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A responsabilidade na tutela provisória: irreversibilidade e o dever de indenizar

A responsabilidade na tutela provisória: irreversibilidade e o dever de indenizar

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A legislação previu a responsabilidade objetiva do agente beneficiário em caso de improcedência da lide com a revogação dos efeitos da tutela.

INTRODUÇÃO

 

O Processo Civil modifica-se com a evolução dos entendimentos, costumes, circunstâncias sociais. Por esta razão, a legislação atual contemplou aspectos fundamentais como: o tempo de duração do processo para satisfação dos interesses das partes.

Para isto, foi criada a “liminar”, hoje denominada de “Tutela Provisória”, na qual o provável direito da parte é concedido antes da sentença, mediante cognição sumária.

A tutela provisória é dividida em “tutela de urgência” e “tutela de evidência”, a primeira é sucedida por meio dos seguintes aspectos: (1) probabilidade do direito; (2) perigo de dano ou (3) risco ao resultado útil do processo, já a segunda, a probabilidade do direito ocorre quando: (1) ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; (2) as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; (3) se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; (4) a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Para tanto, a tutela só será concedida em qualquer hipótese se sua efetivação for reversível, ou seja, se os fatos anteriores à concessão sejam os mesmos após a sua revogação.

A legislação assegura que a responsabilidade da parte é objetiva no tocante à efetivação da tutela, por isto, se a parte contrária suportou um dano, que posteriormente foi reconhecido ilegal, quem a deu causa responderá por todos os danos causados, independentemente do elemento “culpa”, que é irrelevante para o litígio.

Deste modo, o presente artigo objetiva ressaltar a importância tanto das partes quanto do juízo em verificar minuciosamente o perigo de irreversibilidade da tutela concedida e os efeitos na responsabilidade objetiva pelos danos causados à parte, após a revogação da tutela provisória ou julgamento de improcedência da lide.

Para isto, o método de pesquisa será feito por revisão de literatura (doutrina) e análise de documentos (jurisprudência).

 


COGNIÇÃO SUMÁRIA X COGNIÇÃO EXAURIENTE

 

A cognição no âmbito jurídico é a capacidade do juiz em notar um provável direito diante das provas produzidas no curso do processo. 

O professor Kazuo Watanabe, 2000, p. 58, defende que a cognição é um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.

 

A doutrina faz distinção entre a Cognição Sumária ou Cognição Exauriente, fundadas em diferentes momentos processuais, assevera Daniel Neves:

 

Uma tutela concedida mediante cognição sumária é fundada em um juízo de probabilidade, considerando que nessa espécie de cognição o juiz não tem acesso a todas as informações necessárias para se convencer plenamente da existência do direito. Já uma tutela concedida mediante cognição exauriente é fundada em um juízo de certeza, porque nesse caso a cognição do juiz estará completa no momento da prolação de sua decisão. (NEVES, 2018, p. 113)

 

Em caráter sumário, há, portanto, um juízo fundado em mera probabilidade, isto é, antes de ouvir a outra parte, com a atenção aos requisitos elencados para concessão das tutelas de urgência, que nem sempre são pormenorizados nas decisões interlocutórias.

A tutela provisória colide frontalmente com a Constituição, uma vez que a técnica não permite o contraditório e a ampla defesa do réu.

A lei não dispôs nas disposições gerais da tutela provisória elementos específicos para a sua concessão, contudo, indicou no art. 300 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) que a tutela será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou resultado útil ao processo.

O legislador não relacionou quais elementos são capazes de convencer o juiz a conceder a tutela, portanto, notabilizou o poder discricionário do juiz em decidir justificadamente que ficou evidente a probabilidade de direito da parte.

Como regra, as decisões precisam ser detalhadas, contendo para cada pressuposto, uma prova produzida pelo autor, mesmo que não haja um rol específico, o juiz deve analisar de prontidão o mérito e as provas documentais produzidas considerando que sua efetivação surte efeitos imediatos para as partes.

Caso o juízo não fundamente conforme exigido no Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), sua decisão pode se tornar nula, suscetível de agravo de instrumento.

Por outro lado, com juntada de provas, contraditório e todo procedimento comum, é proferida a sentença, fundada em juízo de certeza, conhecida como cognição exauriente.

 


PRESSUPOSTOS PARA CONCESSÃO DAS TUTELAS

 

É sabido que o tempo é a grande óbice no deslindar do processo, em vista disso, o legislador teve que adequar o processo de acordo com determinados critérios ao longo do seu desenvolvimento.

A forma de antecipação de tutela, como assentam Marinoni; Arenhart; Mitidiero, 2017, tem justamente por função distribuir de forma isonômica o ônus do tempo no processo.

No entanto, o Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) inaugurou a fundamentação das tutelas de urgência e evidencia na probabilidade do direito, isto é,

 

é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017, p. 139)

 

Nesse passo, é necessário que o juiz se convença suficientemente de que há o fumus boni iuris e são prováveis as chances de vitória da parte, para tanto é necessário que o juiz apresente claramente as razões da formação do seu convencimento (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 597).

Não obstante a probabilidade do direito, a decisão deve se concentrar na verossimilhança entre as provas e o direito alegado, meras falácias sem suficiência de provas não devem ensejar a concessão da tutela.

Outro requisito para a concessão da tutela de urgência é o perigo de dano, previsto no art. 300 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015). Tal preceito está diretamente ligado à parte. Quando não concedida a tutela de urgência, ocorre o dano no caso concreto. Exemplo: O requerente pede cobertura de cirurgia em desfavor do plano de saúde, sendo esta imprescindível para sua vida.

Outrossim, o dano deve ser de difícil reparação para ensejar a urgência da demanda, como assenta os doutrinadores Didier Junior; Braga; Oliveira, 2015, o dano pode ser à saúde, a honra, a imagem, ao patrimônio, seja porque as condições financeiras do réu autorizam supor que não será compensado ou restabelecido, seja porque, por sua própria natureza, é complexa sua individualização ou quantificação precisa (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA., 2015, p. 598).

Do mesmo modo, o artigo prevê o dano ao resultado útil do processo, este elemento é acerca da sua efetividade, a tutela nesse caso, protege a função jurisdicional.

Tanto na tutela cautelar quanto na tutela antecipada, caberá à parte convencer o juiz de que, não sendo protegida imediatamente, de nada adiantará uma proteção futura em razão do perecimento do direito.

 


REVERSIBILIDADE DA TUTELA PROVISÓRIA

 

O provável direito da tutela antecipada vem semeado pelo que dispõe no art. 300, §3º, do Código De Processo Civil, (BRASIL, 2015), “não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.

Isto demonstra que o juiz não pode conceder a tutela quando puder trazer prejuízo irreversível ao réu.

Para que seja assegurado o provável direito exige-se que a efetivação da decisão possa ser revogada a qualquer tempo sem trazer nenhum ônus às partes.

O retorno ao status quo ante é o único meio de assegurar que a decisão do juiz não confronte a segurança jurídica que ela tem por objetivo trazer.

No tocante aos direitos indisponíveis, mesmo que essenciais, não são suficientes para a concessão da tutela, cabe ao juiz analisar a probabilidade do alegado.

Didier Junior; Braga; Oliveira, 2015, asseguram que:

 

Conceder uma tutela provisória satisfativa irreversível seria conceder a própria tutela definitiva – uma contradição em termos. Equivaleria antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o devido processo legal e o contraditório, cujo exercício, “ante a irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente inútil, como inútil seria, nestes casos, o prosseguimento do próprio processo”. (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA., 2015, 2015, p. 600).

 

O legislador, ao positivar “efeitos da decisão”, demonstra que a irreversibilidade diz sobre os fatos envoltos a decisão e não somente sobre o seu provimento, uma vez que a tutela é sempre revogável, mas o retorno a situação fática anterior a concessão não é sempre possível.

No entanto, deve haver uma “recíproca irreversibilidade” na mensuração do direito das partes, o juiz deve ponderar o direito mais provável e aplicar o justo de acordo com o princípio da razoabilidade (NEVES, 2018, p. 517).

Mas até que ponto é ponderável a cognição do juiz para deferir a tutela? Há muita divergência entre juízes, por mais que o poder judiciário tenta manter um padrão de decisões por meio dos tribunais, sempre terá alguma decisão em primeiro grau que difere das outras de outro juízo do mesmo grau na mesma situação.

Isto ocorre porque o juiz tem o poder discricionário, que o dá liberdade para decidir conforme os fatos, sua cognição e os limites da lei. Por outro lado, o referido “poder” pode causar insegurança jurídica às partes e até a terceiros envolvidos nos efeitos da decisão.

 


RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

 

Como assevera NEVES (2018, p.506), o Código De Processo Civil (BRASIL, 2015) dispõe que o beneficiário pela concessão e efetivação da tutela de urgência – cautelar e antecipada – poderá ser responsabilizado pelos danos suportados pela parte adversa caso se verifique no caso concreto uma das seguintes hipóteses:

 

I - a sentença lhe for desfavorável;

II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;

III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;

IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.

 

No tocante a indenização, a doutrina elegeu a responsabilidade objetiva, uma vez que para comprovar o dever de indenizar basta comprovar o dano ao sujeito e o nexo de causalidade com a concessão dos efeitos da tutela.

NEVES (2018, p. 506) alude que se trata da “teoria risco-proveito", uma vez que, se de um lado a obtenção e efetivação da tutela são altamente proveitosas, por outro lado, os riscos pela sua concessão mediante cognição sumária são exclusivamente de quem se aproveitou.

Apesar do art. 302 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) não estar previsto nas disposições gerais da tutela provisória e sim na tutela de urgência por equívoco do legislador, sua aplicação prática também abrange as tutelas de evidência.

É notório que em qualquer modalidade da tutela, se posteriormente revogada, pode haver danos à parte, por isto, a aplicação do referido artigo na prática, abrange a natureza de qualquer tutela.

Não obstante as hipóteses elencadas, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou que julgada improcedente a demanda, é consequência natural a indenização pelos danos causados a parte adversa. Destaca-se a seguinte decisão do STJ:

 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO POPULAR. LOCAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. REITERAÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INTUITO PROTELATÓRIO. MULTA MANTIDA. COISA JULGADA. REVOGAÇÃO POSTERIOR DE LIMINAR DEFERIDA. REPARAÇÃO DE DANO PROCESSUAL. PEDIDO QUE DEVE SER PROCESSADO NOS PRÓPRIOS AUTOS. RESPONSABILIDADE PROCESSUAL OBJETIVA. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO PROVIDO, EM PARTE.

(...) 5. Esta Corte Superior compreende que a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, dispensando-se, inclusive, pedido da parte interessada. 6. A sentença de improcedência, quando revoga tutela concedida por antecipação, constitui, como efeito secundário, título de certeza da obrigação de o autor indenizar o réu pelos danos eventualmente experimentados, cujo valor exato será posteriormente apurado em liquidação nos próprios autos. Precedente: REsp 1.548.749/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Segunda Seção, DJe 6/6/2016. 7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1.767.956/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Terceira Turma, DJe: 26/10/2018) (g.n.)

 

A natureza objetiva desta responsabilidade exclui o elemento “culpa” para sua configuração.

A revogação da tutela em decisão definitiva demonstra que não foram observados minuciosamente os requisitos para sua concessão.

 


EFEITOS DA CONCESSÃO DAS TUTELAS PROVISÓRIAS

 

As tutelas possuem diversos efeitos imediatos em razão da sua urgência, uma dela é a provisoriedade, com a principal função de assegurar ou satisfazer o direito da parte de maneira mais rápida, o caráter é denominado “temporário” devido a sua “modificabilidade” no tempo.

A tutela cautelar dura o tempo necessário para a preservação a que se propõe. Cumprida sua função acautelatória, perde a eficácia. Além disso, tende a extinguir-se com a obtenção da tutela satisfativa definitiva - isto é, com a resolução da demanda principal em que se discute e/ou se efetiva o direito acautelado (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p.563)

 

A tutela antecipada (satisfativa) requerida em caráter antecedente tem efeito estável se não interposto o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que a concedeu. Isto não quer dizer que vai gerar coisa julgada, o “definitivo” tem prazo de dois anos para ser objeto de ação rescisória.

Há grande divergência na doutrina acerca da imutabilidade no tempo. assegura que para o julgador verificar o preenchimento dos requisitos do direito, é exercida a cognição exauriente, e para verificar o direito de fato, a cognição será sumária.

O autor afirma também que a cautela perde sua eficácia quando reconhecido e satisfeito o direito acautelado ou quando ele não for reconhecido, mas a decisão que a concedeu, ainda assim, permanece imutável, inalterável em seu dispositivo, portanto a decisão é definitiva, mas seus efeitos são temporários. Nesse sentido, extrai o seguinte entendimento:

 

Assim, por ser definitiva, a decisão final cautelar não pode ser tida como provisória (ou precária). Não é uma decisão provisória a ser, posteriormente, substituída por uma definitiva - que a confirme, modifique ou revogue. Ela é a decisão final, definitiva, para a questão. (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 565)

 

Não obstante a este entendimento, Daniel Neves (2018, p. 529) sustenta que não há de se falar em imutabilidade e indiscutibilidade de uma decisão proferida mediante cognição sumária.

Assim como assegura que no §2º do art. 304 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), os efeitos da decisão permanecem até uma rescisória rever, reformar ou invalidar.

Ademais, não se trata de coisa julgada material, mas de um “fenômeno processual assemelhado”, sua ausência deixou de ser condição para admissão de ação rescisória uma vez que se trata de decisão terminativa, que no caso, julgou o mérito e só é cabível por não ser possível propor ação semelhante e não haver mais recursos.

Outro importante efeito das tutelas (antecipada e de evidência) é seu caráter satisfativo, permitindo que a parte usufrua da provável vitória, o que pode ser benéfico por um lado, e causar prejuízo do outro.

 

As atividades processuais necessárias para a obtenção de uma tutela satisfativa (a tutela- padrão) podem ser demoradas, o que coloca em risco a própria realização do direito afirmado. Surge o chamado perigo da demora (periculum in mora) da prestação jurisdicional. (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA., 2015, p. 562).

 

A exemplo da satisfatividade, o entendimento sobre os benefícios previdenciários até 2017 era de que por ter natureza alimentícia, os valores pagos em sede de tutela provisória de urgência eram irrepetíveis, portanto, mesmo que posteriormente a tutela seja revogada, os valores recebidos de boa-fé pelo beneficiário não seriam devolvidos.

O novo entendimento jurisprudencial trouxe outro parâmetro para concessão da tutela para recebimento do benefício, uma vez que, mesmo com caráter alimentício, o dano causado ao erário tem maior repercussão do que o dano causado a um só sujeito. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça em v. Acórdão da lavra do Ministro Herman Benjamin:

 

PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. NATUREZA PRECÁRIA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. POSSIBILIDADE. TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. DEVOLUÇÃO DOS BENEFICIOS. OBRIGATORIEDADE. PARÂMETROS.

1. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada da decisão judicial, (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Malsucedida a demanda, o autor da ação responde pelo que recebeu indevidamente. 2. O argumento de que a parte confiou no juiz ignora o fato de que está representada por advogados no processo, os quais sabem que a antecipação de tutela tem natureza precária. (...) 7. Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. 8. Assim, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e levando-se em conta o dever do segurado de devolução dos valores recebidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, deve ser observado o limite mensal de desconto de 10% (dez por cento) do benefício retirado. 9. Recurso especial conhecido e provido. Precedente: REsp 1731635/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 28/11/2018. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.776.878 - RS 2018/0286552-9 Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, 07/03/2019, DJe 03/04/2019) (g.n.)

 

Com toda razão assiste este a novo entendimento, em nenhum momento os magistrados deram atenção ao prejuízo causado ao patrimônio público, todavia, é de maior importância o prejuízo coletivo a um prejuízo individual.

No contemporâneo, os advogados devem se atentar ao pedido da tutela, verificando se estão presentes todos requisitos para concessão do benefício, uma vez que, se revogada por não preencher os pressupostos, o dinheiro será devolvido e o autor arcará com o dano.

Não pode ser considerado reversível um valor a título de alimentos, uma vez que se destinam à aquisição de bens de consumo imediato – assegura a sobrevivência do beneficiário - é inimaginável pretender que sejam devolvidos, por isto, os advogados ao ingressarem com ação de benefício previdenciário, devem deixar claro ao cliente os efeitos causados na concessão da liminar.

Já na tutela cautelar, as medidas assecuratórias possíveis, como: arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bens dentre outras medidas cautelares tradicionais, podem também beneficiar o autor e causar dano a uma das partes.

Como assegurar que será irreversível o direito a cautelar se há dano a umas das partes do processo? Um exemplo comum do direito de cautela, é nos atos administrativos (processo administrativo disciplinar) e na ação civil pública para apurar atos de improbidade administrativa, o afastamento do cargo público, seja por quaisquer dos tipos de exercício.

A concessão desta cautela se limita as provas suficientes de que a permanência do agente em seu cargo, função ou emprego possa dificultar o tramite processual na busca da verdade real dos fatos.

A Lei 8.429/92 (BRASIL, 1992) não estabeleceu prazo para o afastamento, apenas se limitou a dizer que a medida será cabível enquanto se fizer necessária na instrução processual.

Com a morosidade e o acúmulo de processos no judiciário, como será razoável o agente se afastar do cargo por tempo indeterminado? Se a ação perdurar anos, o sujeito continuará sem exercer sua respectiva função? Revogada a tutela concedida, há imediata reintegração ao cargo.

Mesmo que não haja prejuízo na remuneração, o servidor afastado indevidamente sofre inúmeros prejuízos sociais e psicológicos. Estes efeitos são irreversíveis, e cristalinam a ideia de que a tutela deve ser concedida somente se sua interferência possa prejudicar na colheita de provas. Seu caráter é sumário, mas o estudo para sua concessão deveria ser exauriente.

Outro exemplo relevante sobre o direito de cautela no momento da cognição sumária é quando o juízo de primeiro grau suspende os efeitos de um leilão extrajudicial que já ocorrera meses antes da propositura da ação, a fim de averiguar se há alguma nulidade na sua execução.

No presente caso, o resultado da inadimplência do devedor que firmou contrato com uma empresa de serviço de créditos é a transferência imediata do bem para quitação da dívida - uma vez que estipulado em contrato o bem como garantia -.

Nada impede o devedor a pleitear o pedido de anulação do procedimento se este não ocorrer da maneira correta. Ocorre que, o devedor entra com ação contra a empresa de créditos pugnando pela nulidade do leilão. Ao analisar o pedido, o juízo a quo suspende os efeitos do leilão até o fim da instrução processual a fim de amenizar os danos para o autor.

Por outro lado, a partir do momento em que o bem vai a leilão extrajudicial passa a surtir efeitos a terceiros.

A suspensão dos efeitos do leilão trouxe prejuízo ao arrematante do bem, que passou a investir no imóvel e teve seu direito de propriedade suspenso e transferida a posse do bem para o devedor-fiduciário.

Ocorre que, no fim da instrução processual, a demanda foi julgada improcedente e revogada a decisão de que suspendia o leilão.

É sabido que, exercer a propriedade do imóvel traz alguns custos, dentre eles, IPTU, taxa de ocupação, água, luz, conservação do bem, dentre outros.

A responsabilidade pela tutela provisória concedida será sempre de quem a requereu, como no presente caso, o autor deve indenizar o arrematante do bem por sua ocupação indevida, sobre a desvalorização do bem e todos os demais prejuízos sofridos

Observe que o Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) em seu art. 302, inciso I, dispõe sobre a reparação pelo “dano causado a parte” se a sentença lhe for desfavorável, situação também abrangida pelo Código de Processo Civil de 1973 (BRASIL, 1973), contudo, a jurisprudência deixa claro que a irreversibilidade não diz respeito ao provimento e sim a “seus efeitos práticos”:

“Processual civil. Recurso especial. Ação de obrigação de fazer. Outorga de escritura definitiva de imóvel. Antecipação dos efeitos de tutela. Natureza do provimento antecipado. Perigo de irreversibilidade dos efeitos da tutela antecipada. Juízo de probabilidade. Tutela específica. Requisitos. Arts. 273 e 461 do CPC.- O provimento antecipado, consistente na outorga de escritura definitiva do imóvel não é de natureza irreversível.- Quando o § 2.° do art. 273 do Código de Processo Civil alude à irreversibilidade, ele se refere aos efeitos da tutela antecipada, não ao provimento final em si, pois o objeto de antecipação não é o próprio provimento jurisdicional, mas os efeitos desse provimento.- O perigo da irreversibilidade, como circunstância impeditiva da antecipação dos efeitos da tutela, deve ser entendido cum grano salis, pois, não sendo assim, enquanto não ultrapassado o prazo legal para o exercício da ação rescisória, não poderia nenhuma sentença ser executada de forma definitiva, dada a impossibilidade de sua desconstituição.- É sob a ótica de probabilidade de êxito do autor quanto ao provimento jurisdicional definitivo que o julgador deve conceder ou não a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.(...) Recurso especial não conhecido”. Precedente: REsp n. 737.047/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/2/2006, DJ 13/3/2006, p. 321. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.522.663 - MA (2015/0064692-1) Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, julgado em 16/08/2018, DJe: 20/08/2018)

 

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. INOCORRÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. (...) 4 - Tratando-se de antecipação de tutela revogada na sentença, deve ser aplicado, por analogia, o disposto no art. 811, parágrafo único, do CPC, que autoriza a imposição de indenização quando a medida cautelar for julgada improcedente, sujeitando o beneficiário da ordem liminar a ressarcir, objetivamente, independente de culpa, as perdas e danos daquele que teve privado o exercício de sua posse.  (...)” (TJMG; AR 1.0000.05.420613-1/000; Andradas; Sexto Grupo de Câmaras Cíveis; Rel. Des. Maurício Barros; Julg. 19/10/2005; DJMG 25/11/2005) (Publicado no DVD Magister nº 14 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)”

 

No caso ora mencionado, o entendimento é majoritário em entender que os prejuízos sofridos podem incidir inclusive sobre terceiros, uma vez que a efetivação da tutela diz respeito exclusivamente sobre os seus efeitos e não somente sobre a suspensão do leilão.

Perceba que o leilão suspenso atingiu uma terceira pessoa – arrematante do imóvel - e todas as custas que envolveram o ato revogado: taxa de ocupação, IPTU, encargos tributários, água, luz, aluguel.

Desde então, ficou demonstrado que os efeitos da tutela antecipada de urgência concedida sem atenção aos requisitos, em especial o da irreversibilidade, surte efeitos irreversíveis, porém, indenizáveis.

É inadmissível conceder a tutela somente porque o réu ou terceiro possa converter o prejuízo em perdas e danos.

 


 LIMITAÇÃO DOS PREJUÍZOS CAUSADOS

Considerando que a antecipação da tutela trouxe inúmeras vantagens para quem possui o provável direito, é válido resguardar os interesses de quem sofre os efeitos da tutela.

Para isto, de forma de amenizar os efeitos de uma futura improcedência da demanda, o Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) no art. 300, §1°, trouxe a previsão de prestação de caução ou fidejussória idônea para ressarcir o dano que a outra parte irá sofrer.

Apesar de tal disposição estar prevista nas disposições gerais da tutela de urgência, a regra também se aplica tanto a tutela cautelar como na tutela antecipada, conforme a disposição sobre reversibilidade.

Daniel Neves (2018, p. 504) salienta um ponto negativo sobre a caução:

“Na praxe forense é inegável o desprezo dos juízes com os requisitos autorizadores da liminar na tutela cautelar, quando o autor apresenta caução. O que interessa é simplesmente a caução, o que leva julgadores ao absurdo de nem mesmo analisarem o teor da petição inicial, desde que já exista caução prestada nos autos. A caução nunca deve ser considerada como exigência automática para a concessão da liminar no mandado de segurança, cabendo ao julgador analisar sempre as circunstâncias do caso concreto para somente em situações excepcionais exigir a prestação da caução”

O juízo sempre deve se resguardar de todos os requisitos necessários para a concessão da tutela. A caução ou a fidejussória exigida é uma garantia excelente para resguardar o dano que o réu poderá sofrer.

Contando que a jurisdição tem por objetivo dar segurança jurídica as partes, não é possível reconhecer que a caução por si só é suficiente para resguardar os efeitos das decisões provisórias.

Outra cautela efetiva na concessão da tutela é estipular prazo determinado para surtir seus efeitos, uma vez que as ações propostas no contemporâneo e principalmente nos grandes centros perduram anos até o saneamento.

A estipulação de prazo para a provisoriedade é de grande valia, porque como visto no decorrer no projeto, art. 302 prevê que o juízo em cognição sumária pode se equivocar na concessão da liminar.

Outrossim, para demonstração do direito, a lei estipula a justificação prévia, prevista anteriormente no Código de Processo Civil de 1973 (BRASIL, 1973). A audiência de justificação é uma forma do juiz ver pessoalmente a qualidade, características e a probabilidade do direito da parte.

O Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) traz também a previsão de justificação no processo de interdição. A pessoa que requer a curatela de uma pessoa civilmente incapaz, muitas vezes não possui prova robusta para receber de plano a curatela provisória, e em caso de urgência, o juiz pode designar audiência de justificação, ou melhor, entrevista com o interditando para formar sua cognição e verificar o nível de capacidade intelectual que este possui.

Nada mais é do que conceder a tutela provisória se precavendo de sua possível futura revogação.


CONCLUSÃO

Dentro do proposto, ficou demonstrado o rol de elementos básicos necessários para a concessão da tutela provisória, como também foi elucidado que há diversos casos práticos de concessão de tutela sem atenção aos requisitos.

A legislação previu a responsabilidade objetiva do agente beneficiário em caso de improcedência da lide com a revogação dos efeitos da tutela. Ficou evidente que o próprio legislador programou o eventual “equívoco” do juízo.

O artigo favoreceu a ideia de que os efeitos do provimento que concede a tutela por diversas vezes são irreversíveis, o que causa insegurança jurídica tanto para as partes, quanto aos administradores da justiça.

Portanto, a melhor forma de amenizar os efeitos previsíveis é a fundamentação adequada do provável direito da parte pelo legislador com a utilização de todos meios disponíveis para comprovação do direito material e formal objeto dos litígios.


REFERÊNCIAS

 

BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Código de Processo Civil, Brasília, mar. 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 19 abr. 2019.

 

BRASIL. LEI Nº 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973. Institui o Código de Processo Civil, Brasília, jan. 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869impressao.htm>. Acesso em: 19 abr. 2019.

 

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Informações sobre o texto

Artigo elaborado como trabalho de conclusão de curso de Direito da Universidade Brasil Orientador: RODRIGO SONCINI DE OLIVEIRA GUENA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Beatriz de Carvalho. A responsabilidade na tutela provisória: irreversibilidade e o dever de indenizar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5777, 26 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73488. Acesso em: 25 abr. 2024.