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Fusão, salvamento ou mercado

qual a melhor solução para a crise do setor aéreo e da Varig em particular?

Fusão, salvamento ou mercado: qual a melhor solução para a crise do setor aéreo e da Varig em particular?

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Um plano de recuperação sem a entrada de novos acionistas e a mudança dos controladores estará fadado ao fracasso. Até mesmo a falência geraria efeitos menos danosos dos que os produzidos pela redução da concorrência ou pela política de salvamento direta.

Sumário: Introdução; 2.Efeito de uma possível concentração no mercado de aviação, 2.1.Aspectos gerais, 2.2.Da definição do mercado relevante e da determinação da parcela de mercado sob cotrole das empresas requerentes, 2.3.Da propabilidade de exercício do poder de mercado , 2.4.Das eficiências econômicas geradas e seus efeitos, 2.5.Resultado da análise concorrencial; 3.Efeitos e consequências de uma política a direta de salvamento; 4.Nova lei de falências e solução de mercado; 5.Conclusão; 6.Bibliografia; 7.notas.


1 Introdução

            A aviação civil brasileira encontra-se diante de uma crise não mais caracterizada somente pela redução da demanda por viagens ou encarecimento dos custos das companhias, como vinha ocorrendo há alguns anos. O foco da turbulência no setor passa hoje pela situação financeira precária de algumas de suas principais companhias, o que decorre, em parte, dos fatores supracitados, mas também de vícios administrativos inerentes às sociedades aéreas. Essa conjuntura pode ser ilustrada pelo recente cancelamento de concessões de vôo da Vasp ou pela notória situação de insolvência da Varig.

            Deve-se ter em mente que é um fenômeno normal do sistema capitalista a possibilidade de uma sociedade operar em déficit, podendo esse cenário, inclusive, implicar falência. Nesse sistema econômico, os agentes precisam constantemente adaptar-se às novas conjunturas de mercado, sob risco de comprometerem a sua própria existência.

            No contexto de crise acima delineado, o quadro mais debatido é o da Varig. A companhia – que existe há mais de sete décadas – vem acumulando, nos anos recentes, enormes prejuízos operacionais. O seu patrimônio líquido está negativo em mais de 6 bilhões de reais. Do total de suas dívidas, 63% são com o governo ou empresas estatais. Apenas para a Petrobrás, a Varig deve 45 milhões de reais. Para a Infraero, outros 177 milhões de reais (1).

            Não há dúvidas de que tal quadro é insustentável. O escopo desse trabalho é justamente discutir quais as possíveis soluções para a crise no setor aéreo – e para a Varig em particular – tendo como base as três alternativas mais presentes nos debates políticos, jurídicos e econômicos nos dias de hoje.

            A primeira possibilidade de solução seria a fusão entre participantes do mercado de aviação civil. De acordo com o artigo 54 da Lei n.º 8.884/94, esse tipo de operação precisa ser notificada ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), composto atualmente pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), pela Secretaria de Defesa Econômica (SDE) e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae). Cabe ao SBDC, nos termos da lei, examinar e autorizar as fusões requeridas, desde que preencham as condições elencadas pela legislação concorrencial brasileira.

            A segunda possível ação seria a elaboração de uma política governamental direta de salvamento, hipótese esta que vem sendo rechaçada não só pelo governo, mas pela opinião pública. Por fim, há ainda as soluções recentemente configuradas pela Nova Lei de Falências e que permitem perspectivas inovadoras no exame da crise do setor aéreo.


2 Efeitos de uma possível concentração no mercado de aviação

            2.1 Aspectos Gerais

            Durante os últimos anos, esteve muito presente nas discussões acerca do mercado de aviação civil a possibilidade de ocorrer concentração de sociedades atuantes no setor. Em outras palavras, debateu-se quais seriam os potenciais efeitos da redução de concorrência proveniente de uma eventual fusão.

            Esse debate intensificou-se especialmente após a apresentação ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), em 27 de fevereiro de 2003, de processo de Ato de Concentração (2) tendo como objetivo a fusão entre Varig e TAM. Em virtude desse fato, foi implementado o compartilhamento de vôos entre as duas companhias, fórmula que recebeu críticas por ter sido, no fim, apenas "uma maneira (mal) disfarçada de aumentar o poder de mercado" (3). No entanto, em 27 de janeiro de 2005, houve uma reunião entre as requerentes e o Conselheiro Relator do Cade, na qual os representantes das sociedades declararam que não havia mais intenção de se unirem.

            Mais recentemente, no início do mês de abril de 2005, surgiram rumores de que a Gol Transportes Aéreos poderia fazer uma proposta para aquisição da Varig. Apesar de a Gol ter desmentido publicamente a intenção de realizar tal negócio (4), novamente os debates sobre efeitos de uma eventual fusão no mercado se intensificaram.

            Ao contrário da impressão inicial que o homem médio tem ao ouvir que duas sociedades concentrar-se-ão, grande parte das fusões trazem pouca ou nenhuma ameaça à concorrência. Muitas são, simplesmente, investimento de sociedades com disponibilidade de caixa. Outras buscam apenas a utilização mais eficiente dos recursos de sociedades subutilizadas. Pode, ainda, haver fusões que trazem um pequeno prejuízo à concorrência, mas de forma tão atenuada que não afeta negativamente os consumidores (5).

            Entretanto, algumas podem, ao diminuir o número de participantes em um setor, aumentar significativamente a probabilidade de exercício do poder de mercado. Nesse caso, pode haver danos à sociedade por meio de preços mais altos, redução da quantidade ofertada ou da qualidade do produto. Como é muito mais difícil controlar o poder de mercado, uma vez que ele já exista, as autoridades antitruste controlam preventivamente as fusões. Com isso, tentam impedir que sociedades obtenham maior poder de mercado quando julgarem que há uma significativa probabilidade delas o utilizarem para reduzir o bem-estar social.

            Por outro lado, os atos de concentração, na medida em que proporcionam vantagens para as sociedades participantes (economia de escala (6), de escopo (7), redução dos custos, entre outras), podem aumentar o bem-estar social em função das eficiências que podem ser geradas. Dessa forma, não é possível definir, em princípio, se concentrações econômicas afetam, em termos líquidos, positivamente ou negativamente o bem-estar da comunidade.

            Portanto, para saber qual é o efeito predominante de um ato de concentração e para determinar se ele deve ser aprovado ou rejeitado, é preciso realizar um estudo específico de cada caso concreto. Ao contrário, por exemplo, da prática de fixação conjunta e organizada de preços, que a jurisprudência internacional considera perniciosa per se, nos episódios de concentração de sociedades, deve-se adotar a regra da razão, que avalia os fatos caso a caso (8). Essa ótica é confirmada pelos §§ 1º e 2º do artigo 54 da Lei n.º 8.884/94, que estabelecem o princípio da razoabilidade, ou regra da razão, como princípio fundamental do controle das fusões.

            No que tange ao setor aéreo, parece superado o debate acerca da legitimidade do SBDC para analisar casos de concentração. Juridicamente, poder-se-ia argumentar que o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer) é uma lei especial para o transporte aéreo de passageiros e, portanto, afastaria as competências das autoridades antitruste previstas na Lei n.º 8.884/94. De fato, em interpretação gramatical dos artigos 186 e 192 do CBAer, pode-se concluir que cabe ao Departamento de Aviação Civil (DAC) – órgão da Aeronáutica que regula o setor – julgar a conveniência das fusões. Esse posicionamento já foi defendido por companhias aéreas, junto ao Cade, em ato de concentração julgado há poucos anos (9).

            Todavia, o CBAer foi promulgado em uma época de economia fechada, na qual predominavam mercados extremamente regulados e com preços controlados. A preocupação com a concorrência não estava em pauta. Por outro lado, a própria Constituição Federal já aponta, hoje, no artigo 170, inciso IV, que a livre concorrência é um princípio geral da atividade econômica brasileira. Sendo assim, obstar a aplicação da lei de concorrência, desenhada para o cenário atual da economia brasileira, seria um retrocesso.

            É relevante considerar, ainda, que uma lei especial nunca é especial de per si. O CBAer é especial em relação a qualquer outra legislação sobre transporte aéreo, nunca sobre a Lei n.º 8.884/94, que é especialíssima em relação aos fatos concorrenciais. Portanto, nas questões que abordam tal matéria, claro está que a competência pertence ao SBDC e não ao DAC.

            Procurando estabelecer as diretrizes gerais para elaboração dos pareceres nos casos de integração de sociedades, a Seae e a SDE publicaram, em 1º de agosto de 2001, o Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal (10). Apesar da sua natureza não-vinculante, o documento revela quais passos deverão ser observados na elaboração dos pareceres que serão utilizados pelo Cade no julgamento final dos atos de concentração. As cinco etapas são: definição de mercado relevante, determinação da parcela de mercado sob controle das empresas requerentes, exame da probabilidade de exercício do poder de mercado, exame das eficiências econômicas geradas pelo ato e, por fim, avaliação do efeito do ato sobre a eficiência econômica.

            Serão justamente essas cinco etapas que pautarão a análise, no presente trabalho, dos efeitos que seriam gerados por eventuais concentrações no setor aéreo. Buscar-se-á, assim, estudar se os potenciais danos superam, em gravidade, os potenciais benefícios.

            2.2 Da definição do mercado relevante e da determinação da parcela de mercado sob controle das requerentes

            A definição de mercado costuma ser a primeira e, em geral, a mais importante tarefa da análise de defesa da concorrência. Segundo o Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal, "a definição de um mercado relevante é o processo de identificação do conjunto de agentes econômicos, consumidores e produtores, que efetivamente limitam as decisões referentes a preços e quantidades da empresa resultante da operação" (11). Em termos mais claros, se for possível para um consumidor residente em determinada região substituir um produto por outro, então esses dois produtos fazem parte de um mesmo mercado.

            Nesse contexto, primeiramente é importante destacar que não é razoável incluir, no mercado relevante da aviação civil, outros meios de transporte. Esse argumento é corroborado pelo fato de que os preços das passagens aéreas são significativamente mais elevados do que os das de ônibus, por exemplo. Ademais, é sabido que a maior parte da demanda por vôos provém de segmentos sociais abastados para os padrões gerais da sociedade brasileira. Por fim, a diferença de tempo de translado entre a viagem de avião e por outro meio de transporte figura como um ponto decisivo da escolha pela aviação para a maioria dos passageiros que possuem condições financeiras para arcarem com o preço das passagens aéreas.

            Em segundo lugar, para que os resultados da análise de concorrência fossem mais robustos, seria imperativo dividir o mercado relevante em rotas para as cidades. Afinal, em cada rota há uma estrutura concorrencial diversa da outra. Assim, seria possível descobrir em que linhas a concentração entre duas sociedades de aviação civil poderia gerar danos mais perniciosos ou até em que linhas não acarretaria dano algum. Certamente, os impactos de uma eventual fusão entre Varig e TAM seriam muito diferentes na linha Rio-São Paulo comparados aos efeitos na rota Rio-Belém.

            No entanto, dado a insuficiência de dados disponibilizados ao público pelo DAC, será necessário considerar, para a presente discussão, o mercado relevante como nacional. Esse método é falho por duas razões. O primeiro – e já mencionado acima – é que a concorrência acontece em cada rota específica e não em um hipotético mercado nacional. Em segundo lugar, é viável, para um consumidor que deseje voar, por exemplo, do Rio de Janeiro a Belém, escolher entre ir pela Gol, pela Varig ou pela TAM. Todavia, não pode esse mesmo consumidor substituir uma viagem até Belém pela TAM por outra, até o mesmo destino, pela Rico, por exemplo, pelo simples fato de a Rico ser uma companhia regional e não operar nessa rota. Por fim, também serão desconsideradas as companhias que, por diversas razões, não estavam operando no mês de março de 2005, como é o caso da Vasp e da Transbrasil.

            Tabela 1. Participação, no primeiro trimestre de 2005, de cada companhia aérea no mercado nacional.

Companhia Aérea

Participação no mercado (12)

TAM

42,75%

Varig

30,73%

Gol

24,45%

Outras

2,07%

            Fonte: DAC. Dados comparativos avançados.

            Uma condição necessária, embora não suficiente, para que uma operação tenha impactos negativos sobre o bem-estar dos consumidores e sobre a concorrência é que a sociedade resultante controle parcela importante do mercado relevante. Indubitavelmente é esse o cenário do mercado aéreo. A atual configuração de concentração do setor já viola todas as presunções de concentração "suficientemente alta" (13) presentes no Guia. Uma fusão nesse setor, por razões evidentes, exigiria toda a atenção do SBDC.

            O índice de concentração mais comumente utilizado pela jurisprudência brasileira e internacional é o Herfindahl-Hirchsman, ou HHI. Esse índice pode ser utilizado para aferir a diferença de concentração em um mercado antes e após uma fusão. Considerando si como a proporção total de participação da sociedade i no mercado, o HHI é definido por:

            HHI = (100s1)2 + (100s2)2 + ... + (100sn)2, em que n é o número de sociedades no mercado.

            Tabela 2. Participação no mercado nacional, no primeiro trimestre de 2005, antes e após possíveis fusões.

Companhia Aérea

Participação atual no mercado

Participação em caso de Fusão Varig – TAM

Participação em caso de aquisição da Varig pela Gol

Gol

24,45%

24,45%

55,18%

Varig

30,73%

73,48%

TAM

42,75%

42,75%

Outras

2,07%

2,07%

2,07%

Índice HHI

3.370,50

5.997,91

4.873,19

            Fonte: Elaboração própria.

            Portanto, como visto na tabela acima, uma possível concentração Varig – TAM ou aquisição da Varig pela Gol geraria variação no HHI de 2.627,41 e 1.502,69 pontos respectivamente. De acordo com critérios da Federal Trade Comission (14) dos Estados Unidos, fusões que produzam um aumento de no mínimo 50 pontos em mercados altamente concentrados já são consideradas preocupantes (15).

            2.3 Da probabilidade de exercício do poder de mercado

            O fato de um ato de concentração enquadrar-se nos critérios de concentração suficientemente alta discutidos na seção anterior não implica, necessariamente, que a sociedade formada exercerá poder de mercado ou que será mais fácil para as sociedades do mercado coordenarem ações nesse sentido.

            É aceito pela literatura concorrencial que a ameaça de entrada de novos participantes na indústria pode induzir as sociedades a ofertarem em maior quantidade e menores preços. Com isso, por mais que haja domínio de parcela substancial do mercado, não haveria espaço para exercício do poder de mercado. Todavia, no caso do setor aéreo, existem fortes barreiras à entrada (16) que impedem que um concorrente em potencial ingresse no mercado caso vislumbre a possibilidade de auferir lucros.

            A primeira significativa barreira à entrada é a econômica. É necessária uma quantidade substancial de capital para iniciar operações. Adicionalmente, um volume alto de investimentos é demandado para a manutenção e continuidade do serviço prestado. Os custos do leasing dos aviões – agravados pelos altos juros brasileiros – e da montagem da estrutura de operações de solo só podem ser arcados por companhias que possuam sócios com enorme capacidade econômica ou por sociedades que tenham grande facilidade de levantar recursos no mercado de capitais.

            Em segundo lugar, há barreiras físicas como a dificuldade em obter direito de pouso e decolagem em alguns aeroportos brasileiros já excessivamente congestionados. Além disso, há os programas de milhagem, que fidelizam o consumidor a uma única companhia aérea e reduzem as chances de uma companhia entrante conseguir "roubar" clientes das previamente estabelecidas. (17)

            Em terceiro lugar, existem as barreiras estruturais. A aviação civil é regida pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer), instituído pela Lei n.º 7.565/86. Segundo o artigo 216 do CBAer, somente sociedades brasileiras podem operar rotas domésticas regulares de transporte público aéreo. Além disso, mesmo a participação minoritária de investidores estrangeiros é limitada a 20% de capital com direito a voto, segundo o artigo 181, inciso II, da lei em discussão. Até mesmo a constituição de subsidiárias para operar no setor é vedada pela legislação brasileira.

            Trata-se de uma reserva de mercado que não se justifica. Os fundamentos da proibição de operação de companhias estrangeiras por razões de segurança nacional ou por ser a aviação civil um setor estratégico parecem um pouco dissociados do atual contexto histórico. Além da probabilidade ínfima de algum dia o Brasil ingressar em conflito bélico direto com alguma grande potência, insta salientar que o transporte regular de passageiros é realizado pelo regime de concessão, conforme determina o artigo 180 do CBAer. Sendo assim, o Poder Público pode promover a encampação e retomar o serviço quando acreditar que a concessão não mais atende ao interesse público. Basta, para tanto, lei que autorize especificamente essa ação e indenização relativa aos bens do concessionário empregados na execução do serviço. Com a extinção da concessão, ocorre a reversão e os bens do concessionário transferem-se para o patrimônio do concedente, o que permite que o poder público dê continuidade ao serviço público.

            Há uma discussão jurídica sobre a validade do artigo 181 do CBAer que é o que estabelece mais extensamente as vedações à participação de sociedades e capital estrangeiro no setor aéreo nacional. Alguns juristas consideram que esse artigo trata de concessões públicas, que é matéria de uma lei específica. Uma vez que lei específica suplanta a geral, essa norma não teria sido recepcionada pela Constituição de 1988. (18)

            Por outro lado, há autores que debatem a validade do artigo 181 sob outro prisma. Segundo eles, embora a Emenda Constitucional n.º 6/95 tenha excluído da constituição o conceito de empresa brasileira de capital nacional ao revogar o artigo 171, as leis ordinárias continuam podendo estabelecer tratamento desigual para as empresas de capital estrangeiro (19). Sendo assim, as limitações trazidas pelo artigo 181 do CBAer seriam constitucionais. No que concerne ao presente trabalho, como a vedação imposta pelo artigo 181 do CBAer continua a ser aplicada apesar das querelas jurídicas, permanece havendo uma barreira à entrada.

            Outra significativa barreira institucional é o próprio sistema de concessões para operação no setor. As concessões, outorgadas pelo DAC, não são licitadas. É preciso incorrer em longo processo burocrático para pleiteá-las, já que não são simplesmente oferecidas ao setor privado. Essa estrutura constitui outra forte barreira à entrada, além de não possibilitar a liberdade de iniciativa, que é assegurada constitucionalmente no § 1º do artigo 170, e de violar o artigo 175 da Constituição Federal ao impedir a concorrência pela concessão do serviço, que é próprio do regime dos serviços públicos.

            Cabe ressaltar, por outro lado, que importantes avanços têm sido feitos, nos últimos anos, no tocante à eliminação das barreiras institucionais vinculadas ao procedimento de obtenção de concessão. Destacam-se a Portaria n.º 692/DGAC de 20 de Outubro de 1999, e a Portaria n.º 569/GC5, de 6 de setembro de 2000, que foram responsáveis pela simplificação do processo de análise e aprovação de novas linhas aéreas regulares ou alterações de linhas aéreas existentes.

            As considerações acima demonstram, então, a existência de relevantes barreiras estruturais (20), físicas e econômicas à entrada no mercado de aviação civil. Na análise antitruste, a conseqüência desse fato é que as companhias atuantes no setor possuem maior probabilidade de exercício do poder de mercado e de aumento – coordenado ou não – de preços, uma vez que sabem que novos competidores terão grande dificuldade em ingressar no mercado caso percebam que é um bom negócio investir em aviação. Esse cenário aponta que, em caso de fusão, há significativa chance de os consumidores serem prejudicados por elevação dos preços das passagens.

            2.4 Das eficiências econômicas geradas e seus efeitos

            Uma vez verificadas, nas etapas anteriores de análise concorrencial, concentração significativa e possibilidade de exercício de poder de mercado devido à existência de barreiras à entrada, cumpre examinar, por fim, se há eficiências econômicas, produzidas diretamente pela fusão, que possam compensar o aumento do nível de concentração.

            Essa etapa constitui a inserção do princípio da razoabilidade na análise antitruste. As peculiaridades de cada caso concreto são verificadas para que se possam mensurar os efeitos negativos gerados vis-à-vis os benefícios sociais que podem resultar de uma concentração.

            Eficiências (21) são ganhos de bem-estar oriundos de uma fusão. O artigo 54 da Lei n.º 8.884/94 cita como possíveis eficiências a serem produzidas o aumento da produtividade, a melhora na qualidade de bens ou serviços e o desenvolvimento tecnológico ou econômico. Ademais, o artigo supracitado determina que os benefícios decorrentes da fusão precisam ser distribuídos eqüitativamente entre seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro. (22)

            Insta salientar que somente os ganhos decorrentes da própria operação devem ser considerados no exame concorrencial. Ou seja, benefícios que poderiam ser produzidos através de mera reestruturação da sociedade não são contabilizados na mensuração das eficiências geradas (23). Nesse sentido, quando uma companhia adquire uma outra que enfrenta problemas de má administração e passa, após a aquisição, a melhor gerir a sociedade adquirida, esses ganhos de eficiência são desconsiderados na análise antitruste.

            Ocorrendo alguma das duas concentrações elencadas anteriormente nesse capítulo (Varig–TAM ou Gol adquirindo a Varig), certamente haveria espaço para geração de eficiências através da redução de custos. Essa diminuição de gastos poderia advir do maior poder de barganha da sociedade resultante na negociação de preços com seus fornecedores, da otimização do número de assentos ofertados por rota, da diminuição de gastos com honorários da administração, e da redução de custos com serviços de solo. Por exemplo, em dados períodos do dia, a nova companhia poderia operar com um número menor de guichês nos aeroportos do que a soma do número de guichês das sociedades individualmente consideradas.

            Entretanto, como já dito, os benefícios decorrentes da fusão precisam ser distribuídos igualmente entre a concentrante e os consumidores. É bastante improvável que a redução de custos advinda de uma fusão seria suficientemente grande para provocar diminuição do preço real das passagens, ainda mais sabendo que a mesma companhia que reduziria os custos seria a mesma que deteria enorme poder de mercado. Ademais, dificilmente haveria qualquer tipo de distribuição de ganhos à sociedade através de mecanismos de transferência indireta como, por exemplo, o tributário. Afinal, algumas companhias aéreas notabilizam-se, no presente momento histórico, pelas enormes dívidas com o Fisco, com fornecedores e pelo passivo trabalhista.

            Para o consumidor, os únicos benefícios seriam a continuidade do funcionamento adequado das rotas aéreas e a melhoria da segurança de vôo, em decorrência da garantia da manutenção das aeronaves e seus equipamentos. Uma companhia em melhor situação financeira pode, por exemplo, tornar mais rígidos seus controles sobre reposição de peças. Se esse tipo de benefício compensa a redução da concorrência e o potencial aumento de preços, é difícil saber por não serem esses ganhos mensuráveis.

            2.5 Resultado da análise concorrencial

            A análise concorrencial realizada nas seções anteriores demonstra que haveria danos à concorrência e ao consumidor no caso de uma fusão no setor aéreo brasileiro. Conforme visto, ocorrendo o ato de concentração Varig – TAM ou aquisição da Varig pela Gol, formar-se-ia um mercado altamente concentrado composto por uma companhia líder, sendo que as demais companhias teriam pouco poder de contestar a posição da sociedade dominante.

            Essa situação torna-se ainda mais danosa por haver, no mercado analisado, fortes barreiras à entrada. Com isso, a sociedade dominante possui mais espaço para exercer poder de mercado sem temer a entrada de novos e vigorosos concorrentes. Se houvesse maior desburocratização e desregulamentação para a entrada, com a extinção de vedações ao capital estrangeiro, por exemplo, a solução para os problemas do setor aéreo por via de concentração dos participantes poderia gerar menores efeitos perniciosos e talvez até ser viável. Por mais que continuasse havendo poucas companhias no mercado, a possibilidade de entrada de novos participantes induziria a um equilíbrio economicamente mais eficiente.

            Cabe ressaltar, ainda, que a desregulamentação sugerida não significa a saída completa do governo do setor. Obviamente, sempre competirá ao Poder Público a fiscalização das companhias aéreas, especialmente no que concerne aos aspectos técnicos e de segurança. Mas isso não se confunde com a criação de barreiras institucionais à entrada de novos concorrentes.

            Por fim, como visto, não há indícios de que a redução de custos gerada por uma concentração no setor seria compartilhada com os consumidores pelo mecanismo direto de preços mais baixos ou por mecanismos de transferência indireta. Os potenciais ganhos do consumidor adviriam somente da certeza de que o serviço continuaria sendo ofertado e de que haveria maior segurança de vôo. Como isso é o mínimo que se espera de uma companhia aérea, não parece razoável encarar essas certezas como ganhos de bem-estar.

            No longo prazo, seria provável que a companhia resultante da concentração, detendo um poder de mercado enorme em um cenário com fortes barreiras à entrada, acabasse por aumentar preços sem compensar – direta ou indiretamente – os consumidores finais através de ganhos de bem-estar.

            Portanto, a análise concorrencial aponta no sentido de que a redução da concorrência não é o melhor caminho para solucionar a crise no setor aéreo brasileiro. Concentrações no setor transfeririam os prejuízos para os consumidores, que provavelmente deparar-se-iam com tarifas mais elevadas sem que a sociedade recebesse, em troca, vantagens compensativas suficientes para contrabalançar os prejuízos sofridos.


3 Efeitos e conseqüências de uma política direta de salvamento

            Uma segunda possível solução para a crise do setor aéreo – e para a Varig em particular – seria a elaboração de uma política direta de salvamento. Conquanto tal hipótese seja duramente criticada, dado o histórico de protecionismo governamental à Varig, não seria de todo surpreendente que o governo optasse por ajudá-la através de renegociação das dívidas e injeção de novos recursos.

            A Varig encontra-se, hoje, em situação pré-falimentar. Em 2004, a companhia apresentou prejuízo líquido no exercício de R$ 87.167.000,00. No mesmo ano, seu patrimônio líquido era negativo em R$ 6.444.092.000,00 (24). O estado de insolvência não é recente. No ano 2000 o patrimônio líquido já era negativo em R$ 148.652.000,00. Ao longo dos últimos, a condição financeira da companhia deteriorou-se cada vez mais.

            Há indícios de que a situação da Varig foi agravada por má administração. No ano de 2000, mesmo tendo prejuízo de R$ 189 milhões, a companhia provisionou aos funcionários R$ 30 milhões de participação nos resultados. (25) No ano de 2003, os gastos com ordenados e salários representaram 6,04% do total de gastos da Varig, enquanto esse mesmo item representou apenas 3,79% e 4,28% do total de gastos da TAM e da Gol, respectivamente (26).

            O quadro de acionistas da companhia ajuda a explicar esse cenário. A principal sócia da Varig, com cerca de 87% das ações, é a Fundação Rubem Berta, que pertence aos seus funcionários. Pode parecer contraditório que os acionistas ganhem com o prejuízo da companhia, mas não é. Como já percebeu o economista João Manoel de Mello, "os empregados-acionistas têm incentivo a se apropriarem dos recursos como empregados, pois há a percepção, infelizmente correta, de que o governo os salvará como acionistas. Há a expectativa de ganhar duas vezes" (27)

            Portanto, ajudar a Varig com aporte de recursos governamentais ou crédito subsidiado, sem mudar a atual administração, significa desperdício de recursos públicos. Os consumidores, ou usuários finais da aviação, não ganham nem perdem, no curto prazo, com a ajuda governamental. Mas a sociedade como um todo é compelida a pagar o custo da incompetência alheia e dos privilégios da classe organizada.

            No longo prazo, a manutenção de uma companhia má administrada, operando somente por causa dos auxílios governamentais, não só desperdiçará recursos como tenderá também a prejudicar os usuários finais. Isso porque a ajuda a uma grande sociedade do setor aéreo desestimula potenciais companhias entrantes a ingressarem no mercado e competirem com as previamente estabelecidas. Afinal, se as sociedades líderes são sempre salvas pelo governo, o incentivo à entrada diminui, já que um potencial concorrente sabe que nunca conseguirá superar e deslocar as líderes no mercado. Portanto, políticas de salvamento estimulam, em longo prazo, a diminuição da concorrência e o conseqüente prejuízo aos consumidores.

            Programa direto de ajuda do governo só se justifica em casos de choque de demanda ou de custos, como ocorreu nos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro (28). No caso da Varig, não ocorre nada parecido. Há apenas um problema de gestão. Ajudar uma companhia que apresenta, há muitos anos, indícios de má administração não traz, em longo prazo, nenhum benefício para o consumidor e nem para a sociedade como um todo.

            Entretanto, não seria nada surpreendente se tal auxílio direto ocorresse. A razão por trás disso não é nada nobre. Os possíveis beneficiados pela política de salvamento à Varig são grupos muito mais organizados do que os possíveis prejudicados (os cidadãos em geral que não possuem nenhum vínculo empregatício ou societário com a Varig). O custo de informação para o homem médio, ou seja, o custo para ele tomar ciência do assunto e se mobilizar contra a ação governamental é muito maior do que o prejuízo que ele, pessoalmente, sofre. (29) (30)

            É possível pensar nesse prejuízo como a carga tributária a mais com que um contribuinte isoladamente arcará em caso de ajuda governamental à Varig. Cada cidadão pagará apenas poucos centavos a mais em impostos para financiar a política de apoio. Certamente, esse prejuízo é menor do que o custo de se informar e se mobilizar contra a política que o prejudica. Por outro lado, os beneficiados pelo auxílio são mais organizados por serem um grupo menor, coeso e mais bem informado sobre o setor aéreo e sobre a companhia a qual pertencem, trabalhando, assim, eficazmente a favor de seus interesses.

            Cabe ao governo, em um cenário como esse, não ceder às pressões de grupos de interesse (31) – por mais que isso represente um custo político – e negar auxílio direto à Varig. Afinal, como já dito, a sociedade como um todo, representada pelos políticos democraticamente eleitos, não se beneficia com esse tipo de salvamento.


4 Nova Lei de Falências e soluções de mercado

            Resta, por fim, analisar quais soluções para o setor aéreo e para as companhias em dificuldade que podem ser vislumbradas através da Lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Essa lei – mais conhecida como Nova Lei de Falências – aumentou, em larga medida, a chance de ser adotada uma solução de mercado, afastando, assim, a probabilidade de ocorrer redução da concorrência, auxilio governamental direto ou intervenção.

            O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer) proíbe expressamente, em seu artigo 187, que impetrem concordata preventiva "as empresas que, por seus atos constitutivos, tenham por objeto a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infra-estrutura aeronáutica". Sendo assim, antes da promulgação da Nova Lei de Falências, uma companhia aérea em situação financeira instável não podia utilizar-se desse recurso jurídico para tentar solucionar seu estado de insolvência.

            Justamente por não poderem essas companhias impetrar concordata, o artigo 188 do CBAer autorizava o Poder Público a intervir nas concessionárias de serviço aéreo cuja situação operacional, financeira ou econômica pudesse comprometer a continuidade do serviço. Visou o legislador pátrio a assegurar o princípio da continuidade dos serviços públicos (32), sempre resguardado no Direito Administrativo.

            Nesse contexto, a intervenção do Poder Executivo, quando ocorresse, visaria ao restabelecimento da normalidade do serviço e duraria somente o necessário para a consecução de tal objetivo. Caso houvesse impossibilidade de restabelecer a prestação regular do serviço, seria determinada a liquidação extrajudicial, quando, com a realização do ativo pudesse ser atendida pelo menos a metade dos créditos, ou a falência, quando o ativo não fosse suficiente para atender pelo menos à metade dos créditos, ou quando houvesse fundados indícios de crimes falimentares (33).

            Portanto, em casos de insolvência, como o da Varig, a única possibilidade de ação seria a intervenção do Poder Público para sanear as finanças da companhia. No entanto, tal solução apresentava diversas falhas. Primeiramente, mesmo que o Poder Executivo conseguisse afastar o risco de interrupção da prestação do serviço, a direção da companhia voltaria, ao cabo da intervenção, aos antigos controladores. Sendo assim, caso estivesse havendo má gestão, não haveria nenhuma garantia de que esse problema seria definitivamente resolvido. Em segundo lugar, há sempre a possibilidade – infelizmente nada remota – do governo se converter em um administrador ainda pior do que os administradores da companhia sob intervenção.

            A Nova Lei de Falências interfere nesse cenário ao modificar alguns institutos jurídicos concernentes ao estado de insolvência. Pela nova legislação, a concordata deixará de existir no ordenamento jurídico brasileiro. Tal instituto será, em grande parte, substituído pela possibilidade de homologar plano de recuperação judicial ou extrajudicial.

            Logicamente, a lei expressamente veda aos devedores proibidos de requerer concordata, nos termos de legislação específica em vigor, a possibilidade de requererem recuperação judicial ou extrajudicial (34). Todavia, o artigo 199 (35) da lei em análise apresenta uma exceção e autoriza as companhias aéreas a utilizarem-se dos novos institutos criados.

            Com isso, criou-se uma nova solução para as companhias do setor aéreo em situação financeira precária. Podem elas elaborar um plano de recuperarão, que precisa, nos termos da lei, ser aprovado pelos credores. Esse plano poderá conter concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas, alteração do controle societário, cessão de cotas ou ações entre outros meios factíveis de serem empregados para reestruturar a sociedade.

            Insta salientar, no entanto, que as dívidas com o Fisco não entram no plano de recuperação, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica (36). Ademais, os créditos oriundos de arrendamento mercantil não se submeterão aos efeitos da recuperação judicial ou extrajudicial, prevalecendo, portanto, os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais.

            Essas limitações podem dificultar a reestruturação de companhias aéreas que venham a elaborar, no futuro, planos de reestruturação. Apenas a título ilustrativo, de acordo com o balanço patrimonial da Varig do ano de 2004, a companhia deve 319 milhões de reais em arrendamento mercantil a pagar e 3 bilhões 293 milhões de reais em financiamentos de obrigações fiscais (37). São valores muito expressivos e que não receberão todos os benefícios trazidos pelas formas de recuperação presentes em lei.

            No caso de a Varig optar por elaborar um plano de recuperação judicial, como vem sendo discutindo continuamente na mídia, seria imperativo prever a entrada de um novo acionista capaz de injetar recursos novos na companhia. Pelos vícios de administração já discutidos na seção 3 do presente trabalho, qualquer solução razoável passa também pela retirada da Fundação Rubem Berta do controle.

            Em caso da alienação da sociedade – o que talvez seja a solução mais adequada – de acordo com o artigo 141 da Lei n.º 11.101/2005, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho. Com isso, o adquirente não precisaria arcar com as dívidas contraídas pela companhia durante as administrações passadas. Poderia, assim, promover novos investimentos e corrigir antigos vícios e distorções sem, entretanto, ter que lidar com um enorme passivo herdado.

            Seria, por fim, necessária vigilância da sociedade para que o governo não assumisse o passivo trabalhista e fiscal da companhia. Como a Varig seria vendida livre de qualquer ônus, seu valor de venda seria razoavelmente alto. A solução correta a ser dada para as antigas dívidas é a prevista na lei. Ou seja, os credores devem sub-rogar-se no produto da alienação do ativo, observando a ordem estabelecida pelo artigo 83 da Lei n.º11.101/2005 (38). O governo não deve realizar qualquer tipo de ajuda complementar no sentido de assumir passivo trabalhista ou perdoar dívida fiscal para que outros credores possam receber seus quinhões. A solução para o caso Varig deve ser estritamente jurídico-econômica e não política.


5 Conclusão

            O presente trabalho buscou analisar as soluções mais presentes nos debates políticos, jurídicos e econômicos a serem dadas à crise do setor aéreo e da Varig em particular.

            Pelo exposto na segunda seção, uma fusão no mercado aéreo envolvendo dois dos três principais atores poderia gerar danos bastante perniciosos à sociedade. No caso dessa hipótese se concretizar, haveria redução significativa da concorrência em um mercado com fortes barreiras à entrada. Ademais, não há indícios de geração de eficiências que poderiam compensar os eventuais efeitos nocivos. Sendo assim, a resolução da crise do setor ou de seus agentes através do arrefecimento da concorrência transferiria o ônus aos consumidores e usuários finais do serviço.

            De acordo com a terceira seção, uma política governamental direta de salvamento à companhias aéreas falidas geraria, em longo prazo, não só desperdício de recursos públicos, mas também prejuízos aos consumidores pela manutenção artificial de uma sociedade sem liquidês em funcionamento. No caso da Varig em particular, há indícios de que a situação financeira da companhia se agravou em virtude de má administração e da expectativa dos trabalhadores-proprietários de ganharem duplamente. Portanto, é indispensável que o governo não transfira os ônus da classe organizada para a classe desorganizada, ou seja, para toda a população.

            Por fim, estudou-se quais caminhos a Lei n.º 11.101/2005 aponta para o setor. Comparando as soluções que a Nova Lei de Falências permite com as observadas nas seções anteriores, claro está que a elaboração de um plano de recuperação seria o único caminho razoável para a companhia para a manutenção da companhia em funcionamento.

            Todavia, um plano de recuperação que não preveja a entrada de novos acionistas com recursos para realizar investimentos e, adicionalmente, a mudança dos controladores estará fadado ao fracasso. Os vícios de administração que parecem existir precisam ser corrigidos apropriadamente para que a Varig possa existir sem depender de ajuda.

            Não sendo essas as opções adotadas para a solução da crise da Varig, não resta dúvidas de que, no que concerne ao bem-estar social, até mesmo a falência e o fim das operações gerariam efeitos menos danosos dos que os que seriam produzidos pela redução da concorrência ou pela política de salvamento direta.


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Notas

            01 Informações extraídas do Relatório Anual da Varig, ano de 2004. Disponível em http://www.financas.varig.com.br/anual_2004/anual2004.pdf. Acesso em 12 de abril de 2005.

            02 Ato de Concentração nº 08012.001291/2003-87

            03 ASSUNÇÃO, Juliano Junqueira; MELLO, João Manoel Pinho de. A "surpreendente" concorrência na aviação civil. Jornal Valor Econômico. São Paulo, n. 1230, abr. 2005

            04 Conquanto importantes jornais brasileiros tenham noticiado a intenção da Gol de adquirir a Varig, em 05 de abril de 2005 a Gol divulgou nota oficial negando que tivesse feito tal oferta e afirmando que "eventuais aquisições só acontecerão se condicionadas à filosofia de baixos custos e baixas tarifas da Gol".

            05 Nesse sentido, ver BANCO MUNDIAL e OECD. Diretrizes para a elaboração e implementação de política de defesa da concorrência. Diretor do projeto R. Shyam Khemani. São Paulo: Singular, 2003, p. 106.

            6 Ocorre economia de escala quando o custo total médio de longo prazo declina conforme o aumento da produção. As economias de escala surgem freqüentemente porque os níveis mais elevados de produção propiciam a especialização dos trabalhadores, o que permite que cada um desempenhe melhor suas tarefas.

            07 Economias de escopo ocorrem quando, usando a mesma quantidade de insumos, a produção conjunta de diferentes produtos por uma única sociedade é maior do que se fosse realizada por duas (ou mais) sociedades, cada uma produzindo um único produto isoladamente. As sociedades que obtêm economias de escopo usufruem vantagens de custo resultantes da utilização conjunta de insumos ou de meios de produção, programas conjuntos de marketing, administração comum, maquinaria e trabalho qualificado compartilhados, entre outras formas de redução de custos comparativamente à produção desses mesmos bens de forma dissociada.

            08 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros, 2003

            09 Ato de Concentração n.º 08012.007398/00-70.

            10 Portaria Conjunta Seae/SDE nº 50, de 1º de agosto de 2001

            11 V. Portaria Conjunta Seae/SDE nº 50, de 1º de agosto de 2001, p. 9.

            12 Participação no mercado nacional, no primeiro trimestre do ano de 2005, tendo como referência passageiros transportados x km pagos, que é a unidade de medida mais comumente utilizada pelo DAC.

            13 V. Portaria Conjunta Seae/SDE nº 50, de 1º de agosto de 2001, p. 11.

            14 De acordo com a Federal Trade Comission, há três categorias de concentração de mercado. Se o HHI estiver entre 0 e 1.000, considera-se baixa a concentração. Se estiver entre 1.000 e 1.800, considera-se concentração moderada e se for superior a 1.800, considera-se alta concentração. Os efeitos anticoncorrenciais são definidos pelo cruzamento das informações acerca da variação do HHI e do nível de HHI após a operação. Toda a concentração que obtiver valor de HHI após a fusão menor do que 1.000, são consideradas seguras. Integrações que produzam aumento de HHI de menos do que 100 pontos em mercados de concentração moderada também são seguras. Por fim, fusões que produzam, em mercados altamente concentrados, um aumento de HHI maior do que 50 pontos são consideradas preocupantes.

            15 De acordo com Gesner Oliveira, João Grandino Rodas, Direito e Economia da Concorrência, p.120, "a análise de impacto estrutural em economias em transição deve levar em conta o tamanho relativamente mais reduzido dos mercados dessas jurisdições. Seria errôneo, por exemplo, transplantar para as economias emergentes as faixas de concentração adotadas como referência em jurisdições, como a dos Estados Unidos, onde o tamanho dos mercados tende a ser significativamente maior do que os da maior parte das economias nacionais". Entretanto, não é difícil encontrar a utilização da variação do HHI nos principais julgados do Cade, embora os critérios da FTC não sejam decisivos para a conclusão final acerca da reprovabilidade do grau de concentração.

            16 O Glossário Básico de Defesa da Concorrência, disponibilizado pela Seae, define barreiras à entrada como "qualquer fator em um mercado que ponha um potencial competidor eficiente em desvantagem com relação aos agentes econômicos estabelecidos. Entre os fatores que constituem importantes barreiras à entrada, cita-se alguns: (a) custos fixos elevados; (b) custos afundados; (c) barreiras legais ou regulatórias; (d) recursos de propriedade das empresas instaladas; (e) economias de escala ou de escopo; (f) grau de integração da cadeia produtiva; (g) fidelidade dos consumidores às marcas estabelecidas; e (h) a ameaça de reação dos competidores instalados".

            17 VISCUSI, W. Kip; VERNON, John M.; HARRINGTON JR, Joseph E. Economics of regulation and antitrust. 3ª ed. Massachusetts: The MIT Press, 2000, p.572.

            18 CARVALHO, Victor Pinto. A crise na aviação brasileira. Artigo da Consultoria Legislativa do Senado Federal. Disponível em http://www.senado.gov.br/web/conleg/artigos/direito/ACrisenaAviacaoBrasileira.pdf. Acesso em 11 de abril de 2005.

            19 Acerca da constitucionalidade de se dispensar tratamento diverso às empresas de capital nacional em detrimento das empresas de capital estrangeiro, ver Borba, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 9ª ed., rev., aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.173.

            20 Para Juliano Assunção e João Manoel de Mello, "as intervenções do órgão regulador do setor, o Departamento de Aviação Civil (DAC), têm atrapalhado o funcionamento saudável do sistema concorrencial. Por exemplo, em maio de 2004, ele suspendeu as promoções relâmpago da Gol e decidiu controlar as tarifas. A atitude repressora do DAC diminui o incentivo a concorrer, pois as empresas temem ser punidas por fazê-lo ‘muito agressivamente’. A Gol foi repetidamente acusada de perturbar o mercado, fazendo apreçamento predatório. Seria um caso inédito de predação por uma empresa não dominante, situação nem mesmo contemplada nas legislações e práticas antitruste internacionais. Mais um de nossos tropicalismos econômicos" (ASSUNÇÃO, Juliano Junqueira; MELLO, João Manoel Pinho de. A "surpreendente" concorrência na aviação civil. Jornal Valor Econômico. São Paulo, n. 1230, abr. 2005). Se as práticas regulatórias beneficiarem as companhias líderes já participantes de um mercado em detrimento de futuros entrantes ou de concorrentes menores, podem estas ser incluídas como barreiras à entrada estruturais.

            21 A palavra "eficiência" possui, nesse contexto, conotação técnica. Em termos gerais, haverá ganhos de eficiência sempre que a nova alocação dos recursos maximizar o excedente total recebido pelos membros de uma comunidade. Em outras palavras, quando houver uma melhoria na ordenação dos recursos de uma sociedade que propicie um melhor resultado, há um ganho de eficiência.

            22 V. Artigo 54, inciso II, da Lei nº 8.884/94.

            23 Nesse contexto, o Guia para o Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal afirma que "são consideradas eficiências econômicas das concentrações os incrementos do bem-estar econômico gerados pelo ato e que não podem ser gerados de outra forma (eficiências específicas da concentração)".

            24Informações extraídas do Relatório Anual da Varig, ano de 2004. Disponível em http://www.financas.varig.com.br/anual_2004/anual2004.pdf. Acesso em 10 de abril de 2005.

            25 Boletim de Conjuntura do IPEA nº 59, novembro de 2002

            26Anuário do Transporte Aéreo – Volume II – Dados Econômicos, de 2003. Disponível em http://www.dac.gov.br/download/ANUARIO%2003.zip. Acesso em 27 de fevereiro de 2005.

            27 MELLO, João Manoel Pinho de. Vale a pena salvar a Varig? Jornal Valor Econômico. São Paulo, n. 1119, out. 2004.

            28 MELLO, João Manoel Pinho de. Vale a pena salvar a Varig? Jornal Valor Econômico. São Paulo, n. 1119, out. 2004.

            29 BRUNNER, K. Reflexões em torno da economia política do governo: o persistente crescimento do governo. Edições Multiplic. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 1, p. 45-86, out. 1981.

            30 Para melhor compreensão do raciocínio por trás dessa afirmação, é preciso recorrer à construção intelectual de K. Brunner. O autor desenvolve as premissas de que "custos de informação associados à custos e benefícios de programas gerais são elevados comparativamente aos correspondentes benefícios." Ademais, "custos de informação associados à custos e benefícios de programas específicos são baixos para o grupo afetado positivamente e altos para o grupo afetado negativamente". Dessa forma, para os custos para que um cidadão comum se informe a respeito dos prejuízos que diretamente sofrerá no caso de ajuda direta à Varig são muito mais altos do que os custos de informação dos potenciais beneficiados. Com isso, acaba havendo transferência de renda de grupos menos organizados para grupos mais organizados.

            31 Sobre a relação dos grupos de interesse com a política, BECKER, Gary S. Political Competition among Interest Groups. The political economy of government regulation. Topics in Regulatory Economics and Policy Series Norwell, Mass. Dordrecht and London: Kluwer Academic, 1989, p. 13-27. Sobre a mesma temática, esclarecedor é também WITTMAN, D. O mito do fracasso da democracia. São Paulo: Bertrand Editores, 1999.

            32 Segundo José dos Santos Carvalho Filho, "os serviços públicos buscam atender os reclamos dos indivíduos em determinados setores sociais. Tais reclamos constituem muitas vezes necessidades presentes e inadiáveis da sociedade. A conseqüência lógica desse fato é a de que não podem os serviços públicos ser interrompidos, devendo, ao contrário, ter normal continuidade." (cf., Manual de Direito Administrativo, p. 18).

            33 V. Artigo 188, § 2º, da Lei n.º 7.565/86.

            34 V. Artigo 188 da Lei n.º 11.101/2005.

            35 Art. 198. Os devedores proibidos de requerer concordata nos termos da legislação específica em vigor da data da publicação desta Lei ficam proibidos de requerer recuperação judicial ou extrajudicial nos termos desta Lei.

            Art. 199. Não se aplica o disposto no art. 198 desta Lei às sociedades a que se refere o art. 187 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986.

            36 V. Artigo 6º, § 7º, e Artigo 161, § 1º, da Lei n.º 11.101/2005.

            37 Informações extraídas do Relatório Anual da Varig, ano de 2004. Disponível em http://www.financas.varig.com.br/anual_2004/anual2004.pdf. Acesso em 11 de abril de 2005.

            38 V. Artigo 141, inciso I, da Lei n.º11.101/2005.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Victor Aguiar de; JORGE, Vitor Luís Pereira. Fusão, salvamento ou mercado: qual a melhor solução para a crise do setor aéreo e da Varig em particular?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 738, 13 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7001. Acesso em: 20 abr. 2024.