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A posse.

Uma digressão histórico-evolutiva da posse e de sua tutela jurídica

A posse. Uma digressão histórico-evolutiva da posse e de sua tutela jurídica

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Resumo: O texto aborda a evolução da tratativa jurídica da posse desde o Direito Romano até os dias atuais, com especial ênfase para a proteção possessória, perpassando pelas diversas teorias que forneceram sustentáculo para a tutela jurídica da posse.

Sumário: 1-Introdução. 2-A origem da posse. 3- A posse no Direito Romano. 4- A Idade Média. 5- O Direito Reinícola. 6- As concepções modernas da posse e sua proteção. 7- A Concepção Contemporânea da Posse. 8- A proteção possessória no sistema jurídico brasileiro contemporâneo. 9- Liminar Possessória. 10- Conclusões.


1. Introdução

A Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 1º, inc. III e IV, como fundamentos da República Federativa do Brasil a "dignidade da pessoa humana" e "os valores sociais do trabalho de da Livre iniciativa".

No artigo 3º, inc. I, II e III, constam como objetivos fundamentais dessa mesma Republica Federativa do Brasil "construir uma sociedade livre, justa e igualitária, garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".

Já o artigo 5º, inc. XXII e XIII, da CF/88 contempla o direito de propriedade, cujo exercício, porém, condiciona-se pela função social.

Para que os objetivos e fundamentos estabelecidos na Constituição Federal sejam observados uma série de fatores terá de se fazer presentes. A propriedade e a posse e sua disciplina jurídica são mecanismos fundamentais para esse desiderato.

Lastimavelmente, a perspectiva histórica dos institutos jurídicos é normalmente olvidada nos cursos de Direito, com o que jamais poderemos compactuar, pois o Direito também é história, e não pode ser compreendido de forma estanque, cristalizado em um tempo-espaço.

É o resgate da dimensão histórica da posse sob o prisma jurídico a meta a que me proponho na presente abordagem, pois somente quando compreendermos os institutos jurídicos em sua inteireza, vale dizer, em uma perspectiva histórica, é que poderemos corretamente aplica-los a nossa realidade, cientes de que o Direito é uma ciência social e um fenômeno dinâmico.


2. A origem da posse

As mais simples espécies animais e vegetais se valem de elementos do meio circundante para obter meios de subsistência. Em um grau mais adiantado, esta relação de utilização chega a fazer-se, inclusive, em caráter excludente, com o estabelecimento de territorialidade de indivíduos ou grupos.

Com o homem, desde o seu surgimento, não foi diferente. Jamais saberemos quando surgiu a noção de posse, que em sua concepção primitiva é um vínculo estabelecido entre um indivíduo ou um grupo e um determinado bem da vida. Este vínculo pode ter um caráter exclusivamente individual, através do qual um indivíduo se reconhece com senhoria sobre um bem, ou pode apresentar institucionalização, vale dizer, reconhecimento por terceiros.

A própria noção de Direito é variável na história. Mas utilizando a atual visão que temos do Direito, podemos afirmar que, certamente, a posse esteve presente desde as mais primitivas formas de organização humana.

Destarte, a descoberta de um cadáver mumificado de aproximadamente 4000 anos nos Alpes austríacos revelou, por exemplo, que o indivíduo conduzia objetos pessoais.

Outras descobertas arqueológicas ainda muito mais antigas, que remontam a períodos de dezenas de milhares de anos [1], às vezes centenas de milhares, igualmente revelam a existência de uma relação de posse de indivíduos ou grupos em relação a objetos ou áreas.

Mas os reduzidos conhecimentos sobre detalhes da organização destas primitivas sociedades, sobretudo pela falta de registros, faz com que a consideração do que seria a posse para elas não passe de especulações.

Somente com o advento da era histórica, que se marca pela escrita, é que passamos a ter subsídios seguros para aferir instituições jurídicas.

Neste passo, é pertinente a invocação do magistério de Astolpho Rezende, que ao falar da propriedade e da posse, apostila que "a posse e a propriedade aparecem em constante relação entre os homens; a posse é um fato natural; a propriedade uma criação da lei. Como nasceram uma e outra? É inútil investigar-se, através das diversas teorias imaginadas e desenvolvidas pelos filósofos e pelos juristas, a origem da propriedade, porque, frente a fenômenos jurídicos, é bastante que pesquisemos a origem desses fenômenos na organização romana, porque foi Roma que organizou o Direito, com uma extensa projeção sobre o futuro." [2]

Razão assiste ao eminente jurista, visto que o direito romano é a base da pandectística [3], em cujo trabalho se assenta a moderna construção da propriedade e da posse.


3. A posse no Direito Romano

Ainda mesmo no Direito Romano é preciso termos cuidado já que sob esta categoria pode ser descrito o Direito de um período de aproximadamente 12 séculos [4].

A respeito, pondera Vittorio Scialoja: "É impossível dar-nos conta da propriedade romana, se antes não conhecermos, pelo menos em suas linhas gerais, o desenvolvimento histórico do domínio, desde os seus primórdios até o tempo de Justiniano. A história do Direito Romano desenvolve-se em 12 séculos, durante os quais ocorreu a mais completa transformação econômica e social do mundo moderno. Roma, de pequena comuna, tornou-se soberana da Europa, então conhecida, da África Setentrional e de parte da Ásia, sofrendo a mais radical transformação. Quando se fala, pois de prosperidade romana é mister distinguir, se se fala da de Rômulo ou da de Justiniano ou da propriedade de uma época intermediária" [5]

Em que pese esta distinção, podemos afirmar que a propriedade inicialmente era das gens, surgindo, posteriormente a propriedade do Estado. [6]

Com a propriedade estatal, surgiu o dominium, poder conferido pelo Estado aos particulares sobre as terras, o qual tomava a forma de concessões que se faziam através de um dos seguintes instrumentos: assinationes viritanae, por solicitação dos cidadãos; assignationes coloniae, visando a fundação de uma nova colônia; ou pelas agri questorii, através de venda em leilões pelos "questores" [7].

A posse sobre a terra era exercida, assim, por três formas. Pelo exercício do dominium pela ocupação de terras devolutas e por concessões que asseguravam a mera fruição, sem transferência do domínio, sendo esta última forma a agri occupatori, mediante o pagamento de uma "pensão", denominada vectigal, paga ao Estado [8].

A propósito deste último instituto, leciona Maynz: "As distribuições, assignações e vendas de imóveis, que o Estado fazia aos particulares sob garantia do povo romano - dominium ex iure Quiritum - tinham sempre lugar após uma medição oficial prévia. As outras terras, porque permaneciam como ager publicus, não eram sujeitas a igual medição. Cada pai de família ocupava a parte livre que julgasse conveniente, com a única condição de se conformar às prescrições que regulavam o modo de ocupação. Daí o dar-se a tais terras a qualificação de agri arcifinii ou occupatorii. Essas ocupações que, de resto, não eram permitidas senão aos membros do populus romanus, não conferiam direito de propriedade, mas somente uma posse que o Estado podia revogar a seu arbítrio, ma que entretanto, protegia enquanto durava." [9]

A perfeita dicotomia da propriedade e da posse, porém, parece somente ter surgido a partir da promulgação da Lei das XII Tábuas. Destarte, "o que parece verossímil é que o reconhecimento da posse somente apareceu com a sua proteção por meio dos interditos. Isso só pode ter sido possível após o triunfo da plebe. Só então começou o parcelamento da propriedade, pela distribuição e arrendamento das terras." [10]

Mas é importante lembrar, com Pontes de Miranda, que existia uma profunda diferença entre a concepção romana de posse e a moderna. Acerca do tema, leciona o festejado jurista: "A diferença entre a concepção da posse no direito contemporâneo, e a concepção romana da posse não esta apenas na composição do suporte fático (nem animus nem corpus, em vez de animus e corpus, ou de corpus, à maneira de R. von Ihering): está na própria relação (fática) de posse, em que os sistemas antigos viam o laço entre a pessoa e a coisa, em vez de laço entre pessoas. No meio do caminho, está a concepção de I Kant, que é a do empirismo subjetivista (indivíduos e sociedade humana), a partir da posse comum (Gesamtbesitz) dos terrenos de toda a terra." [11]

Como se observa, a concepção romana ainda é a da relação entre homem e coisa [12], o que contraria o postulado que embasa o Direito Contemporâneo segundo o qual inexiste relação entre homens e coisas, mas somente entre homens, tendo por objeto coisas.

Mas como era a proteção posssessória no Direito Romano? Respondendo, apostila Joel Dias Figueira Júnior [13]: "Duas teorias procuram justificar a origem histórica da proteção possessória no Direito Romano. A primeira, criada por Niehbur, defendida por Savigny e mais modernamente por Albertario e Burdese, defende a tese da providência de caráter administrativo à tutela da antiga possessio dos ocupantes do ager publicus, à medida que, não sendo proprietários (a terra pública não poderia ser objeto de propriedade dos particulares), ficavam sem a proteção judicial existente; por este motivo, os pretores passaram a proteger a situação possessória através da concessão dos interditos, proteção esta difundida posteriormente para as demais posses. A segunda teoria, defendida por Ihering, dentre outros, e aceita pela maioria dos estudiosos da atualidade, preconiza que a gênese da proteção interdital encontra-se no poder outorgado ao pretor, nas ações reivindicatórias, de conceder provisoriamente (até sentença final) a posse da coisa litigiosa a um dos litigantes"

Consoante lembra o autor, citando a Moreira Alves, a segunda teoria encontra escudo no fato de que "muitos institutos jurídicos em Roma surgem graças a incidentes processuais", sendo que a proteção possessória nas ações reivindicatórias seria anterior ao ager publicus.

A respeito dos pretores, ensina Astolpho Rezende: "Nos primeiros tempos, a justiça era exercida pelo rei, mais tarde pelos cônsules, pelos decênviros e pelos tribunos consulares. Com o correr do tempo, o encargo de administrar a justiça passou dos cônsules aos censores; e finalmente, quando os plebeus foram admitidos ao Consulado, a casta dominante acreditou agir habilmente, criando, ao lado dos cônsules, uma magistratura análoga, exclusivamente acessível aos patrícios, com as atribuições antes exercidas pelo prefeito da cidade. É a partir desta época (ano 387), que vemos figurar como magistrado ordinário o Pretor Urbanus isto é, o magistrado consular com poderes restritos á cidade de Roma." [14]

Pontes de Miranda, de seu turno, assevera que "a origem dos interditos romanos prende-se à paz quanto à terra – à proteção da pessoa ou das coisas contra a violência e o arbítrio.(…) Longe já se estava dos interditos para a proteção da liberdade e do status familiae, da democracia grega e do movimento igualitário cristão. Stölzel (Jahrbücher für die Dogmatik, VII, 147) tentou provar que todos os interditos protegiam na origem a pessoa, e só indiretamente a coisa, mas incorria no erro de cindir a pessoa e suas necessidades, para acentuar aquelas, tal como outros exageraram a proteção às coisas. Os interditos, no fundo, serviam à vida, à vida tal como exsurgia, sem peias das combinações conceptuais. Nem viam eles a diferença entre res nullius e res quae alicuius sunt (L, 1, pr., D, de interdictis, 43, 1). No intuito de protegê-lo, tratavam o próprio homem livre como coisa, res nullius." [15]

Neste contexto de expansão do Direito Privado e dos poderes interditais do praetor, é que se firma a proteção possessória. A propósito, pertinente a lição de Astolpho Rezende, verbis: "A exploração das terras em comum já tinha desaparecido desde muito tempo, e a idéia da propriedade privada se tinha estendido também ao solo, até chegar a quase eliminar toda a diferença entre relações jurídicas sobre imóveis e os bens de raiz, e se havia realizado uma certa mobilização da propriedade territorial, ao estender-se aos imóveis a forma aquisitiva da propriedade sobre imóveis (a mancipatio). As terras do ager publicus eram arrendadas ou deixadas á livre ocupação dos que quisessem pagar um tributo moderado. Não obstante, o adquirente não obtinha deste modo a propriedade privada. Era uma simples posse, tolerada pelo Estado (occupatio), ou regulada administrativamente (ager publicus). [16] O que parece certo, portanto, é que a proteção possessória está intimamente atrelada à ascensão dos plebeus e aos poderes interditais dos pretores, que a ela sucedeu, em um quadro de crescente ampliação do direito privado, sendo materializada através dos interditos.

Mas como funcionavam os interditos e quais eram eles? Responde Astolpho Rezende: "A ordem contida no interdito, ao invés de ser notificada ao juiz, como a que era incerta na fórmula de uma ação, era dirigida ao réu (interdito simples) e por vezes às duas partes (interdito duplo). Estava subordinado a condições determinadas. Em caso de contravenção, ou se não julgasse o réu no caso visado pelo magistrado ou recusasse cientemente obedecer, um juiz seria encarregado, nas formas ordinárias do processo, de verificar se as condições do interdito existiam, e de pronunciar, caso coubesse, uma condenação. As partes deveriam se apresentar as duas vezes perante o magistrado: primeiramente para obter o interdito; depois para organizar uma instância, a fim de fazer constatar se o interdito tinha sido violado." [17]

Joel Dias Figueira Júnior, de seu turno, esclarece que os interditos variavam de acordo com a espécie de posse. Diz ele:"No tocante aos instrumentos judiciais propriamente ditos, destinados à proteção possessória, encontramos variação de acordo com o tipo de posse objeto da lide (possessio civilis, possessio ad interdicta e possessio naturalis) e conforme o período da evolução do direito romano (clássico, pós-classico e justinianeu)." [18]

Quanto aos tipos de interditos, apostila Francisco Antônio Casconi, verbis: "Examinada a excepcional defesa direta da posse, tradicionalmente a proteção opera-se através de ações especiais denominadas interditos. O interdictum tem origem no direito romano como criação pretoriana que consistia numa ordem do magistrado romano, solicitada por uma pessoa privada, determinando a outra pessoa um fazer ou abster-se. O vocábulo interdito advém de interim dicuntur, traduzindo a efemeridade da decisão proferida no juízo possessório, cuja finalização só se alcança no juízo petitório, representando as atuais ações possessórias (manutenção, reintegração e intedito proibitório) formas evoluídas de antigos interditos do direito romano." [19]

Segundo o mesmo autor, três eram os interditos, a saber: adispiciendae possessionis, retinendae possesionis e recuperandae possesionis [20]. O primeiro destinava-se a conferir a posse àquele que estivesse litigando em juízo, fazendo às vezes da ação de imissão de posse na atualidade. O intedictum retinendae possessionis como a própria etimologia revela, destinava-se a manter a posse, evitando a turbação, independentemente da propriedade, podendo ser de móveis (utrubi) ou de imóveis (uti possidetis).

Como lembra Joel Dias Figueira Júnior, "estes dois remédios apresentavam duas características, quais sejam, a proibição e a duplicidade, tendo em vista que ambas as partes eram proibidas de fazer alguma coisa." [21]

Mais adiante, arremata, ainda a respeito do intedictum retinendae possessionis causa: "Também, via de regra, nem toda a posse era tutelada, mas somente aquela que não tinha sido obtida por meio de vi, clam ou precário (na etimologia clássica denominada de possessio iusta em oposição àquela iniusta ou vitiosa), em relação à parte contrária." [22]

Já o interdictum recuperandae possessionis fazia a função da ação de reintegração de posse hodierna. Eram de três espécies diferentes, quais sejam: unde vi, interdito de precarium e interdito de clandestina possessione. O primeiro era concedido, somente no período de um ano do esbulho, para reintegrar na posse aquele que sofresse esbulho, ao "que era violentamente expulso do imóvel" [23]. Desdobrava-se em duas espécies de acordo com a forma de violência: interdito de "vi cotidiana", se fosse a violência comum, e interdito de "vi armata", caso a violência fosse incomum. [24]

Mas o que caracterizava a violência como comum ou incomum?

A violência dita "comum" era aquela exercida diretamente pelo réu, por seus escravos ou mandatário. A violência incomum, ou vi armata, era aquela na qual uma multidão, ou ainda uma ou muitas pessoas armadas exerciam a violência. [25] Posteriormente, os dois interditos, que eram pertinentes somente para imóveis (somente no direito bizantino foram estendidos aos móveis), fundiram-se em um só, o "de vi" ou "unde vi." [26]

A segunda espécie era utilizada pelo possuidor-proprietário em vista do possuidor precarista diante da existência de um precarium, que era uma convenção através da qual se permitia a utilização da coisa por outrem. Inicialmente, era aplicado somente aos bens imóveis, mas posteriormente, na era clássica, foi estendido aos móveis, tendo desaparecido na codificação justinianéia, quando foi substituído pelo interdito de vi. [27] Caso o proprietário, e possuidor indireto, pretendesse reaver a posse e não contasse da aquiescência do precarista, poderia valer-se do interdito. Já o terceiro interdito (de clandestina possessione) [28], somente surgiu no final da idade clássica, e era utilizado contra o esbulho clandestino. [29]

No direito pós-clássico, foi criado o interdictum (ou actio) momentariae possessionis, meio mais expedito e eficaz de permitir que o que fosse desapossado sem violência pudesse reaver sua posse, mesmo trinta anos depois. [30]

Perquirindo acerca da principiologia envolvida nos interditos, salienta Serpa Lopes que "para os jurisconsultos romanos, sendo a posse um simples fato, a despeito disso devera de ser respeitado unicamente em face dos efeitos por ele produzidos. O possuidor pela circunstância de o ser, possui mais direitos do que o que não o é. O Pretor não indaga do possuidor qual o tempo de sua posse nem o título em que se firma; é lhe bastante dizer: possideo quia possideo." [31]

Direito Romano terá grande influência, ecoando no ocidente até hoje.


4. A Idade Média

O período compreendido na Idade Média vai desde a queda de Roma, por volta de 472 da Era Cristã até o Renascimento, cujo marco é a queda de Constantinopla (século XV).

A organização político-social do período está estruturada no feudalismo, cuja base reside, dentre outros fatores, na propriedade e na posse da terra.

Não existem Estados como hoje os conhecemos, mas feudos, nos quais o Senhor Feudal concede a posse da terra através do estabelecimento de uma relação de "vassalagem", na qual o vassalo presta serviço militar, e ainda paga pela utilização da terra.

Ao lado da fragmentação política, assistimos à fusão de elementos culturais e institutos jurídicos de diversas origens, especialmente das denominadas "tribos bárbaras" (godos visogodos, astrogodos, suevos etc..), povos de origem germânica cuja expansão está intimamente ligada à queda de Roma, além da influência do Direito Canônico (além dos próprios elementos culturais e jurídicos germânicos).

É a época dos glosadores e pós-glosadores, como Baldo de Ubaldis e Bartolo de Saxoferrato. A respeito do conceito de posse dos glosadores, calha invocação o magistério de Pontes de Miranda: "Nos glosadores, com o método dialético inaugurado, nas Summae, por Irenério (H. Fitting, Summa Trecensis, VII s.), começou o labor científico mais sério após o dos grandes axiomatizadores romanos (Nenhuma alusão dos glosadores ao animus domini, porque era estranho aos textos). A posse, para eles, é relação fática, todavia sem que percebessem que, relação social, tinha de ser com as outras pessoas. O autor da Summa Trecensis via na posse o corpo do sujeito em contacto com o corpo da coisa. Não se pode dizer que o étimo de possessio tenha sido a causa de tal concepção, mas foi aproveitada para isso. Partindo da relação tão material, tinham os glosadores de cair na distinção entre a possessio vera e a possessio interpretativa, artificialis ou fictícia, criada essa pelo direito.(...) A aquisição da posse tinha de ser pela apreensão corporal, o que de si só faz ressaltar quão estreita era a concepção dos glosadores. O ato-fato jurídico da tomada da posse tinha de ser para eles, Placentino à frente, actus corporalis, posto que se admitisse a traditio ficta, a traditio por interpretationem (Summa Codicis, 417)." [32]

Conclui por fim, lembrando que "para a concepção romana e da glosa, alieno nomine possidere não era possuir; mas Placentino explicava que não só o possuir alieno nomine pré-exclui a posse: há os que têm para si e não possuem. Não podemos exigir mais dos glosadores do que eles fizeram, fizeram o que podiam." [33] Os pós-glosadores seguiram nesta esteira, apenas dando maior atenção aos detalhes.

Quanto ao direito canônico, "aplicando embora os textos das leis romanas e os interditos, introduziu-lhes algumas modificações. O pensamento da Igreja era proteger a posse contra toda e qualquer violência, mesmo contra aquelas que se apresentavam com aparências jurídicas." [34]

Segundo apostila Serpa Lopes, "uma radical transformação da concepção de posse sobreveio por força de um novo sentido trazido com as leis canônicas. Tal transformação manifestou-se em duas direções: primeiro, pelo alargamento da posse, cujo conceito ampliou-se para compreender não só as coisas corpóreas como ainda os próprios direitos; em segundo lugar, quanto a certos princípios inerentes à espoliação, por haver consagrado o exceptio spolii." [35]

primeiro instituto acrescido pelo direito canônico foi a exceptio spolii, sobre a qual disserta Astholpo Rezende, in verbis: "O primeiro remédio encontrado pela Igreja foi a exceptio spolii que foi introduzida pelos meados do século IX. A idéia que deu nascimento a este remédio era que o bispo, expulso de sua sede e despojado de seu poder e de seus bens, dificilmente podia se defender contra as acusações de poderosos inimigos, e ficava exposto a sucumbir freqüentemente na luta contra estes potentados. Então se dispôs que um bispo, expulso de sua sede ou despojado de seus bens, não podia, neste estado de inferioridade, ser objeto de procedimento criminal, enquanto não fosse reposto na sua situação; tinha direito a se defender com a exceção de esbulho, alegando que não podia ser processado enquanto não fosse recolocado na posse de tudo quanto lhe tinha sido retirado. Era isso a exceptio spolii, que não era uma simples exceção dilatória, mas um meio de defesa que implicava uma ação de restituição da posse esbulhada." [36]

Tinha-se nesta época, as denominadas decretais, que eram compilações de normas editadas pelos pontífices, como, por exemplo, a decretal pseudo-isidoriana, ou o Decreto de Graciano, sendo que a partir deste último surgiram dois instrumentos de proteção: a actio spolii e a exceptio spolii.

A exceptio spolii "tornou-se um simples meio dilatório, uma exceção dilatória, expediente processual de que se podia prevalecer o possuidor, despojado de seus bens, tanto no cível como no crime, para obter uma dilação, que o habilitasse a previamente reclamar em juízo a restituição dos bens esbulhados." [37]

A actio spolii, por outro lado "era a verdadeira ação de esbulho, era dada, pela glosa do Decreto, a todo possuidor, esbulhado contra sua vontade; visava a restituição, e intentava-se, não somente contra o esbulhador, mas também contra o terceiro possuidor, posto que de boa fé." [38]

Quanto ao direito germânico, o principal legado no tocante à posse é o instituto da Gewere [39], a respeito da qual discorre Nelson Nery Júnior: "Instituto do direito germânico distinto da posse (possessio) e desconhecido dos romanos, a Gewere era a investidura justa (recht Gewere) que fazia de alguém na posse da coisa (de início somente móvel, mas depois imóvel também), independentemente da apreensão física (corpus) ou intenção de possuir (animus), fazendo com que se criasse uma aparência (presunção) de que o investido fosse realmente o possuidor (princípio da publicidade). Exemplo: posse do herdeiro. Não se limitava a afirmar que o investido era o titular do direito, porquanto a Gewere também tinha função legitimadora dos negócios jurídicos que o investido celebrava com terceiros de boa-fé, que com ele contratavam sob essa aparência, constituindo-se em situação jurídica que independia da existência do verdadeiro direito material." [40]

Ainda a respeito da Gewere leciona Pontes de Miranda com a percuciência que lhe é peculiar: "A abstração do animus é de origem germânica, pois a Gewere, a saisina, a vestidura, a investidura, do direito medieval alemão, é puro poder fático sobra a coisa, de modo que, sem o animus dominationis, se podia ser possuidor(...). Não é de se espantar que a palavra ‘Gewere’ também tivesse o sentido de posse-direito (conjunto dos direitos e deveres derivados do poder fático sobre a coisa): a diferença entre a concepção romana e a germânica já se caracteriza na composição do suporte fáctico; o que uma considerava indispensável a outra dispensava (o animus). Depois de entrar no mundo jurídico o suporte fáctico, que podia ou não ser suficiente para o direito romano, a irradiação de efeitos do fato jurídico era normal; e daí falar-se em ‘Gewere’ como conjunto de direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções derivados do poder fáctico sobre a coisa." [41]

As diferenças com o Direito Romano evidenciam-se, pois "no Direito Romano antiguíssimo, a propriedade individual era obumbrada e sobrepujada pela propriedade em comunhão, de modo que carecia de importância. Era uma situação diversa d do Direito Romano, onde preponderava a propriedade individual. Por isso, no Direito Germânico, sendo a posse apenas uma manifestação exterior do direito, correspondentemente em valor ao próprio direito representado, não podia por si mesma ser aparelhada de proteção." [42]

Da subordinação da posse ao domínio operada pelo direito germânio resulta que "de início os germanos não conheceram senão uma propriedade só e uma forma exclusiva de posse: a do proprietário, o qual foi único a usar o imóvel por direito próprio, enquanto os braços, dos quais se servia para a cultivação do solo, eram unicamente os dos servos. Todavia, na época carolíngia, a propriedade foi sendo fracionada entre o senhor da coisa e o denominado livelário. Então sobreveio uma outra diferença entre o Direito Romano e o germânico; o primeiro manteve a posse do proprietário sobre a coisa, e criou a iuris possessio do terceiro titular de um direito real, enquanto o segundo deixou a idéia de posse se desenvolver e proliferar." [43]

Após o Renascimento, a fusão dos Direitos Romano, Germânico e Canônico ainda continuava servindo de base, passando a viger, no Brasil, as Ordenações Reinícolas (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas).

Neste período, ocorre a descoberta do "novo mundo", e consolida-se o Estado Absolutista, que suplantou o feudalismo.


5. O Direito Reinícola

O direito reinícola compreende um extenso período que se estende desde antes da era das descobertas até o século passado, lapso no qual três ordenações vigeram no direito português: Afonsinas, Manoelinas e Filipinas.

Acerca da tratativa do tema nas Ordenações Afonsinas, colhe-se o magistério de Joel Dias Figueira Júnior, segundo o qual "mantendo a tradição romana do estabelecimento de um procedimento ‘sumário’ diferenciado para as ações interditais, as Ordenações Afonsinas dispõem sobre a matéria no Livro III, Títulos LII e LIII, admitindo a concessão de tutelas provisória urgente em favor do esbulhado, desde que a ofensa tivesse ocorrido no prazo de ano e dia. Em síntese, segundo se infere do caput, o citado em demanda de força nova, isto é, aquela ajuizada no prazo de ano e dia, a contar da data da ofensa, deverá logo oferecer resposta, não havendo outro prazo para tanto" [44](grifo do autor citado).

Tratando da tutela antecipatória, e reportando-se ao Título III, parágrafo 1º, lembra que "em termos de tutela antecipatória, dispõe claramente a primeira parte do dispositivo aludido no sentido de que o esbulhado possa recuperar de início a posse, devendo a concessão ser deferida pelo juiz sem maiores delongas, livrando o ofendido da situação de moléstia." [45]

O procedimento era breve, sumário, sendo, inclusive, desnecessária a citação da parte para ouvir a sentença, que era prolatada no estado em que se encontrasse o processo.

Já no Código Filipino, "a matéria pertinente à antecipação da tutela possessória aparece regulada em três momentos distintos: no Livro III, primeiramente no Título XL, que trata da situação ‘do que nega star em posse da cousa que lhe demandam’; em segundo lugar, no Título LXVIII, que dispõe ‘que em feito de força nova se proceda sumariamente sem ordem de Juízo", e, por último, no Livro IV, Título LVIII, que trata da hipótese ‘dos que tomam forçosamente a posse da cousa que outrem possui." [46]

Também estava contemplado o interdito proibitório sob a forma dos denominados "embargos à primeira".

As ordenações vigeram no Brasil praticamente até o advento do Código Civil de 1916.


6. As concepções modernas da posse e sua proteção

As concepções modernas da posse surgem da fusão do pensamento neo-kantista com a pandectística. Trata-se de uma visão permeada pelo suporte filosófico do iluminismo.

A propósito, lembra Pontes de Miranda que "a elaboração da teoria da posse tal como chegou a ser no século XX, com os Códigos Civis alemão, suíço e brasileiro, retrata a luta da psique humana por apanhar o conceito mais conveniente e o conteúdo mais preciso da posse. Alguns conceitos e algumas soluções de lege lata revelavam que não se tratavam igualmente relações relativamente iguais, ou mais merecedoras de tutela possessória (eg. o usufrutuário e o crédito pignoratício). Foi pena que os glosadores e os pós-glosadores e os juristas da renasncença não houvessem separado o problema de iure condito e o problema de iure condendo. A evolução teve de operar-se dentro de exposições dialéticas e de tentativas de adaptação do conteúdo dos textos ao direito que deveria ser." [47]

A respeito do pensamento de Kant, que é um dos marcos na evolução do concito de posse, leciona Pontes de Miranda, in verbis: "A concepção da posse, segundo I Kant, e a concepção antiga da posse têm, entre si, todo o abismo que se cavou entre a filosofia platônica e a filosofia moderna. Para os juristas antigos, a relação de posse não só existe a priori, independentemente do ordenamento social e jurídico, como, também é entre pessoa e coisa, donde ser condicionada por aquela e por essa. Para a filosofia kantiana, a relação possessória é entre pessoas, embora concernente à coisas. Se alguém possui, os outros estão como que diante dessa posse, ou sofrem essa posse. Quem possui tem, no espírito, a consideração de todos os que poderiam, se se achassem de posse da coisa, de opô-la ao que ora a possui. Se alguma coisa é minha, é porque posso presumir que seja possível ser prejudicado pelo ato de outrem. Além, disso, para I. Kant, a posse é o poder físico de usar, arbitrariamente, a coisa. Portanto: têm os outros de abster-se, para que se não turbe, ou se não esbulhe a posse que tenho. Essa posse é mais do que o corpus dos juristas romanos, porque é mais do que o contacto com a substância física da coisa; supõe que os outros se hajam de abster de tomar a coisa, ou de perturbar-me o poder que tenho sobre ela. Via ele, além da posse sensível, a posse intelegível, independentemente do elemento empírico, e baseada em determinação prática do arbítrio. Além da potestas, seria preciso, para a posse, que no mundo do pensamento, se tivesse a coisa como sob o arbítrio de quem a ‘possui’". [48]

Como se observa, Kant já progride ao estabelecer uma relação entre pessoas em vista de uma coisa, e não entre pessoas e coisas. Mas ainda falta substância e estruturação aos conceitos, o que somente vai ser atingido com os estudos de Jhering e Savigny.

Consoante Astolpho Rezende, referindo-se ao tratado de Savigny, "antes do aparecimento desse sábio e famoso livro, cuja primeira edição foi publicada em 1803 e a Sexta em 1837, diz outro sábio tratadista J.P. Molitor, uma confusão extrema reinava na matéria da posse em direito romano. Jurisconsultos de mérito tinham mesmo pensado que as dificuldades eram insuperáveis, e não hesitaram em atribuí-las a divergências de opiniões que teriam existido entre os próprios jurisconsultos romanos. As contradições que se acreditavam encontrar nos textos não tinham, entretanto, por causa senão a ignorância em que estava da verdadeira significação das palavras possessio, civilis possessio, naturalis possessio, cuja arbitrária interpretação foi fonte de erros sem número." [49]

Pontes de Miranda, por sua vez, afirma que "o século XVIII passara sem que se enriquecesse a teoria da posse. A nova atitude volve ao animus domini, fundindo os conceitos de posse ad interdicta e de posse ad usucapionem. A posse ad interdicta seria, em verdade, a única. A ela opõe-se a detenção; e distinção entre elas apenas tem por fito responder á questão de caber, ou não, na espécie, a proteção interdital. Só a detenção com animus, intencional, produziria posse; portanto no animus domini é que estaria o elemento distintivo. Possuidor é quem tem o intuito de exercer o direito de propriedade. Mas de exercer o seu direito de propriedade, não o de outrem; por conseguinte, o animus possidendi é apenas o animus sibi hebendi. Só o poder fático do proprietário, que o não proprietário, tendo o animus sibi habendi, também tem, criaria a posse" [50].

A teoria de Savigny, "denominada subjetivista, reconhece a posse mediante a conjugação de dois elementos: corpus (efetivo contato físico com a coisa ou mera possibilidade de exercer esse contato=detenção) e animus (elementos subjetivo consistente na intenção de exercer sobre a coisa um poder no interesse próprio). Em síntese, para Savigny por posse entende-se o poder de dispor fisicamente de uma coisa, combinado com a convicção do possuidor de que tem esse poder" [51]

Um de seus fundamentos básicos "é que o conceito originário da posse, tal como resulta do Direito Romano, referia-se unicamente às coisas corpóreas, possessio a pedibus ou a sedibus; daí a regra já assinalada, possideri autem possunt quae sunt corporalia, quia nec possidere intelligibur jus cincorporale." [52]

A posse, portanto, no conceito de Savigny, compõe-se de dois elementos, quais sejam o corpus e o animus. "O corpus é o elemento material que se traduz no poder físico sobre a coisa ou na mera possibilidade de exercer este contato, ou melhor, na detenção do bem ou no fato de tê-lo a sua disposição. O animus domini consiste na intenção de exercer sobre a coisa direito de propriedade." [53]

De lembrar, com Sílvio Rodrigues, que "os dois elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois, se faltar o corpus, inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção." [54]

Assim sendo, concluímos, com Astolpho Rezende, que "o que Savigny doutrinou com o império de sua grande autoridade, foi que o animus possidendi, a vontade de possuir, não é mais do que a intenção de exercer o direito de propriedade. Para, no seu conceito, ser considerado possuidor, é necessário que aquele que detém a coisa se comporte a seu respeito como proprietário dela; que pretenda dispor dela, de fato, da mesma maneira que o faria o proprietário. Que trate a coisa como própria, sem sujeição a outra vontade superior. De sorte que o possuidor, para que como tal seja considerado, deve ter animus domini, animus rem sibi habendi, intenção de dono, de ter a coisa como sua própria; em outros termos, que pretende de fato dispor da coisa como o faria o proprietário em virtude do seu direito de propriedade." [55]

Savigny, consoante o mesmo autor, dividiu as pessoas em quatro categorias a saber: o proprietário verdadeiro; o que detém a posse em virtude de jus in re, denominado por ele de usufrutuário; o que detém a coisa em virtude de vínculo contratual, citando como exemplo o arrendatário, e, por fim, o que detém a coisa em nome de outrem, ou seja, o mandatário.

Diversa é a concepção de Jhering, defendida em dois trabalhos: "Fundamento dos Interditos Possessórios", e do "Papel da Vontade na Posse".

Trata-se de Teoria Objetivista, que "prioriza o corpus na caracterização da posse, assumindo o vocábulo, contudo, sentido outro, afastado do simples contato físico ou possibilidade de ter a coisa à disposição, mas efetiva conduta de dono. Possui quem age como dono, surgindo a posse como exteriorização da propriedade, visibilidade do domínio ou uso econômico da coisa" [56]. Ou seja, "para constituir a posse basta o corpus, dispensado o animus, elemento de escasso valor, longe de ser essencial. Jhering não contesta a necessidade do elemento intencional, não sustenta que a vontade deva ser banida; apenas entende que esse elemento implícito se acha no poder de fato exercido sobre a coisa." [57]

O porquê desta concepção é explicado por Washinton de Barros Monteiro: "É que o corpus constitui o único elemento visível e suscetível de comprovação, encontrando-se inseparavelmente vinculado ao animus, do qual é manifestação externa, como a palavra se acha ligada ao pensamento, do qual é expressão." [58]

Destarte, "para Jhering o que importa é o uso econômico ou destinação econômica do bem, pois qualquer pessoa é capaz de reconhecer a posse pela forma econômica de sua relação exterior com a pessoa" [59], já que "posse não significa apenas detenção da coisa; ela se revela na maneira como o proprietário age em face da coisa, tendo em vista sua função econômica, pois o animus nada mais é que o propósito de servir da coisa como proprietário." [60] E pondera, Astolpho Rezende, acerca dos argumentos do jurista tedesco: "Se a chave da discussão entre posse e a detenção residisse na vontade, a questão de saber se há posse ou detenção ficaria abandonada à vontade individual daquele que se encontrasse na relação possessória; se ele se pronuncia pela posse, há posse. Se não, não há mais que detenção. Desta forma, ficaria inteiramente dependente da vontade das partes ligar a posse a uma relação possessória que o direito romano não tinha senão por detenção, e vice-versa(...). A conseqüência última deste sistema seria abandonar-se completamente a natureza da relação possessória ao puro capricho daquele que tem a coisa; teria ele, segundo a vontade do momento, ora a posse, ora a detenção." [61]

A conclusão é que "os elementos constitutivos da detenção são os mesmos da posse: o corpus e o animus existem, tanto no detentor, como no possuidor. Mas não é sobre a vontade que se baseia a distinção entre a posse e a detenção; a relação entre posse e a detenção é a seguinte: toda a relação possessória é, em princípio, uma posse propriamente dita; mas em certas relações possessórias determinadas, o direito obedecendo a motivos práticos, tira os efeitos da posse, posto que as condições legais desta, corpus e animus, estejam reunidas. Tais são os casos de detenção: são as relações possessórias em que motivos práticos obstam a que se produzam efeitos da posse." [62]

Acerca da teoria de Jhering, escreveu Pontes de Miranda: "A aparição da obra de R. von Jhering teve o êxito brilhante de tôda atividade que destrói, mas, onde destruiu, algo constrói. Deve-se-lhe a crítica mais cerrada, mais minudente, que jamais se fizera, às teorias subjetivas. De que vontade se trataria? Da vontade de cada indivíduo, in casu? Seria possível? Da vontade abstrata ou de teoria subjetiva da causa possessionis? Também o seria, porque nem se presumia a causa possessionis, nem se dava ao autor o ônus dessa posse. Donde a necessidade de se examinarem as razões de legislar que levaram os juristas romanos a distinguirem causae possessionis e causae destinationis. Mas a teoria que aí ficasse teria o inconveniente de daro ao autor a prova da causa possessionis, contra Paulo (Sententiae receptae, V, 11); e isso conduziu R. von Jhering a erigir teoria em que ao autor somente incumbisse provar o corpus. Para ele não há diferença de princípio entre a posse e a detenção: apenas a lei cria a cusae detentionis." [63]

Característica fundamental desta teoria é que "ao mesmo tempo em que separa a posse da propriedade, coloca a relação possessória ao serviço integral da propriedade." [64]

De notar que "Jhering admite o corpus e o animus da teoria idealizada por Savigny e concorda que é através desses dois elementos que a posse se concretiza, salvo as exceções legais. Mas entende não ser relevante a distinção entre corpus e animus, pois a noção de animus já se encontra implícita na de corpus" [65]. Ou seja, "a diferença principal é que, enquanto Savigny dava o ‘animus’ como elemento independente do ‘corpus’, e só aceitava a posse quando a pessoa exercia os atos e manifestava a vontade de ter a coisa, denominando-se, por isso, sua teoria de teoria subjetiva, Jhering dizia que o animus está ínsito no corpus, isto é, existe o animus quando existe corpus, denominado-se sua teoria de objetiva" [66].

Após o embate destas duas teorias, houve divisão na doutrina. A propósito, lembra Pontes de Miranda que "depois de Der besitzwille, a literatura dividiu-se entre a teoria ou teoria subjetivas (B. Windescheid, H. Dernburg, A. Randa) e a teoria objetiva (J. Baron, Zur Lehre vom Besetzwillen, Jahr dücher für die Dogmatik, 29, 192 s; Noch Einmal der Besetzwille, 30, 197 s; Zoll, Grünhuts Zeitschrift, 17, 697-707; J. Appleton, Essai sur le Fondament de la Protection possessoire, 93; C. Salkowski, Instituitionen, 6ª ed., 209, 9ª ed. 218s; Ed Vermond, Traité de la Possession, 289s; A Ubbelohde, em Glück, 43-44, 5ª parte, 525s)." [67]

Inicialmente, porém, "a maioria dos romanistas alemães seguiu a opinião de Savigny: Puchta, Muhlembruch, Burchardi, Vongerow, Thibaut, Mackeldey, Zielonacki, Arndts, Unterholzner, Baron, Windescheid, Bruns, Rudorff, Eck, Mazeroll, Kuntze e Randa. A quase totalidade dos romanistas e civilistas franceses e belgas estão conformes com o animus domini de Savigny." [68]

Astolpho Rezende ressalta que no Brasil, "a teoria foi aceita não só pelos escritores como pelos tribunais. Basta, para comprová-lo, citar as obras de Lafayette e Ribas e percorrer os repositórios de jurisprudências." [69] Mas posteriormente a teoria de Jhering ganhou espaço, e há, hoje divergência acerca de sua preponderância no direito pátrio.

Boa parte dos doutrinadores assevera que a legislação pátria, especialmente o revogado Código Civil, adotara a teoria de Jhering, ainda que em alguns pontos dela se distancie. Assim, por exemplo, Washington de Barros Monteiro [70], Maria Helena Diniz [71], Sílvio Rodrigues [72], César Fiuza [73], Francisco Antônio Casconi [74] e Orlando de Assis Corrêa [75].

Outros, porém, afirmam que o revogado código não conseguiu ser fiel a nenhuma das teorias. É o caso de Joel Dias Figueira Júnior, para quem "na verdade, o Código brasileiro não conseguiu ser fiel a uma ou outra teoria, não obstante a intenção do legislador. Nas sistemáticas normativas em tema possessório, não se pode combater a necessidade de procurar a harmonização entre as duas teorias: a falta de menção expressa da lei ao requisito do animus não pode ser interpretada como adesão á corrente doutrinária que exclui da posse o elemento psicológico." [76]

Já Pontes de Miranda entende, reportando-se ao revogado código civil, que "o Código Civil brasileiro fez-se, em matéria de posse, com elementos romanos, germânicos e canônicos." [77]

Para o festejado jurista, "o que interessa à tutela da posse é ser a posse relação fática, inter-humana, ainda que o conteúdo dessa relação nem sempre seja o mesmo e a própria extensão da posse varie de povo a povo, ou de século a século. Um dos equívocos foi, como temos de mostrar, o equívoco do animus possidendi, com que se subjetivou a relação fática, objetiva, se bem que inter-humana, da posse. Tal equívoco não se desfaz quando se insinua que há no caso concreto, imanente corpus" [78].

Isto se deve ao fato de que para o citado tratadista, "a posse é estado de fato, em que acontece poder, e não necessariamente ato de poder. A relação possessória é inter-humana e a posse exerce-se por atos ditos possessórios; mas tem-se de distinguir, ainda no mundo fáctico, o poder e o exercício do poder. A posse é poder, pot-sedere, possibilidade concreta de exercitar algum poder inerente ao domínio ou a propriedade. Não é o poder inerente ao domínio ou á propriedade; nem, tampouco, o exercício desse poder." [79]

Como se observa, para Pontes de Miranda, a posse é antes de tudo uma relação puramente fática, na qual podem ser abstraídos o animus e mesmo o corpus, como, aliás, afirma que o Código Civil fez em alguns pontos. Para ele, a proteção possessória está escudada no princípio "quieta non movere".

Mas mesmo juristas que afirmam a adoção da teoria de Jhering, admitem que em alguns pontos o Código Civil revogado agasalhada a teoria de Savigny. É o caso, por exemplo, de César Fiúza que após se perguntar qual das teorias teria sido acolhida, pondera: "O artigo 485 diz considerar-se possuidor aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade. Vimos que os poderes inerentes ao direito de propriedade são os de usar, fruir, dispor e reinvidicar. O exercício de qualquer acarretará posse. Claro está, pois, que a teoria adotada é a de von Jhering, muito mais adequada ao tráfego negocial contemporâneo. Não obstante, em alguns momentos adota-se a teoria de Savigny. Tal é o caso do usucapião, que exige a intenção de dono" [80]

Parece que razão assiste a Pontes de Miranda, pois no caso da saisina, por exemplo, abstrai-se tanto o corpus como o animus.


7. A Concepção Contemporânea da Posse

As concepções do direito medieval, em especial do direito canônico, vigeram até a Revolução Francesa. A respeito, invocável o magistério de Astolpho Rezende: "Um dos primeiros atos da Revolução Francesa foi a abolição do regime feudal. Abolido esse regime, extintos ficaram, por via de conseqüência, todos os direitos reais nascidos dele, cuja existência era inconciliável com os princípios em que ia repousar a nova organização da sociedade. A Revolução deu a todas as rendas o caráter de simples direitos de crédito, todos os privilégios e regalias incompatíveis com o novo regime e tirou aos cargos públicos caráter de propriedade. Os direitos reais ficaram assim reduzidos ao que eram entre os romanos" [81]

O Código Civil Francês, publicado em 1804, consolidou esta situação, priorizando uma visão privatista da propriedade e da posse. Na esteira do Código Napoleônico, surgiram os códigos: austríaco (1811), neoirlandês (1838), saxão (1863), italiano (1865) do Cantão de Zürich (1887).

Estas legislações, refletindo o pensamento jurídico então vigente, agasalharam uma concepção da posse que espelhava o modelo filosófico, político e jurídico próprio do Estado Liberal, oriundo da Revolução Francesa.

Após séculos de um nefasto modelo onde o Estado servia ao monarca e somente secundariamente agia em prol do cidadão (sequer podemos falar, tecnicamente em cidadania neste caso), a Revolução Francesa representou a ruptura com ancestrais dogmas e a eclosão de um novo pensamento, no qual o Estado não pode ter como finalidade oprimir ao indivíduo e servir a uma casta ou classe.

Pensadores como Russeau, (retomando o pensamento jusnaturalista e contratualista de Hobbes e Locke), e Descartes, fornecem a base filosófica para um modelo de no qual o Estado surge como fruto da opção dos homens, que abrem mão de parte de sua liberdade para constituir uma instituição cuja finalidade é assegurar a paz necessária ao desenvolvimento das atividades individuais. Em síntese, o Estado Liberal é um Estado mínimo, cuja maior virtude deve ser a de interferir o menos possível na esfera de direitos do cidadão.

Sob a ótica jurídica, o Estado Liberal apregoa a igualdade de todos perante a lei, mas somente no plano formal, e apresenta uma visão privatista e individualista.

Desta forma, embora construída a partir de postulados científicos, a posse que emerge das legislações do início do século XIX não difere muito da romana no que diz respeito ao enfoque em relação ao indivíduo.

Mas é preciso lembrar que a ruptura com o regime absolutista é mais formal do que concreta. Em verdade, sob o prisma social, apenas a denominada "burguesia" se beneficiou com a possibilidade de ascensão social e acesso ao poder estatal. Esta camada, formada pelos beneficiados do mercantilismo e, posteriormente, da revolução industrial que se iniciava, foi paulatinamente ganhando espaço em vista do acumulo de riquezas, e foram, na verdade, os grandes mentores do processo revolucionário.

Por isso, não e de surpreender que a igualdade seja meramente formal. Não há uma vontade real de alterar o status quo social. O que se busca é assegurar uma esfera de liberdade, vale dizer, de não interferência estatal, que possibilite o pleno desenvolvimento das atividades comerciais e industriais.

Ocorre que este modelo não tardaria a apresentar problemas. É que as camadas menos favorecidas da sociedade foram aglomerando-se nos centros urbanos, em virtude do processo de industrialização, o que permitiu a difusão de idéias e a mobilização.

As precárias condições de trabalho e a escassa urbanização destes centros, que surgiram e cresceram sem controle, contribuíram ainda mais para a eclosão de movimentos de protesto. É neste quadro histórico que surgem o pensamento socialista e os movimentos sociais como a Comuna de Paris ou o Anarquismo italiano. O quadro agrava-se ainda mais com a I Guerra Mundial, em cujo fim verificamos a Revolução Russa. Também neste período, ou seja, segunda década do século XX, acontece a Revolução Mexicana.

Este contexto do início do século XX, com movimentos revolucionários na América, com a Europa combalida pelo conflito mundial, e com a África e Ásia com quadros de instabilidade e, ainda, sob o jugo do colonialismo, é que tem advento o constitucionalismo social.

Os marcos do constitucionalismo social são as Constituições Mexicana (1917) e de Weimar (Alemanha 1919), marcadas pelo surgimento dos denominados direitos de segunda geração [82].

É preciso, neste passo, estabelecer a correta dicotomia entre Estado Social e Estado Socialista. O Estado Socialista está baseado em uma visão estatizante e abole a propriedade privada, ao passo que o Estado Social não é incompatível com o Capitalismo.

A consagração de um modelo de constitucionalismo social não implicou, porém, alterações instantâneas no direito civil e na visão acerca da posse. Tal somente passou a ocorrer a partir da segunda metade do século XX, como se pode ver do Código Civil Italiano.

A Constituição Federal de 1988 indubitavelmente agasalhou uma visão escudada nos primados de um Estado Social.

Mas o que caracteriza a visão de um Estado Social? O aspecto fundamental do Estado Social reside na ampliação do papel do Estado, de mero garantidor de direitos, e verdadeiro mecanismo de interferência na realidade social. Enquanto o Estado Liberal é um Estado Mínimo, cuja maior virtude é interferir o mínimo possível nas leis de mercado, o Estado social representa um re-direcionamento do Estado, através do qual se busca estabelecer uma série de atuações positivas pelas quais o aparelho Estatal efetivamente atue em benefício da redução das desigualdades sociais. A conseqüência é uma visão mais "solidarista", menos individualista do Direito.

Especificamente no que diz com a posse e a propriedade, ocorre a inserção do conceito da "função social" da propriedade e da posse, por conseguinte. Mas o que é a função social da propriedade? Grosso modo, podemos dizer que a função social da propriedade representa uma mitigação do poder absoluto do proprietário e uma condicionante do exercício da posse, caracterizando-se pela submissão da propriedade e da posse a uma utilidade que transcende o mero interesse individual.

A propriedade e a posse e o seu exercício apresentam repercussões sobre o meio ambiente, economia, condições de trabalho etc..., que são dimensões tipicamente coletivas e que eram normalmente olvidadas.

Observando-se os ordenamentos ocidentais modernos "podemos afirmar que teve acolhida bastante favorável na maioria dos ordenamentos ocidentais. Precursoramente a Constituição Mexicana de 1917, art. 27, e Weimar (Alemanha, 1919), art. 153, seguidas, depois, pela Constituição italiana de 1947, art. 42. Vista a proteção ambiental como face da função social, podemos observar a Constituição da Espanha (1978), arts. 148 e 149, a Constituição Alemã de 1949, reformada em 1972 (art. 74, n. 24) e a lei italiana n. 394 de 1986 (art. 5º, 3). Também a lei francesa nº 76-673 de 1976 e a Lei de Controle de Poluição inglesa de 1974." [83]

Analisando a legislação pátria, vemos que "as Constituições de 1967 e 1969 deve-se à inserção da função social da propriedade, e como condicionante da propriedade. Na primeira art. 150, § 22 e 157 e parágrafos, e na segunda, art. 153, § 22, e 161 . A Constituição de 1988 dedicou diversos dispositivos à disciplina da propriedade. José Afonso da Silva enumera os seguintes arts. 5º, inc. XXIV a XXX, 170, II e III, 176, 177, 178, 182, 182, 183, 184, 185, 186, 191 e 222. Na verdade, o art. 5º nos incisos XXII e XXIII traz os princípios basilares da propriedade, o primeiro garantindo-a., o segundo atrelando-a a função social." [84]

caráter público da função social é realçado por José Afonso da Silva, que assevera que "os juristas brasileiros, privatistas e publicistas concebem o regime jurídico da propriedade privada como subordinado ao Direito Civil, considerado direito real fundamental" e emenda que "essa é uma perspectiva dominada pela atmosfera civilista, que não levou em conta as profundas transformações impostas às relações de propriedade privada, sujeita, hoje, à estreita disciplina do Direito Público, que tem sua sede fundamental nas normas constitucionais." [85]

Mais adiante, ao versar sobre o capítulo da ordem econômica, lembra o citado jurista acerca da propriedade que "ela não mais poderá ser considerada puro direito individual, relativizando-se seu conceito e significado, especialmente porque os princípios da ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu fim: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social." [86]

Especificamente no novo Código Civil, temos o artigo 1.228, que expressamente preconiza a adoção da função social da propriedade, e, portanto, da posse, salientando que a propriedade deve ser exercida "em consonância com suas finalidade econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem, como evitada a poluição do ar e das águas."

Esta nova visão deu azo a concepções novas e recentes, como a "teoria do fato socioeconômico potestativo". A respeito desta concepção, apostila Joel Dias Figueira Júnior: "A posse nada mais é do que uma relação fática socioeconômica com carga potestativa (poder de ingerência) formada pelo sujeito titular de um bem da vida para a obtenção da satisfação de suas necessidades, suficientemente apta a excluir terceiros que possam prejudicar de alguma forma o seu normal desenvolvimento, tornando-se geradora de efeitos que se refletem no muno jurídico. Por poder de fato entende-se a sujeição da coisa à pessoa e a senhoria da posse sobre a coisa: é o elemento mais evidente e indispensável desse instituto." [87]

Segundo este autor, "para identificar uma situação possessória e a respectiva qualidade do possuidor não é necessário adentrar o caminho espinhoso da análise do animus e do corpus. O exame deverá basear-se no poder do sujeito sobre determinado bem dentro de um contexto social e econômico, em que a posição de senhoria exterioriza-se (exercício) ou potencializa-se (possibilidade de exercício) através de uma relação potestativa como desmembramento da propriedade ou de outro direito real, no mundo jurídico." [88]

Na esteira desta teoria, afirma o doutrinador, "a caracterização da posse prescinde do exercício de atos (exteriorização material que é própria, como dissemos, de uma concepção naturalista do corpus), bastando, em qualquer hipótese, a existência de poder sobre um bem. Por isso, exemplificando, é admissível a posse de um imóvel sem que o possuidor o cultive, explore ou visite. Como não existem parâmetros ou diretrizes que determinem a atuação máxima ou mínima do titular de um direito, pela mesma razão, sendo a posse desmembramento fático de alguns dos poderes inerentes à propriedade ou direitos reais, também não encontramos parâmetros legais que determinem a atividade de quem exercita qualquer desses poderes." [89]

Logo, a conclusão é que "a posse não é o exercício do poder; mas sim o poder sócio-econômico propriamente dito que tem o titular da relação fática sobre um determinado bem. A posse caracteriza-se tanto pelo exercício como pela possibilidade de exercício. Ela é disponibilidade e não disposição; é a relação potestativa e não necessariamente o efetivo exercício." [90]

Na mesma senda segue Ricardo Fuiza, que a comentar o artigo 1.196 do novo Código Civil, afirma que "a posse é uma situação fática com carga potestativa que, em decorrência da relação sócio-econômica formada entre um bem e o sujeito, produz efeitos que se refletem no mundo jurídico. O seu primeiro e fundamental elemento é, portanto, o poder de fato, que importa na sujeição do bem à pessoa e no vínculo de senhoria estabelecido entre o titular e o bem respectivo. A posição de senhoria exterioriza-se através do exercício ou da possibilidade de exercício do poder, como desmembramento da propriedade ou de outro direito real, no mundo fático. Por sua vez, o poder exteriorizado ou a possibilidade do seu exercício estará , via de regra, em consonância com o direito real que ele representa na órbita do mundo de fato. Em outras palavras, a situação potestativa do mundo fático corresponderá àquela pertinente ao mundo jurídico, dentro de suas limitações." [91]

Como se observa, a vanguarda das teorias acerca da posse abstrai a secular discussão acerca do animus e do corpus.


8. A proteção possessória no sistema jurídico brasileiro contemporâneo.

No atual contexto do direito pátrio, a posse é tratada como simples fato. A propósito, lembra Adroaldo Furtado Fabrício que: "Posse é fato. Fracassaram as tentativas de caracteriza-la como um direito, inclusive a de Jhering, líder da corrente. A própria doutrina germânica, de um modo geral, manteve-se fiel à idéia de ser a posse simples fato, independente de qualquer relação jurídica entre pessoa e coisa". [92]

E, após trazer a lume a doutrina de Pontes de Miranda, que identifica o caráter fático da posse, conclui: "Sem dúvida, pode haver ‘direito de possuir, ou direito a possuir’, ou ainda, ‘direito à posse’, mas este direito positivamente não é posse, tanto que o titular daquele ius possidendi nem sempre é possuidor. Por outro lado, toda tentativa de justapor a esse direito de possuir um ‘direito de posse’(ius possessionis) esbarra na impossibilidade de se lhe atribuir um conteúdo determinado. O ‘direito de posse’ é direito a que, ou direito de quê? Qualquer resposta cairá ou na tautologia ou na confusão com o ius possidendi. Precisamente, o que caracteriza a posse é o prescindir, para torná-la digna de proteção jurídica, de saber se corresponde ou não à existência de um direito." [93]

Diversamente, Serpa Lopes, após mencionar as três concepções doutrinárias da posse, conclui: "Não temos dúvida em que a posse é um direito e não simplesmente uma pura relação de fato. Demais, ex facto oritur ius. Se formos considerar a posse como um não direito pela circunstância de se basear num fato, tal marca teríamos de lança-la em muitos outros institutos, porquanto do mesmo modo, se fundam em relações de fato. E entendemos assim como um direito por isso que se nos afigura incontestável a presença de uma relação jurídica em todo e qualquer fato tutelado pela ordem jurídica e aparelhado da actio." [94]

De minha parte, vejo a posse como uma relação fática de cuja juridicização dimanam direitos. Mas a posse em si não é um direito. É suporte fático.

A posse apresenta dupla tratativa, ou seja, tanto a lei processual como o direito material, versam sobre a matéria. Tanto a lei civil como a processual, estabeleceram a proteção ao possuidor, direto ou indireto, esbulhado ou turbado, ou em vias de sê-lo, inclusive de forma liminar (artigo 506 do CC revogado e 928 do CPC), distinguindo o CPC três hipóteses de ações, quais sejam: reintegração de posse manutenção de posse e interdito proibitório.

A espécie de ação será determinada pelo grau de ofensa à posse, correspondendo, as modernas ações, mutatis mutandis, aos interditos do direito romano.

A ação de imissão de posse, que no CPC de 1939 era considerada possessória, não mais ostenta este caráter, pois "em que pese presente o caráter possessório, a ação é dominial e de natureza petitória, não se confundindo com as possessórias típicas e, tampouco, com a reivindicatória" [95].

Esta dúvida deve-se "a confusão entre jus possessionis (ações possessórias) com jus possidendi (vindicação da posse, CC. art. 521)." [96]

Há divergência doutrinária acerca do caráter real ou pessoal das ações. A respeito, esclarece Marcelo Colombelli Mezzomo: "Diverge a doutrina quanto ao caráter pessoal ou real das ações possessórias. Adroaldo Furtado Fabrício após afirmar que a posse entra no mundo jurídico só quando ofendida sendo mero ‘meio suporte fático’ a que se soma a violação, aduz que ‘com efeito, do nosso ponto de vista as ações possessórias não envolvem de modo nenhum ius in re’. Ovídio Baptista da Silva opina contrariamente, ou seja, pelo caráter real e, após fazer menção as opiniões confusas e equivocadas acerca da ação (de direito material) e do direito subjetivo; bem como acerca da necessária presença de direito real nas ações reais, afirma que ‘se a posse é poder fático sobre um objeto, as pretensões que dela nascem haverão de ser pretensões reais’. Também Theodoro Júnior opina pelo caráter real, pois: ‘Na verdade não há razão para questionar em torno da natureza real da ação possessória, pelo menos em face do direito positivo nacional, posto que o artigo 95 do CPC, ao cuidar da competência para as ações reais imobiliárias, inclui expressamente entre estas, as possessórias.’" [97]

Astolpho Rezende, após longa digressão acerca da discussão do caráter pessoal ou real das ações possessórias acaba por concluir que "as ações possessórias não são, portanto, ações reais; e não o são porque reais são apenas as ações que nascem do jus in re, do direito real (domínio ou direito real sobre coisa alheia)." [98]

Na mesma esteira anota Serpa Lopes: "No Direito atual, pelo menos em relação aos sistema do nosso Direito positivo,a despeito de certas opiniões contrárias, entendemos melhor orientada a corrente que qualifica como real a açãopossessória." [99]

Diversa a opinião de Joel Dias Figueira Júnior, que após afirmar que a natureza jurídica da ação deve levar em conta a natureza jurídica da relação de direito material, no plano substancial, e o pedido, no plano instrumental, conclui: "Em síntese, por esses motivos, as ações possessórias não podem ser consideradas como ações reais ou ações pessoais, em que pese o entendimento contrário da doutrina e da jurisprudência dominantes. As demandas possessórias revestem-se de natureza puramente interdital em razão do caráter fático-potestativo que suas respectivas relações apresentam na órbita substancial. Por isso, a natureza jurídica não pode ser senão fático-potestativa." [100]

Também negando o caráter real das ações possessórias, segue Adroaldo Furtado Fabrício, que apostila: "Ainda na perspectiva que nos situamos inicialmente, qual seja a de ver na posse um fato e não um direito, perde toda significação o problema, em torno do qual se acirra as controvérsias, de ser ‘o direito de posse’ real ou pessoal. Se direito não é, não há de ser real nem pessoal, e aí não se encontrará o critério para a classificação da ação. Como entendemos, o ‘direito subjetivo material’ invocado pelo autor, em ação de cunho possessório - direito de ser reintegrado ou mantido na posse, ou ainda assegurado contra violência iminente -, não preexiste à ofensa, mas nasce dela. A posse é apenas ‘meio suporte fático’, a que precisa somar-se a violação ou ameaça para fazer incidir a regra protetiva. É então e só então que a posse ingressa no mundo jurídico; o Direito dá atenção à posse ofendida ou ameaçada, não à posse pacífica. Como pensar-se, nesse quadro, em direito real, em ius in re? A relação jurídica é entre o possuidor e o que ameaçou, embaraçou ou tomou a posse, apenas." [101]

Qualquer que seja sua natureza, as ações possessórias apresentam características especiais, três das quais são identificadas por César Fiúza como sendo: o caráter dúplice, a fungibilidade, a possibilidade de cumulação com pedido indenizatório. [102]

caráter dúplice coloca o demandado em condições de postular direito próprio no mesmo processo independentemente de reconvenção, "mas esta reciprocidade de posição jurídica entre as partes, esta alternatividade de atitudes entre autor e réu, na mesma demanda, só é possível em relação ao mesmo objeto litigioso" [103]. A respeito, lembra Francisco Antônio Casconi: "De modo geral, a relação jurídico-processual mantém uma polaridade bem definida no sentido de que uma das partes é a que pede para si um bem da vida e a outra, em face de quem é pedido, apenas se defende. Excepcionalmente, há situações em que os dois sujeitos da relação jurídico-material podem propor a mesma ação um contra o outro, surgindo a denominada ação dúplice. O art. 922 permite que o réu, na contestação, alegando que foi ofendido em sua posse, demande, por sua vez, proteção possessória e indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou esbulho cometidos pelo autor da ação. Tal pedido é possível em razão da natureza dúplice das possessórias. Podendo o réu formular pedidos na contestação, não se admite, em regra, reconvenção nas ações possessórias" [104].

Neste caso "qualquer dos litigantes pode assumir a posição de autor ou réu. Em tais condições, lícito é a este último pleitear seu direito e reclamar perdas e danos na própria contestação. Pode, ainda, o autor, pelo mesmo motivo, ser condenado a respeitar a posse do adversário, cominando-se-lhe idêntica pena à pedida na inicial." [105]. A duplicidade está prevista para as três modalidades de ações [106], mas há necessidade de pedido, não bastando mera improcedência da ação para beneficiar-se o réu.

A propósito, doutrina Arnaldo Rizzardo: "Vindo omissa a contestação, não cabe conceder-se tal proteção, eis que o caráter dúplice está no fato de o réu inserir na contestação seu direito de investir ou contra-atacar. De modo que a simples improcedência, por si só, não representa tutela judicial dispensada à posse do demandado. Não se deduz que está o réu autorizado a ingressar na posse, ou que restaram legitimados os atos que praticava, e atacados judicialmente. Mesmo quando o juiz afirma ser possuidor o réu, e revelar-se justa e de boa-fé sua posse, não está dispensando tutela possessória." [107]

Mas seriam as ações possessórias ações dúplices por natureza? Responde Adroaldo Furtado Fabrício nos seguintes termos: "Parece-nos que não. Em matéria de proteção possessória, supõe-se a existência de um possuidor e de um ofensor da posse; as correspondentes legitimações ativa e passiva são definidas por essas mesmas posições e não são intercambiáveis. O que antes denominamos polaridade da relação processual acha-se predeterminada antes mesmo da instauração do processo. Basta que se confronte a situação com os exemplos anteriores das ações de divisão e demarcação para saltar a vista a diferença. E, no entanto, a lei tornou dúplice a ação possessória, ao permitir que o juiz, no mesmo processo e independentemente de reconvenção, dispensasse a proteção possessória ao réu, se ele a requerer para si e provar os requisitos que normalmente se exigem do autor." [108]

A fungibilidade das demandas possessórias tem origem no caráter dinâmico da posse e na perspectiva instrumental do processo. A fungibilidade permite que uma ação possessória seja recebida e processada em lugar da outra, seja porque a primeira foi erroneamente ajuizada, seja porque a situação de fato evoluiu. O CPC foi expresso ao atribuir fungibilidade às ações possessórias, consoante se depreende do artigo 920, excepcionando a regra segundo a qual o pedido vincula o juiz (princípio dispositivo que se traduz para o julgador no princípio da congruência ou simetria).

A respeito da fungibilidade, manifesta-se Arnaldo Rizzardo, verbis: "De forma geral, o erro na denominação correta do interdito provém, às vezes, do erro do interessado quanto ao fato em si, ou de equívoco no referente à qualificação do fato, ou mesmo de uma modificação quanto a apresentação do fato. Por outras palavras, o prejudicado informa em sua inicial que lhe foi retirado o bem, embora tenha ocorrido uma simples turbação, ou refere corretamente os fatos acontecidos, mas avalia-os erroneamente, com dimensões não correspondentes à realidade; ou, ainda, apesar da correta exposição dos fatos, ocorre após uma mudança no rumo dos mesmos. Assim, no caso de ser o ato inicial do esbulhador mera turbação, vindo somente mais tarde a tornar-se público o esbulho. São estas umas das razões que justificam a conversibilidade dos interditos. Somam-se outras, como a idêntica natureza das ações, sempre objetivando a proteção possessória; e a dificuldade prática em se identificar ou dimensionar o tipo de ofensa à posse." [109]

No mesmo diapasão, afirma Adroaldo Furtado Fabrício que "cada uma das ações possessórias tem como pressuposto uma forma específica de hostilidade à posse, que, em escala crescente de gravidade, vai da simples ameaça ao esbulho, passando pela turbação. Contudo, isso não inibe o juiz de outorgar a proteção possessória, mesmo quando requerida sob denominação inadequada ou com invocação de um por outro daqueles pressupostos. É tradicional no Direito Brasileiro a regra nesse sentido, pois, já no tempo da consolidação de Ribas, a doutrina e a jurisprudência a tinham como vigente." [110]

Isto ocorre porque "sobreleva o caráter pragmático das ações, o que exige uma pronta atuação do Estado, pois o possuidor que intenta o pedido de amparo contra ofensa de sua posse, em verdade, pretende, pela prestação jurisdicional, que seja interrompida a ação do ofensor, com a volta da situação anterior, quando ele exercia plenamente a posse." [111]

A terceira característica é a cumulabilidade da tutela interdital com a condenatória, visto que possível o pedido de perdas e danos, conforme preconiza o artigo 921 do CPC. Mas, "as perdas e danos indenizáveis segundo o artigo são os decorrentes da ofensa à posse, e somente estes. Prejuízos outros, não relacionados com os atos ofensivos, não podem ser objeto dessa especial forma de cumulação." [112] A cumulação pode ser intentada sem prejuízo do rito especial. [113]

Tal possibilidade de cumulação estende-se ao réu. A propósito, o escólio de Adroaldo Furtado Fabrício, reportando-se a Couto e Silva: "Silencia o artigo quanto à possibilidade de cumulação dos outros pedidos previstos no artigo 921, por parte do réu. Mas, dada a eadem ratio, não se percebe motivo para que o réu se prive de pedir, se for o caso, também cominação de pena para futuras agressões á posse e o desfazimento de plantações e construções. Estabelecida ex lege a duplicidade da ação, facultam-se ao réu as mesmas cumulações permitidas ao autor pelo art. 921 do Código." [114]

Uma quarta característica das ações possessórias pode ser apontada na preponderante carga executiva, a respeito da qual o processualista gaúcho acima citado tece as seguintes considerações: "Seja de manutenção, seja de reintegração, o julgado impõe por si mesmo os seus efeitos, sem necessidade de um ulterior processo de execução; esta se restringe à expedição e cumprimento de um mandado, sem necessidade de nova citação ou formalidades outras. A ‘auto-executabilidade’ da sentença deferitória da reintegração ou manutenção é característica da proteção interdital e, portanto, independente do rito, assim como independente da haver decorrido tempo maior ou menor de ano e dia desde a ofensa à posse até o ajuizamento da ação." [115]

Esta característica é realçada por Orlando de Assis Corrêa, que escreve: "A sentença que julga procedente o pedido tem força executiva por si própria, não dependendo sua execução de pedido ‘de execução de sentença’. Poderá haver execução, e até mesmo liquidação de sentença, como vimos antes, quando houver pedidos cumulados, ou para recebimento de honorários. A reintegração ou a manutenção,porém, decorrem da própria decisão, mediante o mandado de reintegração ou manutenção." [116]

De par com as ações possessórias stricto sensu, há outros remédios judiciais como os embargos de terceiro e a nunciação de obra nova.

Além deles, há a possibilidade de desforço pessoal, que foi mantida pelo Novo Código Civil, artigo 1210, parágrafo 1º. [117]


9. Liminar Possessória

Há prevista a tutela liminar para a denominada "ação de força nova", assim entendida aquela intentada com menos de ano e dia [118].

Inicialmente, insta consignar, com Joel Dias Figueira Júnior, que "são inconfundíveis as liminares possessórias e as cautelares: aquelas representam a entrega provisória e antecipada do pedido, enquanto estas não realizam tal função." [119]

A respeito, comenta o citado autor: "A manutenção ou a reintegração liminar concedida pelo juiz não se destina a garantir ou viabilizar futura execução de sentença ou qualquer outro processo de conhecimento. As ações possessórias exaurem-se em si mesmas, ou seja, atingem suas finalidades precípuas dentro da própria demanda, fulcradas nas decisões judiciais que são executivas lato sensu ou mandamentais, seja através de decisão proferida na primeira fase procedimental, seja em sentença de procedência." [120]

Trata-se de uma das poucas hipóteses de liminar declaradamente satisfativa antes do advento do artigo 273 do CPC e que compreende somente as eficácias executiva e mandamental, não a condenatória.

Também não podemos olvidar que o prazo de ano e dia diz respeito somente ao rito que poderá ser utilizado, não atingindo o direito material em si. A respeito, refere Pontes de Miranda, que "no direito civil brasileiro, as pretensões à proteção possessória não se extinguem passado o ano e dia (artigo 523): o que se extingue é o direito ao rito especial da ação possessória (...) Perde-se a tutela, se a pretensão á recuperação se extingue; e essa só se extingue com a usucapião pelo esbulhador, ou pelo terceiro de boa-fé." [121]

Na mesma esteira, pondera Adroaldo Furtado Fabrício: "Com efeito, não é e nem poderia ser a especialidade do rito o fator determinante do conteúdo da pretensão de direito material deduzida. O que o autor busca, mesmo quando não deseje ou já não possa postular a tutela pronta e provisória, é ainda a proteção possessória, e o que se há de julgar é a posse." [122]

Para Pontes de Miranda, tal prazo é preclusivo e processual [123], diversamente do que afirma Joel Dias Figueira Júnior, para quem o prazo é "decadencial e, portanto, substancial preclusivo." [124]

A contagem do prazo, ou seja, o termo a quo, giza Pontes de Miranda, "é desde o esbulho; ou desde a última turbação, se repetida; desde o início, em se tratando de turbação permanente. Se a ofensa à posse foi oral ou escrita, conta-se o prazo do conhecimento dela pelo possuidor." [125]

Mas esta fórmula aparentemente simples pode apresentar alguns complicadores quando em vista de atos diversos e de diversa natureza, podendo, então o prazo corresponder ao primeiro ou al último dia em que se verificarem. A respeito, o magistério de Joel Dias Figueira Júnior é pertinente. Diz ele: "Dentre as variantes, três situações podemos distinguir: a) quando os atos são autônomos entre si e se configuram em hipóteses diferentes de esbulho ou de turbação, inclusive praticados diretamente contra o mesmo bem e referentes à mesma relação possessória - neste caso, o prazo flui ex novo para cada um deles; b) quando os atos são autônomos entre si, mas insuficientes a integrar, singularmente, a moléstia da posse- o prazo, neste caso, começa a fluir a partir do último dos atos praticados, ou seja, daquele que, finalmente, concretizou a moléstia; c) quando os atos são conexos entre si, de modo a formar uma ação única de caráter continuativo, isto é,turbação permanente- nesta hipótese, o prazo se inicia com a prática do primeiro ato, já, por si, em grau de concretizar a moléstia, com a conseqüência de que os atos sucessivos a este representam apenas manifestação ou continuação, não comportando uma nova contagem do prazo pertinente aos respectivos atos." [126]

Feitas estas digressões, insta questionar quais os requisitos para obtenção da tutela liminar possessória? A rigor, os mesmos que são necessários para lograr-se acolhida na demanda, acrescidos de algumas especificidades. São eles a prova da posse; da turbação ou do esbulho, através da indicação dos atos concretos; e da data em que ocorreram, consoante se depreende do artigo 927 do CPC.

Francisco Antônio Casconi chama a atenção para o fato de que são "compreensíveis as exigências, pois, não demonstrada a posse do autor, descaracterizada a possessória. A prova da data da ofensa à posse permitirá apurar qual o procedimento a ser adotado." [127]

Importante atentar que "a lei nem sequer cogita de passagem a respeito da necessidade de comprovação de algum dano ou de periculum in mora" [128].

Isto se deve, segundo Joel Dias figueira Júnior, ao fato de que "o próprio sistema, fiel à tradição que remonta ao direito romano e pela própria importância socioeconômica do fenômeno possessório, que requer a sua estabilidade no plano fático (pela manutenção ou restabelecimento da situação ao status quo ante), prevê a possibilidade jurídica de antecipação da tutela interdital, com eficácia provisória, desde que formado juízo de verossimilhança. Ademais, trata-se de medida de natureza sumária, satisfativa injuncional, ontológica, estrutural e funcionalmente distinta das providências cautelares." [129]

No que se refere às citadas provas, é preciso ter em linha de conta que "com vistas à concessão da liminar possessória, não é de se exigir prova cabal, completa e irretorquível dos requisitos alinhados no artigo. Trata-se - não é demasia repetir - de cognição incompleta, destinada a um convencimento superficial e a orientar uma decisão de caráter eminentemente provisório. Não se poderia exigir, para uma provisão judicial destinada a duração não maior que a do processo, o mesmo grau de convencimento necessário ao julgamento definitivo do mérito." [130]

A prova apta a comprovar de plano as alegações, consoante assevera Joel Dias Figueira Júnior, é a documental, mas pondera que: "Como nas demandas a lide gira em torno de relações do mundo fático, em que a causa de pedir aparece, via de regra, exclusivamente fulcrada no ius possessionis, e não no das relações jurídicas, o documento é forma mais difícil de satisfatoriamente provar o alegado, tendo em vista que nas situações possessórias o título, por si só, aparece como causa possessionis." [131]

Na mesma esteira, Arnaldo Rizzardo afirma que: "Considera-se devidamente instruída a inicial se acompanhada de prova documental, que não pode consistir de declarações colhidas fora dos autos e prestadas por terceiros sobre a situação de fato. Tais documentos são desacreditados, mesmo que lavrados em cartório e sob a forma notarial. Igualmente não bastam documentos comprobatórios de domínio ou de outro título jus possidendi, pois que não expressam necessariamente o exercício de posse." [132]

A respeito, acresce Francisco Antônio Casconi que "títulos de domínio, por sua vez, não implicam necessariamente no deferimento da liminar, visto que a prova exigida é a da posse e não do direito de propriedade sobra a coisa" [133], o que se deve ao fato de que "o procedimento especial da possessória é caracterizado tão-somente pela possibilidade de expedição de mandado liminar, pois seja ou não expedido tal mandado, transforma-se a ação, após a decisão que aceita ou indefere o pedido liminar em ação de procedimento comum" [134].

Caso não comprovados de plano os requisitos, surge a possibilidade de realização de justificação prévia.

Providência prévia sempre exigida em vista da concessão de liminar é a oitiva das pessoas jurídicas de direito público quando partes na relação processual


10. Conclusões

A relação do serem humanos com os bens é antiguíssima, remontando, indubitavelmente, a tempos imemoriais.

Mas desde que se iniciou a estruturação do Direito Ocidental, o que se deve basicamente ao Direito Romano, a posse tem recebido tratamento jurídico, inclusive no que tange a sua proteção, em especial a partir da Lei das XII Tábuas.

A queda de Roma transmitiu todo este legado cultural ao Direito Medieval, que resulta da junção do Direito Romano, do Direito Canônico e do direito consuetudinário das tribos que habitavam o norte da Europa.

Ressalvadas algumas modificações, podemos afirmar que os instrumentos de proteção possessória mantiveram-se fiéis ao Direito Romano desde então, não obstante as transformações operadas a partir da Revolução Francesa e do Constitucionalismo Social.

quadro atual revela uma visão nova da posse e suscita novos problemas, muitos dos quais não encontram mecanismos seguros de resolução na sistemática de proteção possessória vigente.

As invasões coletivas de terras, por exemplo, causam notórias dificuldades quanto à legitimidade passiva e à execução dos mandados de reintegração.

Com efeito, a percepção de uma dimensão social na posse implica na necessidade de revisão de alguns postulados do processo possessório, sabidamente erigido sob uma ótica do direito privado.

Fica a expectativa de que o ciclo de reformas do CPC que ainda prossegue, venha, finalmente, atentar para os procedimentos especiais, principalmente para o procedimento possessório, mormente diante da necessidade de sintonia com o novo Código Civil e com institutos já introduzidos no próprio processo civil.


Notas

01 No Brasil, sítios arqueológicos situados no Estado do Piauí indicam presença humana a pelo menos 40.000.

02 Astolpho Rezende. A posse e sua Proteção, 2ª edição, São Paulo, Lejus, 2000, p. 1.

03 A pandectística é uma corrente de pensamento jurídico do século XIX que tem por base a revisitação dos textos romanos sob o prima do cientificismo moderno, nisso diferindo da glosa da idade média.

04 A respeito, Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas, 4ª edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos Editora, 1996. v. VI, p. 118, lembra que: "As origens romanas, todavia, ainda se revelam envoltas em certa nebulosidade, sendo ainda árdua e intricada a análise das técnicas de ordem prática, tendo em vista, como bem ressalta o erudito Prof. San Thiago Dantas, ‘o espírito dos romanos pouco amante das abstrações, das construções teóricas e das definições’ para uma dogmática possessória".

05 Vittorio Scialoja, Teoria dela proprietá nel diritto romano, 1928, v. 1. p. 242, apud Astolpho Rezende, op. cit. p. 10.

06 Astolpho Rezende, op. cit. p. 12.

07 Idem ibidem, p. 14.

08 Idem ibidem, p. 15.

09 Charles Maynz, Cours de Droit Romain, vol. 1, nº 15, apud Astolpho Rezende, op. cit. p. 15.

10 Idem ibidem, p. 20.

11 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro, Borsói, v. X, p. 49.

12 Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas, 4ª edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos Editora, 1996. v. VI, p. 116-117.

13 Liminares nas Ações Possessórias; 2a edição, São Paulo, RT, 1999, p. 108-109. Vai adiante, salientando que: "Por outro lado, as duas teorias convergem para um ponto comum quando admitem que teriam sido os pretores romanos os criadores da proteção possessória através do meio processual denominado interditos (interdecita)" (Op. et loc cit).

14 Astolpho Rezende. A posse e sua Proteção cit, p. 22. Segundo o mesmo autor "a característica desta magistratura era e continuou sendo a falta de colegialidade na sua competência especial, limitada à jurisdição civil, o que lhe dava, naturalmente, uma importância maior" (Op. et loc. cit.)

15 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado cit., v. X, p. 410.

16 Astolpho Rezende. A posse e sua Proteção, 2ª edição, São Paulo, Lejus, 2000,, p. 24.

17 Op. cit., 276.

18 Liminares nas ações possessórias cit., p. 110.

19 Tutela Antecipada nas Ações Possessórias. 1ª edição, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2001, p. 23.

20 Op. et loc cit. Ver, ainda, Astolpho Rezende. A posse e sua Proteção, cit., p. 276

21 Liminares nas Ações Possessórias; 2ª edição RT, São Paulo, 1999, p.110.

22 Op cit., p. 111. Quanto ao funcionamento dos interditos retinendae possessionis, prossegue esclarecendo: "Procedimentalmente, ambas as formas de interditos equiparavam-se. Em síntese, as partes litigantes efetuavam em relação ao imóvel de comum acordo, um ato formal de força (vis ex conventu) no qual rejeitavam sujeitar-se à proibição pretoriana. Prometem reciprocamente em forma de stipulatio uma soma em dinheiro, a título de multa para o caso em que o próprio ato de força resulte ilegítimo (sponsiones) e outra quantia também a título de multa para a hipótese contrária, em que resulte legítimo o ato de força contra-parte (restipiulationes). As duas partes podem então reciprocamente convencionar em juízo com base nessas quatro estipulações, obtendo assim uma indireta pronúncia judicial sobre quem era, entre eles, o último possessior iustus, o qual resultará absolvido nos dois juízos em que é autor. Nesse ínterim a posse provisória é atribuída à parte que, em seguida a uma hasta (fructus licitatio), promete pagar à outra, a título de multa, a soma maior no caso de sucumbência (stipulatio fructuária)". (Op. cit. p. 113)

23 Astolpho Rezende. A posse e sua Proteção cit., p. 277.

24 Liminares nas Ações Possessórias Astolpho Rezende. A posse e sua Proteção cit., p. 277.

25 Liminares nas Ações Possessórias cit., p. 115.

26 A posse e sua Proteção cit., p. 278.

27 Op. et loc. cit.

28 Idem ibidem, p. 279.

29 A posse clandestina era definida pela fórmula: "Clam possidere eum dicimus qui furtive ingressus est possessione, ignorante eo quem sibi controversiam facturum suspicabatur, et ne faceret, timmebat".

30 Joel Dias Figueira Júnior, Liminares nas Ações Possessórias; 2ª edição, RT, São Paulo, 1999, p. 116.

31 Op. cit. p. 117, citando Alberto Burdese.

32 Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas cit.,p. 212-213. Conclui: Daí as seguintes conseqüências: a) a violação da posse constituía um fato ilícito classificado entre os delitos, importando na obrigação de reparação; b) como segunda conseqüência,a violação da posse dá lugar a uma ação penal e,portanto, essencialmente pessoal, embora esse caráter pessoal seja muito contestado..."

33 Tratado de Direito Privado cit., t. X, p. 22. Mais adiante, prossegue o civilista, esclarecendo que:"Para os glosadores, detentio, detinere, não é antítese de possessio, possidere; possidere também é tenere, detinere. Há tença na posse, se bem que nem sempre haja possessio na detentio. ‘Possessio naturalis sive civilis detentio est’. Para que ‘detenção’ se oponha a posse, é preciso que se trate de detenção que também não é posse:’detenção’= detenção - posse. Ainda se distinguia a detenção a que correspondia, sequer, possessio naturalis, e aquela a que correspondia. Mas, para Bassiano e Azão, há a possessio civilis, a possessio naturalis e a detentio. Assaz importante é atender-se a que Placentino viu que a posse só natural também tinha efeitos"

34 Op. cit, p. 23.

35 A posse e sua Proteção cit., p. 288.

36 Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas, 4ª edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos Editora, 1996. v. VI, p.129.

37 A posse e sua Proteção cit. p. 289. No mesmo diapasão, Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas cit. p. 130.

38 Idem ibidem. p. 290.

39 Idem Ibidem, loc cit. Segundo o autor, Os abusos na utilização deste remedium iuris conduziram o Papa Inocêncio a limitar sua aplicação ao perpetrador da violência, considerando-se o sucessor da posse que estivesse de má-fé como autor da violência (Op. et loc. cit.).

40 Consoante doutrina Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas, 4ª edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos Editora, 1996. v. VI, p. 127, reportando-se ao magistério de F. Schupfer: "A denominação dada pelos bárbaros à posse foi a de Gewere, do gótico vasjan, significando vestir, traduzida nas fontes latinas como vestidura ou investidura, de onde se originou a palavra manus ou manus vestita, com que se indicava o mundio, quer sobre coisas, quer sobre as pessoas"

41 Código Civil Anotado e legislação extravagante; 2ª edição, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 564. E adiante complementa, lembrando que "havia várias classes e tipos de Gewere (material, jacente, expectante, ideal) que possuíam eficácias distintas, conforme o caso (efeitos defensivos, ofensivos e translativos). Foi a justificativa da posse do herdeiro (CC 1784), havendo passado pelo direito medieval francês (droit de saisine) e pelo sistema brasileiro anterior (e.g. CC/1916 1572)."

42 Tratado de Direito Privado cit., t.X, p. 67. E adiante acresce:"No direito germânico imobiliário, aquele a que chamamos detentor não podia ter liberdade, porque ser livre era ter algo próprio ou allodium (L. Jacobi, Miete und Pocht, 39). Não havia relação jurídica puramente obrigacional que correspondesse à locatio conductio do direito romano (A Heusler, Instituitionen, I, 178, e 377 s): a quem cabe ter consigo a coisa, sem que dela goze, não tem a Gewere e, pois, direito real. Assim todo direito de utilização da coisa era real. Quem tinha a Gewere não era exposto a que outrem lhe tirasse a coisa (eficácia defensiva); se alguém lhe tirara, podia o titular da Gewere ir contra o esbulhador ou contra qualquer terceiro (eficácia ofensiva). Como se vê, não se podem identificar as ações oriundas da Gewere e as ações possessórias, mesmo porque os princípios jurídicos germânicos não chegaram a distinguir , precisamente, como os romanos, posse e propriedade." (Op. cit. p. 109).

43 Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas cit., p. 127. E complementa: "O ponto nodal da posse no Direito Germânico consistia nisto: diferentemente do sistema romano, que separou posse do domínio, o Direito germânico confundia os dois institutos, e, encarando a posse como manifestação exterior da propriedade, não admitia caracterizada a sua violação senão tanto quanto supusesse a violação desta. Por conseguinte, embora no Direito Romano a posse pressupusesse a defesa da propriedade, todavia a proteção a ela dispensada tinha por esteio unicamente o simples fato da posse, ao passo que, no Direito germânico, a sanção penal pressupunha a propriedade e desaparecia a partir do momento em que o réu demonstrasse ser realmente proprietário."

44 Idem ibidem, loc. cit. Acresce o civilista: "Assim, diversamente do Direito Romano, passou-se a negar ao animus domini o papel de elemento qualificador exclusivo do possuidor, senão em geral, de todo aquele que tivesse a fruição das coisas, isto é, quem tivesse o animus sibi habend.i"

45 Liminares nas Ações Possessórias cit., p. 119.

46 Op. et loc. cit. Conclui o monografista ressaltando que "o interdito proibitório, apesar de não ter recebido no Código Afonsino esta denominação, era também previsto como remédio cominatório inibitório, com escopo de evitar futura moléstia que era temida (Livro III, Título LXXX, nº 6)" (Op cit. p. 120)

47 Após discorrer sobre as hipóteses de falsa negativa de posse da coisa pelo demandado, que implicava na possibilidade de sua retomada sem necessidade de outra ação e contestação, como forma de punição, e sobre a possibilidade de concessão de antecipação de tutela possessória, afirma Joel Dias Figueira Júnior: "Mas o rito ‘especial’ propriamente dito, aplicável às ‘ações de força nova’(aquelas cuja moléstia datava de menos de ano e dia), está regulado no caput do Título XLVIII do mesmo Livro (...) Segundo se depreende do parágrafo 1º, diante da gravidade da lesão representada pelo esbulho, o réu somente poderia contestar em duas hipóteses, quais sejam, se o autor alegasse alguma outra questão além da moléstia possessória ou se o réu pretendesse recusar o juiz da causa; o único momento processual para o oferecimento desta resposta era na audiência." (Liminares nas Ações Possessórias cit. p. 122.). Lembra, porém, que "esse rito diferenciado do ordinário somente se aplicava se o autor postulasse a recuperação do bem, porquanto se pretendesse a aplicação de pena de perda do direito sobre a coisa forçada a ordem normal (comum ou não sumária) do juízo deveria ser observada." (Op. cit. p. 123).

48 Tratado de Direito Privado cit., t. X, p. 30.

49 Idem ibidem, p. 47.

50 A posse e sua Proteção, 2ª edição, São Paulo, Lejus , 2000, p. 33. Segundo ele, "na obra de Savigny, a posse tornou-se objeto de uma revisão geral. Muitos erros foram corrigidos, pontos obscuros esclarecidos, e (o que por si só bastaria à reputação desse tratado), a terminologia dos jurisconsultos romanos foi definitivamente fixada com aquele tato e sagacidade com que se reconhece o jurisconsulto consumado, no estudo e inteligência dos textos." Mas como lembra Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas cit. p. 133: "A teoria do animus tem o nome de Savigny, não por ter sido ele o seu criador, senão por ter sido ele, inspirando-se na idéia de Kant, o seu mais brilhante expositor".

51 Tratado de Direito Privado; 3ª edição, Rio de Janeiro, Bórsoi, 1971, t. X. p. 26.

52 Francisco Antônio Casconi; Tutela Antecipada nas Ações Possessórias, cit., p. 5.

53 Astolpho Rezende. A posse e sua Proteção cit., p. 34. A respeito, conclui Astolpho Rezende que "o conceito de posse na teoria de Savigny, é mais extenso do que o era no direito romano antigo. Pelo direito romano a posse era o exercício do direito de propriedade ou um jus in re, sendo aquele a pose propriamente dita, e esta a quase-posse. Savigny admite que há posse ou quase-posse, quando se trata de direitos que estão ligados à posse e gozo do solo, ou de um imóvel, porque a posse destes direitos coincide com a posse do solo ou do imóvel, a que eles estão ligados." (Op. cit. p. 38)

54 Maria Helena Diniz; Curso de Direito Civil Brasileiro; 18ª edição, São Paulo, Saraiva 2003, v. 4, p. 34.

55 Silvio Rodrigues; Direito Civil; 27ª edição, São Paulo, Saraiva 2003, v. 5, p. 18.

56 A posse e sua Proteção cit. p. 94.

57. Francisco Antônio Casconi; Tutela Antecipada nas Ações Possessórias, cit., p. 5.

58 Washington de Barros Monteiro; Curso de Direito Civil, 35ª edição, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 18

59 Op. et loc. cit. Lembra Astolpho Rezende que "Jhering examina a teoria da vontade sob três aspectos: a lógica, o processo e a legislação, desenvolvendo cerrada argumentação para provar a inconsistência do critério admitido pela escola subjetiva, e a conformidade com o direito e com a razão da sua fórmula: a prova da posse considera-se feita desde que se provou o fato externo, conforme a seguinte sentença de Paulo: sufficit ad probationem si rem corporaliter teneam." (A posse e sua Proteção cit. p. 98).

60, Maria Helena Diniz; Curso de Direito Civil Brasileiro cit., v. 4, p. 36.

61, Silvio Rodrigues. Direito Civil cit., v. 5, p. 18.

62 A posse e sua Proteção cit., p. 99. Daí que "para Jhering, relação possessória ou posse é toda a relação externa, semelhante à que existe normalmente entre proprietário e a coisa, contanto que esta relação externa seja querida, isto é, seja a expressão da vontade do possuidor ou detentor."

63 Idem ibidem, p. 100.

64 Tratado de Direito Privado cit., t. X., p. 31. Adiante complementa, asseverando que "a teoria de R. von Jhering continuou a pesquisa de tantos séculos e deu conta de como entrava no mundo jurídico o suporte fático da detenção. Os seus predecessores haviam dado conta de como entrava no mundo jurídico o suporte fático da posse. Assim, complementou-se a investigação, que antes fora só do lado positivo. Mas a teoria negativa, a de R. von Jhering, por si só, não poderia satisfazer." (op. cit., p. 32)

65, Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro cit., v. 4. p. 36.

66 Nelson Godoy Assis Dower. Curso Moderno de Direito Civil, Nelpa Edições Jurídicas, 4° v. p. 23.

67 Orlando de Assis Corrêa. Posse e Ações Possessórias. Teoria e Prática; 5ª edição, Rio de Janeiro, Aide Editora, 1990, p. 34.

68 Tratado de Direito Privado cit., t. X. p. 34.

69 Astolpho Rezende. A posse e sua proteção; cit., p. 97.

70 Op. et loc. cit. Em outro trecho, afirma que: "No Brasil a doutrina que predominou e dominou, pelo menos a contar do meado do século XIX para cá, foi a de Savigny, ou melhor, o direito romano sistematizado por Savigny. Dão disso testemunho as obras dos nossos escritores, e a jurisprudência dos nossos Tribunais." (Op. cit. p. 57).

71 Curso de Direito Civil, 35ª edição, São Paulo, Saraiva 1999, v. 3. p. 18.

72 Curso de Direito Civil Brasileiro. 18ª edição, São Paulo, Saraiva, 2002, v. 4, p. 38.

73 Direito Civil; São Paulo, 27ª edição, São Paulo, Saraiva, 2002, v. 5, p. 20.

74 Direito Civil: Curso Completo; 2ª edição, Belo Horizonte, Del Rey ,1999, p. 528.

75 Tutela antecipada nas Ações Possessórias; 1a edição, São Paulo, Juarez de Oliveira Editor, 2001, p. 7.

76 A posse e as Ações Possessórias, 5ª edição, Rio de Janeiro, Aide Editora, 1990, p. 23-24.

77 Liminares nas Ações Possessórias; 2ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 27-28.

78 Tratado de Direto Privado cit, t. X, p. 50: "A pesquisa científica, que chegou ao seu mais alto grau, nos séculos XIX e XX, reflete-se nele, pela classificação de conceitos e pela seleção de soluções. Tem de ser interpretado como o Código Civil alemão e o suíço, atendendo-se a que a doutrina, de que provieram, se preocupava com a verdade histórica, e ao mesmo tempo, com a escolha do mais acertado, para a resposta a certos problemas delicados. As soluções atendem, pois, ou têm o fito de atender ao melhor regramento das relações entre os homens. O conceito da possessio é o romano; e não o da Gewere, mais largo, menos preciso, que não prestaria, como o de possessio, à modernização, que se operou com os três Códigos Civis". No mesmo diapasão, segue Astolpho Rezende, para quem "O Código Brasileiro seguiu, nesta matéria, o critério adotado pelos três código que imediatamente o precederam, o alemão, o suíço e o japonês, que consubstanciam o último estado da evolução das idéias jurídicas ao encerrar-se o século XIX (A posse e sua Proteção cit., p. 75)

79 Idem ibidem. p. 06. E conclui acerca do Código Civil de 1916: "Para se medir a importância da atitude do Código Civil Brasileiro basta pensar-se que ele abstraiu - isto é, não reputou elemento necessário - tanto o animus quanto o corpus, restituída, assim ao conceito de posse a sua originária pureza anterior a milenar infiltração metafísica."

80 Idem ibidem. p. 07.

81 Direito Civil cit., p. 528.

82 A posse e sua Proteção cit., p.79.

83 Posteriormente a Constituição Italiana e a Constituição de Bonn (1948), deram prosseguimento ao movimento que redundou nas atuais cartas sociais, sejam elas originárias ou decorrentes de reformas. Com a consolidação do constitucionalismo social, surgiram os direitos de terceira geração, caracterizados pelos direitos difusos e coletivos (consumidor, ambiental etc...), e os direitos de quarta geração, materializados pelos direitos políticos.

84 Marcelo Colombelli Mezzomo e José Fernando Lutz Coelho. A função social da propriedade nos contratos agrários. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, nº. 66, jun. 2003. Disponível <https://jus.com.br/artigos/4125/a-funcao-social-da-propriedade-nos-contratos-agrarios>, reportando-se a Paulo Afonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros, 7ª ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 46 e 206 a 210.

85 Op et loc. cit.

86 José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., São Paulo, Malheiros editores, 1992, p. 246.

87 Op. cit., p. 690.

88 Liminares nas Ações Possessórias cit., p. 35. E segue esclarecendo que "essa sujeição implica um constituinte material exteriorizado, chamado em latim de possessio corpore, e depois brevemente de corpus, e um elemento imaterial, que se constitui na manifestação psicológica própria de quem exercita o poder, como senhor, sobre uma coisa."

89 Idem ibidem, p. 36. Lembra, ainda, que: "O poder de fato social e econômico exercido pelo possuidor sobre determinado bem da vida susceptível de posse é o fundamento desse instituto jurídico, enquanto o animus possidetis e o corpus são apenas componentes estruturais prescindíveis (subjetivo e objetivo) do fato-potestade. Esses dois elementos resultam de uma longa e conturbada elaboração doutrinária, motivo pelo qual não se encontra uma concepção uníssona a respeito."

90 Idem ibidem, p. 37.

91 Idem ibidem, p. 38. Em outro trecho, Joel Dias Figueira Júnior assertoa que: "O verdadeiro fundamento da tutela possessória encontra-se na manifestação do poder fático traduzido pela normal relação exteriorizada entre sujeito e um bem da vida, tendo-se em consideração o fim específico objetivado para satisfação dos interesses do possuidor. A razão da proteção possessória nasce e se encerra na finalidade existencial da própria posse, podendo ser mensurada pelo grau de normalidade do poder fático e através de um critério finalístico, via de regra social e econômico. O objeto da tutela é permitir que o bem realize a sua perfeita, adequada e tranqüila destinação socioeconômica, em benefício do titular do poder fático e dentro de um determinado contexto social. Em outras palavras, protege-se a posse por decorrência dos seus efeitos gerados no mundo jurídico, a fim de que o bem sobre o qual recaiu o poder de fato atinja com segurança sua finalidade social e econômica à satisfação de nossas necessidades. A expressão finalidade social (do bem) deve ser entendida como a função de toda a contextura do mundo fático." (Op. cit., p. 67)

92 Novo Código Civil Comentado, 1ª, ed. 8a tiragem, São Paulo, Saraiva, 2003. p. 1062.

93 Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2001, v. VIII. t. III, p. 377.

94 Op. cit. p. 378.

95 Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas, 4ª edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos Editora, 1996. v. VI, p. 103.

96 Francisco Antônio Casconi. Tutela Antecipada nas Ações Possessórias, cit, p. 26.

97 Marcelo Colombelli Mezzomo. Os Direitos de Vizinhança em Foco; Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS. Disponível em: . Acesso em 29/01/2005.

98 Op. et. loc. cit..

99 A posse e sua Proteção cit., p. 304.

100 Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas cit., p. 220.

101 Liminares nas Ações Possessórias cit., p. 72.

102 Comentários ao Código de Processo Civil cit., v. VIII, t. III, p. 390.

103 Direito Civil, Curso Completo; Belo Horizonte, Del Rey, 1998, p. 552.

104 Astolpho Rezende. A posse e sua Proteção cit., p.310.

105 Tutela Antecipada nas Ações Possessórias cit. p. 45.

106 Washington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil cit,. v. 3. p. 42.

107 Arnaldo Rizzardo. Direito das Coisas; Rio de Janeiro; Forense, 2003, p. 91

108 Op. et loc. cit

109 Comentários ao CPC cit., p. 415. As razões para esta característica são apontadas pelo referido autor. Segundo ele: "É que no pleito possessório, a controvérsia freqüentemente está centrada na identificação da ‘melhor posse’, invocando ambas as partes a condição de possuidores. Essa valoração comparativa está autorizada pelo artigo 507, parágrafo único, do Código Civil, que lhe fixa, inclusive, os critérios. Isso torna conveniente, em termos de política judiciária e de economia processual, a adoção de mecanismo que permita ao réu postular para si mesmo a proteção possessória, no mesmo processo e sem os encargos, riscos e formalidades envolvidos na reconvenção. Mas de reconvenção se trata, como quer que seja, com todas as notas características desta, exceto as formais. Em vez de ser oferecida em peça separada, com distribuição, registro, pagamento de taxas e emolumentos etc., a contra-ação é manifestada no corpo mesmo da contestação, sem formalidades outras. É claro que o pedido do demandado tem substância de uma reconvenção, embora dispensada da forma que normalmente se exige desta. Importante é observar que - ao reverso do que ocorre com as verdadeiras ações dúplices - a lei não dispensa o pedido, liberando-o, sim e somente, de forma especial e de tramitação igualmente específica. Não ação naturalmente dúplice, tal pedido, mais do que desnecessário, seria incabível." (Op. cit., p. 416)

110 Arnaldo Rizzardo. Direito das Coisas. cit., p. 120.

111 Comentários ao CPC cit., p. 403-404.

112 Arnaldo Rizzardo. Direito das Coisas cit., p. 120.

113 Adroaldo Furtado Fabrício. Comentários ao Código de Processo Civil;.Rio de Janeiro, Forense, 2001, v. VIII, t. III, p. 408.

114 Francisco Antônio Casconi. Tutela Antecipatória nas Ações Possessórias cit., p. 40.

115 Comentários ao CPC cit., p. 417. E complementa: "Também do ponto de vista da espécie de ação possessória intentada pelo autor, não há porque se colocar qualquer restrição ao objeto da contra-ação. O conteúdo desta pode ser diverso daquele da ação, no atinente à espécie de proteção postulada, e nenhuma das três é, a priori, excluível."

116 Op. cit. p. 441.

117 Posse e Ações Possessórias, Teoria e Prática, cit., p. 114.

118 Falando quando ainda vigente o antigo 50 do revogado Código Civil, assertoa Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas cit.p. 247: "Esse direito de defesa compete a todo e qualquer possuidor, direto ou indireto. Pode mesmo ser exercido pelo possuidor direito contra atos turbativos ou espoliativos provindos do possuidor indireto. Tudo quanto se exige é que o possuidor tome a sua autodefesa imediatamente após a violência ou por ocasião dela. O possuidor que assim procede não comete ato ilícito, e assim não fica responsável pelas perdas e danos que possa causar se agir dentro nos limites do necessário" (sic).

119 Consoante o magistério de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas cit.p. 214. "A condição da posse de ano e dia revestiu-se de muita importância e chegou até nossos dias. É uma regra originária do Direito germânico em que, por força daquele lapso de tempo, não só se adquiria a posse como ainda a propriedade."

120 Liminares nas ações possessórias cit., p. 190.

121 Op cit., p. 192.

122 Tratado de Direto Privado cit, t. X, p. 311.

123 Comentários ao Código de Processo Civil cit., v. VIII, t. III, p. 440.

124 Op. et loc. cit.

125 Liminares nas Ações Possessórias cit., p. 261.

126 Tratado de Direito Privado cit., t. X, p. 311.

127 Liminares nas Ações Possessórias cit. p. 266,

128 Tutela Antecipada nas Ações Possessórias cit. p. 40.

129 Joel Dias Figueira Júnior. Liminares nas ações Possessórias cit.,.p. 268.

130 Op. et loc. cit

131 Adroaldo Furtado Fabrício. Comentários ao Código de Processo Civil; Rio de Janeiro, Forense, 2001, v. VIII, t. III, p. 457.

132 Liminares nas Ações Possessórias cit., p. 271. Em vista disso, conclui: "Assim sendo, tendo-se em consideração que a posse não pertence ao mundo jurídico, o chamado ‘título’ (assim entendido como qualquer título) deve ser interpretado como modo de aquisição (em geral) do poder fático. A sua concepção não está vinculada necessariamente à existência de um documento (revestido ou não de formalidades), mas sim à forma de obtenção do poder factual de ingerência sobre determinado bem da vida, suscetível de posse. Ademais, a posse, para ser adquirida, prescinde de qualquer documento, podendo ser comprovada por todos os meios permitidos em direito (testemunhas, perícia etc.)."

133 Direito das Coisas cit., p. 116. E conclui: "Servem, como meio eficaz para evidenciar atos atentatórios à posse, fotos mostrando a derrubada de cercas, ou a instalação de invasor em domínio alheio. Igualmente, plantas e mapas com a individuação e localização da área invadida. Outrossim, alguma manifestação que mostre repulsa à turbação ou ao esbulho, como a certidão de ocorrência policial e a notificação para que seja desocupado o bem."

134 Tutela Antecipada nas Ações Possessória cit. p. 44.

135 Orlando de Assis Corrêa. Posse e Ações Possessórias, Teoria e Prática. 5ª edição, Rio de Janeiro, Aide Editora, 1990. p. 114.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A posse. Uma digressão histórico-evolutiva da posse e de sua tutela jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 743, 14 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6985. Acesso em: 19 abr. 2024.