, o princípio da exclusão da jurisdição relativamente aos menores de dezoito anos, o princípio do juiz natural, o princípio da responsabilidade de comandantes e outros superiores, o princípio do promotor natural e o princípio da irrelevância da função social. Iremos, pois, nos debruçar sobre os princípios em espécie.

2.1 - Princípio da Complementaridade.

O princípio da complementaridade é apontado, dentre os estudiosos do tema, como um dos princípios mais importantes que regem a atuação do Tribunal Penal Internacional. Nos moldes do art. 1º do Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade, com alcance internacional (fixados nos termos do Estatuto), e será complementar às jurisdições penais nacionais. Molda-se, dessa maneira, o princípio da complementaridade, preservando-se o sistema jurídico interno, ao passo em que o Tribunal Penal Internacional só exercerá jurisdição em caso de incapacidade ou omissão dos Estados.

Ensina-nos o doutrinador Francisco Rezek: “Dentre os princípios fundamentais assentados no Tribunal Penal Internacional que o princípio da complementaridade surge como um dos mais importantes. De acordo com o mesmo, a Corte somente atua se o Estado, que tem jurisdição sobre determinado caso, não iniciou o devido processo ou, se o fez, agiu com o intuito de subtrair o acusado à justiça ou de mitigar-lhe a sanção. Este postulado, à primeira vista, parece chocar-se com os fins colimados no Tratado de Roma, mas justifica-se porque compete, em primeiro lugar, aos Estados o dever de reprimir os crimes capitulados no Estatuto do Tribunal, até para que a repressão se faça de modo mais eficaz. A Corte, pois, atua apenas subsidiariamente agindo, sobretudo na hipótese em que ocorre a falência das instituições nacionais”. [15]

Assim, o Tribunal Penal Internacional não terá primazia na competência de julgamento àqueles que cometerem os crimes previstos em seus Estatutos, atuando subsidiariamente ao Estado do indivíduo-infrator.

Assim, dita norma internacional, vigente no ordenamento interno, dentre outras disposições, estabeleceu a competência jurisdicional do Tribunal Penal Internacional (TPI) para o julgamento dos crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra, e de agressão e definiu as respectivas condutas penalmente relevantes. Logo, indaga-se: caso um brasileiro cometa um desses crimes, qual o órgão jurisdicional competente? E qual a lei penal aplicável à espécie? Ambas as questões resolvem-se à luz do princípio da complementaridade.

A resposta deve ser elaborada a partir do exame dos arts 1º e 17 do Estatuto de Roma. Dispõe o art. 1º que a competência do Tribunal Penal Internacional é complementar às jurisdições penais nacionais. Isso significa dizer, em uma primeira leitura, que a atuação do Tribunal Penal Internacional não subtrai a competência jurisdicional interna, mas, pelo contrário, pressupõe a sua não incidência. O art. 17, I, e suas alíneas a, b, c e d, cuidam das condições de admissibilidade da competência do TPI, de tal sorte que um determinado caso não será admitido se: a) for objeto de inquérito ou procedimento criminal por parte do Estado que tenha jurisdição sobre ele; b) tiver sido objeto de inquérito ou procedimento criminal, e o Estado tenha decidido não dar seguimento; c) a pessoa tiver sido definitivamente julgada, e d) o fato não for suficientemente grave a justificar a intervenção do Tribunal. Nas alíneas a e b, tem-se a ausência de vontade ou a incapacidade do Estado interessado em levar a cabo a investigação ou o procedimento criminal instaurado, como condicionante da intervenção do Tribunal Penal Internacional. A alínea c funda-se na vedação do ne bis in idem, na medida em que busca evitar o julgamento do mesmo fato, por duas vezes. E, finalmente, na alínea d, a constatação de ausência de gravidade da infração afasta por si só o interesse, a justificar a atuação do Tribunal Penal Internacional. Eis o primeiro sentido do princípio da complementaridade, segundo o qual a atuação do Tribunal Penal Internacional tem o caráter subsidiário diante da jurisdição nacional, cujos critérios delimitadores são a existência ou não: a) de coisa julgada; b) de vontade e disposição de punir por parte do Estado considerado; e c) a gravidade da infração.

Nessa ótica reconhece-se que a jurisdição do TPI não antecede, nem tampouco se sobrepõe à jurisdição nacional, mas simplesmente a complementa, pressupondo sempre o fundado receio de que os responsáveis pelas condutas descritas no art. 5º do Estatuto de Roma possam permanecer injustificadamente impunes. Seja a intenção deliberada por parte do Estado que detenha jurisdição para o caso em não punir determinado fato, seja a ausência de capacidade ou mesmo estrutura para tal fim, em ambas as hipóteses, verificada a ocorrência de um dos crimes descritos no art. 5º e seguintes do Estatuto, a atuação do TPI estará legitimada.

Registre-se, igualmente, que uma vez presentes às condições de admissibilidade, o TPI poderá exercer a sua jurisdição se: a) houver denúncia de um Estad0- parte ao procurador; b) houver denúncia pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas ao procurador; c) o procurador agir de ofício, sem provocação (art. 13).

Na lavra de Bernardo Gonçalves Fernandes: “A competência do Tribunal Penal Internacional é complemento das jurisdições penais nacionais, nos termos do art. 1º do Estatuto de Roma. Portanto, a atuação do Tribunal será restrita às hipóteses nas quais os Estados, a quem cabe a responsabilidade originária de processar e julgar os crimes cometidos por seus nacionais, não se mostrarem capazes ou mesmo não demonstrarem vontade efetiva de punir os seus criminosos. Nesse sentido, isso ocorrerá somente quando houver falha ou omissão. Nesses termos, o Tribunal Penal Internacional, com base na complementaridade não substitui os Tribunais nacionais, pelo contrário, só atuará subsidiariamente às cortes nacionais, uma vez que as mesmas possuem prioridade no exercício da jurisdição. A doutrina ressalta ainda que o princípio da complementaridade aplica-se não apenas aos Estados partes, mas também em relação aos Estados não partes”. [16]

Iremos expor nesse tópico alguns casos julgados e em andamento pelo Tribunal Penal Internacional, com o fito de enriquecê-lo.

No que concerne a Ruanda, a acusação do ex-comandante do Estado-Maior do Exército ruandês, Augustin Bizimungu, deveu-se a prática do crime de genocídio, tendo em vista assassinatos em massa na Ruanda, sobretudo, da etnia tutsi, datados de 1994.

No que toca a Líbia, caso ainda não julgado, embora apreciado pelo Tribunal Penal Internacional no que tange aos crimes contra a humanidade, o promotor, Luis Moreno Ocampo, atuante na Corte requereu em meados de 2011 a prisão por crimes contra a humanidade do ditador líbio Muammar Gaddafi, bem como de seu filho mais velho, Seif al Islam, e do chefe dos serviços de inteligência de seu regime, Abdallah Al Senusi, ao argumento de ataque a civis em vias públicas, disparos contra manifestantes com armas de fogo, bem como o uso de armamento pesado em funerais e uso de franco-atiradores.            No que tange a Sérvia, o ex-general croata Ante Gotovina fora acusado de crimes de guerra e contra a humanidade, cometidos em 1995 em face da população sérvia na Croácia. Fora condenado em maio de 2011 ao lapso temporal de 24 anos de prisão. Constatou-se a morte de 324 ( trezentos e vinte e quatro) civis ou soldados que entregaram armas e pelo deslocamento forçado de 90.000 ( noventa mil) sérvios de Krajina. O réu foi o líder da ofensiva militar "Operação Tempestade" que tentou reconquistar a região de Krajina, ao sul da Croácia, a última zona de resistência controlada pelos sérvios na Croácia em 1995.

No que se tem notícia do Quênia, há que se constatar que William Sambei Ruto, ex-ministro da Educação, Ciência e Tecnologia do Quênia, e Henry Kiprono Kosgey, membro do partido ODM, no Quênia, são acusados de crimes contra a humanidade, entre eles, assassinatos e perseguições à população civil.  Programa de rádio era veículo condutor de crimes, ou seja, Joshua Arap Sang, que trabalhava na rádio Kass FM, no Quênia, acusado dos mesmos crimes e de usar seu programa para incitar a violência entre diferentes grupos.

Quanto ao Sudão, Bahar Idriss Abu Garda, acusado que entregou-se voluntariamente ao Tribunal Penal Internacional, tido como líder da Frente Unida para a Resistência (URF), um grupo rebelde de Darfur, fora acusado de crimes de guerra, bem como, de comandar um ataque, no qual teria resultado doze homicídios. Foi um dos primeiros acusados pelo Tribunal Penal a se entregar voluntariamente. Não fora condenado, por insuficiência de provas.

            Com relação à Bósnia, há relatos de que em junho de 2010 o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPIY) condenou sete sérvios bósnios pela morte de mais de 7.000 ( sete mil) muçulmanos bósnios, isso após a queda dos enclaves de Srebrenica e Zepa, na Bósnia e Herzegovina, em data de julho de 1995. O massacre, tido como o pior cometido na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, foi classificado de genocídio.           Já no que diz respeito ao Sudão, a primeira ordem de prisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional em face de um chefe de Estado foi contra o presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad al Bashir, em 2008, tido como  acusado de genocídio pelos crimes cometidos na região de Darfur. Tendo em vista que o país não aderiu ao Tratado de Roma, de 1998, que criou o TPI, -- condição para que o condenado possa ser preso sem depender do Estado para entregar ou não o acusado -- Bashir ainda se mantém refém, ou seja, no poder em seu país. No que diz respeito ao Congo, o Rebelde congolês Thomas Lubanga é condenado pelo Tribunal Penal Internacional, tido como primeiro réu da Corte, por transformar crianças em soldados. A condenação teve como lastro crimes de guerra. Vale dizer que o réu  estará sujeito ao cumprimento de prisão perpétua, por recrutar crianças e transformá-las em soldados de sua milícia, no lapso temporal de 2002 e 2003,  na República Democrática do Congo.

            Nossa conclusão acerca do princípio da complementaridade é a de que o mesmo possui a natureza jurídica de um delimitador de competências que o próprio nome já indica: complementar e subsidiária. Logo, não tem este o condão de afetar uma competência originária de um Estado, delimitando competências quando a jurisdição nacional for tida por inoperante, tão somente.

2.2 -  Princípio da Universalidade.

Face o princípio da universalidade, os Estados – partes disponibilizam-se integralmente a jurisdição da Corte, não sendo crível subtrair de sua apreciação determinados casos concretos ou situações concretas. E o que de melhor exemplifica o que acaba de ser dito é o fato de o Estatuto de Roma vedar reservas; ou seja, não se mostra possível que por uma declaração unilateral feita por um Estado-parte possa o Estado aderir ao Estatuto de Roma, com o objetivo de excluir ou modificar os efeitos jurídicos do mesmo. Importante que se frise que a reserva só ocorre em se tratando de tratados multilaterais, não ocorrendo em tratados bilaterais, sob pena de afetar o equilíbrio dos mesmos.

As reservas, para serem válidas, portanto, necessitam do preenchimento de dois requisitos; quais sejam, uma condição de forma e outra de fundo. A condição de forma é a subsunção da reserva apresentada por escrito e a de fundo subsume-se em sua aceitação pelas partes contratantes. Dessa feita, a reserva guarda a natureza jurídica de uma manifestação de vontade.

Pelo princípio da universalidade o Tribunal Penal Internacional mitiga qualquer autonomia da vontade no sentido de aderir ao estatuto de Roma, para dele subtrair determinados crimes através de reservas, no interesse do próprio Estado-parte; vale dizer, a reserva, de fato, é uma manifestação de vontade, mas, diga-se de passagem: trata-se de uma manifestação de vontade parcial, tendo em vista que o Estado não se obriga a todas as disposições, mas tão somente apenas por uma parte delas, como, a título de exemplo, um tratado que contivesse vinte e uma regras e o Estado se dispusesse a cumprir apenas vinte delas.

Uma informação se revela de fundamental importância: havendo, pois, dúvida em se aplicar ou não determinada reserva, haverá uma regra geral que dirá: a reserva não poderá atingir o objeto e a finalidade do tratado respectivo; regra esta encampada na Convenção de Viena. Logo, se um tratado é omisso quanto à possibilidade de reserva, há que se verificar se ela é compatível ou não com o objeto do tratado. A ONU (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS) estabelece as seguintes situações acerca da reserva: primeira: o Estado aceita a reserva. Há, pois, o tratado com a reserva, isto é, a reserva vai vigorar para o Estado que a aceitou e a formulou; segunda possibilidade: O Estado não aceita a reserva, mas acha que ela é compatível com o tratado: a reserva não fere a essência do tratado.

Há que se ressaltar que o Estatuto de Roma nada mais é que um tratado multilateral e como não há uma fórmula matemática, uma regra universal que determine sobre a elaboração de um tratado, muitas das respostas será, de plano, encontradas no próprio instrumento (tratado), no próprio procedimento de elaboração do mesmo. Dessa forma, num tratado, as partes convencionarão se caberá, ou não, reserva e quais as cláusulas que serão objeto de reservas. Assim procedeu formalmente o Estatuto de Roma, no sentido de impossibilitar aos Estados que aderirem ao Tribunal Penal Internacional à subscrição ou não de reservas; sob pena de uma situação ou caso concreto tornarem-se fonte de casuísmos dos Estados-partes, e afrontarem, desse modo, à isonomia e a Justiça.

Sobre o tema proposto disciplina com proficiência o doutrinador Valério de Oliveira Mazzuoli: “O Estatuto de Roma proíbe expressamente a possibilidade de sua ratificação ou adesão com reservas, nos termos do seu artigo 120. Andou bem o Estatuto, pois a possibilidade de aposição de reservas ao seu texto viola o objeto e a própria finalidade do tratado, que consiste em entregar à jurisdição do Tribunal os responsáveis pelos piores e mais bárbaros crimes cometidos no planeta. Ademais, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, no art. 19, c, proíbe a formulação de reservas incompatíveis com o objetivo e com a finalidade dos tratados. O disposto no art. 120 do Estatuto de Roma evita os eventuais conflitos de interpretação existentes sobre quais reservas são e quais não são admitidas pelo Direito Internacional, retirando dos países cépticos a possibilidade de escusa para o cumprimento de suas obrigações”. [17]

Caso fossem admitidas reservas ao Estatuto, países menos desejosos de cumprir os seus termos poderiam pretender excluir (por meio da reserva) a entrega de seus nacionais ao Tribunal, alegando que tal ato viola a proibição constitucional de extradição de nacionais, não obstante ter o Estatuto distinguido a entrega da extradição, no seu art. 102 a e b. O impedimento da ratificação com reservas, portanto, é uma ferramenta eficaz para a perfeita atividade e funcionamento do Tribunal.

Nos termos do art. 121 e parágrafos do Estatuto, depois de anos de sua entrada em vigor, qualquer Estado-parte poderá propor-lhe alterações, submetendo o texto de propostas de alterações ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, que convocará uma Conferência de Revisão, a fim de examinar as eventuais alterações no texto. A adoção de uma alteração numa reunião da Assembléia dos Estados-partes ou numa Conferência de Revisão exigirá a maioria de dois terços dos Estados-partes, quando não for possível chegar-se a um consenso.

O Tribunal, contudo, não exercerá a sua competência relativamente a um crime abrangido pela alteração sempre que este tiver sido cometido por nacionais de um Estado-parte que não tenha aceitado a alteração, ou cometido no território desse Estado-parte.

Há que se destacar que o Principio da Universalidade é utilizado, pois, em uma acepção de jurisdição, o que, por si só, desencadeia a impossibilidade de reservas, constituindo assim um requisito objetivo e não meramente principio lógico. Em outros termos: Não se permite nenhuma reserva ao Estatuto (art. 120). Com tal assertiva evita-se a disputa sobre quais reservas são admissíveis no Direito Internacional e, com isso, a crítica que se faz é a de que isso retira dos países cépticos uma ferramenta importante para evitar suas obrigações. Logo: Se reservas fossem admissíveis, um país poderia, a título de exemplo, excluir extradição de seus nacionais, alegando que isso violaria a sua Carta Maior. Tal modo de se enxergar levaria o TPI à inatividade de suas funções.

Nossa conclusão acerca do princípio da universalidade é a de que o mesmo é um princípio reitor que visa tornar concreto e efetivo o princípio da complementariedade, no sentido de que o Direito delimita a competência dos Estados, impondo aos mesmos, por conseqüência, a obrigação do exercício da jurisdição universal, numa verdadeira submissão dos Estados à jurisdição da Corte.           

2.3 -  Princípio da Responsabilidade Penal Individual.

Tal princípio guarda como nota característica o fato do indivíduo responder pessoalmente pelos seus atos, sem prejuízo da responsabilidade do Estado.

A marca das virtudes encampadas no Estatuto de Roma reside na consagração do princípio de acordo com o qual a responsabilidade penal por atos eminentemente violadores do Direito Internacional deve sobre pairar sobre os indivíduos que os praticam, deixando, pois de ter eficácia as eventuais imunidades e privilégios ou ainda a posição ou mesmo os cargos oficiais afetos sobre o indivíduo, isoladamente ou em grupo. Assim, a tendência atual em todo o Direito Internacional (o qual faz parte o Estatuto de Roma, obviamente) é a irrelevância da qualidade oficial no que toca à persecutio criminis, ao julgamento e à aplicação da pena pelo Tribunal.

Reinou-se, então, no estatuto de Roma o postulado/princípio da responsabilidade dos agentes públicos, acoplado ao princípio da igualdade, onde a qualidade oficial dos acusados não pode servir de anteparo no que tange a eximir o indivíduo de qualquer responsabilidade criminal, menos ainda constituir motivo para a redução de pena.

Nos moldes do art. 25, e parágrafos, do Estatuto de Roma, o Tribunal tem competência para julgar e punir pessoas naturais, sendo tido por individualmente responsável quem cometer um crime da competência do mesmo.

Preconiza o Estatuto que será considerado criminalmente responsável havendo a possibilidade em se punir pela prática de um crime da competência do Tribunal aqueles:

  • Que cometem esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outra pessoa e isso, independentemente, da eventual responsabilidade criminal que essa pessoa venha ou não a possuir;
  • Ordenar, solicitar ou instigar a prática desse crime, sob a forma tentada ou consumada;
  • Com o firme propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborador de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento de meios para a sua prática.
  • Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum.

Preconiza sobre o assunto Valério de Oliveira Mazzuoli: “O Estatuto de Roma repete a conquista do Estatuto do Tribunal de Nuremberg em relação aos cargos oficiais daqueles que praticaram crimes contra o Direito Internacional. Nos termos do art. 27, parágrafos 1º e 2º, do Estatuto de Roma, a competência do Tribunal aplica-se de forma igual a todas as pessoas, sem distinção alguma baseada na sua qualidade oficial. Em particular a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro do governo ou de parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum poderá eximir a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do Estatuto, nem constituirá motivo para a redução da pena. Diz ainda o Estatuto que as imunidades ou normas de procedimentos especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do Direito Internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa. A consagração do princípio da responsabilidade penal internacional, não deverá obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa”. [18]

Assim, o coroamento do princípio da responsabilidade penal internacional é, sem qualquer sombra de dúvidas, uma conquista maior da humanidade vista em seu aspecto globalizado, idéia essa que vem sendo sedimentada desde os tempos em Hugo Grotius que lançou as bases do moderno Direito das Gentes (Chapuz de Medeiros, Antonio Paulo). O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira, cit. P. (12). Trata-se, pois, de renomado jurista holandês que se insurgiu contra a ideia de que o Direito Internacional estaria vinculado tão somente as relações entre Estados. Tal jurista vislumbrava o instituto com ótica ampliativa, abarcando não somente Estados, mas também relações que envolviam diretamente os indivíduos, sem intermediações estatais. Sob o mesmo ponto de vista, caminhou o Estatuto de Roma, seguido o que se escreveu em Nuremberg, que assim prescreveu: Crimes Contra o Direito Internacional são cometidos por indivíduos, não por entidades abstratas, e os preceitos de Direito Internacional fazem-se efetivos apenas com a condenação dos indivíduos que cometeram esses crimes. ·.

Nossa conclusão acerca do princípio da responsabilidade penal individual no âmbito do Tribunal Penal Internacional é a de que o individuo e a sua situação penal perante o Tribunal, como um sujeito de direito internacional, com personalidade jurídica internacional, perfaz o cenário internacional como sujeito de direitos e deveres, não podendo se valer de imunidades para a supressão de garantias maiores a comunidade internacional a qual faz parte. Logo, a responsabilização da pessoa independe da responsabilização do Estado a qual pertence como cidadã.

2.4 -  Princípio do Juiz Natural.

Uma das importantes garantias inerentes a cláusula do devido processo legal é o direito fundamental do cidadão submetido ao Tribunal Penal Internacional ao juiz natural.

É, pois, uma garantia fundamental aos postulados maiores da vedação ao juízo ou Tribunal de exceção e aquele que estipula que ninguém será processado senão pela autoridade competente; sendo, assim, postulado da conquista moderna.

Ensina-nos o conteúdo do princípio Luigi Ferrajoli: “Ela significa, precisamente, três coisas diferentes, ainda que entre si conexas: a necessidade de que o juiz seja pré-constituído pela lei e não constituído pos factum; a impossibilidade de derrogação e a indisponibilidade das competências; a proibição de juízes extraordinários e especiais. No primeiro sentido, expresso, por exemplo, pelo art. 25 da Constituição Italiana, o princípio designa o direito do cidadão a um processo não prejudicado por uma escolha do juiz posterior ao delito e, portanto destinada a um resultado determinado. No segundo sentido, dedutível com alguma incerteza do mesmo art. 25 e do art. 102, par. 1º, designa a reserva absoluta da lei e a impossibilidade de alteração discricionária das competências judiciais. No terceiro sentido, expresso pelo art. 102, par. 1º, da Constituição, mas derrogado pelas jurisdições especiais previstas pelo art. 103, como também pela justiça política reservada pelos arts. 90 e 134 da mesma Constituição Italiana aos crimes presidenciais. Trata-se de um princípio de organização que postula a unidade de jurisdição e o seu monopólio conservado em uma mesma classe. Enquanto a pré- constituição legal do juiz e a inalterabilidade das competências são garantias de imparcialidade, sendo voltadas a impedir intervenções instrumentais de tipo individual ou geral na formação do juiz, a proibição de juízes especiais e extraordinários é antes uma garantia de igualdade, satisfazendo o direito de todos a ter os mesmos juízes e os mesmos procedimentos”. [19]

 O juiz natural nada mais significa que o juiz devido. Sob o prisma formal, juiz natural denota o juiz competente. Não é possível a existência de juízo após o cometimento do fato; sendo que a determinação do mesmo deve operar-se por critérios impessoais. Tribunal de Exceção é aquele criado para julgar um caso concreto específico. Os juízes de exceção também estão igualmente vedados no Tribunal Penal Internacional.

Sob o prisma material, a garantia do juiz natural significa a imposição de imparcialidade e da independência do órgão jurisdicional. Não basta simplesmente ser o juízo competente. Necessário se faz que seja imparcial, ou seja, subjetivamente capaz. Necessário também que se diga ser proibida a criação de juízos extraordinários, bem como a alteração das regras predeterminadas de competência.

Complementa a ideia acima Luigi Ferrajoli: “o problema do juiz natural relaciona-se, hoje, essencialmente ao poder de avocação, isto é, ao perigo de prejudiciais condicionamentos dos processos através da designação hierárquica dos magistrados competentes para apreciá-los, sejam judicantes ou inquiridores; e que o único modo de satisfazer plenamente o princípio é pré-constituir, por lei, critérios objetivos de determinação da competência de cada magistrado singularmente, e não só dos órgãos a que eles pertencem”18.

Faz-se comum a terminologia promotor natural. Trata-se de um princípio. Nada mais denota que autoridade competente para o caso. O fato é que o princípio do juiz natural se ramifica, inclusive, para o âmbito administrativo se perfazendo em Tribunais administrativos, bem como em repartições administrativas.

Nossa conclusão acerca do princípio do juiz natural é a de que as regras objetivas de competência no Tribunal Penal internacional garantem a própria imparcialidade dele em âmbito internacional. Princípio maior de garantia ao Individuo e ao Estado, perfazendo-se postulado de todos os demais.

2.5 - Princípio da Legalidade.

É cediço que o Direito deriva da Lei. Essa frase, do ponto de vista histórico, é mais ou menos recente. O Direito reside dentro das normas, mas não se limita a elas. Do contrário não nos defrontaríamos com leis tidas como injustas. E aí reside um paradoxo: se o Direito derivasse somente das leis não faria sentido falarmos em leis injustas – por que o que está na lei é o dever imposto! E a maior curiosidade que nos instiga é a de que quem elabora as leis não são propriamente juristas (a Justiça) e sim os políticos. A lei, portanto, tem uma função muito maior do que dizer o Direito. A lei tem, sobretudo, uma função de governo, na regulação da vida em sociedade aspirando ao bem comum. Tanto é assim que se justificou a criação de outro poder para se dizer o direito; qual seja o Poder Judiciário.

O positivismo jurídico leva a falsa crença de que o Direito se subsume na lei, o que não se mostra consentâneo com a realidade e muitas vezes a lei acaba por contrariá-lo.

Historicamente falando, o princípio da legalidade buscou as suas raízes na Magna Carta Inglesa, de 1215 (embora não haja um consenso unânime na doutrina sobre tal origem remota).  Há pensamento no sentido de que antes mesmo do surgimento de tal diploma legal o princípio já existia entre os povos, ainda que não positivado. O fato é tal postulado fora cunhado em 1215, e disso resta pouca ou nenhuma dúvida. O cerne dele foi à restrição do poder do monarca, detentor do poder político, mais conhecido como João Sem Terra. Detentor do poder político, porém, carecedor do poder econômico, já que economia e política não caminhavam lado a lado nessa época feudal, na doce e temida Inglaterra. Mas a ideia básica era a limitação do poder. Esse, o alicerce do princípio da legalidade. Suas bases. Seu corpo.

  Aclarado na célebre locução latina: “nullum crimen nulla pena sine lege". Noutras palavras: não há crime e nem pena sem lei que os defina! Importado para o Brasil esse princípio esteve presente em todas as nossas Constituições, ostentando previsão constitucional e infraconstitucional (Código Penal).

Base legal: art. 1º do Código Penal e art. 5º, XL, CRFB/88.  Um ponto interessante que, desde já, nos compete ressaltar é o de que o legislador, ao estatuir o princípio da legalidade, não o fez com a rubrica legalidade, e sim anterioridade da lei penal. Anterioridade seria o corpo. Legalidade seria a sua alma. Na função de melhor assegurar uma garantia do cidadão face ao Estado essa lei deve ser anterior ao fato. Logo, a anterioridade dá eficácia a própria legalidade. Propicia segurança jurídica para a sociedade, por isso, a anterioridade surge como o marco para que o cidadão saiba, de antemão, se a sua conduta é violadora de bens jurídicos ou um indiferente penal, sob pena de criarmos Tribunais de exceção para fatos específicos e, com isso, fulminarmos o Estado Democrático de Direito.

Na atualidade tal alocução latina já esboça um acréscimo: nullum crimen sine lege praevia. É o retrato do princípio da anterioridade da lei penal, incorporado ao princípio da legalidade. São as duas faces de uma mesma moeda. Conseqüentemente, haverá uma impossibilidade de se descrever uma conduta criminosa apenada por um ato normativo que não seja uma lei em sentido formal ou em sentido estrito. Repudia-se a criação de delitos por meio de medidas provisórias, decretos, leis delegadas, bem como de atos administrativos, portarias, resoluções, etc. A concretude afeta às condutas delituosas se dá via lei. Trata-se de radicalismo necessário ao bom convívio social.

O positivismo entende que a realidade humana é construída pela vontade humana, seu motor propulsor. No estudo etimológico da palavra positivismo detectamos como o significado o posto, o decido pelo homem. Cria-se a lei pela vontade do legislador e dá-se poder a vontade, para que ela se efetive na prática. A força que advém da lei remonta a Hobbes, que mais que a ideia de justiça defendia o slogan da segurança. Em uma balança privilegia-se uma justiça incerta e uma segurança, ainda que injusta.

Fazendo-se, pois, um breve cotejo entre o princípio da legalidade e as bases jurídicas internacionais penais, sobretudo no que toca aos Tribunais Penais até então criados, há que se ressaltar que a realidade brutal encampada na Segunda Guerra Mundial, com ênfase para o holocausto que exterminou milhões de judeus por atos dos nazistas, bem como, no que toca a crueldade da agressão japonesa contra os chineses, fora fator decisivo para a instituição dos dois Tribunais Internacionais: o de Nuremberg e o de Tóquio, também conhecidos como “Tribunais ad hoc”, ambos, criados por meio de resoluções do Conselho de Segurança da ONU. A defesa dos acusados, submetidos a julgamentos por esses Tribunais, criados post facto, originou diversas críticas, dentre elas, a do descumprimento do princípio da legalidade: nullum crimen, nulla poena sine lege. Não havia garantias aos acusados, sob nenhuma hipótese.

Nossa conclusão acerca do princípio da legalidade no bojo do Tribunal Penal Internacional é a de que a Corte protege o indivíduo, na medida que descreve, com antecedência, a sua conduta prevendo as suas consequências. Trata-se de uma informação prévia e garantidora da liberdade individual no cenário de direito internacional.

Ainda nos remetendo a seara internacional ensina-nos Guier: “Destarte, os Tribunais para a ex-Iugoslávia e Ruanda foram instituídos, o primeiro chamado de ICTY para julgar os crimes atrozes cometidos no conflito envolvendo os Bálcãs, que levou à desagregação da Iugoslávia e o segundo chamado ICTR para julgamento de conflitos entre as diversas etnias de Ruanda. Esses Tribunais foram criados para o julgamento de conflitos internos e não internacionais, posto que, o Conselho de Segurança da ONU, logo no início, caracterizou o conflito da Iugoslávia como doméstico.” [20]

2.6 -  Princípio da Imprescritibilidade.

O Estado, em algumas situações, pode abster-se do seu direito de punir o cidadão graças ao decurso de certo lapso temporal. A isso se dá o nome de prescrição. A renúncia ao direito de punir o infrator é faceta de uma política criminal criada pelo próprio Estado. Tal não ocorre nos crimes encampados pelo Estatuto de Roma. Por sua especial gravidade tais crimes são imprescritíveis. Assim, ainda que se passem cinquenta anos o indivíduo ainda se encontra sobre a mira do Tribunal Penal Internacional, caso se encontre nas situações criminosas por ele tipificadas. Aqui, o fator segurança jurídica é a garantia da ordem internacional e uma vez violada não é tal fato esquecido pelo tempo. Logo, não há que se falar em extinção da punibilidade pelo decurso do tempo, muito embora ninguém possa ser julgado e condenado por crimes praticados antes da entrada em vigor do Tratado, que possui, igualmente, efeito ex nunc.

Henrique Ricardo Lewandoski expende que:

A ideia da inimputabilidade dos governantes, embora profundamente arraigada na cultura política desde a mais remota antiguidade somente tomou forma doutrinária com Maquiavel, em 1513, segundo o qual “um príncipe, e especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas a que são obrigados os homens considerados bons, sendo frequentemente forçado, para manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade e a religião”. (...) Essa tese ganhou contornos jurídicos na obra de Bodin intitulada Os seis livros da República, datada de 1576, que definia a soberania como um poder “absoluto e perpétuo do Estado”. (2002).

A partir daí, a tese da irresponsabilidade dos governantes ganhou maior sofisticação com a raison d’Etatde Richelieu e a Realpolitikde Bismarck, que davam como legítima qualquer ação praticada em nome dos superiores interesses do Estado. E tal doutrina, durante séculos, não sofreu maiores abalos, em que pesem as barbaridades cada vez maiores praticadas nas guerras declaradas e não-declaradas que eclodiram desde os albores da Idade Moderna até os dias atuais. [21]

A sua existência se configura em um importante marco para que se possa efetivar a proteção dos Direitos do Homem em âmbito mundial, pois visa punir àqueles que cometem os crimes previstos no Estatuto de Roma.

Nessa perspectiva, e diante das violentas agressões que os direitos humanos têm sofrido, na maioria das vezes sem qualquer responsabilização criminal, é que se faz imprescindível a implementação de um Tribunal Penal Internacional, de caráter permanente e autônomo, de molde a prevenir qualquer forma de vilipêndio ao Direito Humanitário, bem como dissuadir que os potenciais transgressores das normas de direito internacional pratiquem atos atentatórios à existência digna do homem.[22]

Com o advento do Tribunal Penal Internacional, surge um importante instrumento para estabelecer a salvaguarda desses direitos;

“A rigor, a maior justificativa para a criação dos tribunais internacionais assenta-se no princípio jus naturalístico da dignidade da pessoa humana, pedra angular do direito humanitário. E é em busca da preservação dos direitos humanos, por meio de uma jurisdição universal, que se tem reestruturado a tão arraigada idéia de soberania” (ABREU, 2002, p.5).

Como já explanado, esse Tribunal é apto para punir aqueles que possivelmente passariam impunes pelas jurisdições nacionais, ou nem mesmo seriam julgados. Cria-se, por meio dele, uma forma, um verdadeiro mecanismo jurídico de repressão desses crimes, em âmbito mundial. Principalmente considerando-se que este Tribunal é um mecanismo que vem garantir a punição, reprimindo futuras violações dos Direitos Humanos, em esfera supranacional. Desempenha verdadeira revolução, à medida que, por meio dele se pode punir não apenas o Estado em si, mas a pessoa do verdadeiro causador do crime.

Isto posto, nossa conclusão acerca dos princípios que cercam o Tribunal Penal Internacional é a de que os mesmos delineiam a sua verdade fundamental ditando valores que vão nortear a sua atuação. Sem os mesmos, o Tribunal Penal Internacional seria um corpo sem alma, com atuação destituída de legitimidade. Graças aos princípios que o norteiam pode-se dizer, sem medo de errar, que o Tribunal Penal Internacional busca neles a sua base fundamental bem como neles se justifica como uma verdade fundamental.

Nossa conclusão acerca do principio da imprescritibilidade no âmbito do Tribunal Penal Internacional é a de que compromissos da assinatura e ratificação do Tratado de Roma devem ser assumidos pelo Estado concordante, que deve respeitar e cumprir o texto do tratado. Logo, não há de se falar em prescritibilidade dos crimes que compõem o seu corpo textual, tendo em vista que essas normas são consideradas constitucionais para o ordenamento jurídico interno, e tem como fundamento uma interpretação sistemática da própria Constituição Federal. Não há que se falar em antinomia de normas nem mesmo em conflito com o direito interno.


CAPITULO 3 - Crimes de competência do Tribunal Penal Internacional.

O Tribunal Penal Internacional guarda para si a competência para fins de julgamento, ostentando as características de permanência e independência no que toca aos crimes de maior gravidade que repercutem na sociedade internacional, manchando de sangue e dor a humanidade.

Ditos crimes, imprescritíveis que são, podem ser elencados da seguinte forma: 1) crime de genocídio; 2) crimes contra a humanidade; 3) crimes de guerra; 4) crimes de agressão. No que tange ao instituto ora versado (competência) aplicável que é aos referidos crimes há que se dizer que a mesma só remanesce no que toca àquelas violações praticadas em época anterior a entrada em vigência do Estatuto de Roma. Assim, após a entrada em vigor do respectivo Estatuto estará o Tribunal Penal Internacional apto ao julgamento dos crimes que ocorrerem nele.

É importante ressaltar no que toca a questão da imputabilidade penal, também denominada capacidade penal, que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, na forma do disposto no art. 26 do Estatuto, alcança somente os seres humanos maiores de dezoito anos de idade, em plena compatibilidade com que a apregoa a Constituição da República Federativa do Brasil. As regras penais e procedimentais encampadas no Estatuto de Roma, interpretadas apressadamente, podem levar a falsa interpretação de estarem em dissonância com o texto constitucional brasileiro. Todavia, dita incompatibilidade é meramente aparente no que concerne à entrega de nacionais ao Tribunal; a instituição da pena de prisão perpétua; a questão das imunidades em geral e as relativas ao foro por prerrogativa de função; a questão da reserva legal e, por fim, a questão no que toca a coisa julgada.

Cumpre dizer que a aparente antinomia desaparece logo que se utiliza de um método dialógico (diálogo das fontes) para a sua eficaz superação.

Há que se argumentar que a assinatura brasileira lançada ao tratado que instituiu o Tribunal Penal internacional desabrochou a necessidade de análise de validade de sua ratificação, considerando-se os conflitos meramente aparentes de normas do Estatuto de Roma e a Constituição da República Federativa Brasileira.

Passemos, pois, a análise da questão de sua ratificação e o direito interno brasileiro.

Trata-se a ratificação de forma de expressão de consentimento sucessiva à assinatura do tratado, ou seja, denota a manifestação de assentimento da autoridade incumbida para tanto, revelando, pois, externamente a vontade de obrigar-se em seara internacional. Confere assim uma maior segurança no que tange as relações internacionais, propiciando, dessa forma, um maior controle democrático ao Estado, visto sob o aspecto interno e externo.

As nuances preliminares a serem destacadas concernem à entrega de nacionais pátrios ao Tribunal Penal Internacional, disposição essa tipificada no art. 89, parágrafo primeiro, do Estatuto de Roma - segundo a qual o Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e a entrega de um cidadão a qualquer Estado, em cujo território se encontre, e solicitar a cooperação estatal no que toca a detenção e entrega da pessoa em tela, sendo, pois obrigatório aos Estados-partes o dever de prestar satisfação ao Tribunal em face de tais pedidos, em consonância com o Estatuto, bem como com o seu direito interno.

Há que se atentar que o proibido pela Constituição da República Federativa do Brasil é a extradição de brasileiro nato e não a entrega. Entrega não se confunde com extradição. A entrega de uma pessoa (qualquer que seja a sua origem: nacionalidade e lugar onde resida) ao Tribunal Penal Internacional consiste ao mero repasse do indivíduo a uma jurisdição estrangeira competente para julgá-lo e puni-lo, se necessário for. Em outras palavras: submete-se o acusado ou condenado à própria justiça, ainda que sob o auspício de uma instância internacional.

Resta consagrado no texto constitucional brasileiro, nas disposições de seu art. 5º, LI e LII, que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”; e também que” não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. Tais dispositivos constituem direitos fundamentais dos países, constituem, pois, cláusulas pétreas e não podem ser modificados por legislação infraconstitucional, face ao seu elevado grau de estabilidade dentro do sistema.

Já o instituto da extradição, ensina-nos Jacob Dolinger: “é o processo pelo qual um Estado atende ao pedido de outro Estado, remetendo-lhe pessoa processada no país solicitante por crime punido na legislação de ambos os países, não se extraditando, via de regra, nacional do país solicitado”.[23]

Por tais razões é que o Estatuto de Roma, levando em conta disposições semelhantes de vários textos constitucionais modernos faz diferença ontológica entre os termos entrega e extradição. Nas precisas palavras de Chapus de Medeiros: “a diferença fundamental consiste em ser o Tribunal uma instituição criada para processar e julgar os crimes mais atrozes contra a dignidade humana de forma justa, independente e imparcial. Na condição de órgão internacional, que visa realizar o bem estar da comunidade mundial, porque reprime crimes contra o próprio Direito Internacional, a entrega ao Tribunal não pode ser comparada à extradição”. [24]

Daí estar correta a assertiva de que o ato de entrega é aquele realizado pelo Estado a um Tribunal Internacional de jurisdição permanente, diversamente do instituto da extradição, que é feita de um Estado a outro, a pedido deste, em plano de absoluta igualdade em relação a indivíduo, nesse último processado ou condenado e lá refugiado. Em outras palavras: a extradição envolve sempre dois Estados soberanos, sendo ato de cooperação entre ambos na repressão internacional de crimes, diversamente do que o Estatuto de Roma chamou de entrega, em que a relação de cooperação se processa entre um Estado e o próprio Tribunal.

Já no que concerne a pena de prisão perpétua, outro instituto de grande celeuma por trazer em seu bojo aparente antinomia entre a Lei Maior do país e o disposto no Estatuto de Roma dispõe o Tratado de Roma em seu art. 77, b: se o crime for extremamente grave e considerando as circunstâncias pessoais do condenado caberá prisão perpétua. Dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, XLVII: “Não haverá penas: de caráter perpétuo”.

Vale ressaltar que a respectiva previsão constitucional pátria nem mesmo pode ser alterada por emenda constitucional, tendo em vista tratar-se de cláusula pétrea, direito e garantia fundamental do indivíduo. E já que o Estatuto de Roma não admite ratificação, assinatura e adesão com reservas pelos países, o problema parece insolúvel. Mas afirmamos: tal conflito é meramente aparente e não real.

A origem da regra esculpida pelo Tribunal Penal Internacional descende aos Tribunais de Nuremberg e Tóquio, onde se estabeleceu a pena de morte, tendo continuidade aos Tribunais ad hoc para a antiga Iugoslávia e Ruanda, que previa não a pena de morte, mas a pena de prisão perpétua, em uma clara gradação da pena de morte dos Tribunais de Nuremberg e Tóquio. Com um rigor ainda menor (gradação), chega-se ao Tribunal Penal Internacional onde a pena de prisão perpétua ficou restrita a crimes de extrema gravidade, e, ainda assim, com a possibilidade de revisão decorrida 25 (vinte e cinco) anos, nos termos do art. 110 do Tratado de Roma.

Passemos, pois, o estudo dos crimes em espécie.

3.1 - Crime de genocídio

No Dicionário Aurélio tem-se a seguinte definição para genocídio:

...crime contra a humanidade, que consiste em, com o intuito de destruir total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometer contra ele qualquer dos atos seguintes: matar membros seus, causar-lhes graves lesão à integridade física ou mental; submeter o grupo a condições de vida capazes de destruí-lo fisicamente, no todo ou em parte; adotar medidas que visem a evitar nascimentos no seio do grupo; realizar a transferência forçada de crianças num grupo para outro. [25]

Sem qualquer dúvida o crime de genocídio destacou-se no cenário mundial como a problemática mais debatida, sobretudo, no período pós Segunda Guerra, fator esse que desencadeou a edição da Resolução 260 A (III), da Assembléia Geral das Nações Unidas e que gerou a adoção da Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do crime de genocídio (em vigor em 12 de janeiro de 1951), restando claro o entendimento de ser o genocídio alçado a categoria de crime internacional e, sem sobra de dúvidas, a mais grave espécie de crime contra a humanidade.

Na forma esculpida pelo art. 2º dessa Convenção, compreende-se por genocídio quaisquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como: a) assassinato de membros do grupo; b) dano grave à integridade física ou mental dos membros do grupo; c) submissão intencional dos membros do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física, total ou parcial; d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.

Ensina-nos a Resolução da AGNU: “Também no âmbito da 1ª AGNU o genocídio havia sido reconhecido como crime contra o Direito Internacional, o que abriria caminho para a tipificação de crime que ofende a consciência da humanidade”. [26]

O homem é um animal racional e através da razão ele quer dominar todos os setores de sua vida, com necessidade de compreender e explicar as suas próprias fases. O seu aparato intelectual sempre fica aquém de sua mais rica realidade.

Há imprecisão no conceito de dignidade humana, que é vidente, mas gigante em sua capacidade de descrição pelo homem. Cotejando: o Direito Natural deve procurar enxergar as situações fáticas do cotidiano, derivadas de bens e de pessoas titulares ou não de direitos, tais como o direito a vida, que é um direito natural e que pré-existe ao próprio Estado. O Estado da natureza compreende o contexto social e individual. O ser humano isolado não subiste por si mesmo, nem o índio sexta-feira. Até Adão necessitou do companheirismo de Eva.

O Direito positivo é fundamental para o contexto social, mas não pode ser interpretado sem a análise do Direito Natural, que são direitos prévios a própria existência formal da lei e do Estado. O genocídio é, pois, a forma mais vilipendiadora de ultraje à dignidade do homem fazendo tabula rasa aos postulados do Direito Natural e desrespeitando o direito à vida em seu grau máximo.

Genocídio (por vezes designado por limpeza étnica), igualmente, definido como o assassinato deliberado de pessoas motivado por desigualdades étnicas, nacionais, raciais, religiosas e, no mais das vezes, políticas. O genocídio pode se referir igualmente a ações deliberadas cujo objetivo seja tão somente a eliminação física de um grupo humano segundo as categorias já elencadas.

O termo genocídio foi criado por Raphael Lemkin, um judeu Polaco, em 1944, juntando a raiz grega génos (família, tribo ou raça) e caedere (latim - matar).

Com o advento do genocídio dos Judeus pelo regime nazista, o Holocausto, Lemkin fez campanha pela criação de leis internacionais, que definissem e punissem o genocídio. Esta pretensão tornou-se realidade em 1951, com a Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio.

A prática do crime de genocídio é tão antiga quanto à própria humanidade, e chega a se confundir com ela. A ideia de exterminar um grupo diferente é quase que inerente à condição humana, sendo, muitas vezes, reflexo de seu mais profundo egoísmo. Apesar de toda a proteção que vem sendo dada à pessoa humana em nível internacional, a categorização da humanidade como algo unitário ainda não é possível, e pode-se dizer que a história do genocídio é a história da intolerância contra a diversidade humana. Ocorreu ao redor do mundo, em todos os períodos da história.

O crime de genocídio foi previsto pela Convenção da ONU, aprovada em Paris, em 09 de dezembro de 1948, para entrar em vigor em 12 de janeiro de 1951, após a ratificação por 22 países. O Brasil a ratificou em 15 de abril do ano seguinte, promulgando-a através do decreto n. 30.822, de 06 de maio desse mesmo ano.

Com fonte nesse tratado e ainda sob os efeitos do Holocausto, foi editada, no Brasil, a Lei n. 2889, de 1º de outubro de 1956, definindo o crime de genocídio como o comportamento com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Esse diploma não considerou o genocídio como crime político, para efeito de extradição.

A lei 8.072, de 25 de julho de 1990 (lei dos Crimes Hediondos), inspirada no inciso XLIII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, considerou o genocídio crime hediondo, ainda que apenas tentado, sendo, pois, insuscetível de anistia, graça ou indulto, cumprindo o réu a pena, segundo a redação original (posteriormente alterada pela lei 11.464/ 2007), integralmente em regime fechado.

Vale ressaltar que embora tenha aderido ao Estatuto de Roma o Uruguai não previu o crime de genocídio em sua legislação interna. Todavia, através da lei 18.026 o país firmou uma cooperação com a Corte Internacional em matéria de genocídio, devendo julgar tais crimes quando da ocorrência dos mesmos face ao princípio da complementaridade. Assim, o Uruguai, através de Convenção, reconheceu o genocídio como crime de direito internacional, todavia, jamais o incorporou em seu direito interno. Reconhece a necessidade de sua tipificação, mas nada foi feito até o presente momento.

Preleciona Oscar López Goldaracena: “La Resolución 96 (1) de 11 de diciembre de 1946  ha declarado que el genocidio es un delito de derecho internacional condenado por el mundo civilizado, contrario al espíritu y a los fines de las Naciones Unidas. La Convención para la Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio, Resolución 260 A ( III), de 9 de diciembre de 1948, que entró en vigor el 12 de enero de 1951, entiende que se comete un genocidio cuando con la intención de destruir total o parcialmente a un grupo nacional, étnico, racial o religioso, se realiza cualquier acto de matanza de miembros del grupo; lesión a la integridad física o mental de los miembros del grupo; sometimiento intencional del grupo a condiciones de existencia que hayan de acarrear su destrucción física, total o parcial; medidas destinadas a impedir los nacimientos en el seno del grupo y traslado por fuerza de niños del grupo u otro grupo…La Convención para la Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio obliga a los Estados a adoptar las medidas legislativas necesarias para asegurar la aplicación de las disposiciones de la presente Convención y especialmente a establecer sanciones penales eficaces para castigar a las personas culpables de genocidio. Uruguay ratificó dicha Convención por ley 13.482 de 30 de junio de 1966, pero jamás incorporó el crimen del genocidio al derecho interno. La tipificación de la figura en nuestro orden jurídico es un imperativo del derecho internacional por las obligaciones que dimanan del derecho internacional general (jus cogen) y de la propia Convención”.[27]

No Brasil, a lei a tratar do assunto, é a lei 2889, de 1956, que preceitua de antemão em seu art. 1º:

“Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal”:

a) matar membros do grupo;

b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhes a destruição física total ou parcial;

d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo; será punido:

  • Com penas do art. 121, parágrafo 2º, do Código Penal, no caso da letra a;
  • Com as penas do art. 129, parágrafo 2º, no caso da letra b;
  • Com as penas do art. 270, no caso da letra c;
  • Com as penas do art. 125, no caso da letra d;
  • Com as penas do art. 148, nos casos da letra e”.

Assim, de braços dados com o art. 1º da lei 8072/90, o crime de genocídio é tido como crime hediondo, seja na sua forma consumada ou tentada, e consiste na destruição, total ou parcial, de grupo, nacional, étnico, racial ou religioso; de forma que não se pune o crime na modalidade culposa, tendo em vista que o próprio art. 1º faz menção em seu corpo na destruição intencional, daí defluindo-se, igualmente, o dolo como elemento subjetivo do tipo penal.

Para fins de caracterização do crime de genocídio em solo brasileiro é suficiente que o sujeito ativo pratique quaisquer das condutas especificadas no tipo contra uma única pessoa do grupo, desde que patente a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Assim, acaso o individuo pratique quaisquer das condutas descritas contra mais de uma pessoa, ser-lhe á aplicado o concurso de crimes.

É cediço que as expressões “grupo nacional, étnico, racial ou religioso” configuram um conjunto de pessoas ligadas pela proximidade e que reunidas formam um todo unitário, que possui características, traços, interesses e objetivos comuns. Pode ser visto sob a ótica nacional (como um grupo pertencente a uma determinada nação), étnica (como um grupo com uma mesma cultura, língua, origem e história, racial (como um grupo relativo às características físicas) e mesmo religiosa (como um grupo que adota a mesma crença)).

Faremos, pois, uma análise detalhada da legislação brasileira acerca do tema para, posteriormente, reportá-la ao cenário internacional a que se insere o Tribunal Penal Internacional.

Elenca-se como sujeito ativo do crime de genocídio qualquer pessoa, sem qualquer qualificação especial para tanto. Já o sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, desde que ligada a certo grupo nacional, étnico, racial ou religioso. No que toca à conduta elencada na alínea d, em casos específicos de aborto, o sujeito passivo também se cataloga como o feto ou o embrião.

Todavia, quando o sujeito ativo realizar especificamente a conduta de matar em solo brasileiro (pura e simplesmente) membros do grupo nacional, étnico racial ou religioso, será penalizado com as penas inerentes ao crime de homicídio qualificado, ou seja, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão.

Situação diversa ocorre quando o sujeito ativo com a sua ação intentar a conduta de lesionar, ou seja, de causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo, seja ele nacional, étnico, racial ou religioso; será, pois, punido com as penas relativas à lesão corporal de natureza gravíssima, ou seja, de 2 (dois) a 8 (oito) anos de reclusão. Já, quando o sujeito ativo praticar a conduta de submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhes a destruição física total ou parcial, será punido com as penas relativas ao crime de envenenamento de água potável ou de substância alimentícia.

No que concerne à conduta do sujeito ativo em adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo, o mesmo será punido com as penas relativas ao crime de aborto provocado por terceiro; qual seja de três (três) a 10 (dez) anos de reclusão. O que não se confunde com a conduta do sujeito ativo em efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo, fato esse punido com as penas relativas ao crime de seqüestro e cárcere privado, ou seja, de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão.

Importante se faz ressaltar que o genocídio perpetrado por brasileiro ou por agente que tenha domicílio no Brasil fica sujeito à legislação brasileira, ainda que cometido no exterior.

No que concerne ao instituto da competência é necessário que se diga que a competência no que toca ao processamento e julgamento do crime de genocídio varia de acordo com a conduta perpetrada pelo agente. Configurado o crime doloso contra a vida, a competência estará afeta ao Tribunal do Júri; sendo, pois, a competência do juízo singular estadual residual. Em havendo grave violação de direitos humanos a competência poderá ser redirecionada para a justiça federal, assim também ocorrerá quando o crime de genocídio visar ao extermínio de comunidades indígenas, podendo a pena ser agravada de um terço se a vítima de crime contra a pessoa, patrimônio ou costume for um índio, independentemente do fato do índio ser ligado a comunidade indígena ou não.

A lei nacional brasileira ainda possui a seguinte tipificação: “Art. 2º: Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para a prática dos crimes mencionados no artigo anterior: Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos”.

Assim, a associação para o cometimento de genocídio configura um tipo penal similar ao de quadrilha ou bando, tipificado no. Art. 288 do Código Penal Brasileiro, todavia, constituindo uma forma específica do mesmo. Dessa forma, se mais de três pessoas se associarem para fins de cometimento de qualquer outro crime, serão penalizadas pelas sanções inerentes ao crime de quadrilha ou bando; o que não se perfaz com a associação para o cometimento do crime de genocídio. Aqui não se pune a forma culposa exigindo-se como elemento subjetivo o dolo. Não se exige qualquer qualificação especial do sujeito ativo do crime de associação para o cometimento de genocídio. Já o sujeito passivo do mesmo pode ser qualquer pessoa, desde que ligada a certo grupo nacional, étnico, racial ou religioso, não obstando a que venha a ser a própria humanidade.

A lei nacional brasileira ainda tipifica a conduta de incitação ao crime em comento.

Dispõe em seu art. 3º:

“Incitar, direta e publicamente alguém a cometer qualquer dos crimes de que trata o art. 1º.”. Pena: Metade das penas ali cominadas.

  • Parágrafo 1º: A pena pelo crime de incitação será a mesma do crime incitado, se este se consumar.
  • Parágrafo 2º: A pena será aumentada de 1/3 (um terço), quando a incitação for cometida pela imprensa.

Trata-se de um tipo penal semelhante ao de incitação ao crime, tipificado no art. 286 do Código Penal Brasileiro. Todavia, previsto em forma específica. Assim, se um indivíduo instiga outro para o cometimento de qualquer outro crime, sua conduta se amoldará ao tipo do art. 286 do Código Penal; salvo se instigação for para fins de cometimento do crime de genocídio. Não há que se falar em punição culposa desse tipo de crime, restando, pois, o dolo como elemento subjetivo do crime; dolo este de destruição étnica e incitação para tanto. Instigação essa direta e pública.

Importante destacar que o sujeito ativo do crime de incitação para o cometimento do crime de genocídio poderá ser qualquer mortal. A lei não exige qualquer qualificação para tanto. Já o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa ofendida, desde que ligada a certo grupo com as características acima descritas, ou até contra a humanidade.

O Brasil ainda tipifica a tentativa de genocídio da seguinte forma: “Art. 5º: Será punida com 2/3 (dois terços) das respectivas penas a tentativa dos crimes definidos nessa lei”.

Assim, por se tratar de um tipo penal previsto em lei especial aplica-se o princípio da especialidade, de molde a não se aplicar o art. 14, parágrafo único do Código Penal Brasileiro.

Por fim, a novel legislação brasileira é taxativa ao determinar que os crimes nela previstos não sejam considerados crimes políticos para o fim de extração. Preceitua em seu art. 6º: “os crimes de que trata essa lei não serão considerados crimes políticos para efeitos de extradição”.

Isso em razão de a Constituição da República Federativa do Brasil apregoar em seu art. 5º, LII que não será concedida à extradição de estrangeiro por crime político. Trata-se de um direito e garantia fundamental do indivíduo.

Feita, pois, uma análise detalhada da legislação brasileira acerca do tema nos reportamos ao cenário internacional. Vejamos: A Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do crime de genocídio foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 2, de 11 de abril de 1951, e promulgada pelo Decreto 30.822, de 6 de maio de 1952.

3.2 - Crimes contra a humanidade

Tal postulado “crimes contra a humanidade” consagra quaisquer atrocidades e supressões de Direitos Humanos cominados na terra em cujo princípio da retribuição deságua em uma jurisdição global ou universal.

Para os efeitos do [...] Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade” qualquer um dos atos [listados] quando cometidos como parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra qualquer população civil, com conhecimento do ataque. [28]

Antes de nos determos ao estudo específico dos referidos crimes passemos ao que nos reporta o Estatuto de Roma sobre o assunto. O rol dos crimes é extenso o que equivale a dizer que não houve burla ao princípio da tipicidade que fora respeitado em sua integralidade. A base legal situa-se no capítulo II do mencionado diploma que assim dispõe:

Dos crimes contra a humanidade. Artigo 7º

1 - Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguinte, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

  • Homicídio;
  • Extermínio;
  • Escravidão;
  • Deportação ou transferência forçada de uma população;
  • Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
  • Tortura;
  • Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;
  • Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
  • Desaparecimento forçado de pessoas;
  • Crime de apartheid;
  • Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

2. Para efeitos do parágrafo 1º:

  • Por "ataque contra uma população civil" entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1º contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política;
  • O "extermínio" compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população;
  • Por "escravidão" entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças;
  • Por "deportação ou transferência à força de uma população" entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional;
  • Por "tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas;
  • Por "gravidez à força" entende-se a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força, com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional. Esta definição não pode, de modo algum, ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez;
  • Por “perseguição’’ entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa”;
  • Por "crime de apartheid" entende-se qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1º, praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial sobre uns ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime;
  • Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.

Historicamente falando, os crimes contra a humanidade estão atrelados ao massacre dos turcos em face dos armênios, datados da Primeira Guerra Mundial, mais conhecidos, mundialmente falando, como um crime da Turquia contra a humanidade.

Ensina-nos Valério de Oliveira Mazzuoli: “Foi somente no período pós-Segunda Guerra que se voltou a cotejar de tais crimes, em virtude das inúmeras atrocidades cometidas pelo Estado em que se converteu a Alemanha Nazista no Holocausto”. Como destaca Alessandra Palma, a elaboração dessa nova categoria se fazia necessária em virtude da impossibilidade de reconduzir tais crimes à categoria dos crimes de guerra e contra a paz, já conhecidos. A definição em plano convencional de tais crimes foi dada pelo art. 6º do Estatuto de Nuremberg, seguido pelo Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Tóquio. Havia, entretanto, um limite relevante no conceito de crimes contra a humanidade: para serem considerados como tais, esses deveriam ser conexos aos crimes de guerra e contra a paz, o que os tornava complementares em relação às outras duas figuras criminosas e não eram considerados suscetíveis de uma relevância internacional autônoma. [29]

A consagração de tal tipo “crimes contra a humanidade” veio a lume no art. 7º, parágrafo primeiro, do Estatuto de Roma. São catalogados como crimes contra a humanidade atos cometidos frente a um ataque em face de população civil, quais sejam:  homicídio, extermínio, escravidão, deportação ou transferência forçada de população, prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional, tortura, agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável, perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no Direito Internacional relacionados com qualquer um dos atos já mencionados ou qualquer crime da competência do Tribunal, desaparecimento forçado de pessoas, crime de apartheid e demais atos desumanos análogos aos acima descritos.

O caso Queniano desafiou o Tribunal Penal Internacional. De um lado, a atuação do Tribunal girou-se na perspectiva de evitar os massacres e crimes contra a humanidade perpetrados pela polícia queniana durante o período eleitoral. De outro lado, defende-se a força policial do Quênia ao argumento de que apenas atuou para salvar vidas, ao argumento de salvar o Quênia de uma anarquia absoluta, visando com as suas ações restabelecer a paz civil, até então violada. Fato é que o procurador do TPI Luis Moreno O'Campo  denunciou perante a Corte o major-general Hussein Ali pela prática de crimes contra a humanidade no Quênia, especificamente  em Naivasha e Nakuru, em que o Partido da Unidade Nacional (PNU), desejando manter o Presidente MwaiKibaki no poder, detonou massacres de toda ordem. A denuncia abarcou o chefe da Função Pública, Muthaura Francis, no sentido de ter exigido ao major-general Hussein Ali a criação de uma zona de segurança a favor da uma seita proibida, qual seja, Mungiki, visando ataques contra os civis de Naivasha e Nakuru, em face dos do partido político opositor. A defesa queniana é no sentido de que as provas produzidas pelo TPI restaram fracas e insuficientes diante da gravidade do caso e que nada restou comprovado de que a polícia queniana teria sido conivente com os crimes contra a humanidade pelo fato de ter recebido ordem para criar uma zona de segurança naquele país. A grande verdade é que crimes contra a humanidade foram praticados no Quênia e a Ordem Internacional visa a sua reparação para restabelecer a paz no Quênia e no mundo. Vale ressaltar que o TPI consentiu, em março de 2010, por maioria de votos, a abertura de investigações no que toca aos atos caracterizados como crimes contra a humanidade cometidos, pois, durante a violenta crise (1100 mortes, 3500 feridos, 600 mil deslocados, 100 mil propriedades destruídas) que se seguiu às eleições presidenciais de 2007. O Governo queniano havia concordado com o papel que o TPI viria a desempenhar no deslinde do caso, na hipótese de não ser estabelecida instância local dentro de determinado prazo. Em conseqüência: em meados de dezembro de 2010, o Promotor indiciou seis cidadãos quenianos, solicitando à Corte que fossem expedidas “intimações.”

No apagar das luzes do ano de 2016 surge mais um crime contra a humanidade.  Portando a rubrica de Ecocídio, a conduta de agredir o meio ambiente em larga escala, ganhou status de delito de repercussão internacional, a integrar o rol dos crimes contra a humanidade, ao lado do genocídio, do crime de guerra e do crime de agressão, nos termos dos Arts. 5º e 7º do Estatuto de Roma.

O homem, desbravador de matas, no afã da busca desenfreada por novas tecnologias, ao longo de décadas, atropelou o ecossistema e comprometeu a sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações e, pasmem: até mesmo para as passadas!

Há muito o sistema da compensação (isto é, degradou versus compensou) não é mais satisfatório ambientalmente ao planeta - que vem sofrendo os impactos da degradação humana no próprio ambiente doméstico, quando, a título de exemplo, o cidadão sofre no bolso a multa pelo excessivo consumo de água, tal como ocorre no Estado de São Paulo, que, inclusive, estabelecendo a tarifa de contingência, normatizou a respeito (Lei 10.455/2007).

Isto porque os reservatórios de água estão cada vez mais diminutos. A título de curiosidade, há inclusive um decreto paulista que veio a lume, a fim de regulamentar a referida legislação, no afã de impor multa para aquele cidadão que, em não sendo causa de deslizamento, lava, vez ou outra, a sua calçada. Já não era sem tempo! Basta uma experiência cotidiana e banal de seguir viagem pelas diferentes estradas do país para que se observe o quanto está em baixa o nível da água nos rios, lagos, represas, etc. Para tanto, o próprio consumo regular de água é passível de cobrança - frente ao princípio do usuário pagador, que vem de encontro ao combate a escassez, no Brasil, desde o ano de 1997. Base Legal: arts. 19 e 20 da Lei 9.433/97.

Os dados são preocupantes para não dizer alarmantes. Não vamos muito longe. Tempos atrás foi exibido na data de 09 de fevereiro do ano de 2017, no programa do Fantástico, na Rede Globo, o retrato da tragédia ambiental mais conhecida como desaparecimento do Lago Poopó, na Bolívia. Um lago de dimensão três vezes maior que a cidade de São Paulo no Brasil secou do dia para noite, dando lugar a um deserto. Tudo o que restou do Lago Poopó, de dimensão de três mil metros quadrados, subsumiu-se a uma miragem daquilo que um dia foi, na esperança de que as chuvas tragam de volta o que se perdeu, de forma repentina.

Pois bem caro leitor. Já se foi o tempo em que o Direito Penal de Intervenção cujo principal expoente é Windfried Hassemer  - que apregoava que o Direito Penal era voltado basicamente à tutela de bens jurídicos individuais - figurando acima do Direito Administrativo e abaixo do Direito Penal - caiu por terra.   A necessidade de sobrevivência da espécie humana rendeu-se a uma nova interpretação das teorias acerca da proteção ao bem jurídico e de seu corolário, qual seja: o princípio da ofensividade. Hoje, os anseios ambientais pugnam pela adoção do Direito Penal visto como proteção do contexto da vida em sociedade, capitaneado por Günter Stratenwerth - em que o Direito subsume-se a um Direito de gestão punitiva dos riscos gerais, numa radical mudança de enfoque, em que a proteção do bem jurídico individual ganha conotação secundária, abrindo espaço para a tutela direta dos direitos coletivos como contexto da vida, de forma a garantir a própria subsistência desta. O meio ambiente é direito fundamental do homem de terceira dimensão (direitos de fraternidade!) e, para que ganhe concretude, consubstanciada na força normativa da Constituição, deve o homem protegê-lo, inclusive, de si mesmo!

 Não é menos verdade, porém, que vozes contrárias surgem no contraponto da tese defendida por Günter Stratenwerth.

Por amor a didática, citamos que a doutrina critica, através da expressão princípio da liquefação, desmaterialização ou espiritualização do bem jurídico, a tipificação de condutas a bens transindividuais, ao argumento de ser tal tipificação formulada de maneira vaga.

Ensina-nos com a simplicidade de linguagem que lhe é peculiar o mestre Alexandre Salim :

“Parte da doutrina adota posicionamento crítico em relação à expansão inadequada e ineficaz da tutela penal em razão desses novos bens jurídicos de caráter coletivo. Argumenta-se que tais bens são formulados de modo vago e impreciso, ensejando a denominada desmaterialização (espiritualização, dinamização ou liquefação) do bem jurídico, em virtude de estarem sendo criados sem qualquer substrato material, distanciados da lesão perceptível dos interesses dos indivíduos (ex.: mercado econômico; ordem tributária; a moralidade pública; sentimento do povo; saúde pública etc.).O discurso crítico sustenta que não mais se protege bem jurídico, mas funções, consistentes em objetivos perseguidos pelo Estado ou, ainda, condições prévias para a fruição de bens jurídicos individuais” (AZEVEDO, Marcelo André de; SALIM, Alexandre. Direito Penal: Parte Geral. 6ª Ed. Rev., ampl e atual. Salvador: Jus Podvim, 2016, vol I (Sinopses para concursos).

Com a devida vênia à parte da doutrina que adota tal posicionamento, ousamos discordar. Atente-se o leitor para o seguinte fato: os crimes culposos, em geral, são fluidos e estão consubstanciados em tipos abertos e, nem por isso, os bens jurídicos merecem menor tutela. Uma pessoa que, de forma descuidada, atropela e mata dezenas de pessoas, ceifando dezenas de vidas, receberá uma resposta proporcional do Direito Penal e “ninguém” discute a (in) constitucionalidade dos tipos penais abertos. Ora, se a vida é protegida eficazmente de forma individual, com muito maior razão deverá sê-la de forma coletiva, pois a própria hermenêutica nos ensina que onde existe a mesma razão deve existir o mesmo direito. A vida deve ser preservada e esse é o ponto nodal de unidade do sistema, para que, com tal desiderato, se resguarde o binômio vida viável x saudável e, por conseguinte, a sobrevivência da própria espécie humana.

O Ecocídio constitui-se em um novo delito mundial, espécie do gênero crimes contra a humanidade, cuja base legal reside no art. 7º do Estatuto de Roma.   Trata-se de uma interpretação ampliativa realizada pelo Tribunal Penal Internacional, a fim de abarcar nos crimes contra a humanidade, consubstanciados nas lesões diretamente voltadas ao meio ambiente, e perpetradas por pessoas físicas e jurídicas, de maneira indiscriminada.

A título de exemplo, um desmatamento, ou seja, a retirada de árvores e recursos naturais impacta diretamente o ecossistema, constituindo-se, infelizmente, prática comum nas atividades de agropecuária e mineração. Após o desmatamento inicia-se todo um processo de degeneração ambiental.  Ensina-nos Feranside:

“Sob o enfoque da sustentabilidade da natureza com a retirada de uma vegetação, o equilíbrio ecológico daquele sistema fica completamente comprometido. Processos ecológicos são modificados, alterando todo o funcionamento normal do meio ambiente, criando uma série de modificações na estrutura do solo, agravando ainda mais o problema. (FEARNSIDE, P. M. Serviços ambientais como estratégia para o desenvolvimento sustentável na Amazônia rural: Meio Ambiente Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo, SP: Editora Cortez, 1997)”.

 Em palavras simples: Estima-se que as florestas regulem em torno de 57% (cinquenta e sete por cento) das águas doces superficiais do mundo - trazendo umidade para o ambiente, sendo que a retirada delas afeta o equilíbrio climático de muitas regiões, e, por conseguinte, acarreta, dentre outros malefícios, a intensificação do efeito estufa, ou seja, a retenção de calor na atmosfera, o que gera o aquecimento global e, por via de conseqüência, viabiliza o próprio processo de desertificação, narrado por nós, na parte introdutória deste artigo.

Assim, em caso de Ecocídio comprovado, a partir de setembro de 2016, a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional, ampliando a interpretação dada aos crimes contra a humanidade, possibilita que os lesados diretos por condutas degradantes ao meio ambiente (citamos, a título de exemplo, o desmatamento, dentre uma de várias outras degradações!) possam valer-se de um recurso internacional, com o escopo de responsabilizar os autores de crimes ambientais por danos morais e por danos econômicos - que afetem diretamente o ecossistema.

O Ecocídio não se impôs ao Tribunal Penal Internacional com a majestade de um tipo autônomo. Embora digno de suma importância denota uma interpretação ampliativa aos crimes contra a humanidade, elencados no art. 7º do Estatuto de Roma.

Tal postulado “crimes contra a humanidade” consagra quaisquer atrocidades e supressões de Direitos Humanos cominados no planeta terra, em cujo princípio da retribuição deságua em uma jurisdição global ou universal.

Para os efeitos do Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade” qualquer um dos atos [listados] quando cometidos como parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra qualquer população civil, com conhecimento do ataque. [30]

A base legal dos crimes contra a humanidade situa-se no capítulo II do mencionado diploma que assim dispõe:

Dos crimes contra a humanidade.

Artigo 7º

 Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguinte, quando cometidos no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

  • Homicídio;
  • Extermínio;
  • Escravidão;
  • Deportação ou transferência forçada de uma população;
  • Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
  • Tortura;
  • Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;
  • Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
  • Desaparecimento forçado de pessoas;
  • Crime de apartheid;
  • Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.(grifos nossos!)

Em uma análise acurada acerca dos crimes contra a humanidade a pergunta que não quer calar é a seguinte: Ampliando-se a interpretação dos crimes contra a humanidade o Tribunal Penal Internacional não estaria realizando interpretação extensiva em desfavor do acusado e, com tal conduta, violando de maneira frontal o princípio da reserva legal?

A resposta negativa se impõe. Atente-se o leitor para o fato de que a degradação contínua ao meio ambiente afeta gravemente a saúde física da população e causa grande sofrimento a humanidade acarretando riscos a própria espécie humana. Ninguém duvida que um índice anormal de poluição (degradação antropocêntrica) derivado de uma indústria, a título de exemplo, intoxica a população local sendo, por conseguinte, causa direta e imediata de diversas doenças pulmonares e respiratórias, para se dizer o mínimo. Resta cabalmente abalado o binômio vida viável x saudável, comprometendo, outrossim, a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações e fazendo tabula rasa ao princípio do desenvolvimento sustentável.

Nesse contexto a interpretação não é extensiva e sim declaratória, pois quando o Estatuto previu no art. 7º: “Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental” - abarcou em seu espírito, de forma implícita, condutas que comprometam a sobrevivência da espécie humana, a saúde e qualidade de vida dos indivíduos considerados em sua totalidade.

Assim, defendemos que não houve burla ao princípio da reserva legal, e sim, a realização de uma interpretação declaratória pelos operadores do direito, ou seja, aquela interpretação que coincide com o resultado da lei - no que toca aos crimes contra a humanidade, cujo rol de condutas que permeiam o tipo, por ser um rol extenso e aberto, chamou para si, o Ecocídio - sendo certo que, em caso de violação aos bens mais caros do ser humano, serão estes resguardados por uma jurisdição universal. É a nossa posição!

Para que o crime de Ecocídio possa ser reconhecido e que possa gerar efeitos em seara internacional (responsabilidade civil, administrativa e penal dos indivíduos: pessoas físicas ou jurídicas) a sentença proferida deve obedecer a uma condição específica de procedibilidade, qual seja: há que ser votada por, no mínimo, 1/3 (um terço) dos membros que compõem o Tribunal Penal Internacional. Trata-se de peculiariade que espelha a democracia como a forma mais singela de Justiça. Isso porque a soberania de um único magistrado é flexibilizada pelo consenso de alguns membros do próprio Tribunal, a fim de que se alcance uma decisão  com mais  plenitude, justiça e eficácia, e em consonância com os anseios do cenário internacional.

Assim, o poder judiciário amplia seu papel com relação aos demais poderes, interferindo nas barreiras que lhe foram impostas, a priori , que consistia na tarefa  de  mero reprodutor da lei, efetivando o papel democrático, não simplesmente como a boca da lei, mas como a boca da igualdade, através da aplicação justa da lei. Isso porque a democracia nada mais é que uma faceta material do princípio da igualdade.

O papel que o Judiciário internacional faz nada mais significa que dar concretude às vozes das ruas. Essa é a verdadeira essência da democracia.

Ensina-nos, com maestria, KIERKEGAARD :

“Para fins de argumentação, aceitemos que seja possível, em meio à nossa multiplicidade contemporânea, identificar uma voz das ruas, uma unidade em meio ao pluralismo. Parece-nos que, em meio a tantas diferenças, essa unidade só poderia ser apontada a partir de termos abstratos com os quais todos concordariam e que, por isso mesmo, poderiam justificar qualquer decisão que não se sustentaria a partir de argumentos jurídicos. Ilustrando em termos mais claros a partir de um exemplo: absolutamente ninguém se diz ou diria contra, digamos, a necessidade de justiça. Contudo, parece muito difícil visualizar qualquer situação minimamente aproximada de unanimidade que não seja assim: nada mais que uma redução a uma essência simplista que, em verdade, de tão abstrata, torna-se desprovida de sentido. Kierkegaard, sempre genial, já dizia que conceitos abstratos só não são invisíveis quando tornados concretos”.  (“Abstract concepts are as invisible as a straight line; they are only visible when they are made concrete”. Cf. KIERKEGAARD, Søren. Kierkegaard’s Journals and Notebooks, vol. 2. Editado por Niels Jørgen Cappelorn, Alastair Hannay, David Kangas, Bruce H. Kirmmse, Vanessa Rumble, e K. Brian Söderquist. Princeton: Princeton University Press, 2008, p. 42).

Cada vez mais é exigido do operador do direito um conhecimento interdisciplinar e, para tanto, uma interpretação sistemática dos temas jurídicos colocados em colisão. Se de um lado nos deparamos com um Direito Penal de Intervenção (na proteção de bens jurídicos individuais), de outro nos deparamos com um Direito Constitucional - que prima pela efetivação dos Direitos Fundamentais, exigindo do intérprete uma ponderação de interesses, de modo a dar primazia a defesa dos Direitos Fundamentais. Sendo o meio ambiente Direito Fundamental, a sua proteção resvala na própria dignidade do homem. 

A luta pela sobrevivência da espécie humana e sua proteção correlacionada à defesa do meio ambiente ganha status internacional através do crime de Ecocídio - que em respeito ao princípio da reserva legal (através de interpretação declaratória do próprio tipo dos crimes contra a humanidade), através de uma sentença democrática (votada por um 1/3 dos integrantes do Tribunal Penal Internacional), consagra a proteção à saúde humana como preocupação e respeito internacionais.

Dessa forma, conclui-se que a proteção aos bens transindividuais resvala na proteção à vida vista sob o enfoque coletivo. Não é um processo fácil e o Direito Internacional está a nos ensinar, através da democracia plural de suas decisões, que a dignidade humana perpassa a valores meramente individuais. Associar a vida humana à simples lesão individual é manipular a vida de forma egoística, desprezando o semelhante, em verdadeiro retrocesso aos Direitos Fundamentais duramente conquistados ao longo de décadas.  

3.3 -  Crimes de guerra

Os crimes de guerra com nomenclatura de crimes contra as leis e costumes aplicáveis em conflitos armados, derivam de lenta evolução no que tange ao direito internacional humanitário, ganhando status no cenário mundial através do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, com contornos de juridicidade a partir das Convenções de Genebra, lastreadas em teorias do direito costumeiro de guerra. Os crimes de guerra são violações praticadas contra as convenções de Genebra, de 1949 e contra o direito da guerra. As convenções de genebra de 1949 estabelecem regras sobre o direito humanitário, ou seja, sobre o atendimento e socorro aferidos em período de guerra. O direito internacional da guerra estabelece, por exemplo, os tipos de armas, projéteis, bombas, mísseis que podem ser utilizados e como um prisioneiro de guerra pode ser tratado. Enfim, o direito de guerra estabelece um código de conduta mínima no período das hostilidades, no período de conflitos armados. Se houver a violação de qualquer dessas regras haverá a caracterização de um crime de guerra e o indivíduo pode, então, ser levado a julgamento perante o TPI.

          O Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes.

Os crimes de guerra estão tipificados no artigo 8º do Estatuto de Roma. São eles:

         A - As violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente:

  • Homicídio doloso;
  • Tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas;
  • O ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde;
  • Destruição ou a apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária;
  • O ato de compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga;
  • Privação intencional de um prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a um julgamento justo e imparcial;
  • Deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade;
  • Tomada de reféns;

b - Outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos: ·.

  • Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades;
  • Dirigir intencionalmente ataques a bens civis, ou seja, bens que não sejam objetivos militares;
  • Dirigir intencionalmente ataques ao pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à proteção conferida aos civis ou aos bens civis pelo direito internacional aplicável aos conflitos armados;
  • Lançar intencionalmente um ataque, sabendo que o mesmo causará perdas acidentais de vidas humanas ou ferimentos na população civil, danos em bens de caráter civil ou prejuízos extensos, duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa;
  • Atacar ou bombardear, por quaisquer meio, cidades, vilarejos, habitações ou edifícios que não estejam defendidos e que não sejam objetivos militares;
  • Matar ou ferir um combatente que tenha deposto armas ou que, não tendo mais meios para se defender, se tenha incondicionalmente rendido;
  • Utilizar indevidamente uma bandeira de trégua, a bandeira nacional, as insígnias militares ou o uniforme do inimigo ou das Nações Unidas, assim como os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, causando deste modo a morte ou ferimentos graves;
  • A transferência, direta ou indireta, por uma potência ocupante de parte da sua população civil para o território que ocupa ou a deportação ou transferência da totalidade ou de parte da população do território ocupado, dentro ou para fora desse território;
  • Dirigir intencionalmente ataque aos edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares;
  • Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de uma parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar, nem sejam efetuadas no interesse dessas pessoas, e que causem a morte ou coloquem seriamente em perigo a sua saúde;
  • Matar ou ferir a traição pessoas pertencentes à nação ou ao exército inimigo;
  • Declarar que não será dado quartel;
  • Destruir ou apreender bens do inimigo, a menos que tais destruições ou apreensões sejam imperativamente determinadas pelas necessidades da guerra;
  • Declarar abolidos, suspensos ou não admissíveis em tribunal os direitos e ações dos nacionais da parte inimiga;
  • Obrigar os nacionais da parte inimiga a participar em operações bélicas dirigidas contra o seu próprio país, ainda que eles tenham estado ao serviço daquela parte beligerante antes do início da guerra;
  • Saquear uma cidade ou uma localidade, mesmo quando tomada de assalto;
  • Utilizar veneno ou armas envenenadas;
  • Utilizar gases asfixiantes, tóxicos ou outros gases ou qualquer líquido, material ou dispositivo análogo;
  • Utilizar balas que se expandem ou achatam facilmente no interior do corpo humano, tais como balas de revestimento duro que não cobre totalmente o interior ou possui incisões;
  • Utilizar armas, projéteis; materiais e métodos de combate que, pela sua própria natureza, causem ferimentos supérfluos ou sofrimentos desnecessários ou que surtam efeitos indiscriminados, em violação do direito internacional aplicável aos conflitos armados, na medida em que tais armas, projéteis, materiais e métodos de combate sejam objetos de uma proibição geral e estejam incluídos em um anexo ao presente Estatuto, em virtude de uma alteração aprovada em conformidade com o disposto nos artigos 121 e 123;
  • Ultrajar a dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes;
  • Cometer atos de violação, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f) do parágrafo 2o do artigo 7o, esterilização à força e qualquer outra forma de violência sexual que constitua também um desrespeito grave às Convenções de Genebra;
  •  Utilizar a presença de civis ou de outras pessoas protegidas para evitar que determinados pontos, zonas ou forças militares sejam alvo de operações militares;
  • Dirigir intencionalmente ataque a edifícios, material, unidades e veículos sanitários, assim como o pessoal que esteja usando os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, em conformidade com o direito internacional;
  • Provocar deliberadamente a inanição da população civil como método de guerra, privando-a dos bens indispensáveis à sua sobrevivência, impedindo, inclusive, o envio de socorros, tal como previsto nas Convenções de Genebra;
  • Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades;       

 c - Em caso de conflito armado que não seja de índole internacional, as violações graves do artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos atos que a seguir se indicam, cometidos contra pessoas que não participem diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido à doença, lesões, prisão ou qualquer outro motivo:       

  • Atos de violência contra a vida e contra a pessoa, em particular o homicídio sob todas as suas formas, as mutilações, os tratamentos cruéis e a tortura;
  • Ultrajes à dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes;
  • A tomada de reféns;
  • As condenações proferidas e as execuções efetuadas sem julgamento prévio por um tribunal regularmente constituído e que ofereça todas as garantias judiciais geralmente reconhecidas como indispensáveis.      

  d - A alínea c) do parágrafo 2o do presente artigo aplica-se aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplica a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante;

        E - As outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, no quadro do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos:

  • Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades;
  • Dirigir intencionalmente ataque a edifícios, material, unidades e veículos sanitários, bem como ao pessoal que esteja usando os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, em conformidade com o direito internacional;
  • Dirigir intencionalmente ataques ao pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à proteção conferida pelo direito internacional dos conflitos armados aos civis e aos bens civis;
  • Atacar intencionalmente edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares;
  • Saquear um aglomerado populacional ou um local, mesmo quando tomado de assalto;
  • Cometer atos de agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f do parágrafo 2o do artigo 7o; esterilização à força ou qualquer outra forma de violência sexual que constitua uma violação grave do artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra;
  • Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou em grupos, ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades;
  • Ordenar a deslocação da população civil por razões relacionadas com o conflito, salvo se assim o exigirem a segurança dos civis em questão ou razões militares imperiosas;
  • Matar ou ferir a traição um combatente de uma parte beligerante;
  • Declarar que não será dado quartel;
  • Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de outra parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar nem sejam efetuadas no interesse dessa pessoa, e que causem a morte ou ponham seriamente a sua saúde em perigo;
  • Destruir ou apreender bens do inimigo, a menos que as necessidades da guerra assim o exijam;

 f - A alínea e) do parágrafo 2o do presente artigo aplicar-se-á aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplicará a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante; aplicar-se-á, ainda, a conflitos armados que tenham lugar no território de um Estado, quando exista um conflito armado prolongado entre as autoridades governamentais e grupos armados organizados ou entre estes grupos.

O disposto nas alíneas c e do parágrafo 2o, em nada afetará a responsabilidade que incumbe a todo o Governo de manter e de restabelecer a ordem pública no Estado, e de defender a unidade e a integridade territorial do Estado por qualquer meio legítimo.

O Estatuto de Roma consagra diversas variedades no que toca aos crimes de guerra. A título de exemplo, quando inclui, no campo dos crimes dessa espécie, os conflitos armados não internacionais, que consagram boa parte dos conflitos existentes na atualidade. São exemplos em que várias violações de direitos humanos não foram causadas simplesmente por um inimigo externo, mas por arbitrariedades e atrocidades advindas do próprio Estado, no que vão muito além de algumas tensões internas.

Os elementos dos crimes de guerra são: aqueles cometidos dentro de um contexto de guerra.

O que diferencia os crimes de guerra dos crimes contra a humanidade é a necessidade de existência de um conflito, tenha ele caráter internacional ou não. O objetivo do Estatuto é defender o direito dos Estados de manter a ordem interna e defender a soberania e unidade do país. Daí a razão da proteção às pessoas e aos bens protegidos pela Convenção de Genebra, ou seja, os feridos, os enfermo, os náufragos, o pessoal sanitarista e os serviços sanitários, o pessoal e os serviços de proteção civil, os bens civis e culturais, o meio ambiente, e as obras e instalações que contêm forças perigosas”. [31]

Entendemos, pois, que os crimes de guerra não se identificam com os crimes militares em tempo de guerra, pois nos crimes militares em tempo de guerra há uma exigência, qual seja: se faz necessário que haja uma guerra declarada. Antes que o Tribunal tenha ciência do fato é imprescindível que o caso seja apreciado por uma pré-câmara. Também aqui outro ponto que merece destaque é o de que o TPI poder aplicar ao crime tentado a mesma pena do crime consumado, como é o caso do genocídio. Também há grande dificuldade na apresentação de provas nesse tipo de crime, pois os países alegam em defesa que tal exposição de provas prejudicaria a segurança nacional. Ainda há muito que ser melhorado em tal seara, mas não podemos ignorar os avanços até então realizados, internacionalmente falando.

3.4 -  Crime de Agressão.

Após longa discussão o crime de agressão foi inserido no Estatuto, mas não foi definido, de plano, fato esse que impossibilitou a sua aplicação por um longo período de tempo, sob pena de se ferir, à época, o princípio da reserva legal.

A sua definição, pois, foi relegada para uma etapa posterior.

Ensina-nos Valério de Oliveira Mazzuoli:

O crime de agressão sempre foi problemático em sede doutrinária e no contexto da prática das relações internacionais. E isto vem desde as primeiras questões envolvendo a licitude ou ilicitude da guerra como meio de solução de controvérsias internacionais. Atualmente, no plano internacional, a guerra foi declarada um meio ilícito de solução de controvérsias internacionais... Como destaca Tarcisio Dal Maso Jardim, a discussão da abrangência de recorrer a ameaça e ao uso da força rendeu várias correntes doutrinárias, como a do direito de ingerência por razões humanitárias. A confusão se dá porque essa abstenção deve ser contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado ou outro modo incompatível com o objetivo das Nações Unidas. A não existência de uma definição precisa de agressão, suficientemente abrangente para servir como elemento constitutivo do crime de agressão e, conseqüentemente, para fundamentar a responsabilidade penal internacional dos indivíduos, dificultou, portanto, a inclusão dessa espécie de crime no estatuto de Roma de 1998. Foi na conferência de Versalhes, de 1919, que criou a Sociedade das Nações, que surgiu pela primeira vez a ideia de qualificar os atos de agressão bélica como crimes contra a paz internacional. [32] P. 65. 2009.

Registre-se que no ano de 2010, após quase dez anos de profundos debates, o Tribunal Penal internacional, por força de um acordo firmado entre os Estados membros do organismo definiu o crime de agressão da seguinte maneira: “planejamento, preparação, iniciação, ou execução, por uma pessoa numa posição de exercício de controle ou direção da ação política ou militar de um Estado, de um ato de agressão que pelo seu caráter, gravidade ou escala constitui uma manifesta violação da Carta das Nações Unidas”.

Exemplificativamente, são considerados como sendo atos de agressão sob o manto do Estatuto o bloqueio de portos ou costa marítima de um Estado por forças armadas de outro Estado, assim como a invasão ou ataque por forças de um Estado contra o território de outro Estado. Tais exemplos foram expressamente citados em resolução do TPI em Kampala, no Uganda. Seria interessante citá-la.

Todavia, nem sempre a norma válida e existente produz efeitos. A norma tem existência (porque já foi promulgada). A norma tem validade (porque passou por todo o processo legislativo e foi publicada), mas a norma não produz ainda seus efeitos.

Destaque-se que até o ano de 2010 havia a previsão do crime de agressão, mas por não ter sido regulamentado, era uma norma com vigência, mas despida de eficácia no cenário internacional.

Vigência e eficácia simbolizam um casal de namorados, de mãos dadas. Andam lado a lado. Caminham no mesmo passo. Agora, todo casal pode brigar. E daí pode acontecer de a norma ter vigência e não ter eficácia. Foi o que ocorreu, por quase uma década, com o crime de agressão.

Há que se ressaltar que os países formadores do acordo encamparam o entendimento de que o Tribunal Penal Internacional pode exercer jurisdição sobre crimes de agressão, mas tão somente sobre aqueles crimes perpetrados após o lapso temporal de um ano, após trinta Estados terem ratificado a alteração pactuada.

É importante que se diga que o crime de agressão, no entanto, deverá subsumir-se à Carta das Nações Unidas, que estipula alguns exemplos de guerra justa, tais como a intervenção para prevenir ou reprimir ameaças a paz.

Assim, a Assembléia Geral da ONU, por via da Resolução 3.314 que fora aderida em sua Sessão de 14 de dezembro de 1974, já havia vislumbrado a definição do crime de agressão, nos seguintes moldes: “Art. 1º:” Agressão é o uso de força armada por um Estado contra a Soberania, integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou qualquer outra atitude que seja inconsistente com a Carta das Nações Unidas”.[33]

O aplicador do direito, que está inserido como membro do Tribunal Penal Internacional, deve fazer uma interpretação restritiva do crime de ameaça, ou seja, deve diminuir o alcance da lei em seu trabalho interpretativo, concluindo-se que a vontade da norma, manifestada de forma abrangente, não permite que seja atribuída a sua letra todo o sentido que, em tese, aparenta ter. Não se deve perder de vista que, na atualidade, o crime de agressão encontra-se definido, porém, trata-se de um tipo penal aberto.

Ensina-nos Cleber Masson:

Tipo aberto é o que não possui descrição minuciosa da conduta criminosa. Cabe ao Poder Judiciário, na análise do caso concreto, complementar a tipicidade mediante um juízo de valor. É o caso da rixa (CPB, art. 137), pois somente na situação prática poderá se dizer se alguém participou da rixa, ou nela ingressou para separar os contendores. [34]

A Comissão de Direito Internacional (CDI) introduziu outra definição do crime de agressão, tal como tipificado no artigo 16 do projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade: “Aquele que, na qualidade de líder ou organizador, participar activamente ou ordenar o planejamento, preparação, iniciação ou declaração de agressão cometida por um Estado deve ser responsável pelo crime de agressão”.

Cláudio Foguiço, em artigo publicado em periódico da revista eletrônica Triagem Sócio Jurídico ensina-nos: “A CDI inspirou-se na Carta de Londres conforme interpretado e aplicado pelo Tribunal Militar Internacional. No entanto, esta definição, em si, é melhor que a anterior, mas também padece de limitações, na medida em que ela não cumpre com dois elementos fundamentais dos crimes internacionais existentes: (i) o ato criminoso, e (ii) a consciência criminosa. Com efeito, o artigo 30 do Estatuto do TPIJ claramente prevê que ‘salvo disposição em contrário, uma pessoa poderá ser criminalmente responsável e punida por um crime da competência do tribunal se apenas os elementos materiais são cometidos com intenção para além dos elementos materiais. O elemento mental também é relevante para a determinação da responsabilidade criminal, pois isto significa que a pessoa têm que ter a intenção de causar danos e está consciente sobre as conseqüências e os danos que advirão com o curso de suas ações. A conduta do indivíduo é extremamente indispensável para a determinação da responsabilidade criminal do indivíduo. Porém, a definição supra se limita nos elementos materiais e não é suficiente para abarcar e responsabilizar criminalmente os indivíduos. Há um outro aspecto que não está claro, a definição parece presumir que o crime de agressão é intrinsecamente ligada à responsabilidade do Estado. Por exemplo, na situação em que um grupo de rebeldes esteja sobre o controlo e domínio de uma parte do país, como são os casos de Uganda, República Democrática de Congo e o Sudão e, se eventualmente atacar os países vizinhos será que o tal ato deve ser atribuído ao Estado? Prima facie, o Estado em causa é responsável por um ato de agressão antes de se efetuar investigações exaustivas com vista a apurar a verdade material. Embora, assim seja, há outras questões que se colocam no âmbito do procedimento criminal.”[35]

Nossa conclusão acerca dos crimes de competência do Tribunal Penal Internacional é a de que tal rol não deveria ser taxativo e sim ampliativo. Assim, defendemos, pois, que tal rol deveria ser ampliado para abarcar crimes contra o sistema financeiro nacional, com repercussão internacional, tendo em vista que os danos por eles causados ganham repercussão internacional, assolando a segurança internacional obstruindo a crença populacional de todo o mundo no mercado financeiro supranacional. O desequilíbrio do sistema financeiro internacional, impulsionado pelo fenômeno da globalização, produz graves crimes financeiros mundiais e, embora tais condutas, hoje, não sejam criminalizadas pelo TPI, afetam a ordem econômica internacional. Os crimes financeiros são filhos legítimos dos crimes políticos. Defendemos, pois, a ampliação de tal rol  - já que o preâmbulo do Estatuto de Roma delineia os crimes que compõem o Tribunal Penal Internacional como os crimes de maior gravidade para a comunidade internacional e, tendo em vista, a ineficácia de leis nacionais no combate aos crimes do sistema financeiro internacional, mecanismo de maior potencialidade como o TPI deveria funcionar no combate as lesões que colocam em risco a ordem econômica mundial e, por conseqüência, a comunidade internacional como um todo (globalização).

O mesmo defendemos no que concerne aos crimes contra o meio ambiente, em que se movimentam bilhões de dólares por ano, dinheiro esse usado para o financiamento de grupos armados e terroristas que ameaçam a segurança e o desenvolvimento de vários países do mundo. Exemplo ilustrativo que podemos citar é o tráfico de carvão que é responsável por uma das maiores movimentações financeiras ilegais em nível internacional, juntamente com o comércio ilegal de marfim. Assim, o crime organizado internacional ligado ao meio ambiente inclui o corte ilegal de madeira, a caça furtiva, o tráfico de espécies, a pesca ilegal, as minas selvagens e os resíduos tóxicos. Comprometem a segurança internacional, na medida em que potencializam menores chances de sobrevivência da espécie humana, como consequência maior da degradação ambiental, sendo palco para o fomento de tráfico de armas, a desencadear crimes de guerra no cenário internacional.


CAPITULO 4 -  Temáticas correlacionadas a prática de crimes julgados pelo TPI

4.1- Discriminação Racial.

Igualmente, o Brasil assinou a Convenção contra a discriminação racial, adotada pelas Nações Unidas em 21 de dezembro de 1965, ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968, estando em vigência desde 1969.

J. A. Lindgren Alves destaca que, ao final dos anos 40 e na década de 50, “o grande incentivo à adoção de dispositivos antidiscriminatórios foi à lembrança do holocausto judeu sob os regimes nazi-fascistas”; já nos anos 60, aduz, “seu principal motor foi o grande movimento de emancipação das antigas colônias européias”.

Com ênfase, ainda, destaca que “o ingresso de dezessete novos países africanos nas Nações Unidas em 1960, a realização da Primeira Conferência de Cúpula dos Países Não-Alinhados, em Belgrado, em 1961, assim como o ressurgimento de atividades nazi-fascistas na Europa e as preocupações ocidentais com o anti-semitismo compuseram o panorama de influências que, com graus variados de eficácia, reorientaram o estabelecimento de normas internacionais de direitos humanos, atribuindo prioridade à erradicação do racismo” [36].

No seu preâmbulo, dita Convenção invoca que “todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação e contra qualquer incitamento à discriminação”; afirma “a necessidade de eliminar a discriminação racial no mundo, em todas as suas formas e manifestações, e de assegurar a compreensão e o respeito à dignidade da pessoa humana”; também deixa estabelecido que “a doutrina da superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, e que não existe justificação para a discriminação racial, em teoria ou na prática, em lugar algum”. Com esses contornos, reafirma que “a discriminação entre as pessoas por motivo de raça, cor ou origem étnica é um obstáculo às relações amistosas e pacíficas entre as nações e é capaz de perturbar a paz e a segurança entre os povos e a harmonia de pessoas vivendo lado a lado, até dentro de um mesmo Estado”. 

Em apertada síntese, J. A. Lindgren Alves acentua que a convenção obriga os Estados-membros a:

  • Buscar eliminar a discriminação racial e promover o entendimento entre todas as raças, fazendo com que todas as autoridades públicas atuem dessa maneira;
  • Abolir quaisquer leis ou regulamentos que efetivamente perpetuem a discriminação racial;
  • Condenar toda propaganda baseada em teorias de superioridade racial ou orientada para promover ódio ou discriminação racial;
  • Adotar medidas para erradicar toda incitação à discriminação;
  • Garantir o direito à igualdade perante a lei para todos, sem distinção de raça, cor ou origem nacional ou étnica;
  • Assegurar proteção e recursos legais contra atos de discriminação racial que violem direitos humanos;
  • Adotar medidas especialmente nas áreas de educação, cultura e informação, com vistas a combater o preconceito[37].

O mecanismo de controle e supervisão é feito pelo Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, semelhante ao Comitê de Direitos Humanos instituído pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos. Compete ao Comitê examinar as petições individuais (denunciando violação de direito previsto na Convenção contra a Discriminação Racial), os relatórios encaminhados pelos Estados-membros e as comunicações interestatais.      

Frise-se: A decisão do Comitê ressalte-se, é similar à decisão do Comitê de Direitos Humanos, ou seja, não tem força jurídica obrigatória, vinculante; todavia, o Comitê emite recomendações, após análise do caso, cabendo ao Estado informar as medidas adotadas.

A Constituição Federal de 1988 deu efetivo destaque ao princípio da igualdade e à não-discriminação.

Com efeito, no artigo 3. º, inciso I, o legislador constituinte fez constar, como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, enfatizando, no inciso III, a necessidade de erradicar a pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais. No inciso IV, em seguida, constou como objetivo “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, dando contornos absolutos ao tema, ou seja, deixando destacadas as duas metas a serem atingidas: a promoção da igualdade e o combate à discriminação.

Flávia Piovesan, a esse respeito, expõe que “na ótica contemporânea, a concretização do direito à igualdade implica na implementação dessas duas estratégias, que não podem ser dissociadas. Isto é, hoje o combate à discriminação torna-se insuficiente se não se verificam medidas voltadas à promoção da igualdade. Por sua vez, a promoção da igualdade, por si só, mostra-se insuficiente se não se verificam políticas de combate à discriminação”[38].

No artigo 5.º, em seguida, encontramos o direito à igualdade relacionada como direito fundamental. Nesse tema, é necessário lembrar, a uniformidade de tratamento impõe, por vezes, distinções no tratamento jurídico, pois a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.

Logo, é lição colhida de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “... distinção não é discriminação, na medida em que a diferenciação ‘compensa’ a desigualdade e por isso serve a uma finalidade de equalização, como ensinou San Tiago Dantas, quando a diferenciação visa ao ‘reajustamento proporcional de situações desiguais’...” [39].

É importante enfatizar que, em tema de discriminação, o princípio da igualdade somente será atendido com o tratamento diferenciado, a adoção de medidas especiais de proteção às pessoas ou aos grupos sujeitos à discriminação, ou seja, com o tratamento desigual aos grupos em desigualdade, pois, além de ser possível atingir-se o equilíbrio, a isonomia, tal política compensatória, como já enfatizamos antes, tem o condão de aliviar, resgatar o passado discriminatório de que foram alvo essas pessoas ou grupos.

No que tange ao combate à discriminação, a Carta Constitucional, no artigo 5.º, inciso XLI, estabelece que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, portanto, qualquer discriminação que constitua atentado ou lesão ao princípio da igualdade. No inciso XLII, em seguida, dispõe que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

4.2 -  Tortura.

.A definição gramatical da palavra tortura se dá pela seguinte maneira: Do latim: tortura, ae, substantivo feminino. Denota a qualidade do que é torto ou tortuoso. Grande sofrimento infligido de forma deliberada a alguém. Grande sofrimento físico. Angústia. Situação difícil. No que toca as suas raízes históricas, a tortura remonta aos gregos, utilizada como uma forma de punição, de castigo das tribos ao cometimento de delitos ali perpetrados. Copiada dos gregos pelos romanos, a tortura fora utilizada nas mesmas circunstâncias. Foi mais utilizada no mundo com a queda de Roma e ascensão da igreja católica, como forma de expiação dos pecados. 

Mundialmente falando, a tortura nada mais é que a violência presente na vida dos homens mundo a fora, seja por meio de batalhas sangrentas, guerras civis ou disputas bélicas. Tema em que se debruçam às comunidades internacionais, a fim de combatê-la em todas as suas formas. Todavia, há que se ressaltar que alguns países do mundo ainda se valem da prática da mesma, ao argumento simplório da segurança jurídica, a fim de validá-la; sem, contudo, convencer os povos de sua utilidade prática. Internacionalmente falando, a tortura foi objeto de convenção, datada de 1984, em que é sentida sob a seguinte ótica:

Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa, a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.

Embora objeto de muitos tratados e convenções, o tema da tortura mundial vem incomodando bastante, simplesmente porque as torturas crescem com a mesma intensidade das tecnologias inventadas pelo homem, sem nenhum exagero.

Comecemos a repensar a temática sob a ótica da América Latina: Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. Filmes como tropa de elite I e II mostram ao povo uma pequena parcela dessa esfacelada dor humana e, no Brasil, como o marco da tortura se deu sob os auspícios do regime militar, o filme Olga Benário é o retrato mais fiel e comovente da tragédia que assolou o mundo e o Brasil, até os dias de hoje.

O filme nos relata a saga de Olga Benário Prestes. Nascida em Munique, na Alemanha, em 1908, filha e herdeira de pais judeus. Olga, ao longo da vida, tornou-se uma ativista do comunismo. Nessa caminhada namorou e libertou o seu namorado Otto Braun da cadeia, instante em que ambos são forçados a fugir para a União Soviética, recebendo, pois, treinamento de guerrilha. Olga logo se destaca como estrela no Partido Comunista, onde conhece e se apaixona por Luís Carlos Prestes, concebido como um dos principais líderes comunistas do Brasil. Em 1934, quando Prestes regressa ao Brasil, designado pela Internacional Comunista para liderar uma revolução armada, Olga é designada para escoltá-lo. Vivem política, amor e sexo. Olga fica grávida. Quando o movimento revolucionário é derrotado pelas forças de Vargas, Olga e Prestes são detidos pelo autoritário chefe de polícia Filinto Müller. Diante de boatos de que seria deportada, Olga divulga frente a uma nação a sua gravidez e solicita asilo político por ser casada e estar grávida de Prestes. O governo Vargas, simpatizante com a ditadura de Adolf Hitler, deporta Olga, mesmo grávida de sete meses, sem qualquer pudor. Na prisão alemã, Olga dá à luz a uma filha, que batiza de Anita Leocádia, em homenagem a D. Leocádia, mãe de Prestes. Após o período de amamentação, a menina foi bruscamente levada de Olga e entregue à D. Leocádia. Décadas de prisão em campos de concentração, durante os quais a opinião pública internacional fez inúmeras tentativas de libertá-la, mas Olga é morta na câmara de gás. O ato de covardia foi descoberto anos luz, por uma carta escrita por Olga aos familiares, já agonizando em seus momentos finais.

O caso de Olga Benário ainda é atual. Sim porque a tortura está aí, velada nos dias de hoje, assombrando os ginásios de times de futebol, as minorias gays, discriminações religiosas com práticas que levam a morte (prática da tortura de cristãos em missões evangélicas) e tantas outras coisas que poderiam aqui serem cogitadas e seriam exaustivas e inexauríveis. De quem é a culpa? Da polícia? Dos governantes? Do povo que elege os seus governantes? Mais fácil culpar as autoridades que rever o nosso papel social. Se não mais fácil, mais conveniente!

Co-culpabilidade. O Direito Penal nos ensina nos bancos escolares da faculdade que somos produtos do meio e se o meio não é bom, e de braços cruzados ficamos, a sociedade tem que dividir com o infrator a culpa. Nada mais justo. Teoria penalista que anda de braços dados com o garantismo penal, mas de pouca eficácia.  Ferndinand Lasalle nos ensinou que se nossa Lei Maior não for efetiva não passará de uma mera folha de papel. Podemos opinar, sem nenhum medo de errar, no sentido de que oitenta por cento das constituições do mundo são meras folhas de papel. Verdadeiras cartas de intenções, inefetivas:

Os fatores reais do poder que regulam no seio de cada sociedade são essas forças ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da sociedade em apreço, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são. [40]

Nunca fomos à África. Nunca sentimos de perto a miséria humana, a sede. O máximo de bombas que presenciamos são os lindos fogos de artifícios do reveillon na praia de Copacabana. Limitamos-nos a assistir a alguns filmes e a lamentar pela ignorância do ser humano em matar uns aos outros. Mas qual o nosso papel no contexto mundial? Não sabemos a resposta. Talvez por ser essa complexa demais, embora próxima de tantos, como podemos aqui citar os arrastões nessa mesma praia de Copacabana em tempo de verão. Explodem-se fogos de artifícios, como um espetáculo pela passagem do ano, e no dia seguinte, ceifam-se vidas, em troca de algumas moedas.

Comecemos pelo Brasil. Palco de grandes massacres na ditadura militar: Durante duas décadas governo e oposição travaram a tortura no Brasil. O plano político era marcado e pisoteado pelo autoritarismo, com a supressão dos Direitos Humanos. Direitos Humanos? Quais? Falácia e prisão para quem pensasse a respeito. Tempos em que até o pensamento era vigiado, censura em todos os meios de comunicação e até no meio cerebral de comunicação interna do ser humano para consigo mesmo.  Adotaram atos institucionais que rasgavam a Constituição da República. Não se fala aqui de inefetividade, e sim, de ausência total de uma Constituição da República.

É lamentável a constatação de que nos dias atuais os brasileiros não gostam de se identificar com a ditadura militar, mas que a tortura não cessou. Nem Brasil, menos ainda no mundo. A Alemanha Nazista de Ritler é encontrada quando se queimam um índio em Brasília, pelo simples prazer de brincar com a vida humana. Vivemos sob o manto da democracia que ainda precisa navegar por muitos mares para que suas ondas um dia sejam, de fato, realmente livres.

Ensina-nos Gisele Casol:

A América Latina se fez palco para as batalhas travadas entre os sistemas capitalista e socialista a partir de meados do século XX, durante a Guerra Fria. Esse enfrentamento ideológico teve como um de seus principais desdobramentos a ascensão de ditaduras civil-militares em muitos países latinos. Esses regimes, alicerçados fundamentalmente sobre as bases da norte-americana Doutrina de Segurança Nacional (DSN), lançaram mão de um brutal Terror de Estado para enfrentar seus opositores políticos. O combate ao “inimigo interno”, preconizado pela DSN, provocou a extinção das fronteiras políticas; em seu lugar; delimitar-se-iam apenas fronteiras ideológicas. Dentro dessa lógica, esteve à formação de uma teia de relações entre os aparatos repressivos dessas ditaduras, cujo ápice se daria com a formação da Operação Condor, em 1975. Embora o Uruguai se tornasse uma ditadura somente a partir de 1973, desde fins da década de 1960 já cooperava como regime brasileiro, vigiando, prendendo e até torturando opositores políticos brasileiros exilados em seu território. O elevado número de casos de brasileiros presos no Uruguai, nesse ínterim, atesta essa relação e evidencia que a colaboração repressiva entre esses dois países não dependeu exclusivamente da Operação Condor, mesmo tendo sido por ela facilitada mais tarde. O presente estudo pretende demonstrar, a partir da análise de casos de brasileiros presos no Uruguai e de uruguaios presos no Brasil entre 1964 e 1985, como se deu a colaboração repressiva entre esses dois países, à luz da DSN e das práticas de Terror de Estado. [41]

Voltemos-nos, pois, ao estudo da tortura perpetrada na Argentina.

Na Argentina o retrato mais fiel de sua tortura em tempos de ditadura militar encontra-se no filme Garage Olimpo.  Nada mais denotava que a tortura perpetrada por militares durante a ditadura na Argentina (1976-1983). O filme foi dirigido por Marco Bechis.

            Bechisnada mais representa que o filho de uma chilena (Maria) e um italiano, com a sua vida dividida entre São Paulo e Buenos Aires, onde fora apresentado aos horrores da ditadura. Ali vidas eram descartadas feitas papel higiênico, depois de extraídas no laço as informações dos presos.

Assim, quando Maria é transportada feito carga para a sala de cirurgia (um paradoxo em se falar em sala de cirurgias para os locais de práticas de torturas) ela recebe uma venda em seus olhos. O militar que a conduz diz que ela jamais enxergará nada. Agora seu mundo é feito apenas de sons. Sons de horrores imaginários e reais. O grande e maior pecado de Maria foi o de  trabalhar em favelas, onde alfabetizava adultos. Levar educação a um povo que não teria o direito de recebê-la. Povo sem cultura é povo manipulado.  Apenas por essa sua condição  teve a sua casa  invadida por um esquadrão liderado por Tigre, que a leva para o calabouço do inferno.  O filme conta a história de Belchis e suas marcas de tortura na alma. Maria, pois, é levada para a chamada 'Garage Olimpo', gíria interna para designar o local onde será "interrogada". Interrogatório que foi sinônimo de medo, dor, repugnância. Em outras palavras: tortura!

 A Argentina fora marcada por centros clandestinos de detençao compreendido pelas forças armadas e de segurança com o fito de desaparecimento de pessoas orquestrado pela ditadura militar (autodenominada "Processo de Reorganização Nacional") que se valeu do poder na Argentina entre 24 de março de 1976 e a 10 de dezembro de 1983.

As Forças Armadas bipartiam-se em:

  • Lugar de Reunião de Detidos.
  • Lugar Transitório.

O plano do governo simbolizava parcela das operações de contra-insurgência clandestinas, começadas poucos anos antes, no quadro do Operativo Independência, para extirpar a dissidência política. Operativos parecidos foram praticados em outros países da região, com o apoio do governo dos Estados Unidos, interessado em sepultar o  comunismo e outras ideologias no tocante a guerra fria.

Ensina-nos Fernando Almirón em seu livro: La vita pela televisión:

Durante los primeros años de internación en el Roca, mi mamá no podía sacarme del Instituto, porque así era el reglamento. Podía visitarme, pero nada más. No la autorizaban a llevarme con ella si no hacía antes unos trámites: ver al director y pedirle permiso no sé a quién en otro lugar. Como ella trabajaba, no podía cumplir con toda esa burocracia. Después, no sé cómo, mi vieja ya pudo sacarme para que pasemos un día juntos afuera del Roca. (1999). [42]

Importante que se destaque que: os crimes contra o Direito Internacional são cometidos por pessoas, não por entidades abstratas, e somente a punição de indivíduos que cometem tais crimes possibilita a aplicação dos dispositivos do Direito Internacional.

4.2.1- Visualizando a temática da Tortura no Uruguai.

O grande algoz da tortura no Uruguai foi protagonizado por Daniel A Mitrione, conhecido popularmente por Dan Mitrione. Na década de 60 foi servo da polícia brasileira, a escória da tortura militar no Brasil, em que os choques mais cruéis eram aqueles que não deixavam sequer um rastro de amostra em suas vítimas (mendigos, presos e indigentes). É muito fácil torturar aquele que, por si só, é desprovido de defesas pela própria vida. Assim Mitrione levou como bagagem para o Uruguai o que aprendeu de mais tosco no Brasil.

Mitrione compreendia a tortura como ciência e se valia do argumento de autoridade, sendo que os Manuais Kubark leiloavam a tortura como método eficaz de controle social. Infelizmente era perspicaz, seguidor de interesses maiores, quais sejam os interesses norte-americanos e teve muitos seguidores pelo Uruguai a fora, sendo aos olhos do povo tido como o maestro da tortura. Crítica ou elogio? Fica a cargo das mentes daqueles que  viveram, estiveram e presenciaram os seus horrores naquele tempo.

            O seu reinado durou até ser capturado pelos tupamaros no Uruguai, na década de 1931, tendo sido usado pela oposição como moeda de troca na libertação de presos vítimas de suas atrocidades.

O retrato mais fiel da tortura no Uruguai encontra-se no filme denominado Estado de Sítio, que relata toda a vida de Mitrione.

            O filme se passa em Montevidéu, em que Dan Mitrione, reputado como um funcionário americano da entidade AID, é raptado por um grupo de guerrilha urbana de extrema-esquerda mais conhecido como Tupamaros. Dentre outros raptos, destacam-se o de mais duas autoridades; quais sejam, o cônsul Campos, do Brasil, conseguindo escapar a segunda vítima.

É importante que se destaque que no período tido por interrogatório pelos captores encapuzados, Mitrione se reafirma como um simples técnico, mas é colocado em cheque com evidências de que sua real missão real era instruir políciais de vários países sul-americanos, ensinando métodos questionáveis tais como tortura, intimidação e assassinatos sem julgamento, o que levaria a formação de "Esquadrões da Morte", com o consenso pelas autoridades. Enquanto Santore é mantido cativo, os sequestradores negociam com o governo a troca dos reféns por prisioneiros políticos, causando uma grave crise institucional no país.

      Ensina-nos Márcia Carmo: “Os crimes cometidos pelas ditaduras civil-militares de Segurança Nacional permaneceram, por muito tempo, ocultos sob o manto da impunidade. No entanto, ele tem-se encurtado com o passar dos anos e, mesmo que vagarosamente, vem chegando à hora do acerto de contas. Isto pode ser percebido, por exemplo, na Argentina: após a decretação de nulidade das leis de Obediência Devida e Ponto Final, em 2001, cerca de 200 militares estão cumprindo pena pelos delitos que cometeram durante a ditadura.

 No Uruguai, Tabaré Vázquez, que já foi Presidente da República, anulou em fins de fevereiro de 2008 um decreto que garantia aos militares que se amparassem no segredo de Estado para que pudessem se negar a fornecer informações sobre violações dos direitos humanos durante a ditadura, e investigou as “desaparições” de aproximadamente 200 uruguaios”.[44]

 No Brasil, em atenção ao comando constitucional, foi editada a Lei n. 7.716, de 5.1.1989, na qual foram definidos os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, diploma esse que mereceu alteração pela Lei n. 9.459, de 13.5.1997, que ampliou o objeto de tutela, estabelecendo a punição dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. 

O primeiro registro que tem que ser feito é o de que até o advento da lei especifica da tortura, lei que define as modalidades típicas do crime de tortura, até então, havia no direito penal brasileiro, como figura típica autônoma do crime de tortura, a do art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Só havia no Direito Penal Brasileiro um tipo incriminador definindo o crime de tortura que era o antigo 233 do ECA,  cuja constitucionalidade era duvidosa.

O plenário do Supremo Tribunal Federal, em apertada votação, por seis votos a cinco, apenas por um voto de diferença, reconheceu a constitucionalidade desse artigo, mas cinco dos Ministros votaram pela inconstitucionalidade, ao argumento de que o art. 233 do ECA não definia crime, fazendo apenas referência a tortura, sem defini-la. Mas, na atualidade, essa discussão está superada porque a lei 9.455/97 revogou expressamente o art. 233 do ECA pelo seu art. 4º.

Então, anteriormente a vigência da lei 9.455/97 só vigia o art. 233 do ECA, sendo sujeito passivo daquele crime criança ou adolescente. Agora, na vigência da lei 9455/97, é nela que estão definidas as modalidades típicas da tortura.

A Constituição Brasileira, no artigo 1.º, inciso III, estabelece que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Esse princípio, que orienta todo o sistema, deixa bem claro a opção do legislador constituinte de absoluto respeito para com a pessoa e seus predicados, entre esses, a liberdade e a integridade física, valores fundamentais que se encontram abrigados em seu núcleo – traços fundamentais e indissociáveis da dignidade da pessoa e que são violados por ocasião da prática de tortura.

Não bastante isso, a Carta Constitucional prevê, no artigo 5.º, inciso III, que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, também prevendo, no inciso XLIII, que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

Em atenção ao comando constitucional, houve a edição da Lei n. 9.455, de 7.4.1997, que define os crimes de tortura, e tal providência atendeu o artigo 4.º da Convenção contra a Tortura, no qual está estabelecido que “cada Estado-parte assegurará que todos os atos de tortura sejam considerados crimes segundo a sua legislação penal. O mesmo aplicar-se-á à tentativa de tortura e a todo ato de qualquer pessoa que constitua cumplicidade ou participação na tortura”.

A Lei n. 9.455/97, que define os crimes de tortura e dá outras providências, constitui o principal instrumento de combate à tortura.

O artigo 1.º dessa lei define o crime de tortura da seguinte forma:

            “Art. 1”. º. Constitui crime de tortura:

I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental;

  • Com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
  • Para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
  • Em razão de discriminação racial ou religiosa.

II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

            Pena: reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

§ 1. º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança, a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

§ 2. º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos.”

Diferentemente do que a doutrina sugeria o legislador definiu a tortura como crime comum, ou seja, qualquer pessoa e não apenas o funcionário publico, pode ser sujeito ativo do crime de tortura, não há que se falar aqui em crime próprio porque o tipo incriminador não reclama, em regra, condição especial do sujeito ativo.

Essa é a primeira crítica que a doutrina faz a lei 9.455/97: o legislador definiu a tortura como crime comum.

Assim, como podemos observar na figura delitiva prevista no artigo 1.º, inciso I, trata-se de crime comum, podendo ser realizado por qualquer pessoa. Já a figura delitiva do artigo 1.º, inciso II, trata de crime próprio, cometido por quem possui autoridade, guarda ou vigilância sobre a vítima, todavia essa vinculação pode ser de caráter público ou privado, ou mesmo derivar de qualquer poder de fato do agente sobre a vítima. ALEJANDRO DEL TORO MARZAL apóia essa construção típica por entender que “a tortura deve ser castigada em si mesma e por si mesma, em razão de seus detestáveis métodos e por seus fins contrários à liberdade e à dignidade”. [45]

Há aqueles, todavia, que pensam diferente, entendendo que os crimes de tortura devam ser cunhados como crimes próprios, tendo como sujeito ativo o funcionário público ou outra pessoa no exercício de função pública. Nesse sentido, encontramos as opiniões de ALBERTO SILVA FRANCO, CRISTINA DE FREITAS CIRENZA e CLAYTON ALFREDO NUNES, bem como de VIVES ANTÓN: “O que dá substantivação ao delito é o abuso de poder vinculado ao atentado contra as garantias, penal e processual. Os fatos realizados por particulares não podem reunir esses dados característicos e, em qualquer caso, para seu castigo há uma larga série de figuras genéricas”. [46]

Embora haja opinião em sentido contrário, tem prevalecido a possibilidade de reconhecer-se o concurso material entre a tortura e homicídio qualificado: pela tortura porque a tortura que qualifica o homicídio não se relaciona à tortura como crime autônomo. Entendemos correta tal assertiva tendo em vista que se o sujeito está praticando a tortura e, num dado momento, decide eliminar a vida do torturado, é evidente que, nessa situação concreta, houve duas violações distintas, representando a segunda um desvio em relação à primeira: logo, o sujeito quis torturar e, depois, quis matar. Em assim sendo, são duas ações completas e bem definidas a configurar dois delitos, em concurso material: a tortura e o homicídio.

Apesar das críticas, a Lei n. 9.455/97 veio preencher uma lacuna no direito brasileiro, uma vez que definiu os crimes de tortura, configurando um instrumento de real valia na tarefa de eliminar atos de tortura da vida nacional e na construção da dignidade da pessoa, princípio maior a orientar todo o sistema.

4.3 Crianças e Adolescentes.

Iremos agora detalhar os Direitos das Crianças e dos Adolescentes no Brasil no cenário Nacional e Internacional.

A Lei 8.069/90 teve o condão de inovar materialmente o Direito infanto-juvenil em terras brasileiras encampando a doutrina da proteção integral em uma visão pós-moderna no sentido de que crianças e adolescentes, na condição peculiar de seres em desenvolvimento, gozam de per si de direitos condizentes com a especialidade que ostentam. A proteção é integral, pois são sujeitos e não mero objeto de direitos.

O posto de objeto de direitos teve lugar no Código Menorista, já revogado. Tratava-se de um Código Penal do menor em que não havia qualquer direito catalogado, embora as sanções aos seus destinatários fossem as mais variadas possíveis.

A nova teoria, fundada na integral proteção dos direitos infanto-juvenis alicerçou-se jurídica e socialmente na Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, aderida pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, no dia 20.11.90. Não há que se falar em ressalvas brasileiras quanto ao texto, já que o Brasil adotou-o em sua totalidade, o que o fez formalmente pelo Decreto 99.710, de 21.11.90, em ato contínuo ratificando-o pelo Congresso Nacional por força do Decreto Legislativo 28, de 14.09.90.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos ressalta que a criança, por ser uma pessoa em desenvolvimento, deverá ter privilégios quando se tratar do aspecto social, de educação,  do trabalho, de proteção, as saúde, isto é, tem a finalidade de garantir-lhe crescimento saudável em todos os aspectos da vida.

Outro aspecto abordado pela Declaração é o de que a criança deve ter oportunidades e serviços por efeito de lei e de outros instrumentos, com a finalidade, também, de seu desenvolvimento integral.

A “Doutrina da Proteção Integral”, portanto, tem sua origem na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU e foi desenvolvida graças a instrumentos internacionais que lhe deram força e proteção, quais sejam: a Declaração de Genebra, de 1924, no tema os Direitos da Criança; a Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral em 20.11.1959; a Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (arts. 23 e 24); o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, (art.10); estatutos de agências especializadas e das organizações internacionais que defendem o bem-estar da criança.

Declara também, em seu preâmbulo, que “em todos os países do mundo existem crianças vivendo em condições excepcionalmente difíceis”. A Convenção recomendou, por meio de suas normas, a prioridade imediata para a infância. Este princípio tem, sem dúvida, caráter universal ao exigir proteção para as crianças, estando acima de ajustes econômicos, de dívidas dos países em desenvolvimento e outros problemas internos dos países signatários. Devem, pois, os mencionados países signatários dar prioridade à modificação de seus ordenamentos jurídicos nos termos da Convenção.

Para a consolidação do desenvolvimento infanto-juvenil sob o enfoque da doutrina da proteção integral, inseriu-se no texto constitucional de 1998, em seu artigo 227, regra de absoluta prioridade no que toca ao assunto, bem como que sejam garantidos os direitos da criança e do adolescente em quaisquer circunstâncias.

Ensina-nos Edson Motti:

“Os princípios e as concepções relativos à criança e à adolescência, embutidos nesse conjunto de normas internacionais e nacionais, consideravam a doutrina da proteção integral como base e sistema, para garantir os direitos da criança e do adolescente como direitos humanos. As crianças e os adolescentes não são mais considerados menores ou incapazes, mas pessoas em desenvolvimento para se tornarem protagonistas e sujeitos de direitos. [...] A ruptura do Código de Menores situou-se num contexto de forte mobilização popular e política, na mudança da ordem repressora para institucionalização democrática, participativa e descentralizada. [...] O processo de ruptura não se realizou de forma abrupta, mas num constante conflito que reflete a correlação de forças sociais entre os que defendem posições de repressão, assistencialismo, cidadania e outros que defendem o mercado em primeiro lugar, além de existirem aqueles que se impõem pelo narcotráfico. [...] A doutrina da proteção integral está contextualizada num processo histórico de construção de uma nova inconstitucionalidade emergente na sociedade brasileira, em ruptura com as dimensões inerentes a um padrão de relações autoritário, centralizado, repressivo, clientelista e de políticas fragmentadas.” [47]UFMS, p. 27. 2001.

E a pergunta que não quer calar é a de qual momento essa proteção integral a vida é dada ao ser humano às luzes do Estatuto da Criança e do adolescente no Brasil e no mundo?

Com a maestria que lhe é peculiar responde-nos Markus Samuel Leite Norat:

Existem teorias divergentes que tratam do assunto, sendo duas as principais: A teoria concepcionista (após a concepção) e a teoria natalista (nascimento com vida). Nosso entendimento é o seguinte: O Estatuto da Criança e do Adolescente adotou a doutrina da proteção integral, que determina que seja dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Quando trata dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, o ECA dispõe: A criança e o adolescente tem direito a proteção à vida, a saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência, e para permitir o cumprimento deste, assegura, entre outros, o direito ao atendimento pré e perinatal para a gestante. Além disso, a lei 11.804/2008 disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido. Resta, evidenciado, a partir dos exemplos supramencionados, que o ECA determina direitos de proteção à vida desde o período em que o feto está dentro do útero, assim sendo, após a concepção. [48]Edijur, 2011.

O art. 29 da Convenção estabelece os rumos e os parâmetros a serem seguidos para a educação e formação plena da criança. Ele estabelece como a criança deve aprender a respeitar os direitos humanos, as liberdades fundamentais e os princípios consagrados na Carta das Nações Unidas. Indica a diretriz a ser seguida pela criança tendo “vida responsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena, além de consignar a importância de uma educação voltada para o respeito ao meio ambiente.

Outro ponto a ser destacado é o de que a Convenção estabeleceu a proteção aos Direitos da Criança. Foi criado o Comitê dos Direitos da Criança, e este seria um foro internacional para o intercâmbio de ideias, demonstrando os problemas que comprometem a vida de uma criança e, assim, haveria uma maior agilidade para resolvê-los, por meio da troca de ideias entre os participantes do Comitê. Organizações internacionais foram também convidadas a participarem dos debates do Comitê. Assim sendo, sistemas como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) são organismos colaboradores, de acordo com o art. 45 da Convenção.

Por meio de tais informes, o Comitê tem a possibilidade de fomentar o interesse pelos direitos da criança, além de formular sugestões e recomendações, tanto aos Estados-Partes como à Assembléia Geral da ONU.

É importante que se diga que houve, em Nova Iorque, o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança nas Nações Unidas, organizado pela Convenção. Desse encontro resultou a Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança. Esta foi aprovada por mais de 60 países, por intermédio de seus governos, e poderia ser considerada um instrumento de caráter moral muito importante.

Destacaremos alguns pontos fundamentais da proteção dos direitos da criança contidos em nosso ordenamento jurídico.

No art. 227 da CF de 1988 é declarado:

É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, o direito à vida, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Brasil teve várias Constituições e a atual é a única que inclui os interesses das crianças e dos adolescentes de maneira absoluta.

Ensina-nos Wilson Donizeti Liberati:

“O art. 5º do ECA regulamenta a última parte do art. 227 da CF, que visa proteger todas as crianças e adolescentes da negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão e todos os atentados aos seus direitos, quer por ação ou omissão. Os mandamentos constitucional e estatutário tem sua fonte no 9º Princípio da Declaração dos Direitos da Criança, da ONU: A criança gozará de proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será objeto de tráfico, sob qualquer forma. A utilização do Direito pelas crianças e pelos adolescentes torna-se um projeto de educação para as novas gerações e um investimento social de auto-proteção para o homem. Com essa lei civilizatória as crianças e jovens passam a ser sujeitos de direitos e deixam de ser objetos de medidas judiciais e procedimentos policiais, quando expostos aos efeitos da marginalização social decorrente da omissão da sociedade e do Poder Público, pela inexistência ou insuficiência das políticas sociais básicas”.[49]Liberati, 2006.

Sem dúvida, dentro de suas limitações, a política brasileira tem em muitos aspectos se interessado na valorização dos direitos humanos e, em particular, nos direitos da infância e do adolescente.

O Programa Nacional de Direitos Humanos, apresentado em 1996, no que interessa à criança e ao adolescente, especificou metas para que houvesse a aplicação dos dispositivos normativos e para a atuação governamental.

4.4 -  Crimes sexuais.

O abuso sexual de crianças e adolescentes tem chocado o mundo, afetando, pois, a comunidade internacional. No Egito, seu Presidente criou um Comitê específico para o combate de crimes sexuais, no tocante a prevenção do crime de estupro, realizado contra as mulheres por soldados locais, afirmando ser o estupro um crime de agressão que constitui crime politicamente orientado.

No Brasil, a ex Presidente Dilma sancionou uma lei em que o estupro realizado contra crianças e adolescentes se tornou crime hediondo. (PL 7.672 de 2010).

Tais crimes encontram-se, em sua maioria, tipificados no Brasil na lei 12.015 de 7 de agosto de 2009.

O nosso estudo inicial faz-se pela digressão acerca do crime de estupro, com as modificações oriundas da lei 12.015 de 7 de agosto de 2009. Antes mesmo de sua publicação em 2009, o Código Penal, no tocante aos crimes contra a liberdade sexual já havia sofrido alteração pela lei 11.106 de 2005, que dentre outras coisas, teve o mérito de revogar alguns pontos mal explicados e, portanto, mal interpretados dentro do sistema.

A alteração substancial da lei 12.015/2009 teve por finalidade atingir o próprio título VI do Código Penal; ou seja, alterou a proteção ao próprio bem jurídico que, até então se cingia aos costumes. Os costumes: refletem os hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale o mesmo, a conduta sexual adaptada à conveniência e disciplina sociais. O que a lei penal se propõe tutelar, in subjecta matéria, é o interesse jurídico concernente à preservação do mínimo ético reclamado pela experiência social em torno dos fatos sociais.

O legislador se viu na responsabilidade de ampliar essa proteção, já que não era mais suficiente a proteção aos costumes de uma dada sociedade. Fez-se necessário que o mesmo olhasse para o homem como sujeito de direitos e deveres. Houve, pois, a substituição da nomenclatura crimes contra os costumes para crimes contra a dignidade sexual, fruto da mudança substancial ao próprio bem jurídico tutelado penalmente. Hoje a tutela se amplia para abarcar a dignidade e o desenvolvimento sexual, bem como a liberdade sexual.

Não se visa o estudo aqui pura e simplesmente a uma ponderação de uma dignidade mínima para relações sexuais, e sim, garantir-se a liberdade de opção de escolha dos parceiros em uma relação sexual, pois a liberdade de opção implica na própria liberdade de se desenvolver sexualmente e vice e versa.

Dissecando o artigo 13 do Código Penal iremos notar a total modificação de sua redação, tornando-a mais ampla. Isso em razão de que em um passado não muito remoto havia no cenário jurídico-penal dois crimes; quais sejam: o estupro e o atentado violento ao pudor. Diante das muitas nuances e controvérsias do sistema jurídico o legislador se fez entender incorporando o artigo 214, do CP (que versava sobre o atentado violento ao pudor) ao artigo 213, do CP (que versava unicamente em sua redação original sobre o crime de estupro). Eram, pois, estanques as condutas de constranger e causar grave ameaça à mulher para manter com a mesma conjunção carnal e a figura distinta de constranger alguém a praticar atos libidinosos ou permitir tais práticas com esse mesmo alguém, mediante violência ou grave ameaça. Condutas estanques em tipos autônomos.

 É importante frisar que a nova lei revogou o tipo do art. 214 do CP, todavia, não revogou o crime de atentado violento ao pudor. Assim vem se pronunciando a jurisprudência dos Tribunais Superiores Brasileiros. Apenas se mudou a nomenclatura para crime de estupro, mas a conduta continua a ser delituosa. Reuniram-se num crime único tais condutas. Citamos, pois, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto. Vejamos:

Processo

HC 150121 / SP HABEAS CORPUS 2009/0197940-6

Relator(a)

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131)

Órgão Julgador

T6 - SEXTA TURMA

Data do Julgamento

05/02/2013

Data da Publicação/Fonte

DJe 15/02/2013

Ementa

HABEAS CORPUS. ANTIGO ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA MENOR DE 14 ANOS. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM GRAU DE APELAÇÃO. VIA INDEVIDAMENTE UTILIZADA COMO UM RECURSO INOMINADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ESPECIAL CABÍVEL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. NÃO CONHECIMENTO. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. RELATIVA OU ABSOLUTA. MATÉRIA NÃO DECIDIDA NA ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA DESCABIDA. ABOLITIO CRIMINIS COM A SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.015/2009. INEXISTÊNCIA.

  •    Mostra-se inadequado e descabido o manejo de habeas corpus como um recurso inominado, em substituição ao recurso especial cabível.É imperiosa a necessidade de racionalização do writ, a bem de se prestigiar a lógica do sistema recursal, devendo ser observada sua função constitucional, de sanar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em coação ou ameaça à liberdade de locomoção."O habeas corpus é garantia fundamental que não pode ser vulgarizada, sob pena de sua descaracterização como remédio heróico, e seu emprego não pode servir a escamotear o instituto recursal previsto no texto da Constituição" (STF, HC 104.045/RJ). Hipótese em que não há flagrante ilegalidade a ser reconhecida.Limitando-se o acórdão atacado a dizer ocorrente o crime, com base nas provas dos autos, sem emitir qualquer juízo acerca da presunção de violência do delito, se relativa ou absoluta, não há como conhecer do assunto, sob pena de indevida supressão de instância.Embora o art. 214 do Código Penal tenha sido   revogado, a figura típica nele definida (atos libidinosos diversos da conjunção carnal) encontra-se, desde a Lei nº. 12.015/2009, definida no art. 213 com o nome de "Estupro". A antiga combinação com o art. 224, agora está no art. 217-A, denominada "Estupro de vulnerável". Não há, portanto, falar em abolitio criminis. Precedentes desta Corte. Habeas corpus não conhecido.

Inexistente a abolitio criminis, ou seja, que uma lei posterior deixou de considerar crime o que a lei anterior definia como sendo. Raciocinar de tal modo seria uma falácia, por aniquilar-se o princípio da continuidade normativo-típica, que rege todo o sistema jurídico. O que se deu foi um reles deslocamento da figura típica do artigo 214 do CP para o artigo 213 do CP.

Com maestria relata-nos Nucci:

A modificação introduzida pela Lei 12.015/2009, no cenário do estupro e do atentado violento ao pudor, foi produto de política criminal legislativa legitima, pois não há crime sem lei que o defina, cabendo ao Poder Legislativo e sua composição. [...] Em primeiro lugar, deve-se deixar claro que não houve uma revogação do art. 214 do CP (atentado violento ao pudor) como forma de abolitio criminis (extinção do delito). Houve uma mera novatio legis, provocando-se a integração de dois crimes numa única figura delitiva, o que é natural e possível, pois similares. Hoje se tem o estupro, congregando todos os atos libidinosos (do qual conjunção carnal é apenas uma espécie) no tipo penal do art. 213. Esse modelo foi construído de forma alternativa, o que também não deve causar nenhum choque, pois o que havia antes, provocando o concurso material, fazia parte de um excesso punitivo não encontrado em outros cenários de tutela penal a bens jurídicos igualmente relevantes”.[50] p. 816. 2009.

O artigo 213 do CP inchou-se, ficou agigantado, tão somente. Houve migração, movimento do tipo que saiu de um artigo para juntar-se a outro, e não abolição do crime. Afinal, o rótulo (nomen iuris de atentado violento ao pudor para estupro) não muda a substância das coisas (condutas praticadas). A conduta e a forma do artigo 214 do CP foram incorporadas pelo artigo 213 do CP. Não reside mais a nomenclatura do atentado violento ao pudor, mas a conduta restou intacta.

É cediço que o estupro é um crime praticado mediante violência ou grave ameaça e, em assim sendo, em havendo o consentimento da vítima não há que se cogitar na figura penal do estupro. Haverá, pois, uma violência física ou uma violência moral; mas violência haverá! Logo, incompatível vislumbrar o consentimento na violência ínsita ao tipo.

É importante que se registre a finalidade da violência praticada; qual seja a conjunção carnal ou ato libidinoso diverso da mesma. Assim, com o agigantamento da finalidade da violência num único tipo o crime de estupro que antes era dogmaticamente classificado como um crime próprio (que demandava uma qualidade especial do sujeito passivo; qual seja: mulher), agora, sofre modificação substancial para crime comum (podendo ser praticado contra qualquer pessoa: homem ou mulher). O termo alguém inserido pela nova legislação engloba tanto o homem como a mulher.

Diga-se de passagem, que em um passado nem tão remoto assim apenas o homem poderia figurar como sujeito ativo do crime, e como sujeito passivo do mesmo apenas a mulher; tendo em vista o tipo imperativo que obrigava a mulher a manter relação carnal com o seu parceiro. Contudo, com a alteração legislativa nos tempos de hoje a mulher poderá manter relação carnal com o homem e vice e versa; o que implica dizer que tanto um quanto o outro serão, pois, autores de estupro. Por mais paradoxal que isso possa parecer o homem hoje poderá ser o sujeito passivo do crime de estupro, ainda que por um machismo exagerado nunca se revele como tal!

Mas a história nos revela que as coisas não eram tão simples quanto pareciam ser. Visualize o leitor o seguinte caso concreto: uma mulher que coagisse o homem a com ela manter conjunção carnal. Até o advento da atual legislação sobre o tema o alcance penal era restrito tão só para a mulher; já que esta era o único sujeito passivo daquele crime (vítima). Isso por que era inimaginável que na década de 40 uma mulher poderia constranger o homem a manter consigo uma relação carnal; o que não se revela condizente com a realidade atual. Veio o legislador com o novo diploma legal atender aos anseios de uma sociedade sufocada por injustiças.

O estupro protege a dignidade, liberdade e o desenvolvimento sexual. Isso implica que só haverá a tutela penal quando houver conjunção carnal ou mesmo a prática ou permissão da prática de ato libidinoso quando houver consentimento. Na estrutura do delito só haverá consumação de crime quando a vítima não consentir, vista a exigência estrutural de violência ou grave ameaça. Todavia, o fato de a vítima não consentir não implica em exigir da mesma a sua resistência permanente. A violência e a grave ameaça viciarão o consentimento, já que ninguém é obrigado a sacrificar a vida apenas para obter uma tutela penal.

Assim, o consentimento, inicialmente, é viciado em razão do emprego da violência física ou mesmo do emprego da grave ameaça (violência moral). Não necessariamente a resistência perdurará durante todo ato sexual. Em havendo constrangimento pela violência ou grave ameaça que resulte em conjunção carnal com outrem o emprego da violência, por si só, já afasta a capacidade de resistência. Assim, consentimento e resistência são termos que não se confundem.

A interpretação da resistência deve se dar no seguinte sentido: a resistência deve ser apta e capaz a demonstrar a falta de consentimento, o que não significa que o sujeito necessariamente resista por dar a própria vida. Independentemente da resistência, o crime de estupro restará consumado. Contudo, há casos verídicos em que por jogo de sedução a vítima resiste e, posteriormente vem a consentir na prática do ato. Não há que se falar aqui em crime de estupro. A resistência, boa parte das vezes, faz parte do jogo de sedução.

Depende da análise do caso concreto para que a resistência configure crime de estupro, sob pena de violação ao princípio constitucional da proporcionalidade, em que se impõe pena grave a fato que não deveria merecer reprimenda penal. A resistência deve ser objetiva, apenas no sentido de a vítima negar-se a conjunção carnal.

Há que se observar que conjunção carnal, que não se confunde com resistência, limita-se tão somente com a introdução do pênis na vagina da mulher. Já o ato libidinoso se configura como qualquer outro ato que esteja relacionado com a lascívia do agente. Assim, um beijo, um tatear ou mesmo um apalpar podem configurar-se em ato libidinoso, a depender do caso concreto, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade. Seria desarrazoado se imaginar que um beijo demorado levaria a uma pena por crime de estupro. Haveria, pois, desproporcionalidade entre a ação (beijar) e a sanção (pena). Deve-se observar até que ponto o bem jurídico foi violado.

Perpassando pelo estudo do artigo 213 do CP iremos verificar que, além de ter conjunção carnal, a vítima praticará ou permitirá que com ela se pratique outro ato libidinoso. Dessa forma, a vítima poderá ter uma posição dúplice no sentido criminológico: faz ou sofre a ação. Note o leitor a descrição típica: praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Assim, o sujeito passivo do crime poderá praticar ou mesmo permitir que o ato libidinoso seja praticado nele. Quando o pratica o faz sobre o seu próprio corpo ou de outrem. De maneira que há a possibilidade do sujeito ativo constranger a vítima a praticar o ato libidinoso no corpo do sujeito ativo. O exemplo crucial é quando o agente obriga a vítima a masturbá-lo ou mesmo a masturbar-se.

A dificuldade residirá no instante em que o agente constrange a mulher a praticar o ato libidinoso sobre o seu próprio corpo enquanto ele fica a contemplar aquela atividade sexual. Restará configurado o crime de estupro nesse caso, mas o contrário não se mostra verdadeiro, ou seja, quando o agente constrange a vítima a contemplá-lo quando o mesmo se masturba não há que se falar em estupro, mas tão só em constrangimento ilegal. O leitor deve se atentar para esse fato e para responder se há estupro deve se perguntar: de quem é a masturbação?

Se for do agente sádico não haverá estupro, se for da vítima sob os auspícios de constrangimento haverá. Muito embora a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça venha exigindo o contato físico para a configuração do crime de estupro, nessa hipótese específica de masturbação da vítima ameaçada, a regra geral é excepcionada. O contato físico é exigido, mas quando o agente constrange a vítima a se masturbar para o seu deleite haverá estupro, mesmo sem haver o contato físico.

Atente o leitor que o contato físico será imprescindível somente quando estivermos diante das figuras de ter, praticar ou permitir a conjunção carnal ou ato libidinoso, o que não se estende a vítima de ter de praticar atos libidinosos sobre o seu próprio corpo.

Vamos nos debruçar agora sobre a ontologia do estupro. Até o advento da lei 12.15/2009 nós tínhamos no crime de estupro conjugações no seguinte sentido. A prática dos crimes dos artigos 213 e 214 c.c o art. 223, do Código Penal. Em outras palavras: o estupro qualificado, bem como o atentado violento ao pudor qualificado recebia as penas tipificadas no artigo 223 do CP. Com a publicação da lei 12.015/2009 houve, pois, uma alteração no tipo do artigo 213, bem como a revogação do artigo 223; ambos do Código Penal.

Na atualidade, o estudo do estupro, em suas raízes, buscou transcrever em seus parágrafos a forma qualificada, até então esculpida no artigo 223 do CP, embora não haja a reprodução do artigo integralmente falando. Assim, hoje, o crime de estupro em sua forma qualificada está previsto em seu próprio tipo. Haverá a forma qualificada do crime de estupro quando da conduta do agente resultar: lesão grave ou a vítima for menor de 18 anos e maior de 14 anos. Essa segunda hipótese é uma inovação legislativa, motivo pelo qual dissemos acima que o artigo 223 fora transportado, mas não reproduzido ipis literis no artigo 213 do CP.

No que diz respeito ao Tribunal Penal Internacional a correlação entre o estupro e o crime de guerra, há que se ressaltar que o estupro foi considerado um crime de guerra, nas bases definidas do Tribunal Penal Internacional, figurando, pois como um dos cinco tipos que compõem o crime de guerra, ao argumento de que o estupro perpetrado na guerra e quase tão antigo quanto à própria guerra.

Em artigo sobre as vítimas ignoradas nas guerras, publicado em periódico na revista eletrônica Carta da Capital destacou-se o seguinte:

Teoricamente, as convenções de Genebra sobre tratamento dos civis durante a guerra são respeitadas por políticos e generais na maioria dos países civilizados. Mas no caos da guerra irregular, com exércitos privados ou milícias indisciplinadas, essas normas têm pouco peso. A parte oriental do Congo tem sido caó­tica desde o genocídio em Ruanda, em 1994. Em 2008, o grupo humanitário Comitê de Resgate Internacional (IRC, em inglês) estimou que 5,4 milhões de pessoas­ já tinham morrido na “guerra mundial da África”. Apesar dos acordos de 2003 e 2008, a violência ainda não cessou. Há muitos números sobre quantas mulheres foram violadas, nenhum conclusivo. Em outubro de 2010, Roger Meece, chefe das Nações Unidas no Congo, disse ao Conselho de Segurança da ONU que 15 mil mulheres tinham sido estupradas em todo o país em 2009 (os homens também sofrem, mas a maioria das vítimas é de mulheres). O Fundo para a População da ONU estimou 17,5 mil vítimas no mesmo período. O IRC diz que tratou 40 mil sobreviventes somente na província de Kivu Meridional, entre 2003 e 2008. Hillary Margolis, que dirige o programa de violência sexual do IRC, diz que esse dado representa um piso. Os verdadeiros números podem ser muito maiores. Sofia Candeias, que coordena o projeto Acesso à Justiça do Programa de Desenvolvimento da ONU no Congo, diz que violações são mais relatadas em lugares com serviços de saúde. Onde a luta é mais acirrada, as mulheres podem ter de caminhar centenas de quilômetros antes de contarem a alguém que foram atacadas e, até lá, podem ter-se passado meses ou anos. Muitas vítimas são mortas pelos atacantes, ou morrem dos ferimentos causados. Muitas não relatam o estupro por causa do estigma[51].

4.5 - Índios e Genocídio

Por fim, também é crime que lesa a humanidade a violação contra os direitos dos povos indígenas. De grande comoção foi o caso 7615, relativo à violação dos direitos dos povos indígenas no Brasil, particularmente, da comunidade Yanomami, em 1980. Este caso se distingue dos demais por ser o primeiro caso submetido por organizações não governamentais de âmbito internacional contra o Brasil. Nesta denúncia, afirmaram que os direitos dessas populações à vida, à liberdade, à segurança, à saúde e bem-estar, à educação, ao reconhecimento da personalidade jurídica e à propriedade havia sido afrontados pelo Governo do Brasil.

Grande marco do genocídio em cenário mundial foi o massacre em massa de índios americanos. Na marcha para a conquista do Oeste os Estados Unidos da América, em formação, massacraram e dizimaram milhares de índios que ocupavam a região, até então cobiçada. O desejo maior, até então, se lastreava no desejo de uma América que pertencesse apenas aos americanos. Muito sangue fora derramado para que tal viesse a ocorrer, muitas vidas indígenas ceifadas em prol de uma ideologia seletista e ultrapassada.

Preleciona Flávia Piovesan: “O povo Yanomami, com uma população de 10.000 a 12.000, viviam em terras que ocupavam o território do Estado do Amazonas e de Roraima. Devido ao plano do Governo de explorar economicamente a região, os indígenas estavam sendo impelidos a abandonarem suas terras. Diante desse quadro, no período entre 1979 e 1984 esforços foram empenhados para demarcar as terras dos Yanomami. Em 1982, sob pressão internacional, o Governo brasileiro declarou interdição de uma área de Roraima e do Amazonas para os povos Yanomamis. Em 1984, expediu-se um decreto prevendo a definição do chamado “Parque dos Índios Yanomais”, que corresponderia ao território desses índios. Esses fatos, no entendimento dos peticionários implicaram a violação dos direitos fundamentais dos Yanomamis, pois a devastação deixou sequelas físicas e psicológicas, doenças e mortes com a destruição de centenas de índios, o que estava a levar a extinção daquela comunidade.

A comunicação dos peticionários resultou no pedido de informações ao governo brasileiro que respondeu tecendo comentários sobre o estatuto legal dos índios no Brasil, seus direitos civis e políticos e projetos do Governo para estender a proteção aos índios e suas terras. À luz dessas considerações, a Comissão Interamericana resolveu declarar que “há provas suficientes para declarar que, em face do fracasso do Governo do Brasil em adotar medidas tempestivas e efetivas concernentes aos índios Yanomamis, caracteriza-se a violação dos seguintes direitos reconhecidos pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem: o direito à vida, à liberdade, à segurança, do direito à residência e ao movimento, e do direito à preservação da saúde e bem-estar”. A Comissão resolveu ainda recomendar ao governo brasileiro que adotasse medidas de proteção à vida dos Yanomamis, procedesse à demarcação do “Parque dos Yanomamis”, conduzisse programas de educação, proteção médica e integração social dos Yanomamis e informasse a Comissão sobre as medidas adotadas em cumprimento às recomendações. “Além do caso 7615, foi submetido à Comissão Interamericana o caso 11745, que denunciou a chacina de dezesseis índios Yadnomamis em junho de 1993, em razão da negligência e da omissão do governo brasileiro”. [52]São tais ataques indígenas sofridos pela comunidade internacional como um todo, na medida em que a proteção a vida humana é objeto a que integram a segurança e justiça internacionais.

Nossa conclusão acerca da temática correlacionada à prática de crimes sancionados pelo Tribunal Penal Internacional, que são tanto os direitos das crianças e dos adolescentes, como os crimes sexuais, como o massacre aos direitos indígenas é a de que os mesmo dão azo aos crimes de guerra, na medida em que efetuam uma limpeza étnica, já que procuram varrer do planeta, a qualquer preço, o ser humano, ceifando os seus direitos mais elementares. Para tanto, se faz necessária não só a tipificação ao crime de guerra como um todo, que nada mais simboliza que a consequência maior de violação a tais bens jurídicos, mas necessário, primordialmente, que se tipifique condutas que o antecedem, como um mecanismo de prevenção ao sistema, pois de nada adianta acudir as consequências se as causas que o dão suporte de validade continuarem ocorrendo em grande massa, de maneira descontínua, como vem diuturnamente estampadas nas manchetes de jornais do mundo inteiro. Sem acudir as causas de pouco vale acudir as consequências, já que as violações não irão cessar.


CAPITULO 5 - O TPI e a Constituição da República Brasileira.

Enfatize-se que a Constituição de 1988, marco jurídico da institucionalização dos direitos humanos e da transição democrática no país, ineditamente consagrou o primado do respeito aos direitos humanos como paradigma propugnado para a ordem internacional. Esse princípio invoca a abertura da ordem jurídica brasileira ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, exige nova interpretação de princípios tradicionais, como a soberania nacional e a não intervenção, impondo a flexibilização e relativização desses valores. Se a prevalência dos direitos humanos é princípio a reger o Brasil no cenário internacional, conclui-se que se admite a concepção de que os direitos humanos é tema global para a CF/88. Trata-se um tema de legítima preocupação e interesse da comunidade internacional.

Os princípios contêm primazia às regras e resta inequívoco o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a proibição à execução da pena de caráter perpétuo é voltada somente à lei interna do país, não competindo ao Brasil impor este entendimento no que toca às outras jurisdições independentes.

O Texto democrático inova em relação às demais constituições quando estabelece um regime jurídico diferenciado aplicável aos tratados internacionais de direitos humanos. Por força do art. 5º, § 2º da CF, todos os tratados internacionais de direitos humanos, independentemente do quorum de sua aprovação, são materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade. O quorum qualificado introduzido pelo § 3º do mesmo artigo (fruto da Emenda Constitucional nº. 45/2004), ao reforçar a natureza constitucional dos tratados de direitos humanos, vem a adicionar um lastro formalmente constitucional aos tratados ratificados, propiciando a “constitucionalização formal” dos tratados de direitos humanos no âmbito jurídico interno. Nesta hipótese, os tratados internacionais de direitos humanos formalmente constitucionais são equiparados às emendas à Constituição, isto é, passam a integrar o Texto Constitucional. Conclui-se, que a Constituição de 1988 acolheu um sistema misto, que combina regimes jurídicos diferenciados: um aplicável aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos e outro aplicável aos tratados internacionais tradicionais.

A conclusão da existência desse sistema diferenciado em relação aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos é uma consequência de uma interpretação axiológica e sistemática da própria Constituição, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compensação do fenômeno constitucional. Com esse raciocínio se conjuga o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, particularmente das normas concernentes a direitos e garantias fundamentais, que hão de alcançar a maior carga de efetividade possível. Já em favor da natureza constitucional dos direitos enunciados nos tratados internacionais, adicione-se também o fato de o processo de globalização ter implicado a abertura da Constituição à normatização internacional. Tal abertura acarreta a incorporação de preceitos ao bloco de constitucionalidade. Em suma, todos esses argumentos se reúnem no sentido de endossar o regime constitucional privilegiado, conferido aos tratados de proteção de direitos humanos.

Quanto ao impacto jurídico do Direito Internacional dos Direitos Humanos no Direito Brasileiro, acrescentem-se que os direitos internacionais, por força do princípio da norma mais favorável à vítima, que assegura a prevalência da norma que melhor e mais eficazmente proteja os direitos humanos, apenas vêm a aprimorar e fortalecer, jamais a restringir ou deliberar, o grau de proteção dos direitos, consagrados no plano normativo constitucional. A sistemática internacional de proteção vem, ainda, a permitir a tutela, a supervisão e o monitoramento de direitos por organismos internacionais.

Em data de março de 2003, por ordem do ex Presidente Lula, o Ministro Celso Amorim chefiou a delegação brasileira à sessão inaugural do Tribunal Penal Internacional e, logo após, fez a seguinte avaliação:

A entrada em operação do Tribunal Penal Internacional constitui um passo encorajador [...]. Ao comparecer a sua inauguração, em princípios de março, pude não somente cumprimentar a brasileira Sylvia Steiner, eleita Juíza do Tribunal, como expressar o apoio do Governo brasileiro ao aparelhamento do direito internacional para reduzir a margem de impunidade para perpetradores de crimes contra a humanidade. É um instrumento importante, cuja aplicação não deve comportar restrições ou tratamentos excepcionais·.

Passemos, pois, a análise da questão de sua ratificação e o direito interno brasileiro.

Trata-se a ratificação de forma de expressão de consentimento sucessiva à assinatura do tratado, ou seja, denota a manifestação de assentimento da autoridade incumbida para tanto, revelando, pois, externamente a vontade de obrigar-se em seara internacional. Confere assim uma maior segurança no que tange as relações internacionais, propiciando, dessa feita, um maior controle democrático ao Estado visto sob o aspecto interno e externo.

As nuances preliminares a serem destacadas concernem à entrega de nacionais pátrios ao Tribunal Penal Internacional, disposição essa tipificada no art. 89, parágrafo primeiro, do Estatuto de Roma; segundo a qual o Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega de um cidadão a qualquer Estado em cujo território a mesma se encontre, e solicitar a cooperação estatal no que toca a detenção e entrega da pessoa em tela, sendo, pois obrigatório aos Estados-partes o dever de prestar satisfação ao Tribunal em face de tais pedidos, em consonância com o Estatuto bem como com o seu direito interno.

Há que se atentar que o proibido pela Constituição da República Federativa do Brasil é a extradição de brasileiro nato e não a entrega. Entrega não se confunde com extradição. A entrega de uma pessoa (qualquer que seja a sua origem: nacionalidade e lugar onde resida) ao Tribunal Penal Internacional consiste ao mero repasse do indivíduo a uma jurisdição estrangeira competente para julgá-lo e puni-lo, se necessário for. Em outras palavras: submete-se o acusado ou condenado à própria justiça, ainda que sob os auspícios de uma instância internacional.

Antonio Cassese, com a maestria que lhe é peculiar, expõe acerca da extradição de nacionais, ressaltando que ao longo dos anos não foi admitida pela comunidade internacional, pelo medo de que a entrega não garantisse os direitos do individuo em questão, cessando, contudo, com a criação do Tribunal Penal Internacional:

O caráter ultrapassado dessa tradição jurídica revelou-se por meio das atividades dos Tribunais Penais Internacionais. Muitas vezes, quando o procurador do Tribunal Penal Internacional de Haia pedia ao Estado em questão que lhe entregasse um de seus cidadãos acusado de crimes internacionais, o Estado entrincheirava-se através de sua Constituição que lhe proibia a extradição. Essa recusa é ainda mais absurda porque acabava garantida a impunidade de pessoas acusadas de crimes muito graves. A resposta constante dos juízes internacionais foi dupla. Primeiro, em virtude de um bem consolidado princípio de direito internacional, os Estados não podem invocar sua legislação, nem mesmo constitucional, para se furtarem a uma obrigação internacional. Essa objeção é, obviamente, tradicional. Outra, ao contrário, é inovadora. Consiste em dizer que as regras constitucionais em questão deveriam ser aplicadas no máximo às relações entre Estados soberanos, e não às relações entre um Estado e uma jurisdição penal internacional. As relações entre Estados são baseadas no princípio de igualdade formal; já entre um Estado e uma jurisdição internacional inspiram-se, ao contrario, no princípio hierárquico. Por conseqüência, enquanto entre Estados podemos falar de extradição do acusado, entre um Estado e um Tribunal Penal Internacional seria mais adequado falar em entrega do acusado. Acrescentamos que, em qualquer caso, os direitos do acusado são plenamente respeitados diante das instâncias judiciárias internacionais, e, portanto a proteção do Estado nacional deixa de ter sentido. [53]

Resta consagrado no texto constitucional brasileiro, nas disposições de seu art. 5º, LI e LII, que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”; e também que: “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. Tais dispositivos constituem direitos fundamentais dos países, constituem, pois, cláusulas pétreas e não podem ser modificados por legislação infraconstitucional face ao seu elevado grau de estabilidade dentro do sistema.

Já o instituto da extradição, ensina-nos Jacob Dolinger: “é o processo pelo qual um Estado atende ao pedido de outro Estado, remetendo-lhe pessoa processada no país solicitante por crime punido na legislação de ambos os países, não se extraditando, via de regra, nacional do país solicitado”.[54]

Por tais razões é que o Estatuto de Roma, levando em conta disposições semelhantes de vários textos constitucionais modernos faz diferença ontológica entre os termos entrega e extradição. Nas precisas palavras de Chapus de Medeiros: “a diferença fundamental consiste em ser o Tribunal uma instituição criada para processar e julgar os crimes mais atrozes contra a dignidade humana de forma justa, independente e imparcial. Na condição de órgão internacional, que visa realizar o bem estar da comunidade mundial, porque reprime crimes contra o próprio Direito Internacional, a entrega do Tribunal não pode ser comparada à extradição”. [55]

Daí estar correta a assertiva de que o ato de entrega é aquele realizado pelo Estado a um tribunal internacional de jurisdição permanente, diversamente do instituto da extradição, que é feita de um Estado a outro, a pedido deste, em plano de absoluta igualdade em relação a indivíduo nesse último processado ou condenado e lá refugiado. Em outras palavras: a extradição envolve sempre dois Estados soberanos, sendo ato de cooperação entre ambos na repressão internacional de crimes, diversamente do que o Estatuto de Roma chamou de entrega, em que a relação de cooperação se processa entre um Estado e o próprio Tribunal.

Já no que concerne a pena de prisão perpétua, outro instituto de grande celeuma por trazer em seu bojo aparente antinomia entre a Lei Maior do País e o disposto no Estatuto de Roma.

Dispõe o Tratado de Roma em seu art. 77, b:

  • Se o crime for extremamente grave e considerando as circunstancias pessoais do condenado caberá prisão perpétua.
  • Dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, XLVII: “Não haverá penas: de caráter perpétuo”.

Vale ressaltar que a respectiva previsão constitucional pátria nem mesmo pode ser alterada por emenda constitucional, tendo em vista tratar-se de cláusula pétrea, direito e garantia fundamental do indivíduo. E já que o Estatuto de Roma não admite ratificação, assinatura e adesão com reservas pelos países o problema parece insolúvel. Mas afirmamos: tal conflito é meramente aparente e não real.

A origem da regra esculpida pelo Tribunal Penal Internacional descende aos Tribunais de Nuremberg e Tóquio, onde se estabeleceu a pena de morte, tendo continuidade aos Tribunais ad hoc para a antiga Iugoslávia e Ruanda, que previam não a pena de morte, mas a pena de prisão perpétua, em uma clara gradação da pena de morte dos Tribunais de Nuremberg e Tóquio. Com um rigor ainda menor (gradação), chega-se ao Tribunal Penal Internacional onde a pena de prisão perpétua ficou restrita a crimes de extrema gravidade, e ainda assim com a possibilidade de revisão decorrida 25 ( vinte e cinco) anos, nos termos do art. 110 do Tratado de Roma.          

Vamos finalizar a análise do tema com o estudo do rol do artigo 4º da CR que preceitua que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

  • Autodeterminação dos povos;
  • Não intervenção; É o respeito à soberania dos povos.
  • Igualdade entre os estados; Essa igualdade entre os estados é exatamente o supedâneo de validade da imunidade de jurisdição. O que dá legitimidade a imunidade de jurisdição é essa igualdade entre os estados. O estado acreditante, aquele que envia a representação diplomática não se submete ao poder de império jurisdicional perante o estado acreditado.
  • Defesa da paz; forças brasileiras estão no Haiti promovendo a da paz.
  • Solução pacífica dos conflitos; o Brasil um país pacifista.
  • Repúdio ao terrorismo e ao racismo;
  • Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
  • Concessão de asilo político.

A respeito do asilo político ou refúgio há que se ressaltar que o asilo e o refúgio têm caráter humanitário, só que há distinções técnicas entre um e entre outro. A concessão do status de refugiado é ato declaratório. O refúgio tem caráter declaratório. A condição de refugiado precede o seu reconhecimento. Ou seja, se enquadra em algum ponto da definição básica e internacionalmente consagrada de refugiado. Tanto as convenções internacionais quanto a Lei 9.474/97 consideram refugiados todos aqueles que tenham fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. Há um elemento subjetivo que é o temor e um objetivo que é a perseguição. Já a outorga da condição de asilado é ato constitutivo. O asilo tem natureza de ato constitutivo. Sua concessão é uma decisão política. É um ato de soberania. O ato que concede o asilo prescinde e independe de motivação e exposição de critérios.  O estado asilante não se compromete com princípios fundamentais do refúgio, por exemplo, o da não devolução. Por conseguinte o grau de proteção no asilo é mais brando.

A Constituição Federal de 1988, nos termos do artigo 1.º, inciso III, impõe o valor da dignidade humana. “A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. Na ordem de 1988, esses valores passam a ser dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por todo universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional”.

            O artigo 5.º da Constituição Federal de 1988 afirma que os direitos e garantias nela expressos “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Incluiu, pois, entre os direitos protegidos pela Constituição Federal, os direitos determinados nos tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário.

Ao considerarem-se, portanto, os tratados internacionais, ratificados pelo Estado brasileiro, podem listar inúmeros direitos neles enunciados, que passam a fazer parte do Direito brasileiro. Esses direitos são declinados não de maneira taxativa, mas de forma exemplificativa. Logo, o Direito Internacional dos Direitos Humanos torna abrangente o universo dos direitos constitucionais assegurados.

Conclui-se, pois, que os tratados internacionais de direitos humanos garantem sua imperatividade jurídica, ora adicionando novos direitos, ora suspendendo preceitos que sejam menos favoráveis à proteção dos direitos humanos. Em todas essas hipóteses, os direitos internacionais constantes dos tratados de direitos humanos apenas vêm a aprimorar e fortalecer, nunca restringir ou debilitar, o grau de proteção dos direitos consagrados no plano normativo constitucional.

Isto posto, a nosso sentir, tendo em vista a argumentação por nós aqui esposada consideramos como altamente superáveis os entraves constitucionais brasileiros para a validez do Estatuto de Roma, dentre os quais foram pontuados a ausência de coisa julgada, a prisão perpétua, a extradição de nacionais e estrangeiros, a imprescritibilidade de crimes e a ausência de imunidade de determinados agentes públicos. Ratificando o Tratado de Roma, o Brasil cumpre a sua vocação de Estado Democrático de Direito que preserva, acima de tudo, a dignidade dos que estão englobados em suas fronteiras, numa sociedade livre, justa e solidaria, que visa promover o bem de todos, regendo-se em suas relações internais pela obediência aos princípios que dão primazia aos Direitos Humanos e defesa da paz para um maior progresso da humanidade.


CONCLUSÃO

Trata-se de uma vontade antiga a de criação de um Tribunal Penal Internacional permanente, com personalidade jurídica própria, contando com independência e permanência, que fosse, pois, tido como complementar aos sistemas nacionais e competentes para processar e julgar indivíduos responsáveis por crimes graves de grave repercussão internacional. A complementaridade é pilar do Estatuto de Roma e denota a primazia do direito interno de um país sob a sua jurisdição, atuando, pois o TPI apenas em casos de sua incapacidade, para o deslinde dos casos.

A permanência é um dos traços proeminentes do TPI, contrastando com a natureza temporária dos tribunais ad hoc criados pelo Conselho de Segurança para a antiga Iugoslávia e para Ruanda. Cabe notar que, desde o advento da Corte, já não foram mais criados órgãos judiciais subsidiários do Conselho, nos moldes do TPI e do TPIR.

O caráter permanente, além de apontar para maior solidez jurídica, oferece ao órgão a vantagem de estar sempre pronto para atuar. A independência é pré-requisito essencial para o funcionamento do mecanismo. A promotoria, que tem prerrogativa para acionar a jurisdição.

Do TPI por conta própria, é chave para o funcionamento do sistema, cabendo-lhe, entre outras funções, conduzir exames preliminares de casos com base em elementos provenientes de diversas fontes; e selecionar os casos que serão processados. A promotoria, contudo, não atua “no vácuo”, mas sim a partir da avaliação que faz sobre informações e provas obtidas junto a fontes. O TPI precisaria ser independente, mas não teria como deixar de ser interdependente de outras instituições e atores.

A independência do Tribunal Penal Internacional está diretamente atrelada com a sua imparcialidade. Após algumas discussões e questionamentos acerca do Conselho de Segurança como um órgão não jurisdicional integrante do TPI, que tem por escopo ampliar a competência do Tribunal Penal Internacional levando até ele casos concretos, de violações de bens jurídicos de repercussões internacionais, ainda que sofridos por países que integram o Conselho de Segurança, mas que não são signatários do Tribunal Penal Internacional, e, com o poder conferido ao Conselho de Segurança de sobrestar inquéritos e processos em andamento na Corte, afetando com isso, na visão de alguns doutrinadores, a sua imparcialidade, somos da opinião de que se existe um objetivo comum a nortear o Tribunal Penal Internacional e o Conselho de Segurança, qual seja: a paz e segurança internacionais: os fins justificam os meios! Isso porque ao se ampliar as competências do TPI levando até o mesmo o processo e julgamento de crimes mundiais, ainda que pertencente ao país que não seja signatário do TPI, a investigação do Tribunal Penal Internacional, de fracionada, passa ao status de universal e, como a repressão de tais crimes afeta todo o continente, o Conselho de Segurança acaba propiciando ao Tribunal Penal Internacional o papel de segurador universal perante a comunidade internacional. Nossa opinião é de que não há violação a imparcialidade do Tribunal Penal Internacional e sim ato de cooperação do Conselho de Segurança para maior presteza e eficácia das decisões da Corte.

Os princípios que compõem o Tribunal Penal Internacional são o seu alicerce. Não se constrói uma casa sem tijolos. Logo, para se falar em direitos e deveres perante a comunidade internacional foi necessário a implementação de instrumentos que garantissem, antes de tudo, a sua efetividade. Assim, os princípios simbolizaram as linhas mestras de sustentáculo a Corte e, felizmente, os resultados apresentados na atualidade são satisfatórios frente aos massacres históricos de enormes injustiças, até então dominantes no mundo.

Os crimes do TPI visam a resguardar os direitos humanos em seara internacional, sendo um reafirmador da responsabilidade penal internacional dos indivíduos. Apesar de sua ampla aceitação no cenário mundial ainda encontra resistências por parte dos EUA e da Rússia, o que, para nós configura um retrocesso, pois a sua adesão universal garantiria uma maior efetividade de suas decisões, abarcando na atualidade casos de países com baixo grau de desenvolvimento. Concluímos que o rol de crimes abarcados pelo Estatuto de Roma deixou muito a desejar. Entendemos que tal rol não deveria ser taxativo como pretendeu o legislador no Estatuto de Roma e sim exemplificativo ou ampliativo.

Pensamos que para uma maior eficácia de repressão aos crimes no plano internacional, afim de melhor garantir a paz mundial, tão sonhada pelo Tribunal Penal Internacional, o mesmo deveria ser competente para o julgamento dos crimes que afetam o sistema financeiro internacional, tendo em vista que com a globalização a crise econômica acaba por desencadear uma crise política, responsável por inúmeras guerras e diversos outros tipos de agressões internacionais, bem como, que deveria também o TPI ser competente para o julgamento de crimes que afetam diretamente o meio ambiente, na medida em que o tráfico de carvão e de outros extratos naturais movimenta bilhões de dólares em armamentos e, por conseqüência, responsáveis por guerras e torturas.

De nada adianta acudir as consequências da guerra e de crimes de guerra, agressão e genocídio se não combatermos, com acuidade, as suas causas. É o que pensamos e deixamos como reflexão nesse singelo trabalho. Logo, institutos como o racismo, a tortura, o massacre aos índios, as agressões aos direitos das crianças e adolescentes foram estudados e, garanti-los, implica na prevenção maior aos crimes que lesam os Direitos Humanos e que integram o Tribunal Penal Internacional. Trabalhando as causas para se evitar as consequências. Essa, a nossa forma de pensar e trabalhar o tema da eficácia das decisões do Tribunal Penal Internacional na comunidade mundial.

Concluímos pela validade de jurisdição do Tribunal Penal Internacional tendo em vista que esta ao julgar os crimes que afetam os direitos mais elementares do ser humanos, visa resguardar o cenário internacional dos massacres e torturas que tanto assolaram e amedrontaram o mundo, gerando pouco desenvolvimento, enorme desigualdade e um maior clamor internacional por segurança e paz para o crescimento e aprimoramento das nações.

A Constituição da República, de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, sem dúvida alguma, buscou dar prioridade aos Direitos Humanos como valores supremos, prevendo a proteção de institutos como a tortura, o racismo, o asilo político, proteção às crianças e adolescentes, aos índios, a dignidade da mulher, etc.

Em nível Externo, o Brasil ratificou o Estatuto de Roma e se comprometeu com a Ordem Internacional a zelar pelos Direitos Humanos, sob pena de entrega do cidadão às normas do Tribunal Penal Internacional com normas específicas sobre os crimes elencados por ele, quais sejam, genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão. Assim o que temos é uma cooperação nacional para uma melhor justiça internacional. Qualquer conflito entre as jurisdições nacionais e o Tribunal Penal Internacional é meramente aparente, já que o Tribunal não agride as regras internas de um país, ao contrário, as respeita e somente atua por autorização do próprio país e nunca contra a sua vontade. É o próprio estado excepcionando as suas próprias regras e não o Tribunal Penal Internacional. É, pois a soberania de um país não sendo maculada, mas excepcionando-se a si própria com o seu poder de império.

Mediante tais fatos, conclui-se que o Brasil e mundo primam pela criação de um Tribunal de Defesa dos Direitos Humanos e nesse sentido vem caminhando, desde as duras e longas conquistas pela democracia, tendo em vista que se norteia por princípios destes mesmos direitos. Somos da opinião de que democracia e direitos humanos são duas faces da mesma moeda. O Tribunal Penal Internacional ingressou na comunidade internacional como um filho legítimo da democracia em seara externa.

Se de um lado a vontade do povo fundamenta um poder legítimo, de outro lado esse mesmo poder legítimo deve zelar pelo núcleo essencial de quem os estabelece, ou seja, o povo, sob pena da forma prevalecer sob o fundo, o que é inadmissível num mundo que se pretende globalizado e civilizado. Na ótica maquiaveliana, a contrario sensu, os fins nem sempre justificam os meios!

Assim, o Tribunal Penal Internacional eclodiu no cenário mundial com uma estrutura de avanço no sentido de não ostentar a natureza de um tribunal eivado de temporariedade, nem uma luta armada de vencedores sobre os vencidos. Aperfeiçoou-se com as críticas tecidas aos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, com uma melhor configuração. Logo, ao punir os criminosos que atentam contra bens jurídicos internacionais transmite para a sociedade internacional a mensagem de não impunidade na proteção aos valores maiores, cumprindo a Corte, pois, um papel pedagógico de mitigação de interesses individuais em prol dos interesses da comunidade internacional. Representa, pois um avanço na questão da segurança jurídica internacional propiciando uma evolução ao Direito Humanitário na orbita internacional.

Logo, o Tribunal Penal Internacional oferece ao mundo uma grande contribuição como um sujeito de direito internacional que é, buscando com a sua mecânica proteger o que de mais caro busca a humanidade: a dignidade do ser humano que, através da democracia, alarga o seu poder de decisão e influencia nos destinos da almejada paz mundial. Esse o seu fito.


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Notas

[1] Valério de Oliveira Mazzuoli Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro, 2ª edição, p.39, Revista dos Tribunais.

[2]Cf. Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, 3ª edição, RT.

[3] GODARACENA, Oscar López, Cooperación Con La Corte Penal Internacional. Montevideo. Uruguay. 1ª Edición. FCU, 2008.    

[4]  MARIELLE, Maia. Tribunal Penal Internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 26.

[5]Cf. Jean Bodin. Lês six livres de La republique – Darmstad- Scientia Aalen, 1961 – fac-símile na edição francesa de 1583, LivI, chap. VIII p.122.

[6] Cf. NicolóMachiavelli. Il príncipe e pagine dialtre opere – Padova: Cedam, 1940, p. 120.

[7] PIOVESAN, Flávia. op. cit.

[8] Valério de Oliveira Mazzuoli: Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro, 2ª edição, p.25, Revista dos Tribunais.

[9] L. A. D. Araújo e V. Serrano Nunes Júnior, Curso de Direito Constitucional, 2002, p.141.

[10] Valério de Oliveira Mazzuoli. Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro, 2ª edição, Revista dos Tribunais.

[11] WEIS, Carlos. Direitos Humanos contemporâneas. São Paulo: Malheiros, 1999. P. 69.

[12] PIOVESAN, Flávia.  Op. cit. P. 48.

[13] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva 2001. P. 226-227

[14] ALVES, J. A. Lindgren. Op. cit. P.48.

[15] Cf. (Francisco Rezek, Tribunal Penal Internacional: Princípio da Complementaridade e Soberania, em Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, n.11, Brasília: agosto de 2000).

[16] Curso de Direito Constitucional, Bernardo Gonçalves Fernandes, 2ª edição. Editora Lúmen Juris.

[17] Valério de Oliveira Mazzuoli. Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro, 2ª edição, Revista dos Tribunais.

[18] Valério de Oliveira Mazzuoli Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro, 2ª edição, p.70, Revista dos Tribunais).

18 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão – teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002, p. 474.

[20] EDGARD, Nassar Guier, apud Maia, Marielle. Tribunal penal internacional: aspectos institucionais,

Jurisdição e princípio da complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, pp. 101-103.

[21]Cf.COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos

Humanos. São Paulo: Saraiva 1999.

[22](FURTADO apud ABREU, 2002, p. 6).

[23] DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral, 6 ed. Ampl. E atualz. Rio de Janeiro. Renovar, 2001. p. 238.

[24] CHAPUZ de Medeiros, Antônio Paulo. O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira. In: O que é o Tribunal Penal Internacional, Brasília: Câmara dos Deputados/ Coordenação de Publicações, 2000. Série Parlamentar, n.110, p.209 – 215.

[25] Dicionário Brasileiro da língua portuguesa, 11ª edição, supervisionada por Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira.

[26] Resolução da AGNU 96 (I), de 11/12/1946.

[27] GODARACENA, Oscar López, Cooperación Con La Corte Penal Internacional. Montevideo. Uruguay. 1ª Edición. FCU, 2008.

[28] Artigo 7(1) do Estatuto de Roma.

[29] MAZZUOLI; Valério de Oliveira, Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro, p.59, Revista dos Tribunais.

[30] Artigo 7(1) do Estatuto de Roma.

[31]SOUSA, Fernanda Nepomuceno de. Tribunais de Guerra . Belo Horizonte: DelRey. 2005. p. 5.

[32] MAZZUOLI; Valério de Oliveira, Tribunal Internacional e o Direito Brasileiro. Revista dos Tribunais, p.65.2009.

[33] A tradução e o exemplo são do professor Guido Fernando Silva Soares, in Legitimidade de uma guerra preventiva em pleno 2003?... cit. p.16.

[34] MASSON, Cleber, Direito Penal: Editora Método, 2012. V1.

[35] Disponível em< http://peaceandjusticeinafrica.blogspot.com.br/2010/03/crime-de-agressao-no-direito-penal.html>, Acesso em 05 de março de 2013.

[36] LINDGREN ALVES, J. A. Os Direitos Humanos como Tema Global. São Paulo: Perspectiva/FUNAG, 1994. p.54-55

[37] LINDGREN ALVES, J. A. Op. cit.Os Direitos Humanos como Tema Global. p.55-56

[38] PIOVESAN, Flávia. Op. cit.Temas de Direitos Humanos.  p.131-132

[39] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 4.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.111

[40] NEIVA, Gerivaldo Alves. Os fatores reais do poder e força normativa da Constituição. Articulações entre Konrad Hesse, Ferdinand Lassalle e Gramsci. Jus Navigandi.

[41] Prisão e tortura em terra estrangeira: A colboração represiva entre Brasil e Uruguay (1964 -1985). Monografias e TCC. Disponível em: <www.livrogratis.com.br>. Acesso em 11/12/2012.

[42] ALMIRÓN, Fernando (1999), Campo Santo; testimonios de elex sargento Victor Ibáñez.

[43]Publicação intitulada “Trial of the Major War Criminals before the International Military Tribunal, Nuremberg, 14 November

1945-1 “October 1946” (Nuremberg, Germany, 1947, v. 1, p. 223, disponível no sítio www.loc.gov [4/8/2010]).

[44] CARMO, Márcia. Presidente do Uruguai divulga detalhes inéditos da ditadura. Folha de São Paulo,

São Paulo, 6 jun. 2007. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u302510.shtml>. Acesso em: 11 mar. 2008. Os cinco

tomos resultantes da investigação estão publicados desde 05/06/07 no site da Presidência da

República do Uruguai. Cf: PRESIDENCIA de la República Oriental delUruguay. Investigación

Histórica sobre Detenidos Desaparecidos. Disponível em:

<http://www.presidencia.gub.uy/_web/noticias/2007/06/2007060509.htm>. Acesso em 11 mar.2007.

[45] MARZAL, Alejandro del Toro. Apud CIRENZA, Cristina de Freitas; NUNES, Clayton Alfredo.Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. In: Direitos Humanos – Construção da liberdade e da igualdade. Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do Estado, 1998. p. 418.

[46] ANTÓN, Vives. Apud CIRENZA, Cristina de Freitas; NUNES, Clayton Alfredo. Loc. cit.

[47] SILVA, Edson; MOTTI, Ângelo (org.). Uma década de direitos: Estatuto da Criança e do

Adolescente – Avaliando resultados e projetando o futuro. Campo Grande: UFMS, 2001, p. 27.

[48] NORAT; Marcus Samuel Leite. Direito para concursos. Edijur,2011.

[49] LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Editora Malheiros, 2006).

[50] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial. 6 ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2009, p. 816.

[51] Disponível em< http://www.cartacapital.com.br/internacional/vitimas-ignoradas-das-guerras/ >,  Acesso em 05 de março de 2013.

[52]PIOVESAN, Flávia. Op. cit.Temas de Direitos Humanos.

[53] CASSESE, Antonio. Existe um conflito insuperável entre soberania dos Estados e justiça penal internacional? p.3-24. IN: Crimes Internacionais e Jurisdições Internacionais. AntonioCassese, Mereille Delmas-Marty (Org.); Silvio Antunha (trad.).São Paulo: Manole, 2004. p.5-6.

[54] DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral, 6 ed. Ampl. E atual. Rio de Janeiro. Renovar, 2001. p. 238.

[55]CHAPUZ de Medeiros, Antônio Paulo. O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira. In: O que é o Tribunal Penal Internacional, Brasília: Câmara dos Deputados/ Coordenação de Publicações, 2000. Série Parlamentar, n.110, p.209 – 215


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