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Como são tratadas pelos tribunais as questões que envolvem o choque dos dois direitos fundamentais: a liberdade religiosa e o direito à vida?

Como são tratadas pelos tribunais as questões que envolvem o choque dos dois direitos fundamentais: a liberdade religiosa e o direito à vida?

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É abordado a questão da colisão de dois direitos fundamentais para a sobrevivência humana, o direito à vida e à liberdade, e mais propriamente a questão dos Testemunhas de Jeová que se recusam a realizar procedimento médico devido posicionamento religioso.

RESUMO: O assunto abordado nesse trabalho é o choque entre os dois direitos fundamentais, a liberdade religiosa e o direito à vida. Em que tais direitos entram em conflito mais especificamente nas situações em que o paciente Testemunha de Jeová se recusa a realizar tratamento médico, esse sendo considerado o único meio eficaz para salvar a sua vida. O objetivo desse trabalho foi verificar o posicionamento dado pelos tribunais acerca da colisão desses direitos fundamentais tão importantes para o ser humano, de um lado temos o Testemunha de Jeová que prefere dispor de sua vida do que realizar um tratamento desse tipo, e de outro lado, temos a função do médico no desempenho da sua profissão de assegurar e proteger a vida dos indivíduos que necessitam dos seus cuidados. Esse trabalho foi realizado por meio de material e referencial bibliográfico e se concluiu que os tribunais não possuem posicionamento pacificado sobre o tema, há decisões que priorizam e respeitam a vontade dos seguidores da religião Testemunha de Jeová que alegam objeção de consciência para que não seja submetido a tratamento que envolva transfusão de sangue, e que, portanto, havendo tratamento alternativo à transfusão, este deve ser realizado. Mas caso seja realizado o procedimento da transfusão, pelo médico contra a vontade do paciente e de seus familiares, o mesmo agiu de forma correta conforme determina o Código de Ética Médica.

PALAVRAS-CHAVE: Liberdade religiosa; Direito à vida; Testemunha de Jeová.

ABSTRACT: The problem here addressed is the conflict between the two fundamental rights: religious freedom and the right to life. When such rights conflict more specifically in situations which a Jehovah's Witness patient refuses to go under medical treatment when it is appointed as the only effective way to save his or her life.  The purpose of this research was to verify the position taken by Court Houses regarding the collision of these fundamental rights that are so important for the human being. There is the Jehovah’s Witness on one side who prefers to dispose of his or her life rather than pursue medical treatment, and on the other side, there is the role of the physician performing his profession of assuring and protecting the lives of the individuals who need care. This research was done through material and bibliographic references and it was evaluated that the courts do not have a pacified position on this matter. There are decisions that prioritize and respect the freedom of followers of the Jehovah's Witness religion who claim conscientious objection so he or she is not submitted to a treatment involving blood transfusion, and thus, with the possibility of an alternative treatment to the transfusion, this last one shall be performes. However, if a blood transfusion is performed by the physycian against the patient and his or her family's will, the physician's action is considered as correct according to the Code of Medical Ethics.

KEYWORDS: Religious freedom; Right to life;  Jehovah's Witness.


1 INTRODUÇÃO

O tema tratado nesse trabalho é a colisão do direito à liberdade religiosa e do direito à vida nos casos em que o seguidor da religião Testemunha de Jeová se recusa a realizar tratamento médico que necessite da realização de transfusão sanguínea.

A colisão dos direitos acontece quando o Testemunha de Jeová prefere dispor de sua vida por motivos religiosos do que realizar um procedimento que poderia vir a salvar a sua vida. O seguidor da religião Testemunha de Jeová alega objeção de consciência, ou seja, tal recusa advém dos preceitos religiosos que o norteia.

Nesse trabalho buscamos averiguar se algum direito se coloca como superior e mais importante em detrimento de outro. O direito à vida deve ser respeitado acima de tudo e independentemente da existência de outro fator externo? Devem ser respeitadas as convicções religiosas alegadas por seguidores da Testemunha de Jeová mesmo que isso venha a gerar consequências maiores? É justo que uma vida seja ceifada por questões religiosas? Como o médico deve proceder quando o paciente recusa tratamento, e no dever de sua função deve salvar e proteger vidas?

A vida é um bem primordial para os seres humanos, mas deve ser respeitada a objeção de consciência alegada pelas Testemunhas de Jeová. Portanto quando o paciente se recusa a realizar o tratamento o médico deve explicar ao mesmo as implicações e consequências da recusa. Mesmo que em momento posterior o paciente vem a falecer pela inexecução do tratamento médico, não cabe ao médico responder por nenhuma responsabilização, seja esta civil ou criminal. O médico também poderá agir conforme determina o Conselho Federal de Medicina (CFM) e optar por salvar a vida do paciente mesmo contra a vontade deste e de seus familiares.

Esse trabalho tem como objetivo a verificação dos posicionamentos adotados pelos tribunais quanto à problemática da colisão de direitos fundamentais. E ainda mais, objetiva verificar se há pacificação de posicionamento adotado pelos tribunais.

A temática mereceu destaque e desdobramento devido às consequências que podem ser geradas pela colisão desses direitos fundamentais, em que tais direitos são imprescindíveis para a existência humana e para o convívio na sociedade.

Na realização desse trabalho foi utilizada metodologia de pesquisa bibliográfica, sendo de extrema importância a leitura de doutrinas, da letra da lei e também dos casos já julgados por nossos tribunais.

Foi tratado e abordado as jurisprudências e julgamentos de casos concretos que envolvem o conflito da liberdade religiosa e do direito à vida. Ficou claro que ao Poder Judiciário não cabe determinar e decretar a realização de tratamento médico, mas cabe ao médico em consonância com os seus conhecimentos profissionais realizar ou não o procedimento. A análise do conflito desses direitos é feito caso a caso, não tendo, portanto posicionamento firmado nos tribunais, sendo difícil se ter um posicionamento consolidado tendo em vista que cada caso possui suas particularidades e singularidades.


O confronto da liberdade religiosa e o direito à vida: jurisprudências

Há muita divergência entre a doutrina e a jurisprudência nas questões que envolvem o choque entre os dois direitos, a liberdade religiosa e o direito à vida. Portanto, essa análise deve ser feita caso a caso, atendendo sempre aquilo que for mais adequado e conveniente ao problema em debate.

De modo geral, a jurisprudência vem adotando a possibilidade de imposição de tratamento médico aos pacientes que se encontram em iminente risco de vida. O paciente será submetido ao procedimento em último caso, quando todos os outros recursos para salvar a vida se encontrarem esgotados.

Nesse trabalho, foi abordado as decisões mais relevantes pelos tribunais acerca do assunto. O primeiro julgamento referente a esse debate foi dado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no dia 28 de março de 1995.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em sua decisão defendeu a prevalência do direito à vida em detrimento do direito à liberdade religiosa. Fica evidente que esse posicionamento possui amparo no Código Penal Brasileiro, no Código de Ética Médica e nas Resoluções do Conselho Federal de Medicina, prevalecendo sempre o bem estar e a saúde do paciente.

CAUTELAR. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. NÃO CABE AO PODER JUDICIÁRIO, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, AUTORIZAR OU ORDENAR TRATAMENTO MÉDICO-CIRÚRGICOS E/OU HOSPITALARES, SALVO CASOS EXCEPCIONALÍSSIMOS E SALVO QUANDO ENVOLVIDOS OS INTERESSES DE MENORES. SE IMINENTE O PERIGO DE VIDA, É DIREITO E DEVER DO MÉDICO EMPREGAR TODOS OS TRATAMENTOS, INCLUSIVE CIRÚRGICOS, PARA SALVAR O PACIENTE, MESMO CONTRA A VONTADE DESTE, E DE SEUS FAMILIARES E DE QUEM QUER QUE SEJA, AINDA QUE A OPOSIÇÃO SEJA DITADA POR MOTIVOS RELIGIOSOS. [...] SE TRANSFUSÃO DE SANGUE FOR TIDA COMO IMPRESCINDÍVEL, CONFORME SÓLIDA LITERATURA MÉDICO-CIENTÍFICA (NÃO IMPORTANDO NATURAIS DIVERGÊNCIAS), DEVE SER CONCRETIZADA, SE PARA SALVAR A VIDA DO PACIENTE, MESMO CONTRA A VONTADE DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ, MAS DESDE QUE HAJA URGÊNCIA E PERIGO IMINENTE DE VIDA (ART. 146, § 3º, INC. I, DO CÓDIGO PENAL). CASO CONCRETO EM QUE NÃO SE VERIFICAVA TAL URGÊNCIA. O DIREITO À VIDA ANTECEDE O DIREITO À LIBERDADE, AQUI INCLUÍDA A LIBERDADE DE RELIGIÃO; É FALÁCIA ARGUMENTAR COM OS QUE MORREM PELA LIBERDADE POIS, AÍ SE TRATA DE CONTEXTO FÁTICO TOTALMENTE DIVERSO. NÃO CONSTA QUE MORTO POSSA SER LIVRE OU LUTAR POR SUA LIBERDADE. HÁ PRINCÍPIOS GERAIS DE ÉTICA E DE DIREITO, QUE ALIÁS NORTEIAM A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, QUE PRECISAM SE SOBREPOR AS ESPECIFICIDADES CULTURAIS E RELIGIOSAS; SOB PENA DE SE HOMOLOGAREM AS MAIORES BRUTALIDADES; ENTRE ELES ESTÃO OS PRINCÍPIOS QUE RESGUARDAM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS COM A VIDA E A DIGNIDADE HUMANAS. RELIGIÕES DEVEM PRESERVAR A VIDA E NÃO EXTERMINÁ-LA. (BRASIL, 1995, grifo nosso).

Vemos um posicionamento bastante radical dado pelo TJRS, em que defende que o direito à vida se sobrepõe ao direito à liberdade, mais propriamente, o direito à liberdade religiosa. E caso o paciente estiver em iminente perigo de vida o médico tem o dever de empregar todos os meios e tratamentos necessários, mesmo contra a vontade do paciente e de seus familiares.

Essa decisão em que se preza a proteção do direito à vida, foi fundamentada utilizando a Carta das Nações Unidas, em que a mesma é norteada por princípios gerais de direito e de ética. E esses princípios norteadores da Carta deveriam se sobrepor em detrimento das questões culturais e religiosas. O Tribunal ainda salientou a importância da vida para a existência humana, e que  no entanto, a religião deveria preservá-la e não exterminá-la ou eliminá-la.

Esse posicionamento adotado pelo TJRS foi muito importante, e serviu também como uma direção a ser seguida por outros tribunais, que também vem adotando a prevalência do direito à vida sobre o direito à liberdade religiosa, nos casos de recusa de tratamento médico pelos seguidores da religião Testemunha de Jeová.

No próximo julgamento vemos mais uma vez a prevalência do direito à vida, e que existindo outras formas alternativas para o tratamento, estas devem ser utilizadas. Conclui-se com tal decisão a necessidade de se tutelar o bem maior, que é a vida, e também notamos o respeito e cuidado pela objeção de consciência alegada pelos Testemunhas de Jeová. A Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul concedeu o recurso interposto por meio do Agravo de Instrumento nº 22395/2006, e portanto havendo alternativa ao tratamento de transfusão de sangue, o tratamento deve ser alcançado mesmo fora do domicílio do paciente. A seguir é abordada trecho da decisão proferida pelo tribunal:

TESTEMUNHA DE JEOVÁ – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE – EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA – TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO – RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – DIREITO À SAÚDE – DEVER DO ESTADO – RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA – PRINCÍPIO DA ISONOMIA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – LIMINAR CONCEDIDA – RECURSO PROVIDO. Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional, não pode o Estado recusar o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como única via que vai ao encontro da crença religiosa do paciente. [...] Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica que dispense-na, quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a fazê-la. O princípio da isonomia não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades naturais de cada um. Se o Sistema Único de Saúde do Estado de Mato Grosso não dispõe de profissional com domínio da técnica que afaste o risco de transfusão de sangue em cirurgia cardíaca, deve propiciar meios para que o procedimento se verifique fora do domicílio (TFD), preservando, tanto quanto possível, a crença religiosa do paciente. (BRASIL, 2006, grifo nosso).

O paciente entrou com o recurso de Agravo de Instrumento tutelando a possibilidade de tratamento alternativo à transfusão sanguínea e portanto tal recurso foi concedido. Vemos um avanço na jurisprudência equilibrando a garantia do direito à vida e também preservando a liberdade religiosa do paciente.

O promotor de Justiça em Guaporé (RS) em seu artigo abordou a questão dos tratamentos alternativos à transfusão de sangue da seguinte maneira:

Em respeito aos direitos fundamentais daqueles que por motivos religiosos não aceitam determinados tratamentos médicos, o Estado tem a obrigação jurídica de custear o pagamento, via, SUS, de tratamentos alternativos às transfusões de sangue – forma de materializar o atendimento dos direitos à saúde e a objeção de consciência, ambos protegidos constitucionalmente. (LEIRIA, 2018, p. 27, grifo nosso).

O Estado em respeito aos direitos fundamentais deve, portanto custear tratamentos alternativos à transfusão de sangue por meio do SUS (Sistema Único de Saúde), materializando portanto a previsão constitucional do direito à saúde e também da objeção de consciência.

Da decisão proferida extrai-se que o Estado não pode se eximir da obrigação e recusar tratamento fora do domicílio do paciente. Havendo técnicas alternativas à transfusão de sangue as mesmas devem ser buscadas mesmo que fora do domicílio do paciente, preservando no entanto a convicção e crença religiosa do paciente.


Da capacidade das pessoas na recusa do tratamento da transfusão

A capacidade civil é muito importante quando se trata da recusa de tratamento médico, tendo em vista que essa capacidade é aquela que os indivíduos adquirem para executar todos os atos da vida civil de forma plena. A capacidade civil é tratada implicitamente pelo Código Civil, e portanto ela é alcançada quando a pessoa completa seus 18 anos de idade. Os menores de 16 anos são considerados incapazes, e já os maiores de 16 anos e menores de 18 anos são considerados como relativamente incapazes.

Tratando ainda dos relativamente incapazes, são considerados estes como os viciados em bebidas alcoólicas ou em tóxicos, aqueles que não puderem exprimir a sua vontade, e os pródigos, que tomam atitudes financeiras compulsivas.

O julgamento dos casos concretos que envolvem o conflito entre os dois direitos, o direito à vida e o direito à liberdade religiosa, levam em consideração a capacidade das pessoas de poder decidir sobre a melhor forma de seguir, seja na recusa do tratamento ou pela sua execução. As pessoas que possuem capacidade civil e pleno discernimento podem decidir sobre realizar o tratamento ou não, já as crianças, por não possuírem plena capacidade civil, fica a encargo dos seus pais ou responsáveis a decisão do melhor tratamento. Tal distinção será explorada a seguir:


Do paciente maior e capaz

Nos atos em sociedade é de suma importância o respeito à vontade das pessoas e é, portanto, princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. É garantido a todo indíviduo tratamento alternativo a transfusão de sangue, se houver. Mas em caso de extrema necessidade de realizar o procedimento, e sendo este o único meio para salvar a sua vida, o paciente Testemunha de Jeová (que possui capacidade civil) declara a sua vontade, seja de realizá-lo ou não. Segue abaixo acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA. CASO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. PACIENTE EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITO À VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. – No contexto do confronto entre o postulado da dignidade da pessoa humana, o direito à vida, à liberdade de consciência e de crença, é possível que aquele que professa a religião denominada Testemunhas de Jeová não seja judicialmente compelido pelo Estado a realizar transfusão de sangue em tratamento quimioterápico, especialmente quando existem outras técnicas alternativas a serem exauridas para a preservação do sistema imunológico. – Hipótese na qual o paciente é pessoa lúcida, capaz e tem condições de autodeterminar-se, estando em alta hospitalar.  (BRASIL, 2007, grifo nosso).

O Tribunal de Justiça de Minas adotou posicionamento em que o paciente não pode ser obrigado pelo Estado a realizar transfusão se existirem meios alternativos. Estando o paciente em pleno discernimento e de alta hospitalar, o mesmo pode optar por buscar outros meios de tratamento que não seja necessário a transfusão sanguínea.

Lembrando que o consentimento dado pelo paciente tem que ser livre e esclarecido, de sua própria vontade. Não pode haver nenhuma forma de impedimento quanto a exteriorização da vontade do paciente, seja por meio de coação ou fraude.


Do paciente menor e incapaz

Em uma eventual necessidade de transfusão sanguínea em pacientes menores, tal decisão recai na maioria das vezes sobre os pais ou responsáveis, na determinação da realização ou não do tratamento de transfusão de sangue. E tanto é, que temos decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região nesse sentido:

DIREITO À VIDA. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. [...] LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA E DIREITO À VIDA. IMPOSSIBILIDADE DE RECUSA DE TRATAMENTO MÉDICO QUANDO HÁ RISCO DE VIDA DE MENOR. VONTADE DOS PAIS SUBSTITUÍDA PELA MANIFESTAÇÃO JUDICIAL. [...] Conflito no caso concreto dois princípios fundamentais consagrados em nosso ordenamento jurídico-constitucional: de um lado o direito à vida e de outro, a liberdade de crença religiosa. A liberdade de crença abrange não apenas a liberdade de cultos, mas também a possibilidade de o indivíduo orientar-se segundo posições religiosas estabelecidas. No caso concreto, a menor autora não detém capacidade civil para expressar sua vontade. A menor não possui consciência suficiente das implicações e da gravidade da situação para decidir conforme sua vontade. Esta é substituída pela de seus pais que recusam o tratamento consistente em transfusões de sangue. Os pais podem ter sua vontade substituída em prol de interesses maiores, principalmente em se tratando do próprio direito à vida [...]. (BRASIL, 2006, grifo nosso).

Como os menores não possuem plena capacidade civil e por não possuírem condições para expressar a sua vontade devido a pouca idade, aos pais são delegadas as funções para tomarem as decisões em relação aos seus filhos. Ainda na análise da decisão, percebemos que a vontade dos pais pode ser substituída atendendo a interesses maiores, como o direito à vida.

No Brasil os jovens que possuem 16 anos de idade já podem votar, influenciando na vida política do país. E portanto pode-se concluir que os maiores de 16 anos de idade devem ser considerados como amadurecidos, podendo inclusive fazer uso da objeção de consciência na recusa de tratamento médico, mesmo com a oposição dos pais.

Deve ser levada em conta na recusa de tratamento por menores, a teoria do menor amadurecido, que é aquele que não atingiu a maioridade civil, mas é capaz de tomar decisões de forma independente, compreendendo a natureza do tratamento e as suas consequências, de forma à aceitá-lo ou não.


Da responsabilidade médico-hospitalar

O médico tem a intenção e função de salvar a vida das pessoas, e portanto com relação aos seguidores da religião Testemunha de Jeová, cabe ao médico em conjunto com o exercício regular da medicina e nas convicções religiosas do paciente, executar a profissão da melhor forma possível e atendendo aos melhores interesses do indivíduo.

Não cabe ao Poder Judiciário determinar a realização ou não de transfusão sanguínea, mas cabe sim ao médico, que possui conhecimentos para o exercício da profissão e que também está de encontro com paciente Testemunha de Jeová. Segue decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acerca do tema pertinente:

APELAÇÃO CÍVEL. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHA DE JEOVÁ. RECUSA DE TRATAMENTO. INTERESSE EM AGIR. [...] Não há necessidade de intervenção judicial, pois o profissional de saúde tem o dever de, havendo iminente perigo de vida, empreender todas as diligências necessárias ao tratamento do paciente, independentemente do consentimento dela ou de seus familiares. (BRASIL, 2007, grifo nosso).

Fica claro e evidente portanto que o hospital não precisa buscar por meios judiciais amparo para a realização de tratamentos que necessitam de transfusão de sangue. É lógico que sobretudo deve ser respeitado a convicção religiosa do paciente, mas em caso de grave perigo à vida, o hospital pode aplicar tratamento diverso daquele pretendido pelo paciente.

Um caso bastante curioso foi a não realização do procedimento de transfusão de sangue por médico seguidor da religião Testemunha de Jeová a paciente também seguidor da mesma religião. O médico por convicção religiosa e por respeito também a religião seguida pelos pacientes e familiares, deixou de realizar o procedimento de transfusão sanguínea.

Segue abaixo um breve relato do caso narrado no Habeas Corpus nº 26459 impetrado pelos pais da garota:

Foi submetida a exames clínicos, onde se constatou uma baixíssima quantidade de componentes hemáceos, o que exigia, com urgência, uma transfusão sanguínea. Este diagnóstico foi apresentado aos pais da vítima, que apesar de todos os esclarecimentos feitos por médicos do Hospital, recusavam-se a permitir a transfusão de sangue na paciente, invocando preceitos religiosos da seita Testemunha de Jeová, do qual eram adeptos. O quadro da paciente agravava-se cada vez mais e uma das médicas do Hospital estava prestes a conseguir a autorização do pai da adolescente, Hélio, para que se fizesse o procedimento. Ocorre que a genitora da vítima, Ildelir, comunicou o fato a José Augusto, médico e adepto da mesma seita, em busca de orientação como proceder. Este compareceu ao Hospital e ostentado a condição de membro da “Comissão de Ligação com Hospitais da Testemunhas de Jeová”, influenciou os genitores da vítima a não concordar com a transfusão e intimidou os médicos presentes, ameaçando processá-los judicialmente caso efetuassem-na contra a vontade dos pais da paciente. (BRASIL, 2014, grifo nosso).

O médico no exercício de sua profissão pode se abster da realização de atos médicos, se estes forem contra os ditames de sua consciência. Mas acontece que no caso em questão, o médico não se encontrava no hospital e foi comunicado pela mãe da garota sobre o estado da mesma. Sabendo do fato o mesmo também seguidor da religião Testemunha de Jeová não realizou a tranfusão e impediu que outros médicos a fizessesm.

No Código de Ética Médica está garantido no exercício da profissão pelo médico a recusa de atos médicos por motivos de consciência. Assim determina o Código, em seu capítulo II, Direito dos Médicos: “ É direito do médico: IX – recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.” (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, decidiu esperar pelo pronunciamento do médico no que concerne a sua profissão, pois em virtude religiosa deixou de realizar a transfusão na paciente, e a mesma veio a falecer 2 dias após a internação:

Homicídio. Sentença de pronúncia. Pais que, segundo consta, impedem ou retardam transfusão de sangue na filha, por motivos religiosos, provocando-lhe a morte. Médico da mesma religião que também segundo consta, os incentiva a tanto e ameça de processo os médicos que assistiam a paciente, caso realizem a intervenção sem o consentimento dos pais. Ciência da inevitável consequência do não tratamento. Circunstâncias, que, em tese, caracterizam o dolo eventual, e não deixam de ser levadas à apreciação do júri. Recursos não providos. (BRASIL, 2010, grifo nosso).

Como a vítima era menor coube aos pais decidirem qual o procedimento a ser adequado no tratamento. E como integrantes da religião Testemunhas de Jeová optaram juntamente com o médico, responsável pelo paciente, em não realizar o procedimento da transfusão, que em consequência veio a ocasionar a morte da paciente.

A 6ª Turma do STJ julgou esse caso no início do ano e portanto isentou a responsabilidade dos pais de Juliana Bonfim da Silva (13 anos), que alegaram motivos religiosos para a não realização da transfusão de sangue. Ainda mais, o STJ entendeu a responsabilidade exclusivamente dos médicos pelo trágico fim ocasionado a paciente.

O ministro Sebastião Reis Júnior apresentou o seguinte posicionamento:

a oposição dos pais à transfusão não deveria ser levada em consideração pelos médicos, que deveriam ter feito o procedimento -mesmo que contra a vontade da família. Assim, a conduta dos pais não constituiu assassinato, já que não causou a morte da menina. (NAÇÃO JURÍDICA, 2018, grifo nosso).

Com base no posicionamento do ministro fica claro que os médicos deveriam ter agido e tentado salvar a vida da adolescente, independentemente da vontade da paciente ou de seus pais. E por fim os médicos desrespeitaram o Código de Ética Médica, conforme demonstrado a seguir:

É vedado ao médico:

Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.

Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010).

Nesse julgamento é perceptível a obrigação que o médico tem com a vida, e portanto a decisão do STJ tem muito mais a ver com a primazia do direito à vida sobre os demais direitos, do que da afirmação de uma liberdade religiosa, conforme demonstrado pela rejeição e condenação da omissão por parte da equipe médica.

De outro lado, em apelação proferida também pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi indeferido pedido de indenização à paciente Testemunha de Jeová que foi acometida sem o seu consentimento a realização de transfusão sanguínea, tendo em vista que não foi comprovada a sua recusa:

Indenizatória – Reparação de danos – Testemunha de Jeová – Recebimento de transfusão de sangue quando de sua internação – Convicções religiosas que não podem, prevalecer perante o bem maior tutelado pela Constituição Federal que é a vida – Conduta dos médicos, por outro lado, que pautou-se dentro da lei e ética profissional, posto que somente efetuaram as transfusões sanguíneas após esgotados todos os tratamentos alternativos Inexistência, ademais, de recusa expressa a receber transfusão de sangue quando da internação da autora – Ressarcimento, por outro lado, de despesas efetuados com exames médicos, entre outras, que não merece acolhido, posto não terem sido os valores despendidos pela apelante – Recurso improvido. (BRASIL, 2002).

Foi realizado o procedimento da transfusão pelos médicos, pois haviam se esgotados todos os outros meios alternativos que pudessem salvar a vida da paciente. Como não havia recusa do tratamento da transfusão de sangue no momento da internação da paciente, o direito à vida deve prevalecer sobre às convicções religiosas, tendo em vista que o direito à vida é o bem maior tutelado pela Constituição Federal de 1988. E por fim, foi negado ressarcimento das despesas porque as mesmas não foram custeadas pela paciente.

Há decisões fundamentando a importância da preservação dos dois direitos fundamentais, e, portanto é preciso balancear o conflito entre esses direitos. De um lado, temos os médicos que possuem a função de preservar a vida das pessoas, e de outro temos os Testemunhas de Jeová, que não entendem o por quê da não aceitação de sua religião sobre o direito de dispor de suas vidas.


Da responsabilidade civil e penal do médico

A recusa do tratamento pelo paciente é um tema muito importante para os profissionais da área da saúde, que lida com essas questões de forma frequente e rotineira. E portanto, notamos que essa tratativa é bastante obscura para os envolvidos nessa relação, os médicos.

Muitos médicos ficam na dúvida quando chega algum caso no hospital de paciente Testemunha de Jeová, acerca da consequência gerada pelo seu ato no exercício profissional da medicina. A sua formação profissional e os seus conhecimentos sobre a medicina leva ao dever de agir e em consequência confronta com o direito à liberdade do paciente.

A responsabilidade civil do médico é subjetiva, enquanto profissional liberal. Portanto deve ser feita apuração da culpa do médico juntamente com os seguintes elementos: negligência, imprudência e imperícia. Assim dispõe o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor: § 4º: A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. (BRASIL, 1990).

Como a obrigação do médico é considerada de meio, ou seja, concernentes de atividades para manter a saúde do indivíduo, cabe a vítima mais do que demonstrar o dano, mas provar que o dano gerado ocorreu por culpa por parte do médico.

O médico deve respeitar a vontade do paciente quando o mesmo se recusa a receber o tratamento de transfusão, mesmo que isso venha levar a óbito o paciente. Se o médico informar ao paciente os riscos da recusa ao tratamento da transfusão, e mesmo assim o paciente se opor pela não realização, o médico estará portanto agindo conforme dispõe o ordenamento jurídico brasileiro, e portanto não poderá ser responsabilizado civil ou criminalmente pela morte que pode vir a acontecer.

Segue posicionamento defendido pelo promotor de Justiça em Guaporé (RS), Cláudio da Silva Leiria:

Evidentemente, se um paciente, de forma livre e consciente, recusa transfusão de sangue mesmo ciente dos riscos iminentes a sua vida decorrentes dessa conduta, não será caso de aplicação do disposto no artigo 46 do Código de Ética Médica, mas sim do artigo 48 do mesmo Diploma Legal, que veda ao médico exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar. (LEIRIA, 2018, grifo nosso).

Vemos portanto que quando o médico respeita a religião do paciente e não realiza a transfusão, ao mesmo mesmo não poderá cair nenhuma responsabilização.

De outro lado, temos a realização da transfusão de sangue mesmo contra a vontade dos seguidores Testemunha de Jeová, nesses casos o médico também não poderá ser responsabilizado, pois agiu conforme determina o Código de Ética Médica, especialmente em consonância com o seguinte artigo: “É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.” (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010). Ou seja, em caso de iminente perigo de vida, o médico poderá sim realizar os atos adequados à manutenção da vida, independentemente de não haver consentimento do paciente ou de seu representante.

O médico ainda possui amparo quanto a realização de intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente no Código Penal. E que tal conduta adotada pelo médico não configura constrangimento ilegal do paciente. O profissional, portanto poderá se abster do consentimento do paciente ou responsável, se o paciente se encontra em estado de risco de vida.

Está disposto no Código Penal em seu artigo 146, que não se configura constrangimento ilegal a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.

Não há unanimidade sobre esse assunto na jurisprudência, não é incomum vermos decisões judiciais que concordam com a transfusão realizada em paciente Testemunha de Jeová mesmo contra a sua vontade em caso de iminente risco de vida. E também não é incomum vermos a não realização do procedimento em virtude da convicção religiosa adotada pelo indivíduo. Não se pode esperar dos médicos uma atitude singular e pacífica, se nem mesmo os tribunais possuem entendimento pacificado sobre esse tema.


CONCLUSÃO

A evolução da humanidade vem contribuindo de forma muito significativa na área do Direito, em que a interpretação humana se faz muito presente na vida dos magistrados no exercício de suas funções.  Ao magistrado cabe aplicar a lei geral nos casos concretos, utilizando portanto a sua interpretação para decidir da forma mais justa possível.

Os direitos fundamentais possuem previsão no texto constitucional, mas o problema enfrentado com a previsão de tais garantias, é a falta de limitação desses direitos. Em nossa Constituição Federal no “caput” do artigo 5º trata da inviolabilidade do direito à vida, que é estendido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil. No desdobramento do artigo 5º, mais especificamente no inciso VI, está previsto a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença. O que se percebe com essas tipificações é que não existe nenhuma limitação, restrição do direito, nem mesmo em casos excepcionais, o que dificulta a função do magistrado quando se depara com a colisão de dois direitos fundamentais importantes para os seres humanos.

O direito à vida e à liberdade são considerados como direitos fundamentais de primeira geração. E eles causam muita divergência de opiniões quanto ao papel de importância entre si, gerando muito conflito pelo choque entre os dois direitos. Quando o paciente Testemunha de Jeová prefere dispor de sua vida do que realizar um tratamento que envolva transfusão de sangue , essa escolha gera uma vasta discussão.

É extremamente complicado termos um direito fundamental que pode simplesmente extinguir um bem tão importante para a espécie humana, que é a vida. A vida é pressuposto para o alcance de todos os direitos, então, não faz sentido acabar com esse direito por uma decisão interior do indivíduo.

De outro lado, questões religiosas são consideradas sagradas e importantíssimas para os seguidores da religião Testemunha de Jeová, e qualquer forma de afronta à esse direito é considerado de extrema consequência psíquica e moral para os seus seguidores. Suas consequências não podem ser vistas, mas sim sentidas por aqueles que possuem suas convicções religiosas.

As transfusões de sangue são abominadas pelos pacientes Testemunhas de Jeová, fundamentada pelos seus seguidores que o Antigo Testamento como o Novo Testamento os ordenam a abster de sangue. Acompanhando esse posicionamento adotado pelos Testemunhas de Jeová muitas críticas surgem quanto à realização da transfusão de sangue, em que tal procedimento pode facilitar a transmissão de doenças pelo sangue e causar diferentes reações imunológicas no corpo humano.

Percebemos com as decisões proferidas pelos tribunais que não se tem um certo equilíbrio sobre o tema. Na primeira decisão tratada no trabalho notamos que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou o direito à vida como superior em comparação com o direito à liberdade religiosa.

Notamos certo avanço dos tribunais que determinam que havendo tratamento alternativo à transfusão de sangue, este deve ser utilizado. Portanto deve-se tentar todas outras formas de tratamento que não seja a realização da transfusão. É garantido tratamento alternativo por meio do SUS até fora do domicílio do paciente.

Para aqueles que defendem a prevalência da liberdade religiosa é uma situação bem complicada. A decisão já comentada e proferida pelo TJRS dispõe que não cabe ao Poder Judiciário determinar a realização de tratamento médico, cirúrgico ou hospitalar. Ou seja, não será decidido pelo Poder Judiciário acerca da realização ou não de tratamento. Cabe ao médico no seu exercício profissional executar as medidas que melhor lhe parecer no dado caso. Mas a pergunta que não quer calar, é como um médico que não professa a religião Testemunha de Jeová saberá como equilibrar o conflito desses direitos? Provavelmente ele pensará em salvar a vida do paciente em primeiro lugar, mesmo sem saber a gravidade e o nível de importância da religião para os seus seguidores.

Já para os defensores do direito à vida, a atitude do médico em tentar e conseguir com sucesso proteger a vida daquele indivíduo Testemunha de Jeová será vista como uma atitude gloriosa e honrosa.

Encontramos posicionamentos controversos acerca da aplicação e execução das atividades que cercam os direitos fundamentais. A vida possui garantia constitucional conforme já tratado anteriormente, mas ela pode ser mitigada na situação do artigo 15 do Código Civil, em que ninguém poderá ser submetido com risco de vida a tratamento médico ou cirúrgico.

Já na previsão do artigo 146, inciso I, §3º, não configura ato ilícito a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seus familiares. Nesse caso nota-se que esse artigo fere a liberdade religiosa de consciência e de crença, ainda mais o direito à intimidade e privacidade.

Devido a ambiguidade na lei cabe ao magistrado decidir da melhor forma cabível analisando o caso em concreto. Como não há uma única solução para o problema enfrentado cabe ao magistrado julgar o caso em questão analisando as pretensões dos pacientes, na defesa primordial da dignidade da pessoa humana.

Vemos que os operadores do direito com o apoio de princípios que utilizados da forma correta proporcionam a concretização da justiça e da pacificação social. O legislador constitucional não se preocupou ou nem cogitou em pensar na solução da colisão entre direitos e princípios fundamentais.

É perceptível o excelente trabalho exercido pelo Poder Judiciário ao solucionar e resolver tais conflitos com leis que tratam de forma obscura e de forma parcial tal tema. A doutrina e a jurisprudência complementaram a legislação constitucional e infraconstitucional para o funcionamento do sistema jurídico.

O médico no exercício da medicina tem a função de proteger e preservar vidas e, portanto fica à critério dele respeitar a vontade do paciente (respeitando a sua convicção religiosa) ou realizar o procedimento mesmo contra a vontade do paciente e dos familiares (respeitando o direito à vida do paciente).


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