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A APOSENTADORIA POR IDADE SÓ É CONCEDIDA AO TRABALHADOR RURAL QUE EXERCE A ATIVIDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR?

A APOSENTADORIA POR IDADE SÓ É CONCEDIDA AO TRABALHADOR RURAL QUE EXERCE A ATIVIDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR?

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O INSS nega o benefício previdenciário de aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais que possuem em seu grupo familiar algum membro que desempenhe atividade urbana por período superior a 120 dias.

O INSS nega o benefício previdenciário de aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais que possuem em seu grupo familiar algum membro que desempenhe atividade urbana por período superior a 120 dias.

 

O presente artigo defende que o INSS não pode negar a aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais ao não reconhecer a qualidade de segurado especial daqueles que possuem em seu grupo familiar algum membro que exerce ou exerceu atividade remunerada urbana por período superior a 120 dias no ano.

 

A título de exemplo tomemos a seguinte casuística:

 

“O requerente é um trabalhador rural que também reside na zona rural a poucos metros de onde exerce sua atividade laborativa e possui vários documentos – inclusive públicos – que comprovam a atividade rural desempenhada. Destaque-se que teve esse período trabalhado como rural reconhecido pela autarquia e mesmo assim teve sua aposentadoria por idade rural negada quando o INSS verificou que sua cônjuge é aposentada como professora da rede municipal daquele povoado”.

 

Tomando por base a dinâmica dos fatos e afirmações apresentadas, bem como que se trata da realidade de muitos trabalhadores rurais brasileiros, passemos então a analisar o que a legislação nos expõe.

 

Os trabalhadores rurais que laboram em regime de economia familiar ou de forma individua,l são considerados segurados especiais do INSS e terão direito aos benefícios previdenciários constantes na legislação vigente, desde que, preencham a comprovação de exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico a carência do referido benefício, senão vejamos o que nos diz a Lei 8.213/91:

 

Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:

[...]

III - os benefícios concedidos na forma do inciso I do art. 39, aos segurados especiais referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei.

[...]

Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:

I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou

[...]

Art. 55. [...]

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

 

 

Não há, na legislação, dispositivo legal que afirme que o segurado especial tem que, OBRIGATORIAMENTE, trabalhar em regime de economia familiar e que os demais integrantes deste grupo, não possam auferir renda urbana. Muito pelo contrário, o artigo 11, VII da Lei 8.213/91 afirma que:

 

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: [...]

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, INDIVIDUALMENTE OU EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:” (grifo nosso)

 

 

Por sua vez, ainda no mesmo artigo 11, §1º da citada lei, o legislador apenas vem dizer o que é REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR:

 

Art. 11 [...]

§ 1o ENTENDE-SE como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.” (grifo nosso)

 

 

Vê-se aqui que, o legislador não cria mais um requisito para concessão do benefício de aposentadoria ao segurado especial, mas apenas conceitua o que é regime de economia familiar. Não fosse bastante, o §9 do artigo 11, da lei 8.213/91, especificamente no Inciso III, que se amolda ao nosso entendimento, afirma:

 

Art. 11 [...]

§ 9º NÃO É SEGURADO ESPECIAL O MEMBRO DE GRUPO FAMILIAR que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:

III - exercício de atividade remunerada em período não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991” (grifo nosso)

 

 

Esta disposição legal não exclui a qualidade de segurado especial, apenas exclui a condição de segurado especial do membro do grupo familiar que exerça atividade urbana por período superior a 120 dias durante o ano.

 

Vejamos ainda o que diz a Constituição Federal em seu artigo 201, §7º, inciso II, quando dispõe acerca da aposentadoria por idade do segurado especial:

 

Art. 201. [...]

§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:

II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos E para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

 

 

Deve-se ressaltar, que a lei define como requisito ser “trabalhador rural homem ou mulher” E TAMBÉM “para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar”, ou seja, não exclui, mas aumenta o leque de possibilidades!

 

Tem-se aqui uma exigência – NÃO CONSTITUCIONAL –, por parte da autarquia, de que todos os integrantes do grupo familiar devem ser trabalhadores rurais, fugindo assim, do princípio da legalidade com a criação de um requisito inexistente.

 

Verifica-se, pois, que mesmo que o cidadão tendo laborado a vida toda como trabalhador rural, estando exposto aos riscos e impropérios inerentes à atividade exercida, a autarquia não o reconhece como segurado especial, restando abusivamente desamparado sem ter direito a qualquer benefício nessa condição.

 

Não menos equivocado, porém mais brando, é o entendimento da jurisprudência da TNU em consonância com a súmula 41 de sua própria lavra, in verbis:

 

“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ACÓRDÃO QUE AVALIOU CRITERIOSAMENTE O CONJUNTO PROBATÓRIO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULAS 41 E 42/TNU. INCIDENTE NÃO CONHECIDO.

– Trata-se de incidente de uniformização movido pela parte autora em face de Acórdão de Turma Recursal que deu provimento ao recurso inominado do INSS para julgar improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural.

– Aponta ofensa à súmula nº 51/TNU. Pois bem.

– Com efeito, é entendimento desta Corte o de que, “para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício” (Súmula nº 14/TNU). E ainda que “O exercício de atividade urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, condição que deve ser analisada no caso concreto” (Súmula nº 46/TNU). Outrossim, é certo que “A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola.” (Súmula nº 06/TNU).

– Acerca do ponto controvertido, a Turma de Origem assim se manifestou, in verbis: “(…) Neste ponto, importa registrar que a remuneração percebida por cônjuge em razão de vínculo empregatício urbano não é capaz de descaracterizar, por si só, a qualidade de segurado especial daquele que busca a concessão de benefício previdenciário, conforme indica o enunciado da Súmula nº. 41, da TNU; Contudo, no caso em análise, considerando a remuneração mensal recebida pela esposa do autor – R$2.674,71 (dois mil seiscentos e setenta e quatro reais e setenta e um centavos), devidamente registrada no Portal da Transparência do Estado do RN (anexo nº 25), bem como os demais elementos probatórios colacionados aos autos, resta evidenciado que a atividade rural alegadamente exercida não se qualifica como indispensável à subsistência do núcleo familiar, nos termos exigidos pelo art. 11, § 1º, da Lei nº. 8.213/91. (…)”.

– A meu ver, a Turma de Origem não negou a aplicação da súmula nº 41/TNU, mas, ao analisar a questão do labor urbano do cônjuge junto com os demais elementos dos autos, entendeu que não estava caracterizada a indispensabilidade do labor rural ao sustento do grupo familiar:

– Nesse sentido, o conhecimento da questão ora arguida demandaria a revisão dos fatos e provas dos autos e, assim, a reanálise de matéria fática, o que, como se sabe, é vedado pela Súmula 42 deste Colegiado, in verbis: “Não se conhece de incidente de uniformização que implique reexame de matéria de fato.”.

– Por conseguinte, NÃO CONHEÇO do incidente de uniformização. A Turma, por maioria, não conheceu do incidente de uniformização nos termos do voto do(a) Juiz(a) Federal FREDERICO KOEHLER que lavrará o acórdão. Vencido o(a) Juiz(a) Relator(a), que conhecia do incidente e lhe dava provimento.

(TNU, PEDILEF 05036143120134058404, JUIZ FEDERAL FREDERICO AUGUSTO LEOPOLDINO KOEHLER, TNU, DJE 25/09/2017).” (grifo nosso)

 

 

Em resumo, o entendimento da autarquia é equivocado e extremista ao não reconhecer a qualidade de segurado especial, por conta do exercício de atividade urbana, através de membro da família, ao passo que, não menos claudicante é a inteligência da TNU que determina a necessidade da produção rural para manutenção do correspondente grupo familiar, não necessariamente devendo ser a principal, mas sim, indispensável.

 

Cabe destacar que o entendimento da TNU vem sendo o entendimento de vários outros Tribunais Pátrios, inclusive do TRF5, conforme se verifica facilmente com consulta à jurisprudência para causas desta jaez.

 

Não entendemos ser razoável, ambas as posições citadas, nem o entendimento que vem sendo adotado, pois o não reconhecimento da qualidade de segurado especial, levando as razões alinhavadas, não tem previsibilidade legal.

 

Ora, afirmar que ser segurado especial é ser miserável, na forma da lei, é um entendimento um tanto quanto equivocado, ademais a renda auferida como segurado especial, não é requisito legal ou jurídico para determinar a sua qualidade.

 

A redução etária para concessão de aposentadoria e o valor de um salário mínimo para segurados especiais, decorrem, especificamente, da especialidade da forma como o trabalho é exercido com a exposição ao sol e chuva, dentre outras intempéries que reduzem o tempo, saúde e qualidade de vida desse trabalhador.

 

Vale lembrar que, até 1981, a atividade de professor era considerada atividade especial e, até hoje, considera-se especial para fins de redução etária na concessão de aposentadoria, tratando-se de um benefício específico. Bem assim é a atividade do segurado especial.

 

É de se ressaltar que a renda auferida por qualquer membro da família, não fazem os demais de desocupados! Ser a atividade secundária não quer dizer que é dispensável ou não necessária! Aposentadoria Rural não é benefício assistencial!

 

O que se quer afirmar é que, não é justo, deixar ao léu aquele que durante toda a vida, fora um homem do campo, plantando, cultivando e colhendo o sustento da terra, criando bichos e afins, enfim, não exerceu outra profissão e nem sabe fazer outra coisa, senão desempenhar atividade campesina, sempre na expectativa de um dia se aposentar e ter seu descanso merecido.

 

Negar a aposentadoria rural a um trabalhador rural é uma injustiça social, ainda mais quando a própria legislação em vigor não exige critérios os criados pela autarquia e jurisprudência.

 

Evidentemente, não podemos esgotar o tema em tão poucas linhas ou sequer afirmar que temos uma solução efetiva, mas diante de tantas exigências constantes na dinâmica que se criou, uma das saídas para o trabalhador rural é realizar a comprovação da necessidade da renda auferida, através do labor para a manutenção de sua família, mesmo que, dentro do grupo familiar, venha a existir renda urbana superior proveniente do labor de qualquer de seus integrantes.

 

Por sua vez, cabe aos julgadores que analisam os fatos, aferir, tão somente, a qualidade de segurado especial, verificando se houve ou não o efetivo exercício do labor rural por parte daquele que requer o benefício previdenciário, e concedê-lo, desde que, se cumpram os requisitos necessários inerentes à espécie, pois – utilizo-me de um bordão clássico em peças processuais – agir dessa forma é medida da mais lídima justiça!

 

REFERÊNCIAS

 

TNU. PEDILEF: 05036143120134058404. Relator: JUIZ FEDERAL FREDERICO AUGUSTO LEOPOLDINO KOEHLER. DJE: 25/09/2017. Disponível em: https://www2.cjf.jus.br/jurisprudencia/tnu/. Acesso em 10 de fevereiro de 2019.

 

BRASIL. Constituição Federal do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 10 de fevereiro de 2019.

 

BRASIL. Lei 8123, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8213cons.htm>. Acesso em 10 de fevereiro de 2019.


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