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A infidelidade partidária e seus reflexos negativos sobre a consolidação das instituições políticas democráticas no Brasil

A infidelidade partidária e seus reflexos negativos sobre a consolidação das instituições políticas democráticas no Brasil

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1.Introdução

A chamada reforma política é um tema atual que freqüentemente torna-se ponto de discussão não só pelos congressistas, visto o grande número de projetos de emenda constitucional que constantemente são propostos, mas também pela imprensa, pelos partidos políticos, cientistas políticos e, com menor intensidade, por juristas. Dentre os principais pontos colocados em pauta encontram-se além da infidelidade partidária, o financiamento público de campanha e a cláusula de barreira.

Dada não só a impossibilidade de abordar todos estes assuntos, satisfatoriamente, em um pequeno espaço de tempo, mas também a crença de que uma reforma séria e verdadeira deve partir da criação de regras que produzam o fortalecimento das instituições partidárias, optou-se por desenvolver, nesta pesquisa, um estudo mais aprofundado sobre a infidelidade partidária no Brasil.

A Constituição da República do Brasil promulgada em 1988 consagra a instauração de um Estado Democrático de Direito, sendo importante ressaltar que um dos pilares do regime democrático é a existência de partidos fortes e ideológicos com um programa de governo bem elaborado, discutido e socialmente conhecido.

Os partidos políticos são instâncias associativas permanentes e estáveis, dotadas de ideologia e programa político próprios, destinadas à arregimentação coletiva, buscando, em último plano, conquistar o controle do poder político, seja pela ocupação de cargos ou influência nas decisões políticas.

Desde a redemocratização do país, tem-se presenciado um considerável número de mudanças de partidos no Congresso Nacional. Registre-se que na Câmara, em sua 49º legislatura (1991 a 1995) houve 276 mudanças, na seguinte 235, na 51º foram 290, e na atual já havia ocorrido 197 mudanças até a primeira quinzena do mês de fevereiro deste ano. Nesse sentido, cumpre destacar episódio registrado recentemente durante a 52º legislatura, no qual o Deputado Jair de Oliveira trocou de partido em um dia e, insatisfeito, no dia seguinte, buscou uma terceira opção.

Ora, situações como esta e índices tão elevados são incompatíveis com um sistema eleitoral no qual se têm eleições proporcionais [01] para as Casas Legislativas, exceto o Senado Federal, cuja eleição é majoritária, pois a razão de ser de tal distribuição é justamente atribuir o mandato ao partido e não à pessoa do candidato. Portanto, via de regra, salvo na ocorrência de aberrações em que o candidato atinge diretamente o quociente eleitoral, qualquer pessoa eleita neste sistema depende do conjunto.

É importante ressaltar, ainda, que a infidelidade partidária verifica-se não apenas quando o candidato eleito se desliga do partido que o elegeu, mas também pela desobediência aos princípios doutrinários e programáticos, às normas estatutárias e às diretrizes estabelecidas pelo partido como fundamentais.

Por tudo isso, acredita-se que a infidelidade partidária é extremamente prejudicial ao fortalecimento da democracia, e que uma modificação do crescente número de mudanças de partidos só se realizará mediante a elaboração de normas que estabeleçam punições mais severas aos representantes infiéis, tais como a perda do mandato para o deputado ou senador que deixar o Partido sob cuja legenda se elegeu, ou que cometer grave violação da disciplina partidária.

Apresentar-se-á, aqui, uma breve explanação a respeito da chamada democracia procedimental de Jürgen Habermas, uma exposição sobre a definição e natureza jurídica dos partidos políticos, considerações a respeito da influência da identificação partidária e ideológica sobre o voto, uma sucinta descrição dos principais partidos e da regulamentação da fidelidade partidária no Direito Brasileiro e, por fim, uma análise qualitativa e quantitativa das mudanças ocorridas na Câmara dos Deputados na 48ª, 49º, 50ª, 51ª e 52ª legislaturas, e no Senado Federal na 48ª, 49ª e 50ª legislaturas.


2.Uma nova concepção de "democracia"

Ao falar em partidos políticos é essencial tratar também de democracia visto que o desenvolvimento daqueles, de maneira geral, vem associado ao desta. Não interessa aqui, dada a impossibilidade de sua verificação nos dias atuais, abordar a chamada democracia direta, na qual o poder é exercido diretamente pelo povo, com a utilização do critério da maioria. Do mesmo modo não se pretende estabelecer um estudo detalhado da democracia representativa clássica, que, grosso modo, é o regime de governo no qual o cidadão confere um mandato ao representante para que este manifeste a vontade em seu nome. O que se propõe é expor uma breve noção do que seja democracia procedimental e a mudanças conceituais que decorrem de tal concepção.

A democracia procedimental tem como pressuposto a teoria do discurso de Jürgen Habermas a qual atribui um papel central à linguagem no processo de formação da opinião e da vontade dos cidadãos. Tal teoria se desenvolve no interior de um Estado Democrático de Direito que pressupõem-se a existência de um espaço público não restrito ao âmbito estatal, de uma comunidade de homens livres e iguais capazes de criar as leis que os regem e onde os próprios envolvidos têm de entrar em acordo, prevalecendo a força do melhor argumento. A teoria do discurso da democracia corresponde, entretanto, a uma imagem de sociedade descentrada, em que o "eu" da comunidade jurídica desaparece nas formas de comunicação sem sujeito. [02]

A partir de uma visão procedimental de democracia afirma-se que o "êxito da política deliberativa depende não da ação coletiva dos cidadãos, mas da institucionalização dos procedimentos e das condições de comunicação correspondentes." [03] Isso porque "os procedimentos democráticos do Estado de Direito têm o sentido de institucionalizar as formas de comunicação necessárias para uma formação racional da vontade" [04]

Em razão de sua importância para a teoria em análise, bem como para o objeto de estudo desta pesquisa, cumpre agora conceituar "esfera pública" que pode ser descrita como "uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomada de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos" [05]. A chamada "esfera pública política", por sua vez, é aquela que se forma a partir dos contextos comunicacionais das pessoas virtualmente atingidas e cuja função consiste em captar e tematizar os problemas da sociedade como um todo. [06]

De modo simplificado, pode-se dizer que "a formação informal da opinião pública gera a ´´influência´´; esta é transformada em ´´poder comunicativo´´ por meio dos canais das eleições políticas; e o ´´poder comunicativo´´ é por sua vez transformado em ´´poder administrativo´´ por meio da legislação". [07]

Conclui-se, portanto, que a influência pública só se transforma em poder político através do filtro dos processos institucionalizados da formação democrática da opinião e da vontade, depois de transformar-se em poder comunicativo e infiltrar-se em uma legislação legítima, e antes que a opinião pública, concretamente generalizada, possa se transformar numa convicção testada sob o ponto de vista da generalização de interesses e capaz de legitimar decisões políticas. Para gerar poder político, a influência da soberania do povo, tem que abranger também as deliberações de instituições democráticas da formação da opinião e da vontade, assumindo uma forma autorizada – decisões formais. [08]

Neste contexto, os partidos políticos atuam como conectores que estabelecem a ligação do sistema político com a opinião pública e a sociedade civil. Tal entrelaçamento é garantido pelo direito dos partidos de contribuir para a formação da vontade política do povo e através do direito de voto ativo e passivo dos sujeitos privados. [09]


3.Conceito e natureza jurídica dos partidos políticos

Historicamente a institucionalização jurídica da realidade partidária, que num primeiro momento aparece como dimensão sociológica, pela condição de grupo, só ocorre com o advento do Estado Social, quando passam a figurar no ordenamento jurídico.

Definir "partido político" é tarefa há muito já realizada pelos doutrinadores, a exemplo de Burke, Sartori e Fávila Ribeiro.

Na concepção de Burke, "o partido político é um corpo de pessoas unidas para promover, mediante esforços conjuntos, o interesse nacional, com base em alguns princípios especiais, ao redor dos quais, todos se acham de acordo." [10]

Para Sartori, "os partidos políticos são organizações sociais que procuram influenciar a seleção e o mandato do pessoal do governo, apresentando candidatos a cargos eletivos, e as políticas do governo, de acordo com os princípios gerais ou tendências com as quais concordam a maioria dos seus membros" [11]

Fávila Ribeiro define:"o partido político é um grupo social de relevante amplitude destinado à arregimentação coletiva, em torno de idéias e de interesses, para levar seus membros a compartilharem do poder decisório nas instâncias governativas". [12]

De forma mais descritiva, pode-se dizer que os partidos políticos são instâncias associativas permanentes e estáveis, dotadas de ideologia e programa político próprios, destinadas à arregimentação coletiva, buscando, em última instância, conquistar o controle do poder político, seja pela ocupação de cargos ou influência nas decisões políticas.

São eles instrumentos de relevante importância na dinâmica do poder político, contribuindo para a interação entre governantes e governados nos sistemas representativos [13], ou melhor, são elos entre o sistema político, a opinião pública e a sociedade civil.

Por fim, cumpre ressaltar a natureza jurídica dos partido político, visto que esta, além da importância teórica que traz ao determinar o posicionamento destes na ordem jurídica, acarreta, também, conseqüências de ordem prática porque influencia nas relações entre o Estado e o corpo político.

Em seus estudos, Pietro Virga apresenta quatro particularidades jurídicas para definir a natureza dos partidos sob a perspectiva de sua estrutura jurídica interna: a) como associação jurídica é uma união estável e organizada, que se propõe a fins políticos; b) como órgão estatal, perspectiva que assume no exercício do poder político ou de governo; c) como instituição, quando o partido constitui um ente social organizado que reduz à unidade os três elementos: patrimônio, personalidade e ideologia; d) como elemento constitutivo do sistema de governo é o mecanismo constitucional mediante o qual vem coordenada a atividade dos vários órgãos de manifestação política. [14]

A Lei nº 9.906 de 1995, em seu art.1º, dispõe que o partido político é pessoa jurídica de direito privado e destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do regime representativo e a defender os direitos constitucionais fundamentais. Isso corresponde a dizer que o partido nunca pode ser considerado órgão do Estado, uma vez que possuem personalidade jurídica própria, portanto, são sujeitos próprios de direitos e obrigações.

No presente estudo, considerar-se-á o partido político como uma associação [15] de indivíduos que tem por fim a busca pelo exercício ou participação no exercício do poder político. E que embora exerça uma função pública, em proveito do povo e do Estado, não é um órgão estatal, mas pessoa jurídica de direito privado.


4.Partidos políticos brasileiros

Atualmente há 27 partidos políticos registrados no TSE [16], mas destes apenas alguns possuem expressão nacional. São eles: PMDB, PTB, PDT, PT, PFL, PL, PC do B, PSB, PSDB, PTC, PSC, PMN, PRONA, PRP, PPS, PV, PT do B, PP, PSTU, PCB, PRTB, PHS, PSDC, PCO, PTN, PAN e PSL. Assim, optou-se por estudar apenas parte deles, sendo selecionados dez por serem os que, hoje, têm maior representatividade no Congresso Nacional, especialmente, na Câmara dos Deputados, incluindo-se também o PC do B em razão de sua importância histórica na construção da democracia brasileira. A seguir, apresentar-se-á um breve histórico da origem e dos objetivos a que estes partidos se propõem.

PC do B - Partido Comunista do Brasil: é o partido político mais antigo do país, em funcionamento, e agrega, em sua fileiras, os comunistas. Tem inspiração marxista-leninista, com organização centralizada e unidade na ação. Destaca-se nos movimentos organizados, notadamente o movimento estudantil. [17]

"é o Partido político da classe operária, sua vanguarda consciente e organizada, a sua mais elevada forma de organização. É a união voluntária e combativa dos comunistas e tem como objetivos finais o socialismo e a edificação da sociedade comunista. O partido Comunista do Brasil educa seus filiados no espírito do internacionalismo proletário e da solidariedade internacional dos trabalhadores de todos os países." (Estatuto do PC do B, art. 1º) [18]

PDT - Partido Democrático Trabalhista: surge em maio de 1980, reivindicando o espólio do antigo PTB de Getúlio Vargas, berço do trabalhismo brasileiro. Leonel Brizola, o principal líder da legenda, obtém o registro definitivo do PDT em 1981 e reúne trabalhistas de perfil mais reformista que os do atual PTB. [19]

"o PDT é uma organização política da nação Brasileira para a defesa de seus interesses, de seu patrimônio, de sua identidade e de sua integridade, e tem como objetivos principais lutar, sob a inspiração do nacionalismo e do trabalhismo, pela soberania e pelo desenvolvimento do Brasil, pela dignidade do povo brasileiro e pelos direitos e conquistas do trabalho e do conhecimento, fontes originárias de todos os bens e riquezas, visando à construção de uma sociedade socialista." (Estatuto do PDT, art.1º) [20]

PFL - Partido da Frente Liberal: nasce de uma dissidência do Partido Democrático Social (PDS), o herdeiro da Arena, surgido após a derrota de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral em 1985. Possui raízes que remontam às oligarquias rurais do Nordeste [21]. Seu Programa "se fundamenta nos princípios do regime democrático, do Estado de Direito e da livre iniciativa" (Estatuto do PFL, art.2º). Tal posição é reafirmada na exposição dos Princípios do partido:

"Perfilhar o respeito ao direito de propriedade, com reconhecimento das responsabilidades sociais inerentes ao exercício desse direito, tendo em conta que o interesse individual não pode se sobrepor ao interesse coletivo; reconhecer a livre iniciativa como elemento dinâmico da economia e a empresa privada nacional como agente principal da vida econômica do País; admitir a ingerência do estado na economia, nos limites da lei, com a finalidade de promover o desenvolvimento, regular as relações sociais, condicionar o uso da propriedade e de seu papel social e evitar a exploração predatória dos recursos naturais, sem que, contudo, em nenhuma hipótese, resulte em constrangimentos espúrios ao livre-mercado ou no cerceamento das liberdades do cidadão."

PL - Partido Liberal: foi fundado em 1985 como uma alternativa ao socialismo e ao "liberalismo capitalista reacionário" [22]. Em seu Manifesto afirma que:

"para que se fortaleça a democracia, o desenvolvimento será obtido também como fortalecimento da empresa privada. Ao capital devem ser asseguradas remuneração justa e uma legislação estável, intervindo o Estado apenas para assegurar o interesse público e a proteção do trabalhador, para evitar a formação de monopólios ou oligopólios, para dirimir conflitos, para a defesa da empresa nacional ou para assegurar atividades ou serviços indispensáveis, de interesse público, ou fundamentais para a defesa da soberania ou da segurança do país. O Partido Liberal reconhece o direito à propriedade como natural. Por ser natural é um direito de todos, e a todos deve ser estendido." [23]

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro: herdeiro direto do MDB e de sua posição contrária ao regime militar, surge em janeiro de 1981. O PMDB é um partido que engloba diferentes posições, inclusive acarretando em grande diferenciação na prática cotidiana da militância do partido. [24]Tal caráter evidencia-se em seu Estatuto:

"o PMDB exerce suas atividades políticas visando à realização dos objetivos programáticos que se destinam à construção de uma Nação soberana e à consolidação de um regime democrático, pluralista e socialmete justo, onde a riqueza seja instrumento de bem-estar de todos." (Estatuto do PMDB, art.2º) [25]

PP - Partido Progressista: antigo PPB, surge em 1995 com a fusão do Partido Progressista Reformador (PPR) com o Partido Progressista (PP). O PPR, por sua vez, é o herdeiro do Partido Democrático Social (PDS). [26] Em seu Programa propugna-se por:

"transferência para a iniciativa privada de toda e qualquer atividade econômica desempenhada pelo Estado, através de processos transparentes, mediante avaliações que determinem preços justos e que não resultem na formação de monopólios ou oligopólios privados; defesa da livre iniciativa, com o fortalecimento da empresa privada; apoio `empresa privada nacional, em termos de capitalização, tecnologia, competência gerencial e abertura de novos setores de atividades, de sorte a aumentar-lhe o grau de eficiência e competitividade, a fim de prepará-la à disputa com as empresas estrangeiras e para o crescimento contínuo e estável."

PPS - Partido Popular Socialista: foi criado em 1990, pela maioria dos dirigentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e seguindo uma linha reformista histórica, rompe com a idéia de socialização dos meios de produção e busca a "radicalização da democracia". Destaca-se que uma pequena parcela de dirigentes do PCB, inconformados com a decisão da maioria, optaram por dar continuidade ao partido; porém, este continua com força bastante reduzida. [27] Conforme consta no Estatuto, o PPS fundamenta suas atividades políticas no:

"regime participativo, representativo e democrático, baseado na pluralidade de partidos e na garantia dos direitos do homem, e (tem) por objetivo o aprofundamento da democracia e da cidadania, no processo de construção de uma sociedade socialista, humanista e libertária." (Estatuto do PPS, art.2º) [28]

PSB - Partido Socialista Brasileiro: foi criado em agosto de 1985, após disputa judicial pela posse da sigla do antigo PSB (este herdeiro da chamada "Esquerda Democrática"), extinto em 1965 pelo AI-2. Tem como proposta histórica a construção de um socialismo diferenciado da linha soviética, e tem origem na cisão da antiga UDN. [29] De acordo com o Estatuto, é sua finalidade "lutar pela implantação da democracia e do socialismo" (art.2º), e pela "socialização dos meios de produção considerados estratégicos e fundamentais ao desenvolvimento, social, cultural e da democracia, e a preservação da soberania nacional" (art.1º, parágrafo 3º, incisoIII) [30]

PSDB - Partido da Social-Democracia Brasileira: nasce em 1988 de uma dissidência do PMDB durante a elaboração da Constituição de 1988. Tem em sua origem perfil reformista e de centro-esquerda. Defende o parlamentarismo como sistema de governo. Recentemente, tem estabelecido alianças com o PFL tendo, na prática, atuação diferenciada da proposta inicial do partido [31]. São objetivos programáticos do PSDB:

"a consolidação dos direitos individuais e coletivos; o exercício democrático participativo e representativo; a soberania nacional; a construção de uma ordem social justa e garantida pela igualdade de oportunidades; o respeito ao pluralismo de idéias, culturas e etnias; e a realização do desenvolvimento de forma harmoniosa, com a prevalência do trabalho sobre o capital, buscando a distribuição equilibrada da riqueza nacional entre todas as regiões e classes sociais." (Estatuto do PSDB, art.2º) [32]

PT - Partido dos Trabalhadores: maior partido da esquerda brasileira, foi fundado em 1979, com o apoio do movimento sindical do ABC paulista. Sua principal liderança é o metalúrgico e, atual Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva. Possui perfil socialista e seus militantes agrupam-se em diversas tendências internas [33]. Salienta o Programa do PT, que o Partido luta "pela construção de uma democracia que garanta aos trabalhadores, em todos os níveis, a direção das decisões políticas e econômicas do país. Uma direção segundo os interesses dos trabalhadores e através de seus organismos de base." [34]

PTB - Partido Trabalhista Brasileiro: foi fundado por Getúlio Vargas em 15 de maio de 1945, tendo como principal teórico Alberto Pasqualini. Tem como "fundamento a ênfase especial na valorização da força de trabalho, ponto de partida para o efetivo desenvolvimento nacional". O PTB apresentou em seus quadros, importantes representantes da política nacional, tais como os ex-presidentes João Goulart (o "Jango") e Jânio Quadros; os ex-primeiros ministros San Tiago Dantas e Hermes Lima; o criador da CLT, ex-ministro Marcondes Filho; o Marechal Henrique Teixeira Lott; e deputados como Leonel Brizola e Fernando Ferrari, além de Almino Affonso e Rubens Paiva, que lideraram a Frente Parlamentar Nacionalista. [35] Para atingir os seus fins:

"o PTB subordinar-se-á aos seguintes princípios fundamentais: harmonização da convivência entre o trabalho e o capital; promoção da justiça social, da distribuição de renda e da riqueza nacional; orientação por meio de programa de ação social, política e econômica, de sentido nacionalista e democrático; prevalência dos direitos sociais e coletivos sobre os individuais; democratização da propriedade rural." (Estatuto do PTB, art.3º)


5.Identificação partidária e ideológica

A abordagem a respeito da identificação partidária e ideológica no Brasil é de fundamental importância neste trabalho, pois tende a confirmar nossa hipótese de que a infidelidade partidária descaracteriza o candidato eleito, correspondendo a uma violação do princípio democrático e, portanto, contribui para o enfraquecimento das instituições políticas democráticas, na medida em que rompe o pacto entre representantes e representados.

Tal associação deriva da confirmação de que, no momento da eleição dos governantes, os eleitores votam não só na pessoa do candidato, mas também no partido político pelo qual o candidato concorre ao pleito ainda que, muitas vezes, esta opção não ocorra por meio de uma associação direta entre ele, eleitor, e a legenda, mas através de uma vinculação à ideologia que ele expressa.

O papel da ideologia no comportamento eleitoral é tema polêmico e, embora tenha sido objeto de estudos sistemáticos na bibliografia internacional, foi pouco explorado e testado no Brasil.

Identificação ideológica corresponde à adesão a uma posição no contínuo esquerda-direita que, mesmo sendo cognitivamente desestruturada, sinaliza uma orientação política geral do eleitor.

A idéia de que a ideologia é uma das principais preditoras do voto foi sistematizada primeiramente por Lipset (1967) em Political Man, publicado em 1959. Ele concluiu que a ligação entre classes sociais e partidos é o elemento mais constante da história eleitoral, isto quer dizer que o poder aquisitivo do indivíduo inclina-o para determinada opção política. Assim, a ideologia funcionaria como um sinalizador da posição de classe dos partidos, desempenhando importante papel na direção do sufrágio. Trata-se, contudo, de uma tendência, e não de uma correlação necessária. É a ideologia que permitirá ao cidadão reconhecer os partidos pra além das políticas imediatas que defendem e, desse modo, saber o papel mais amplo que jogam no processo político [36].

Downs (1957), fundador da escola econômica de análise política, sustentou que o eleitor age racionalmente, sendo a escolha do voto uma relação de custo benefício. Dessa forma, como a ideologia promove uma diferenciação entre os partidos através de códigos simples, o eleitor diminui custos e aumenta benefícios ao se valer dela para definir o seu voto, haja vista que a posição ideológica dos partidos economiza custos de informação, dispensando-o de se inteirar sobre complexas discussões programáticas.

Em direção oposta, pesquisadores da Universidade de Michigan, na década de 1950, buscaram refutar a tese de que a ideologia fosse um elemento decisivo na determinação do voto da maior parte do eleitorado. Afirmavam a impossibilidade de se deduzir como o eleitor chegava à decisão do voto, sendo necessária a verificação empírica deste processo e, na prática, referida tese não se comprovava. Concluíram que a identificação partidária deveria ser considerada a determinante estrutural do voto, mas diferentemente do que propunha Lipset, para quem o eleitor escolheria o partido em função dos interesses sociais que este representava, a identificação partidária sugerida pela escola psicossociológica teria um sentido psicológico, afetivo, não estando necessariamente ligada a conteúdos programáticos ou ideológicos.Desse modo, a identidade do indivíduo como democrata ou republicano é que influenciaria, entre outros aspectos, sua percepção da ligação entre partidos e grupos de interesses não o contrário. [37] Sustentaram, ainda, posteriormente, que apenas a parcela mais educada da população opera com sistema de crenças de tipo ideológico, pois a massa sempre tem sistemas de idéias desestruturadas, ilógicas e concretas, desprovida de conteúdo e, portanto, disponível para a manipulação emocional.

O pessimismo da Escola de Michigan foi atenuado por vários pesquisadores, dentre os quais Sartori, nas décadas de 1960 e 1970. Ele procurou demonstrar a necessidade de inclusão do "voto por imagem" do partido, o qual corresponde à idéia de que o indivíduo adere a um partido pela posição de classe que ele assume; trata-se de uma percepção genérica desse posicionamento, havendo também algo de afetivo nessa adesão. Assim, sugere, que a adesão a uma bandeira ideológica não requer alta sofisticação, estando os termos direita e esquerda, liberal e conservador, enraizados,de alguma maneira, na cabeça dos eleitores. [38] A ideologia desempenha um papel de sinalizadora de orientações e é exatamente porque o público é pouco sofisticado que a ideologia como simplificadora, assim como a identificação partidária, desempenha um papel importante. [39]

No Brasil, pouquíssimos trabalhos acadêmicos incorporaram o conceito de identificação ideológica, merecendo destaque o recente estudo de André Singer (2000), cuja análise verificou-se especialmente quanto aos pleitos de 1989 e 1994. Ao analisar a influência da identificação ideológica no comportamento eleitoral, verificou que a maior parte dos eleitores (60%) não sabem definir o que seja esquerda e direita, mas aparece como um sentimento, um conjunto de crenças que o eleitor sabe reconhecer, mas não verbalizar: uma intuição ideológica.

Comprovou que, dentre as variáveis de longo prazo, como renda e escolaridade, a identificação partidária relou estar associada de modo muito forte à escolha do candidato, seguida pela identificação ideológica. Contudo, embora a identificação partidária tenha sido uma excelente preditora do voto, ela teve abrangência sobre uma parte restrita do eleitorado, mesmo porque esta constitui também um índice de politização. Assim, a identificação ideológica mostrou-se a melhor preditora do voto dentre as demais variáveis testadas, na medida em que atinge grande parcela do eleitorado.

Diante disso, temos confirmada nossa hipótese, tendo em vista que, ao mudar de partido, o candidato eleito se descaracteriza, pois deixa de apresentar um dos componentes que influíram para sua eleição, notadamente o aspecto ideológico que, juntamente com a sua pessoa, o fez lograr êxito na disputa eleitoral. Assim, não é verdadeiramente ‘o mesmo’ candidato eleito como representante do povo.


6.Análise qualitativa e quantitativa da movimentação partidária na Câmara dos Deputados e no Senado Federal

6.1.Câmara dos Deputados

Neste item, serão apresentadas as conclusões extraídas da análise dos gráficos e tabelas elaborados a partir de dados sobre movimentação partidária na Câmara dos Deputados [40], durante as cinco últimas legislaturas, englobando desde o ano 1987 até os dias atuais. Os partidos políticos estudados são os que foram selecionados para apresentação de seu percurso histórico, sendo utilizado o mesmo critério, qual seja maior representatividade na Câmara do Deputados durante a 52º legislatura, acrescentando-se o PC do B.

No desenvolvimento do trabalho, verificou-se que na 48º e 49º legislaturas haviam vários partidos além dos que integravam a amostra, mesmo porque, o Brasil possui uma vasta gama de partidos políticos em constante junção e alteração de nome. Por tudo isso, decidiu-se por não incluir na análise, os partidos incorporados ou que mudaram seu nome, salvo o Partido Progressista, o qual, por este motivo, apenas é analisado na 52º legislatura.

52ª legislatura

Os partidos políticos que apresentam maior número de deputados deixando o partido são respectivamente PFL, PSDB e PMDB. Possuem menor índice: PC do B, PT, PP e PL/PSL.

Por sua vez, PTB, PMDB e PL/PSL são os partidos que mais recebem novas filiações de deputados durante o cumprimento de seu mandato. Os menos procurados são: PC do B, PT e PDT.

A maior parte das mudanças de partidos ocorreram no primeiro (40%) e segundo (36%) semestres desta legislatura, ou seja, logo após tenham sido os deputados eleitos e tomado posse de seus lugares na Câmara.

51ª legislatura

Neste período, verificou-se que os partidos políticos que apresentam maior número de deputados se desvinculando são respectivamente PFL, PSDB e PMDB. Possuem menor índice: PC do B, PT e PPS.

Quanto ao ingresso de novos filiados, PMDB, PSDB e PL são os que mais recebem deputados durante o cumprimento de seu mandato. Os menos procurados são: PC do B, PDT e PT.

A maioria das mudanças de partido ocorreram no primeiro (38%) e terceiro (39%) anos de exercício do mandato. Tais dados reforçam a afirmativa de que a infidelidade partidária, no que se refere à mudança de legenda, ocorre mais intensamente em dois períodos: naquele subseqüente às eleições, onde muitas vezes os deputados aderem aos partidos vitoriosos na busca por cargos e verbas, e no final do mandato, quando os políticos procuram filiar-se aos partidos com maior potencial de elegibilidade.

Vale lembrar que o terceiro ano do mandato é o prazo final para aqueles que se interessam em concorrer a um novo mandato eletivo filiarem-se a um outro partido, visto que "para concorrer a um mandato eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias ou proporcionais" (art.18 da Lei nº 9.096/1995 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos).

50ª legislatura

Os partidos políticos que possuem maior número de saídas são respectivamente: PMDB, PFL e PSDB. Os menores índices são do: PC do B, PPS e PT.

PSDB, PFL e PMDB são os partidos a que se destinam a maior parte dos deputados no exercício de seu mandato. As menores taxas pertencem ao PC do B, PT e PDT.

Esta legislatura confirma a tendência apresentada na 51ª e 52ª legislaturas, evidenciando que a maior parte das mudanças de partido na Câmara dos Deputados aconteceram no momento logo após as eleições – 41% no primeiro ano – e no penúltimo ano de exercício do mandato – 40%.

49ª legislatura

Os partidos políticos que apresentam maior número de deputados deixando o partido são respectivamente PFL, PMDB e PSDB. Possuem menor índice: PC do B, PSB e PT.

Os partidos que mais recebem novas filiações de deputados durante o cumprimento de seu mandato são PFL, PTB, PSDB e PMDB. Os menos procurados são: PC do B, PPS e PSB.

Diferentemente das demais legislaturas, as mudanças de partido distribuíram-se de maneira bastante uniforme nos quatro anos de mandato, havendo, contudo, uma maior concentração no quinto (19%) e sexto (20%) semestres da legislatura, somando 39% de toda a movimentação.

48ª legislatura

Os partidos políticos que apresentam maior número de deputados deixando o partido são respectivamente PMDB, PFL e PL. Possuem menor índice: PC do B, PT e PSB.

Por sua vez, PSDB, PDT e PFL são os partidos que mais recebem novas filiações de deputados durante o cumprimento de seu mandato. Os menos procurados são: PC do B, PT, PMDB e PSB.

Não houve registro de qualquer movimentação partidária nos dois primeiros anos da 48º legislatura, ou seja, em 1987 e 1988, ficando as mudanças de legenda concentradas nos três últimos semestres do mandato.

6.2. Senado Federal

A análise da movimentação partidária no Senado Federal por não se encontrar disponível uma base de dados completa sobre o tema, restringiu-se ao exame da 48ª, 49ª e 50ª legislaturas Os resultados abaixo apresentados resultam da observação de gráficos e tabelas por nós elaborados com base em informações fornecidas pela Sub-Secretaria de Arquivos do Senado Federal.

Os partidos políticos que compõem esta amostra, diferem-se dos selecionados para o mesmo fim na Câmara dos Deputados. Isto decorre do fato de alguns daqueles partidos não terem representantes no Senado ou não figurarem nos quadros sobre movimentação partidária.

As mudanças de legenda de senadores do PDS (Partido Democrático Social), PP (Partido Progressista), PPR (Partido Progressista Reformador) e PPB (Partido Progressista Brasileiro) não foram analisadas como os outros partidos (entrada/saída) em razão da dificuldade gerada pelas constantes mudanças de nome por que passaram. Lembre-se que o PDS passou a chamar-se PPR, o qual em 25 de outubro de 1995 fundiu-se ao PP, dando origem ao PPB. Este, por sua vez, alterou recentemente sua denominação, respondendo hoje pela sigla PP (Partido Progressista). Contudo, tais legendas são bastante recorrentes nos dados analisados e, por isto, optou-se por incluí-la na análise, genericamente, constando o número de vezes que elas figuram nos quadros sobre migração, não se distinguindo se corresponde a entradas ou saídas de senadores dos partidos.

50ª legislatura

Neste período, PMDB, PSDB e PDT são os que apresentam maior número de senadores deixando o partido. PFL e PL apresentam os menores índices de desfiliações. De outro lado, as maiores recepções são do PFL, PSDB e PMDB; as menores, do PTB e PDT. Aparecem 8 vezes nos dados PP/PPB/PPR.

Quanto ao período em que ocorreram as mudanças, mais de metade se deu no primeiro ano da legislatura (54%); o fluxo migratório do terceiro ano também apresentou elevação em relação aos demais (25%).

49ª legislatura

Os partidos políticos que mais tiveram senadores se desfiliando foram PTB, PFL e PRN; os menores índices couberam ao PMDB, PSDB e PDT. Em relação à recepção de novos filiados, PMDB e PFL foram os campeões; PSDB, PDT e PRN obtiveram menos entradas. PDS/PP/PPR figuram 17 vezes dentre as modificações observadas.

Novamente, as migrações concentraram-se, principalmente, na primeira (37%) e na terceira sessões legislativas (45%).

48ª legislatura

PMDB, PSDB e PFL forma os partidos que apresentaram maior número de senadores deixando a legenda, tendo o primeiro sido responsável por quase 60% das desfiliações, o que pode decorrer, em grande parte, da fundação do PSDB, que sabidamente surge de uma dissidência do PMDB. PTB, PDT e PRN não perderam senadores no período. No que se refere a novas filiações, PSDB, PRN e PDT foram os mais procurados, estando o PL, PFL no extremo oposto. PDS aparece apenas 2 vezes nos quadros de movimentação partidária.

Não foi possível analisar quando ocorreram as mudanças durante a 48ª legislatura por não haverem dados disponíveis para tanto.


7. Regulamentação da fidelidade partidária no Direito Brasileiro

Na ordem jurídica brasileira a fidelidade partidária tem regulamentação estatutária como é expresso pela Constituição Federal:

"É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias." (art. 17, parágrafo 1º)

Tal tratamento é reforçado pela Lei Orgânica dos Partidos Político Lei 9.096/95, no Capítulo V – Da Fidelidade e da Disciplina Partidárias :

"A responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido." (art.23, caput)

Os estatutos dos partidos podem prever diferentes sanções para os atos de infidelidade, sendo estas desde a simples advertência à exclusão. Contudo não se permite a perda do mandato, pois a Constituição em seu art. 15 veda a cassação de direitos políticos.

Quanto a isso, vale destacar o art.26, da Lei nº 9.096/1995:

"Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito".

O dispositivo supracitado, embora em um primeiro momento possa levar a crer na admissão da perda do mandato pelo parlamentar infiel, eqüivale a dizer que aquele que deixar a legenda pela qual foi eleito não responderá mais por aquele partido político, não perdendo o seu mandato e sim as funções decorrentes dele diante da legenda a qual deixou.

O Direito Brasileiro ao não estabelecer em legislação específica sanções mais severas aos parlamentares infiéis estimula a prática da mudança de legenda e da existência das "legendas de aluguel", pois se a infidelidade não acarreta maiores prejuízos ao infiel, não há porque deixar de obter as "vantagens eleitoreiras" que a mudança possa lhe trazer.


8.Conclusões

- O partido político é uma associação de indivíduos que tem por fim a busca pelo exercício ou participação no exercício do poder político e que apesar de exercer uma função pública, em proveito do povo e do Estado, não é um órgão estatal, mas pessoa jurídica de direito privado.

- No interior de uma democracia procedimental – na qual se atribui papel central à linguagem no processo de formação da opinião e da vontade, e onde a institucionalização dos procedimentos é essencial ao exercício da cidadania – os partidos políticos atuam como conectores que estabelecem a ligação do sistema político com a opinião pública e a sociedade civil, contribuindo para a formação da vontade política do povo e através do direito de voto ativo e passivo dos sujeitos privados.

- A identificação partidária está associada de modo muito forte à escolha do candidato, seguida pela identificação ideológica, sendo esta um excelente preditor do voto por influir na decisão de parte bastante significativa do eleitorado brasileiro.

- Atualmente são 27 os partidos políticos no Brasil, registrados no TSE, mas menos da metade deles possui expressão nacional.

- PMDB e PFL compõem um grupo que permanece nos cinco períodos estudados como os partidos que apresentam o maior número de desvinculação dos deputados, ao passo que PC do B e PT figuram como aqueles que possuem o menor número de retiradas. O mesmo não ocorre em relação às novas filiações, nas quais nenhum partido se mantém em todos os períodos como um dos maiores receptores, entretanto, destacam-se o PMDB e o PSDB. Quanto aos menores índices, também não há um grupo bem definido, contudo, o PC do B consta em todas as legislaturas como o menos procurado, o que pode decorrer de seu menor número de representantes em relação aos demais.

- A análise das três últimas legislaturas demonstra que a maior parte das mudanças de partidos ocorre no primeiro e no penúltimo ano de exercício do mandato dos deputados. Tal constatação evidencia uma cultura na qual os partidos políticos funcionam como "legendas de aluguel" das quais os candidatos se valem para conquistar um mandato eletivo, visto que sem se filiar não é possível concorrer nas eleições. As 48º e 49º Legislaturas apresentam um aspecto anômalo em comparação com as outras, o que pode decorrer da novidade da experiência democrática após longos anos de regime ditatorial.

- Diferentemente do que se verificou na Câmara dos Deputados, nenhum partido permaneceu como o que teve maior ou menor número de desfiliações durante as três legislaturas observadas, ocorrendo o mesmo em relação às novas filiações.

- Assim como na Câmara dos Deputados, a maior parte das migrações partidárias registradas no Senado Federal ocorreram durante a primeira e a terceira sessões legislativas ordinárias, somando cerca de 70% do total nos períodos analisados.

- Os dados demonstram uma perspectiva utilitarista da legenda: uma vez que não possui nenhuma correspondência ideológica com o partido, que acredita que o mandato pertence à sua pessoa e não à legenda, e que não receberá nenhuma sanção mais grave, se já não é do interesse do candidato eleito continuar filiado ao partido que o elegeu, nada impede que ele migre para um outro. O mesmo raciocínio é válido para justificar as mudanças ocorridas no penúltimo ano do mandato quando os congressistas, pretendendo disputar as próximas eleições procuram os partidos políticos em que acreditam ter maiores chances de se elegeram. Vale lembrar, que até 1995 a exigência de que os partidos obtivessem registro definitivo para disputar a eleição foi letra morta no Direito Brasileiro.

- A falta de legislação que discipline de forma específica a fidelidade partidária contribui para a continuidade da prática.

- A infidelidade partidária enfraquece a democracia brasileira e as instituições que a compõe, pois debilita os partidos políticos, além de promover a descaracterização do candidato eleito, haja vista que este, após trocar de partido, não mais guarda a exata correspondência com o representante eleito.

- É preciso criar normas jurídicas prevendo a aplicação de sanções aos candidatos infiéis e partidos políticos que os receberem de forma a coibir a migração partidária e, conseqüentemente, contribuir para a consolidação de um regime verdadeiramente democrático no Brasil.


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Notas

01 No mandato proporcional é o desempenho partidário que determina, dentre os candidatos mais votados, quais ocuparão as cadeiras conquistadas pela legenda, ou seja, os votos são primeiramente contados como "votos para a legenda" e somente se o partido receber determinado número de votos é que terá direito a representantes na Casa Legislativa, e só então, decidir-se-á quais serão os candidatos, os mais votados, a ocupar tais vagas.

02 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia, p.7.

03 Ibidem. p.6.

04 HABERMAS, JÜRGEN. Soberania popular como procedimento. p.109.

05 HABERMAS, JÜRGEN. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. p.92.

06 Ibidem. p.97.

07 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia, p.6.

08 HABERMAS, JÜRGEN. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. p.105.

09 Ibidem. p.101.

10 BURKE, Edmund. The works of Edmund Burke.p.189.

11 SARTORI, Giovani. Partidos e sistemas partidários. passim.

12 RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. p. 325.

13RABELLO FILHO, Benjamin Alves. Partidos políticos no Brasil: doutrina e legislação.p.35.

14 VIRGA, Pietro. Il Partido Nell´Ordinamento Giurídico. Dott. A. Giuffrè.p.7 e ss.

15 Trata-se de associação e não sociedade porque aquela não possui fim lucrativo, sendo esta sua diferença fundamental em relação à outra.

16 http://www.tse.gov.br

17 Kneipp, Bruno Burgarelli Albergaria. A pluralidade de partidos políticos.p. 65-66.

18 http://www.pcdob.org.br

19 Kneipp, Bruno Burgarelli Albergaria. A pluralidade de partidos políticos.p. 66.

20 http/:www.pdt.org.br

21 Op.cit. p. 66-67.

22 Op.cit. p. 67.7

23 http/:www.pl.org.br

24 Kneipp, Bruno Burgarelli Albergaria. A pluralidade de partidos políticos. p. 68.

25 http://www.pmdb.org.br

26 Op.cit. p. 68.

27 Op.cit. p. 68-69.

28 http://www.pps.org.br

29 Kneipp, Bruno Burgarelli Albergaria. A pluralidade de partidos políticos. p. 69.

30 http://www.psb.org.br.

31 Op.cit. p.69-70.

32 http://www.psdb.org.br

33 Op.cit. p.70.

34 http/:www.pt.org.br

35 http://www.ptb.org.br

36 SINGER, André. p. 24

37 Ibdem. p. 28.

38 Ibdem. p. 33

39 Op. cit. p.36.

40 Disponíveis em www.camara.gov.br


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Lívia Matias de Souza. A infidelidade partidária e seus reflexos negativos sobre a consolidação das instituições políticas democráticas no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 808, 19 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7297. Acesso em: 26 abr. 2024.