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Algumas implicações da vedação das férias coletivas do Poder Judiciário na atividade profissional dos advogados

Algumas implicações da vedação das férias coletivas do Poder Judiciário na atividade profissional dos advogados

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Sumário: 1. Considerações Gerais a Respeito da Emenda Constitucional nº 45; 2. Aspectos da Vedação das Férias Coletivas do Poder Judiciário; 3. Conclusão; Referências Bibliográficas.


Resumo: O presente artigo tem o escopo de abordar a problemática da vedação das férias coletivas do Poder Judiciário – por força das determinações da Emenda Constitucional nº 45 – na vida profissional dos advogados, analisando a natureza jurídica do novo dispositivo constitucional, e questionando a sua necessidade e eficácia como instrumento do processo de modernização do Poder Judiciário brasileiro.


1. Considerações Gerais a Respeito da Emenda Constitucional nº 45.

A primeira fase da tão propalada "Reforma do Judiciário" foi, enfim, trazida a lume com a publicação da Emenda Constitucional nº 45, em dezembro de 2004.

Superado o primeiro momento, de relativa euforia, por parte tanto da imprensa quanto de considerável parcela dos juristas do País, é necessário que os estudiosos e operadores do Direito se lancem ao trabalho de analisar mais detidamente as reais conseqüências das inovações, e a sua conveniência.

É necessário notar, a priori, que houve a introdução de dispositivos que terão, aparentemente, reflexos efetivos, a exemplo da debatida "súmula vinculante", do Supremo Tribunal Federal, que passou a ser prevista no art. 103-A, da Constituição Federal. Há, ainda, dentre outros vários dispositivos com grandes possibilidades de produzirem notáveis resultados, a determinação de que servidores recebam a delegação para a prática de atos de mero expediente, quando da elaboração da nova Lei Orgânica da Magistratura, nos termos do art. 93, XIV, da Carta Magna.

Por outro lado, é imperativo notar que a Emenda Constitucional introduziu, também, dispositivos que não têm, ao que tudo indica, o menor efeito prático.

Afinal, o que pode ser considerado razoável, no que se refere ao prazo de duração do processo (art. 5º, LXXVIII)? A garantia de um processo com duração razoável não seria decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República, expressamente coroado no art. 1º, III, da Constituição Federal? Quais medidas devem ser tomadas para efetivar a possibilidade de duração razoável do processo? E, por fim, quais efeitos decorrerão da não observância da nova garantia constitucional?

No mesmo diapasão, o que poderia ser considerado como número de juízes proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população da unidade jurisdicional (art. 93, XIII)?

Não há, ainda, respostas para a maioria dos questionamentos que saltam aos olhos, o que leva a crer que boa parte dos dispositivos introduzidos ou modificados pela Emenda Constitucional nº 45 não terão qualquer efeito prático na modernização e agilização do Poder Judiciário, o que é lamentável.

Cabe, agora, aos juristas a difícil tarefa de analisar detida, minuciosa e sistematicamente a natureza jurídica e os efeitos de cada novo dispositivo constitucional, para que a Reforma do Judiciário não tenha, na pequena parcela que parece realmente poder ser aproveitada no processo a que supostamente se propôs, reflexos mais nefastos do que benéficos.


2. Aspectos da Vedação das Férias Coletivas do Poder Judiciário.

Ao tratar da problemática da vedação constitucional das férias coletivas do Poder Judiciário, trazida pela Emenda Constitucional nº 45, por meio da introdução do inciso XII, no art. 93, da Constituição Federal, o primeiro aspecto a ser levado em conta é a natureza jurídica da nova disposição.

Ora, não se pode esquecer o fato de que o caput do artigo 93, que dispõe que "Lei Complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios", não foi alterado, o que tem como conseqüência o fato incontestável de que o inciso XII não é auto-aplicável – diversamente do que têm afirmado muitos juristas de renome – já que se trata, apenas, de um dos princípios que devem ser observados na elaboração do Estatuto da Magistratura.

Desta forma, resta claro que, até que seja publicada a nova Lei Complementar com disposições a respeito do Estatuto da Magistratura, "continua vigorando a atual Lei Complementar 35/79, que é a Lei Orgânica da Magistratura, cujo artigo 66, § 1º, estabelece que ‘os membros dos Tribunais, salvo os dos Tribunais Regionais do Trabalho, que terão férias individuais, gozarão de férias coletivas, nos períodos de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho. Os juízes de primeiro grau gozarão de férias coletivas ou individuais, conforme dispuser a lei’", conforme observado por Dorival Renato Pavan, em artigo de sua lavra.

Esta simples constatação é suficiente para fazer notar o quão infundada é a supressão imediata das férias coletivas do Poder Judiciário, determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em sua primeira decisão – totalmente equivocada, data venia.

Realizadas as primeiras constatações a respeito da natureza jurídica do novo dispositivo constitucional em análise, é necessário notar, ainda, que a vedação das férias coletivas do Poder Judiciário padece de uma invencível deficiência funcional para alcançar os fins que se pretende, supostamente, alcançar.

A agilização da tramitação de demandas depende, em termos de recursos de "pessoal" do Poder Judiciário, do número de funcionários e do tempo de trabalho que esses funcionários realizam.

Ora, a simples vedação das férias coletivas não tem efeito, direto ou indireto, sobre nenhuma dessas variáveis, pelo que não pode implicar em vantagem digna de nota no resultado final.

A Emenda Constitucional nº 45 deixou de tomar a medida que era efetivamente necessária e que poderia ter, incontestavelmente, efeitos concretos e benéficos, no que se refere às férias dos magistrados e dos membros do Ministério Público. É, data venia, vergonhoso que um país pobre como o Brasil suporte o ônus de remunerar servidores públicos com direito a gozar 60 dias de férias anuais.

Todavia, a Reforma do Poder Judiciário não tratou do período de férias e, portanto, deixou de cuidar do "tempo de trabalho que os funcionários realizam", uma variável importante da equação de eficiência, conforme anteriormente ressaltado.

Os servidores públicos do Poder Judiciário continuarão desenvolvendo as suas funções durante o mesmo tempo – em que pese o fato de serem obrigados a sair de férias de forma alternada – e realizarão, conseqüentemente, o mesmo volume de serviço. Outro resultado prático é matematicamente impossível.

Poder-se-ia alegar que a prestação da Justiça não pode, nunca, ser suspensa, mas há que se lembrar, igualmente, que os casos considerados mais urgentes sempre tramitaram normalmente durante as férias forenses.

O fato é, de qualquer forma, que com a supressão geral das férias coletivas do Poder Judiciário, que faz com que todos os prazos corram normalmente nos meses de julho e de janeiro, o único profissional que perdeu, definitivamente, a possibilidade de ter períodos de férias – destinados ao descanso e ao lazer a que fazem jus todos os trabalhadores, nos termos da Constituição Federal –, é o advogado que não estiver organizado em grandes corporações.


3. Conclusão.

Quando questionada e analisada a natureza jurídica do novo dispositivo constitucional, que trouxe a vedação das férias coletivas do Poder Judiciário, conclui-se que o mesmo não é auto aplicável, vez que não se pode interpretar o inciso XII, do art. 93, da Constituição Federal, sem levar em conta o conteúdo do caput do mesmo artigo.

Uma análise mais detida leva à conclusão, também, de que a vedação das férias coletivas do Poder Judiciário, trazida como princípio a ser observado na elaboração da Lei Orgânica da Magistratura, é medida que não implica nenhum resultado prático benéfico à população, ou ao próprio sistema, que seja digno de nota.

O Congresso Nacional desperdiçou a oportunidade de, por meio da Emenda Constitucional pela qual manejou a primeira fase da "Reforma do Poder Judiciário", reduzir o período de férias dos magistrados e membros do Ministério Público, essa, sim, uma medida urgente, que teria significativos reflexos no processo de modernização do Poder Judiciário e agilização da tramitação das demandas.


Referências Bibliográficas

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TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 1997.


Autor

  • Thiago Caversan Antunes

    Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL) e Mestre em Direito Negocial (UEL). Doutor em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Professor do curso de graduação em Direito da Universidade Positivo (UP Londrina), e de diversos cursos de pós-graduação. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). Autor de livros e artigos científicos. Atua como advogado.

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Informações sobre o texto

Artigo apresentado na 3ª Conferência Estadual dos Advogados do Paraná, em setembro de 2005.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Thiago Caversan. Algumas implicações da vedação das férias coletivas do Poder Judiciário na atividade profissional dos advogados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 815, 26 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7333. Acesso em: 16 abr. 2024.