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Deficiência auditiva unilateral para fins de cota em concurso público

Deficiência auditiva unilateral para fins de cota em concurso público

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O presente trabalho buscou, através de pesquisas de doutrinas jurídicas, jurisprudência e com apoio de estudos médicos, analisar a situação dos portadores de deficiência auditiva unilateral para os fins de serem abrangidos pelas Cotas (reserva de vagas).

1. INTRODUÇÃO

A aprovação em Concurso Público tem sido rota de alternativa e para muitos um sonho a se realizar, tendo em vista o alto índice de desemprego (segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística, o número de desempregados no Brasil de abril deste ano foi de 14 milhões de pessoas), associado às vantagens que o seu vencedor pode ter ao final, caso aprovado. Com a Constituição Federal de 1988, para se organizar um Concurso Público, é necessário seguir os princípios da Administração da Pública, de modo que todos os candidatos possam concorrer em igualdade de direitos. A Constituição (Art.37, VIII), dispõe que a Lei ordinária deve garantir às pessoas com deficiência, o direito de concorrer ao certame separadamente, através de uma reserva ou lista especial, as chamadas cotas, que visa à inclusão destes em cargos e empregos públicos. Segundo o Censo 2010 do IBGE, no Brasil existem 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que representa 23,92% da população brasileira, dentre estes, 9,7 milhões possuem deficiência auditiva. A mesma disposição constitucional aponta que, a Lei definirá quais serão os critérios para esta admissão especial, assim, o objetivo deste trabalho trata-se de analisar o tratamento da lei e da jurisprudência empregado para uma parcela desta população de deficientes auditivos: os deficientes auditivos unilaterais. O ponto principal com relação à esta parcela da população, reside na controvérsia jurídica acerca da possibilidade de ter ou não o direito de concorrer em Concursos Públicos em lista reservada, junto com os demais deficientes, tendo em vista que esta deficiência não está inclusa no rol das deficiências que a Lei, através de sua regulamentação, prevê para estes fins. Importante destacar que, a questão foi submetida aos Tribunais, e não houve, até o momento, pacificação nacional acerca do tema, estando em clara e evidente contradição dois dos Superiores Tribunais. As seguintes perguntas, portanto, devem ser refletidas e respondidas: Qual deles apresenta a interpretação mais justa e equânime segundo a Lei e a Constituição Federal? Como, juridicamente, pode ser resolvido este impasse?. A condição de deficiente auditivo unilateral do autor deste trabalho, e seu ingresso sob judice em cargo público através de Concurso Público em lista reservada, reforçou o interesse e motivou a escolha do tema.  

1.1. A metodologia do trabalho Tratando-se de deficiência de qualquer natureza, indispensável, à priori, a instrução médica acerca da patologia, antes de aprofundar qualquer análise jurídica ou jurisprudencial. A especificidade do caso carece de aplicação da analogia, tendo em vista a escassez de estudos médicos aprofundados. Realizada a análise retro mencionada, a observância da Constituição Federal e seus princípios; legislação anterior e vigente; jurisprudência e pareceres complementares.

2. A DEFICIÊNCIA EM FACE DO DIREITO E DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Segundo o dicionário “Aurélio” (versão on-line), a palavra “Deficiência” significa “Imperfeição, falta, lacuna”; segundo a Organização Mundial da Saúde trata-se de “qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica. Representa a exteriorização de um estado patológico e, em princípio, reflete distúrbios no nível do órgão”. 1 Segundo informações da Unesc (Universidade do Extremo Sul Catarinense), a deficiência têm quatro classificações ou causas: a) Congênita; b) Adquirida; c) Hereditária; d) Doença Raras. Assim sendo: a) A Congênita o indivíduo já a possui ao nascer, e mais comumente, antes de nascer, ou seja, durante a fase intrauterina; b) A Adquirida ocorre após o nascimento, em razão de infecções, traumatismos, intoxicações, etc.; c) Na Hereditária, resulta de enfermidades transferidas por genes, manifestando-se desde o nascimento ou posteriormente; d) Já as Doenças Raras, são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas e variam de doença para doença e também de pessoa para pessoa, podem ter causas genéticas ou ambientais, infecciosas, imunológicas, etc. As deficiências, de um modo geral, podem diminuir a plena capacidade físicamental da pessoa para as tarefas relacionadas à vida social, ao trabalho, à educação, etc, pois representam uma “perda” ou “anormalidade” considerável da função psicológica, fisiológica ou anatômica. Para o Direito, as pessoas que apresentam deficiência, devem receber um tratamento específico e diferenciado, a fim de garantir seus direitos em condições de igualdade com os demais. A igualdade é, portanto, o ponto de partida dentro do Direito.

 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 1º já previa uma igualdade de direitos imutável entre todos os homens: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”. Muitos anos depois, no Brasil, a Constituição Federal de 1988 versou sobre tema “Igualdade” na seguinte expressão: “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza” (artigo 5º, caput). Um dos princípios da Igualdade consiste no tratamento equânime, conferido pela Constituição aos indivíduos, subordinando todos sob o manto da legislação, independentemente de raça, cor, sexo, credo, etc., tendo por objetivo impedir a discriminação de qualquer natureza. Outro princípio de igualdade, a Igualdade Material, é aquela que tem por objetivo igualar os indivíduos em condição de desigualdade, e tem sua origem na seguinte frase do grande filósofo Aristóteles: “Devemos tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades”. Neste sentido, como ensina José Afonso da Silva, segundo o qual, a doutrina e a jurisprudência se firmaram que: “(...) O princípio significa que a lei, deve reger, com iguais disposições – os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situações idênticas, e reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a aquinho-á-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades”. De maneira geral, os direitos são exercidos pelas pessoas por meio da capacidade física-mental, vide, por exemplo: o direito à liberdade de locomoção, este só pode ser exercido por meio da capacidade física-mental de locomover-se adequadamente.

A pessoa portadora de uma deficiência não consegue exercer adequadamente todos os direitos que lhe estão à disposição, ou sequer ter acesso à eles, como uma pessoa sem deficiência teria; portanto, isso é que justifica o tratamento diferenciado. Esta sensibilidade, de que é necessário um tratamento diferenciado, teve por origem, principalmente, o Princípio da Solidariedade, no período pós Segunda Guerra Mundial, maiormente nos países mais afetados, onde houve uma evolução gradativa nas políticas que buscavam diminuir as diferenças entre a população, com a ajuda aos menos favorecidos, através de políticas públicas que tinham por objetivo o bem-estar dos indivíduos. Conforme constata o doutrinador Luiz Alberto David Araújo: “Um importante divisor de águas para o estudo da proteção das pessoas com deficiências foi a ocorrência das duas guerras mundiais, o que fez aumentar, desgraçadamente, o número de pessoas com deficiência de locomoção, de audição e de visão. Esse agravamento do número de pessoas com deficiências fez com que esse drama ficasse exposto de forma mais incisiva”.  No Brasil, segundo o doutrinador supramencionado, a maior parte das deficiências tem sua causa nos acidentes de trânsito, na carência alimentar e na falta de higiene. E no Direito brasileiro, como ocorreu esta evolução nas Constituições? Historicamente, tendo em vista que o Brasil fora menos afetado pelas guerras mundiais, não gerando, portanto, a mesma sensibilidade quanto ao tema, as Constituições de 1891, 1934,1937 e 1946, limitavam-se à proteção de trabalhadores portadores de enfermidades que causavam a invalidez. Mesmo na Constituição de 1967, em redação original, restringia-se à proteção quanto à invalidez. Apenas com a Emenda à Constituição nº 01/1969, surgiu o termo “excepcional”, para se referir às pessoas com deficiência. Tal emenda, no entanto, tratava-se apenas sobre a educação diferenciada. Em 1978, uma nova Emenda à Constituição, nº 12 de 17.10.1978, desta vez, com efeito, estabeleceu a melhoria de condição social e econômica, educação especial e gratuita, assistência, reabilitação e reinserção da vida econômica e social, proibição de discriminação e acessibilidade aos edifícios e logradouros públicos. Nesta oportunidade, o termo utilizado foi outro, apenas “deficientes”. Entretanto, a Constituição da República de 1988 alterou o panorama, pois, logo em preâmbulo, instituiu um Estado Democrático de Direito que têm por fim assegurar a Igualdade, bem como, eleva a Solidariedade ao patamar de norma, em seu artigo 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”. A modificação da terminologia também evoluiu e constituiu aspecto importante da Constituição da República de 1988, de “deficientes” para “pessoa portadora de deficiência”, dando ênfase para a “pessoa”, que deixou de “ser deficiente”, mas agora “porta” uma deficiência.

Este tratamento especial às pessoas com deficiência revela que, buscou-se proteger os direitos e as garantias necessárias ao bem-estar da pessoa com deficiência, ou seja, a própria dignidade da pessoa humana, dissolvendo as desigualdades sociais. Necessário observar que a dignidade da pessoa humana está entre os fundamentos do Estado de Direito no artigo 1º. Tanto a Igualdade quanto à Dignidade, são premissas necessárias para os direitos humanos, conforme ensina André de Carvalho Ramos: “Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna”. 5 Com base nestes princípios houve, pela Constituição Federal de 1988, a implementação de uma série de políticas públicas ou ações afirmativas em favor da pessoa com deficiência, a saber: a reserva de vagas em concursos públicos (artigo 37, VIII); beneficio assistencial especifico (artigo 203, V); vedação de discriminação no mercado de trabalho (artigo 7º, XXXI); fixação de critérios diferenciados para aposentadoria (artigos 40,§ 4º, 1 e 201, § 1º); atribuição de direito à habilitação, reabilitação e integração à vida social e comunitária (artigo 203, IV); garantia de acesso à educação (artigo 208, III); imposição de deveres ao Estado e sociedade para com a implementação da acessibilidade (artigos 227, § 2º, e 244). Importante salientar que, a maior parte destas normas são conhecidas como “normas programáticas”, ou seja, elas traçam os objetivos públicos a serem seguidos pelo Estado, mas carecem de regulamentação, como se verá adiante. Exemplos: A reserva de vagas: “(...) VIII - A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. A implementação de acessibilidade: “A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, 2”. 

Chama a atenção o fato que, a Constituição Federal prevê direitos e benefícios aos portadores de deficiência, no entanto, não estabelece uma definição jurídica, acerca de quais espécies de deficiências serão abrangidas ou ainda, revelar o que considera, legalmente, por deficiência. Mais tarde, no entanto, essa definição jurídica surge, com força de Emenda Constitucional, através de uma Convenção Internacional.  Os direitos da pessoa portadora de Deficiência na Convenção Internacional e seu protocolo facultativo. Justamente durante o período pós 2º Guerra mundial, considerado como “divisor de águas” pelo jurista Luiz Alberto de Araújo, é que ganhou relevância os tratados de direitos humanos, e acerca de sua importância, ensina o doutrinador Celso de Albuquerque Mello: “Atualmente, os tratados são considerados a fonte mais importante do Direito Internacional, não apenas por força da sua multiplicidade, mas também porque, em regra, os assuntos mais importantes da ordem jurídica internacional são por eles regulados. Ademais, diz-se que o tratado é a mais democrática das fontes do Direito Internacional, uma vez que os Estados participam diretamente da sua elaboração”. 6 A Constituição Federal de 1988 possibilita que, tratados internacionais de direitos humanos elevem-se ao status constitucional, caso sejam aprovados por maioria de três quintos, em duas votações, nas duas Casas Legislativas, nos termos do § 3º do artigo 5º da Constituição da República que dispõe que “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Sua incorporação ao sistema jurídico pátrio efetivou-se através dos Decretos 186 de 09 de Julho de 2008 e 6.949 de 25 de Agosto de 2009, modificando a política de inclusão quanto às pessoas portadoras de deficiências.

Em geral, os tratados de direitos humanos têm função educativa e auxiliam as organizações, neste caso, as relacionadas às pessoas com deficiência, provocando mudanças na legislação, influenciando políticas públicas e os costumes locais. Permitem também, a incorporação das pessoas com deficiência nos assuntos internacionais de direitos humanos, para a conquista de direitos e reivindicações perante o Estado. A Convenção Internacional reforça a visibilidade das pessoas com deficiência, pois, conforme ensina o doutrinador André de Carvalho Ramos: “(...) a invisibilidade e a falta de foco das instâncias de proteção de direitos humanos sobre o tema deficiência gerava assimetria na proteção legal, perpetuação de estereótipos, falta de políticas de apoio e, finalmente, exclusão”. Com base nisto, traz como propósito “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos de liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”. (artigo 1º).

Para atingir este propósito, tratou primordialmente de conceituar o termo “pessoas com deficiência” com a seguinte definição: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. Verifica-se que, a evolução do conceito alterou desde a nomenclatura “pessoas portadoras de deficiência”, evoluindo para “pessoas com deficiência”, até o núcleo da sistemática, a deficiência em si, que coexiste com as variadas barreiras que obstruem a participação plena e efetiva na sociedade quando comparadas com as demais pessoas (sem deficiência). Após definir, estabelece os princípios gerais, que serão a base do conteúdo, no total são 08 (oito) princípios: a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas  e a independência das pessoas; b) A não-discriminação; c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) A igualdade de oportunidades; f) A acessibilidade; g) A igualdade entre o homem e a mulher; h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade. A partir destes princípios, institui deveres aos Estados Partes, para que se comprometam a assegurar e cumprir os termos da Convenção: combater a discriminação; realizar programas e práticas de promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência; desenvolver ou promover pesquisas no âmbito tecnológico; capacitar profissionais e equipes que trabalham com estas pessoas; elaborar legislações para tornar aplicável a Convenção. Reafirmando o princípio da Igualdade e a vedação da discriminação em face da deficiência, prevê os direitos específicos de determinados grupos de deficientes mais vulneráveis, e após, elencando direitos (às pessoas com deficiência) e deveres (aos Estados Partes), entre eles: a) As mulheres e crianças com deficiências deverão ter pleno desenvolvimento e liberdades fundamentais, asseguradas pelos Estados Partes.

Esta indicação em separado (artigo 6º e 7º) denota que esta classe encontra-se, para a Convenção, mais vulnerável que às demais, carecendo de atenção especial. b) A sociedade e as famílias devem ser conscientizadas sobre as condições das pessoas com deficiências e de suas capacidades e contribuições, bem como que, a acessibilidade para estas pessoas deve ser garantida: nos edifícios, rodovias, meios de transportes, escolas, residências, local de trabalho, etc. c) A vida das pessoas com deficiência é um direito que deve ser protegido, por esta razão, as pessoas que estiverem em situação de risco, conflito armado, emergências humanitárias ou desastres naturais, terão atendimento prioritário e especial pelos Estados Partes. 19 d) Perante a Lei, as pessoas com deficiência têm o direito de serem reconhecidas como pessoas, em igualdade de condições com as demais, assegurado o direito ao apoio se necessitarem de representação legal. Perante a Justiça, terão as adaptações necessárias quando participarem desta, seja como parte ou testemunhas. e) O acesso ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, em condições justas e favoráveis ao trabalho, constitui um direito da pessoa com deficiência (inclusive com igualdade de remuneração), bem como, um dever dos Setores Público e Privado, a promoção do emprego.

O Brasil ainda ratificou o Protocolo Facultativo nesta oportunidade. De acordo com este, o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, criado pela Convenção, pode receber e analisar comunicações submetidas por pessoas ou grupo de pessoas, que aleguem serem vítimas de violação das disposições da Convenção pelo Estado-parte. A disposição do item “e” tem correspondência com o inciso “g)” do artigo 27 da Convenção, o qual seu conteúdo também é estabelecido pelo artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal, que trata da reserva de vagas em cargos e empregos públicos, no entanto, tanto um, como outro, não regulamentam propriamente dito acerca de como este direito se efetivará, mas apenas traçando os conceitos básicos e norteadores que o Legislador infraconstitucional deve seguir. Com esta definição jurídica, e, além disso, Constitucional, as legislações infraconstitucionais têm o dever de observá-lo, ou seja, possui caráter impositivo, não devendo nenhuma legislação ou regramento, contrariar ou distorcê-lo. Bem como, estabelece quais são os subgrupos de pessoas com deficiência a serem observados. Assim: Pessoas Com Deficiência “são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”; e os subgrupos são: mulheres e crianças com deficiências, não fazendo outra classificação ou subdivisão das pessoas com deficiências.

2.2. A Legislação pátria: Lei Brasileira de Inclusão 13.146 de 2015, Lei nº 10.048/2000 e 10.098/2000.

A Lei nº 7853 de 1989 estabeleceu normas gerais que asseguram o exercício dos direitos individuais e sociais da pessoa portadora de deficiência e sua integração social. Com este objetivo, estabeleceu ao Poder Público e aos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, tratamento prioritário às pessoas com deficiências nos diversos âmbitos da vida social, inclusive na área profissional e do trabalho, e ainda, a previsão de uma legislação especifica que discipline a reserva de vagas no mercado de trabalho, bem como, na própria Administração Pública. Ainda no âmbito da Proteção da Pessoa Com Deficiência, encontram-se: Lei nº 10.048 de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e em seu artigo 7ª dispõe que cabe ao Poder Executivo regulamentar a lei no prazo de 60 (sessenta) dias após a sua publicação. Do mesmo modo, a Lei nº 10.098 de 2000, estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, desta vez destaque para a definição de pessoa com deficiência descrita em seu artigo 2ª, inciso III: “pessoa com deficiência: aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, no restante, dispõe acerca da eliminação nas barreiras físicas relativas à mobilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade física, sejam em repartições públicas ou privadas. A definição de pessoas com deficiência desta Lei encontra-se em consonância absoluta com a Convenção Internacional, portanto, constitucional.

A Lei Brasileira de Inclusão nº 13.146 de 2015 ou Estatuto da Pessoa Com Deficiência, como popularmente conhecido, inovou na ordem legislativa brasileira, tanto que, determinou que entraria em vigor no prazo de 06(seis) 22 meses de sua publicação oficial, assim, a sociedade teria tempo de se ajustar às novas medidas. Estima-se que, no Brasil, cerca de 23,9% da população porte alguma deficiência. Trata-se de execução minuciosa do Pacto Internacional do qual o Brasil participou, desde o conceito, pois se utilizando do mesmo conceito constitucional de deficiência, designou também, ao Poder Executivo, a realização de avaliação de cada deficiência. A proposta de um “Estatuto da Pessoa com Deficiência” resultou que, houve uma sistematização de diversos projetos e leis esparsas, priorizando-se pela unidade normativa. Além de trazer novos institutos jurídicos relacionados à concepção de deficiência, capacidade legal, avaliação psicossocial e acessibilidade, promoveu ainda alterações em diversas normas nacionais em suas disposições finais e transitórias, como no Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, Lei de Improbidade Administrativa e Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com relação ao Código Civil, institui que, as pessoas com deficiência, inclusive mentais e intelectuais, não estão mais presentes no rol dos absolutamente incapazes. Dessa forma, as pessoas com deficiência apenas serão interditas em relações aos atos negociais e patrimoniais, mantendo-se as faculdades para casar, trabalhar, testemunhar, votar e praticar outros atos da vida diária. Institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas; a tomada apoiada de decisão; disciplinou a atuação do Ministério Público e tipificou crimes específicos contra a pessoa com deficiência. Neste sentido: estabeleceu como crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa, a obstrução de inscrição em concurso público ou acesso de alguém a cargo ou emprego público, em razão de sua deficiência, bem como, acerca da pena pela adoção deliberada de critérios subjetivos para indeferimento de inscrição, de aprovação e de cumprimento de estágio 23 probatório em concursos públicos, importando na responsabilidade patrimonial pessoal do administrador público pelos danos causados. Seguindo no objetivo de efetivar princípios e regras trazidas pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa Com Deficiência, a referida Lei procura fazer uma mudança linguística e conceitual ao adotar um modelo biopsicossocial de deficiência, de modo que, os impedimentos físicos, sensoriais, mentais e intelectuais não produzem obstáculos por si só, e sim que, as barreiras que impedem o exercício de direitos são produzidas socialmente, sendo fundamental a força de estratégias políticas, jurídicas e sociais que excluam esses obstáculos e discriminações, permitindo aos portadores de deficiências, exercer e demonstrar suas capacidades, consequentemente, ampliando a autonomia e independência para a inclusão social. Como a deficiência não é tratada como incapacidade ou limitação, mas estas são produzidas socialmente, a Lei, a partir de seu artigo 84 assim dispõe: “A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”. Apesar de sua vigência e consonância com a norma Constitucional, outras normas, regulamentadoras, continuam a definir deficiência e estabelecer critérios. São os chamados decretos regulamentadores.

2.3. Os Decretos Federais Regulamentadores nº 3.298 de 1999 e 5.296 de 2004

Os decretos são atos administrativos e normativos secundários, neste caso, de espécie regulamentadora, pois regulamentam e fornecem os meios necessários para a execução da Lei, não podendo, obviamente, contrariar a Lei que regulamenta ou criar, modificar ou extinguir um direito. A competência para expedição dos Decretos do Poder Executivo é do Chefe do respectivo Poder. O decreto regulamentador federal nº 3.298 de 1999, visa a regulamentação da Lei nº 7.853/1989, tratada no item anterior, bem como, consolida as normas de proteção e dá outras providências no âmbito da Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Elenca em seu artigo 3º, as deficiências que serão consideradas para os fins da Legislação que regulamenta: Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. O inciso I delimita o conceito de deficiência; o inciso II cria uma subdivisão, das deficiências permanentes e irrecuperáveis; o inciso III a segunda subdivisão, a incapacidade. Não obstante as definições e classificações retro mencionadas, o Decreto especifica outras deficiências, como a física, a auditiva, a visual e a deficiência mental. A auditiva, cerne deste trabalho, será tratada com especialidade em capítulo próprio. O Decreto 5.296 de 2004 regulamenta as Leis nº 10.048 e 10.098 de 2000, estabelecendo normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. 25 Em suas disposições finais, artigo 70, altera o artigo 4º do Decreto 3298 de 2004, que trata de um rol especificador das deficiências que serão consideradas para os fins dos direitos que prevê a Legislação. A alteração em cada inciso do artigo 4º do Decreto 3298 de 1999: Inciso I – “deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções”. Neste inciso, as alterações se deram com a inclusão de duas deficiências: a ostomia e o nanismo. A ostomia consiste num procedimento cirúrgico para inserção de um tubo digestivo, respiratório ou urinário, para os fins destas funções. O nanismo trata-se de deficiência no que refere-se ao tamanho anormal em relação aos demais indivíduos. Inciso II – “deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz”. Neste inciso ocorreu a supressão das espécies: surdez leve, moderada, acentuada, severa, profunda e da “anacusia”, como será minuciado no próximo capitulo. Ademais, inseriu como condição para todos os casos, a perda bilateral, ou seja, em ambos os ouvidos. Inciso III – “deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores”. 26 A modificação neste caso ocorreu com a inclusão do termo “cegueira”, e a inclusão da baixa visão e os casos que abrangem a somatória do campo visual. Ademais, o Decreto 3298 de 1999 reforça novamente a inclusão das pessoas com deficiência em concursos públicos: garantido à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condição com os demais candidatos, para os cargos cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência que é portadora; determinando que os editais de concursos públicos contenham o número de vagas existentes e o total reservado às pessoas portadoras de deficiência, bem como, as atribuições e tarefas essências dos cargos, a fim de se avaliar a adequação da deficiência ao cargo; adaptação das provas e curso de formação, se o caso; exigência da apresentação pelo candidato portador de deficiência, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa correspondência ao CID – Classificação Internacional da Doença, e a provável causa da deficiência. Destacam-se dentre as medidas protetivas, quando da necessidade de avaliação da deficiência, esta será realizada por equipe multiprofissional composta por três profissionais capacitados e atuantes nas áreas das deficiências em questão, sendo um deles médico, e três profissionais da carreira almejada pelo candidato. Esta questão provavelmente será objeto de nova regulamentação, tendo em vista a disposição da LBI- Lei Brasileira de Inclusão, que prevê, quando necessário, a avaliação da deficiência através de equipe multidisciplinar e interdisciplinar, mas com critérios biopsicossociais, no entanto, prevendo a lei o prazo de até 2 (dois) anos para entrada em vigor, prazo este que expira-se em Janeiro de 2018. Importante destacar que, a definição e critérios estabelecidos por este Decreto encontra-se em confronto com a Convenção Internacional das Pessoas Com Deficiência. Na Convenção Internacional, a definição de pessoas com deficiência não faz menção à incapacidade, mas sim, à impedimentos de longo prazo que, em interação com diversas barreiras, obstruem a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade com as demais pessoas. E como 27 categoria de deficientes, a Convenção elenca tratamento diferenciado apenas para mulheres ou criança com deficiência, enquanto o Decreto elenca um rol descritivo a qual não basta o portador possuir uma deficiência medicamente reconhecida, mas ela deve estar presente neste rol. 

3. A DEFICIÊNCIA AUDITIVA

A Deficiência auditiva é considerada como a diferença entre o desempenho do indivíduo e habilidade normal para a detecção do som. Ela pode ter como causa: doenças do ouvido ou traumas na região do mesmo. Segundo o Ministério da Educação, isso implica que: “Sendo a surdez uma privação sensorial que interfere diretamente na comunicação, alterando a qualidade da relação que o indivíduo estabelece com o meio, ela pode ter sérias implicações para o desenvolvimento de uma criança, conforme o grau da perda auditiva que as mesmas apresentem”. A aprendizagem do Sistema de Libras (Linguagem Brasileira de Sinais) que está fundamentada na Lei Federal 10.436 de 2002, é uma das estratégias mais utilizadas na comunicação da pessoa surda. Os níveis de audição são medidos pela capacidade de captar os “Decibéis”, trata-se este, de uma unidade de medida da intensidade e volume do som, por exemplo, sessenta decibéis é a intensidade do som de uma conversa, e cento e vinte, a de um avião. O decreto 3298 de 1999 estabelece o índice mínimo de 41 decibéis (ou dB).

Segundo Mondelli e Bevillacqua (2002) 9 , os níveis de limiares utilizados para caracterizar os graus de severidade da deficiência auditiva são: a) Audição Normal – Limiares entre 0 a 24 dB nível de audição. b) Deficiência Auditiva Leve – Limiares entre 25 a 40 dB nível de audição. c) Deficiência Auditiva Moderna – Limiares entre 41 e 70 dB nível de audição. d) Deficiência Auditiva Severa – Limiares entre 71 e 90 dB nível de audição. e) Deficiência Auditiva Profunda – Limiares acima de 90 dB. Desta forma, para os fins da Legislação regulamentada pelo referido Decreto, é necessário que a surdez seja “Moderna” (ou moderada), em cada um dos ouvidos (bilateral), comprovada por exame de audiograma.

3.1. A deficiência auditiva Unilateral Deficiência auditiva unilateral trata-se da perda auditiva em um dos ouvidos, logo, o indivíduo possui audição normal em um dos ouvidos e déficit no outro, podendo esse déficit ser leve, moderado, severo, profundo ou total. O termo “Anacusia” está sempre associado com o termo “surdez ou deficiência auditiva unilateral”. No entanto, segundo o site www.aparelhosauditivos.fnd.br, o termo representa a falta ou ausência total de audição. Já o Ministério da Previdência Social, em norma Técnica sobre Perda Auditiva Induzida por Ruído – PAIR classifica a “Anacusia” como a “Surdez Total”. Desta forma, há um equívoco ao associar esta terminologia à Deficiência Auditiva Unilateral, pois representa um grau de perda auditiva, não importando se é bilateral ou unilateral. Perante a Legislação, a Deficiência Auditiva Unilateral era considerada para os fins legais na antiga redação do Decreto 3298 de 1999 (antes de ser alterado pelo Decreto 5.298 de 2004), que não fazia distinção entre as perdas bilaterais ou unilaterais: “II - deficiência auditiva – perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte: a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve; b) de 41 a 55 db – surdez moderada; 30 c) de 56 a 70 db – surdez acentuada; d) de 71 a 90 db – surdez severa; e) acima de 91 db – surdez profunda; e f) anacusia”. Com a modificação, acrescentou-se o termo “perda bilateral”, e aumento do limite mínimo para 41(quarenta e um) decibéis quanto ao grau da perda. A partir dessa nova regulamentação, todos os direitos relativos às Leis regulamentadas, não abrangem o portador de deficiência auditiva unilateral. No entanto, estudos médicos recentes têm feito uma análise mais profunda desta deficiência, a fim de identificar se causa ou não limitações e em que aspectos.

3.2. As limitações resultantes da Deficiência Auditiva Unilateral Os estudos médicos revelam que a deficiência auditiva unilateral “pode ser responsável por dificuldades acadêmicas, alteração de fala e linguagem e dificuldades sócio-emocionais”. Determinadas carreiras e profissões exigem integridade auditiva absoluta, vide a relação abaixo, contendo profissões em que a audição pode ser uma qualidade importante para a sua execução ou expõe a ruídos excessivos, como por exemplo: a) Profissionais de Áudio; b) Trabalhadores da Construção Civil; c) Trabalhadores Aeroportuários; d) Trabalhadores Portuários; e) Trabalhadores de Indústrias e fábricas; f) Atividades Laborais ao telefone g) Atividades de Condução de Máquinas e veículos. 

No Setor Público, determinadas carreiras são inalcançáveis pelo deficiente auditivo unilateral: Exército, Marinha, Aeronáutica, Paraquedista, Bombeiro Militar, Polícia civil, rodoviária e militar, Guarda Municipal, Agente Penitenciário, Perito Criminal, Escrivão de Polícia, Agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Taquígrafo, entre outros. O estudo intitulado “Prevalência de perdas auditivas em trabalhadores no processo admissional em empresas na região de Campinas /SP”, de autoria de Eloísa S. Franco e Ieda C. P. Russo, publicado na Revista - Brasileira de Otorrinolaringologia, chegou ás seguintes conclusões: No Brasil, “a legislação vigente exige que o trabalhador seja submetido a exames admissionais. Dentre esses exames, os resultados da audiometria tonal liminar acabam sendo usados, ao contrário de seu objetivo, para selecionar o trabalhador, no momento de sua admissão. Os exames são exigidos pela NR-7 – P C M S O (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), do Ministério do Trabalho. O resultado dessa prática é a existência de um contingente grande de trabalhadores com perdas auditivas, dos mais diversos graus, que não conseguem ser admitidos, impedidos de reingressar em um novo emprego”. Diz ainda o estudo que o Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva, de acordo com especificações em seu Boletim N. 3, sugeriu algumas condutas administrativas a partir de um caso concreto de um trabalhador acometido pela PAIR (Perda Auditiva Induzida pelo Ruído). Dentre elas, que, em presença ou ausência de exames audiológicos anteriores, deve ser considerada de “alto risco a admissão do trabalhador para postos ou ambiente de trabalho ruidosos, quando este apresentar anacusia unilateral, mesmo que a audição contralateral esteja normal”. Os resultados do estudo também revelaram que “um número considerável de candidatos – 610 (19,6%) – possivelmente teriam dificuldade de ingressar em um novo emprego, visto que apresentaram alterações audiométricas”. Completa ainda, afirmando:  “A questão é que inúmeras oportunidades são negadas a um grande contingente de candidatos considerados inaptos e desligados de seus empregos anteriores, os quais se vêem impedidos de serem admitidos em um novo emprego, em virtude, muitas vezes, de pequenas alterações audiométricas”. “Excluídos do mercado de trabalho e impedidos de exercer a atividade em que se especializaram, esses candidatos deparam-se com o desemprego, sendo muitas vezes obrigados a viver na marginalidade”.

Cabe ressaltar, que, outras atividades podem ser exercidas, apesar da deficiência, pois é preciso haver uma compatibilidade entre a deficiência apresentada e o cargo pretendido, conforme observa o doutrinador Marçal Justen Filho: “Não se admite a contratação de pessoa cuja deficiência a incapacite, de modo absoluto, para o desempenho das atividades inerentes às atribuições dos cargos e empregos. É indispensável identificar o tipo de deficiência e compatibilizá-lo com determinado cargo público. Tem-se destacado, por exemplo, o pleno cabimento de portadores de deficiência auditiva exercitarem atividades de informática”. Uma vez que consiga ser investido em um cargo ou emprego público, o portador de deficiência irá ocupar um espaço dentro da Administração Pública, ter direitos e deveres inerentes à ele, mas, para chegar à este almejado objetivo, deverá seguir os trâmites que a Administração Pública impõe, com base em seus princípios, como narrado a seguir.

4- A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS CONCURSOS PÚBLICOS A Administração pública possui mais de um sentido. Objetivamente, é a idade de atividade, tarefa, ação, ou seja, a própria função administrativa, que tem por fim alcançar o que o Governo pretende. Subjetivamente, indica o conjunto de órgãos e pessoas que desempenham essa função mencionada. Segundo Hely Lopes Meirelles, “Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.(...)”. Necessário destacar, neste ponto que, cada Poder estrutural do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), possui sua função administrativa, mas que tipicamente ela é exercida pelo Poder Executivo, e, atipicamente, pelos demais Poderes. Assim, se verifica que: O Poder Executivo, que tipicamente, pratica atos de chefia de Estado, chefia de governo e atos de administração, atipicamente tem funções atípicas, pois, o Presidente da República, por exemplo, edita medida provisória, com força de lei (art.62 da C.F), e jurisdicional, apreciando defesas e recursos administrativos. O Poder Legislativo, que possui como função típica legislar e fiscalizar (contábil, financeira, orçamentaria e patrimonial do Executivo), também tem outras funções atípicas: jurisdicional, quando julga o Presidente da República (Art.52,I, C.F), e administrativa, dispondo sobre sua organização, provendo cargos, concedendo férias, licenças a servidores, etc. O Poder Judiciário, que julga (função jurisdicional), atipicamente também legisla, conforme regimento interno de seus tribunais (art.96, I, “a”, da C.F) e administrativa, concedendo licenças e férias aos magistrados e serventuários (art.96, I, “f”, da C.F). 4.1. Princípios norteadores da Administração Pública A Administração Pública tem por base os princípios elencados na Constituição Federal, a qual indica que a administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos seguintes: a) Legalidade, b) Moralidade, c) Impessoalidade, d) Publicidade e e) Eficiência. a) Princípio da Legalidade: Referido princípio encontra base constitucional no artigo 5º, II, que assim dispõe: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, assim, as atividades da Administração Pública são desenvolvidas em cumprimento às disposições da lei, e a função dos atos administrativos deve ser a realização das disposições legais, não lhe cabendo inovar no ordenamento jurídico. Conforme ensina o doutrinador Celso Antônio Bandeira: “Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmanados. Pretende-se através da norma geral, abstrata e impessoal, a lei, editada pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social – garantir que atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização da vontade geral”. 

Desta forma, se verifica que não se trata de mera observância da lei, mas de fiel cumprimento das determinações legais, conforme ensina Hely Lopes Meireles: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”. Por meio deste princípio, o administrador público, em sua atuação, está totalmente sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, deles não se pode afastar ou desviar, para que não pratique atos inválidos e responda disciplinar, civil e criminal, se o caso. Não há liberdade, portanto, para atos provenientes de vontades particulares, revelando-se um elemento indispensável para a garantia do Estado Democrático de Direito. b) Princípio da Moralidade: Trata-se de um conceito jurídico, formado por um conjunto de valores informativos das regras e princípios administrativos, com isto, todo e qualquer ato da Administração Pública deverá ser regido por este princípio. A observância deste princípio exige respeito a padrões éticos, de boa-fé, decoro, lealdade, honestidade e probidade na prática das atividades de toda a Administração Pública. Na lição de Hely Lopes Meirelles: “(...) o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto”. c) Princípio da Impessoalidade: O princípio da impessoalidade impede o tratamento desigual entre os administrados, bem como, que os critérios pessoais possam ser considerados para fins de concessão de privilégios ou discriminações, assegurando desta maneira, uma Administração que persiga apenas o interesse público. Ao realizar a atividade administrativa, a Administração o faz de forma impessoal, ou seja, não são imputáveis aos funcionários que os praticam, mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário, sendo este, um mero agente da Administração Pública, de modo que ele não é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade do Estado. Na Constituição Federal, além da menção no artigo 37, caput, no § 1º também há referência ao Princípio da Impessoalidade, ao prescrever que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. d) Princípio da Publicidade: Por meio deste princípio, é assegurada a transparência nas atividades administrativas. O administrador público é o responsável por gerir os bens da coletividade, assim, essa gestão deve ser com a máxima transparência, para que os administrados tenham o conhecimento pleno da atividade. Na Constituição Federal, o princípio também consta no artigo 5º, XXXIII, assegurando o direito de “receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. e) Princípio da Eficiência: O princípio da eficiência tem estrita relação com as normas de “boa administração”, indicando que: A Administração Pública, em todos os seus setores, deve realizar a atividade administrativa predisposta à extrair o maior número possível de resultados positivos aos administrados. A Eficácia para a Administração Pública é um dever, uma obrigação. Segundo Hely Lopes Meirelles: “Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatoriamente atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.”. Importa ressaltar que, o princípio da eficiência deve estar sempre pautado ao princípio da legalidade, pois a atuação eficiente, nunca poderá ser justificada se esta for contrária ao ordenamento jurídico. Para a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, este princípio apresenta-se sob dois aspectos, o aspecto da forma de atuação do agente público, de quem se espera o melhor desempenho possível, obtendo com isto, os melhores resultados, bem como, o aspecto do modo racional de se organizar, estruturar e disciplinar a administração pública, com o intuito de alcançar resultados significativos na prestação do serviço público.

4.2. A Administração Pública e o seu elemento humano: os agentes públicos.

Os agentes públicos formam o elemento físico da Administração Pública, são, portanto, pessoas físicas que atuam como prepostos do Estado, exercendo uma função pública, que pode ser remunerada ou gratuita, definitiva ou transitória, política ou jurídica. A Constituição Federal, em seu Artigo 37, inciso I, se reporta aos agentes públicos, prevendo a existência de requisitos para que integre a administração pública, onde ocuparão cargos, empregos e funções públicas, acessíveis aos brasileiros e estrangeiros, desde que os requisitos estabelecidos. Para Celso Antônio Bandeira de Melo, os Agentes Públicos: “são os titulares dos cargos estruturais à organização política do país, ou seja, os que ocupam os cargos que compõem o rol constitucional do Estado, e são então, os componentes do esquema fundamental do poder”. Assim, uma vez integrados à Administração Pública, os agentes desempenham as funções dos órgãos, distribuídas entre os cargos de que são titulares. Tendo em vista que os agentes públicos são componentes do esquema fundamental do poder, e que atuam como preposto do Estado, a amplitude deste gênero “agentes públicos”, é aplicada também aos membros do Legislativo, Executivo (inclusive seus Chefes), bem como, todos aqueles que estão vinculados a qualquer órgão do Estado. Tratando-se de um “gênero”, veremos adiante quais são as suas espécies, conforme classifica a doutrina.

4.3. Classificação dos agentes públicos.

Os agentes públicos, segundo classificação de José dos Santos Manuel Carvalho Filho, dividem-se em: a) Agentes Políticos, b) Agentes Particulares Colaboradores e c) Servidores Públicos. a) Agentes Políticos: À esta classe cabe a execução das diretrizes estabelecidas pelo Poder Público, determinando e criando estratégias para que o Estado atinja seus fins. A investidura ocorre através de eleição, sendo seu cargo transitório, não se aplicando, então, o regime de servidores públicos em geral. São agentes políticos: Chefes do Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos), seus auxiliares (Ministros e Secretários Estaduais e Municipais) e os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores). b) Agentes Particulares Colaboradores: Esta classe exerce funções especiais que em razão delas podem se qualificar como função pública, com ou sem remuneração. Os exemplos mais conhecidos são: os jurados; os convocados para serviços eleitorais; comissários de menores voluntários; titulares de registro e ofícios de notas (por delegação). No caso deste último, a investidura depende de aprovação em concurso público. c) Servidores Públicos: Trata-se da categoria mais comum dentre os agentes públicos, ou seja, a grande força motriz do Estado, com as mais variadas funções. São servidores públicos: todos que exercem, em caráter permanente ou transitório, função pública em decorrência de relação de trabalho, inserido no quadro funcional das pessoas federativas, autarquias e fundações públicas de natureza autárquica. Quanto à classificação, se subdividem nas espécies: 1) Estatutários: São titulares de cargos públicos na Administração Pública Direta, nas autarquias e fundações de Direito Público da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como no Poder Judiciário e na esfera administrativa do Poder Legislativo. São regidos por Estatutos, isto é, possui vínculo legal, o que lhes concedem prerrogativas extraordinárias. 2) Empregados Públicos: São empregados das empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de Direito Privado instituídas pelo Poder Público, os quais obrigatoriamente estão sob o regime trabalhista (regulamentado pelo Decreto-Lei nº 5.452 de 1943 - Consolidação das Leis Trabalhistas). 3) Servidores Temporários: São contratados para exercer funções em caráter temporário, mediante regime jurídico a ser disciplinado por lei (de direito público ou privado), de cada ente da federação. Configuram-se como um agrupamento excepcional dentro da categoria dos servidores públicos. A previsão dessa espécie está contemplada no art. 37, IX, da CF, que admite a sua contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público. 

4.4. O princípio Constitucional do acesso aos cargos, empregos e funções públicas Cargo público entende-se pelo local dentro da organização funcional da Administração Pública Direta e suas autarquias e fundações públicas, que o servidor ocupa, exercendo funções e recebendo remuneração fixas em lei ou previsto em estatuto. Emprego Público é o termo designado para identificar e diferenciar o servidor público trabalhistas, regime pela CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas. Uma e outra não se confundem com a função pública, que é a própria atividade exercida. A principal distinção ocorre pelo fato que, o servidor público trabalhista ocupa emprego público, enquanto o servidor público estatutário ocupa e exerce as funções relativas aos cargos. Preenchidos os requisitos legais, o acesso aos cargos, empregos e funções, constitui um direito de todos os brasileiros e estrangeiros, e igualmente, um princípio: Princípio da ampla acessibilidade. Incumbe ao Poder Legislativo estabelecer quais são estes “requisitos estabelecidos em lei”, devendo imperiosamente, observar os demais princípios e garantias da Constituição Federal. Por meio deste princípio, a Constituição Federal têm em vista: propiciar a todos iguais oportunidades de disputar cargos ou empregos na Administração Pública direta e indireta, e impedir o ingresso sem concurso, ressalvado as exceções previstas na Constituição. No texto Constitucional, assim consta em seu artigo 37, inciso I: “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”. Acerca do tema acessibilidade e seus requisitos, o Supremo Tribunal Federal recentemente decidiu em sede de Repercussão Geral: “(...) O artigo 37, I, da Constituição da República, ao impor, expressamente, que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei”, evidencia a frontal inconstitucionalidade de toda e qualquer restrição para o desempenho de uma função pública contida em editais, regulamentos e portarias que não tenham amparo legal. (...) “  Segundo a Ministra Carmén Lúcia, essa disposição possui uma tripla função: “a) garantir ‘a reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica, [verdadeira] política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988’, como destacado pelo Ministro Ayres Britto no julgamento do RMS 26.071 (DJ 1º.2.2008); b) viabilizar o exercício do direito titularizado por todos os cidadãos de acesso aos cargos públicos, permitindo, a um só tempo, que pessoas com necessidades especiais participem do mundo do trabalho e, de forma digna, possam manterse e ser mantenedoras daqueles que delas dependem; e, c) possibilitar à Administração Pública preencher os cargos com pessoas qualificadas e capacitadas para o exercício das atribuições inerentes aos cargos, observando-se, por óbvio, a sua natureza e as suas finalidades”. 22 21 RE 898450/SP- Relator Min.Luiz Fux, Plenário, julgado em 17/08/2016, DJ-114-30-05-2017 22 RE 898450/SP- Relator Min.Carmen Lúcia, 2ªTurma, julgado em 26/02/2013, DJ-58-26-03-2013 43

5. O CONCURSO PÚBLICO - CONCEITO E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS

O concurso público é o meio técnico que a Administração tem em sua disposição, com o fim de obter moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público, e de igual modo, propiciar igual oportunidade aos interessados que preencham os requisitos legais, que são estabelecidos conforme a natureza e a complexidade do cargo ou emprego (artigo 37, II, da Constituição Federal). Ele é obrigatório (com exceção dos cargos em comissão) para se chegar à investidura em cargo ou emprego público inicial na Administração pública direta e indireta. Quanto à está obrigatoriedade, o Supremo Tribunal, no RE 705.140, em 05 de novembro de 2014, reiterou que a Constituição Federal reprova severamente as contratações sem “a prévia aprovação em concurso público, cominando a sua nulidade e impondo sanções à autoridade responsável”. Quanto à sua modalidade, podem ser provas ou provas de títulos, não existindo modalidade apenas de títulos. Em todo caso, o concurso tem validade de até dois anos, a partir de sua homologação, prorrogável por uma vez, por igual período, conforme dispõe o artigo 37, IV. Quanto á sua forma ou procedimento, não há determinações Constitucionais explícitas, no entanto, a Administração Pública deve observar os princípios que a regem, no momento da criação das regras para o Concurso. Os princípios da Legalidade e da publicidade são demonstrados já no primeiro ato do Concurso, o Edital, ato administrativo convocatório, a norma regente que subordina a Administração púbica e os candidatos. Estas normas devem estar em consonância absoluta com a Constituição e as leis, visto que, por esta subordinação, os procedimentos e regras definidas devem ser estritamente seguidos. O princípio da Impessoalidade se revela pelo fato que, o administrador do concurso, deve evitar medidas que favoreçam um ou outro candidato durante o certame, com a finalidade de promover ou prejudicar, ou de realizar perseguições pessoais ou por motivos políticos. Pelo princípio da moralidade administrativa, o administrador deve proceder com boa-fé, honestidade, probidade, decoro, ou seja, além de respeitar a legalidade, deve observar estes princípios éticos. Estas qualidades formam o que se denomina por “probidade”, e sua violação, neste âmbito, poderá acarretar responsabilidade por improbidade administrativa. Por fim, o princípio da eficiência pode ser verificado tanto pela busca da efetividade da prestação dos serviços públicos que incluem o próprio concurso, quanto pela seletividade da Administração Pública através do concurso público, selecionando os melhores para que estes, juntos, tragam os melhores resultados para a Administração Pública. 

6. O PORTADOR DA DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL EM FACE DO CONCURSO PÚBLICO

Agora que o Concurso Público e seus agentes foram localizados (dentro da Administração Pública, e sob seus princípios), resta analisar a participação dos portadores da deficiência auditiva unilateral e a jurisprudência dos Tribunais.

6.1. A aplicação da Norma pela Administração Pública A regulamentação dos critérios para caracterização da Pessoa com deficiência apresenta um rol, e este é aplicado pela Administração Pública de maneira taxativa. Desta forma, situações pessoais não são analisadas. Se o indivíduo não apresenta uma deficiência que preenche integralmente os parâmetros fixados, será negado pela Administração Pública o requerimento de benefício ou direito pretendido. A atual Legislação (LBI-Lei Brasileira de Inclusão) prevê a análise da deficiência, quando necessária, através de equipe multiprofissional, e terá critérios biopsicossociais, considerando: os impedimentos nas funções; na estrutura do corpo; fatores socioambientais; psicológicos; pessoais; limitações no desempenho de atividades e a restrição de participação. Esta disposição ainda necessita de regulamentação pelo Poder Executivo, conforme §2 do artigo 2º da referida lei. Observa-se que, algumas categorias de deficientes, cuja deficiência não se encontra no rol, buscam no Judiciário o direito de participação em lista reservada em Concurso Público. Os deficientes visuais monoculares (cegos apenas de um olho), por exemplo, para garantir o direito de participação, socorreram-se ao Judiciário, tendo em vista a alegação de sofrerem limitações suficientes para se enquadrarem no conceito constitucional de deficiência. E em 2009 foi editada pelo Superior Tribunal de Justiça a sumula orientadora nº377: “O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes”. Assim, apesar de não inclusos no rol do Decreto Federal Regulamentador, os editais de Concursos Públicos constam a súmula autorizadora. Apesar da condição aparentemente análoga, a deficiência auditiva unilateral recebeu outro desfecho nos Tribunais, como verificado a seguir.

7. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

O Tribunal Superior do Trabalho pacificou a sua jurisprudência quanto ao tema, segundo o qual, o portador da deficiência auditiva unilateral tem direito de concorrer em vagas reservadas, conforme se verifica neste trecho de julgado recente: “A interpretação dos arts. 3º e 4º do Decreto 3.298/1999 (com a redação dada pelo Decreto 5.296/2004) em harmonia com os dispositivos da Constituição da República, mormente com os seus arts. 1º, incs. II e III, e 3º, inc. IV, os quais orientam que, mediante as denominadas ações afirmativas, sejam efetivadas as políticas públicas de apoio, promoção e integração dos portadores de necessidades especiais, leva à conclusão de que a deficiência auditiva unilateral é suficiente para assegurar o direito do candidato concorrer a uma das vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais a que aludem os arts. 37, inc. VIII, da Constituição da República e 5º, § 2º, da Lei 8.112/1990, não se exigindo que a deficiência auditiva seja bilateral. Recurso Ordinário a que se dá provimento”. (RO - 22013- 35.2015.5.04.0000, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 03/10/2016, Órgão Especial, Data de Publicação: DEJT 10/10/2016) O entendimento é repetido em outros julgados: “REENEC 5857- 63.2015.5.15.0000, RO - 5339-75.2014.5.09.0000, RO”, por força da Instrução Normativa nº 39, aprovada pelo pleno do TST, em março de 2016, que trouxe a previsão de que a tese jurídica prevalecente nos Tribunais Superiores deve ser seguida pelos demais membros do judiciário, em todo território nacional. Destaca-se o julgado do Recurso Ordinário 29400- 69.2011.5.21.0000, em que, a Ministra Relatora faz uma observação lógico-jurídica, acerca do rol do artigo 4º do Decreto 3.298 de 1999 ser aplicado taxativamente ou exemplificativo, em face do conceito de deficiência: “Ora, se a intenção da norma fosse trazer rol taxativo de deficiências, não haveria sentido em estabelecer previamente um conceito geral para tal condição. Quando o legislador pretende oferecer rol taxativo, limita-se a 48 enumerar as situações fáticas que nele devem ser incluídas. Não oferece conceito geral que abarque todas as situações, o qual dá margem ao intérprete para a inclusão de outras hipóteses não expressamente previstas”. (ReeNec e RO - 29400- 69.2011.5.21.0000 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 01/10/2012, Órgão Especial, Data de Publicação: DEJT 15/10/2012).(grifo nosso)

8. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Em 09 de novembro de 2015, o referido Tribunal anunciou a seguinte Súmula: “O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos.”. O julgamento do Mandado de Segurança nº 18.966/DF, que, entre outros julgados, motivou a edição da súmula, não obteve unanimidade nos votos dos Excelentíssimos Ministros, sendo o resultado final 06(seis) votos contra 04(quatro). Verifica-se que, a recorrente (portadora da deficiência) impetrou Recurso Extraordinário, que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal. a) Do Voto vencedor (contra a inclusão da deficiência) O voto divergente vencedor foi dado pelo Ministro Humberto Martins, que decidiu no sentido de que, a nova redação do Decreto Federal nº 3.298 de 1999, restringe o conceito de deficiente, assim “não é possível menosprezar o fato normativo para realizar interpretação sistemática que objetive negar a alteração do art. 3º, II. No cerne, a nova redação excluiu do enquadramento de deficiente as pessoas portadoras de surdez unilateral”. Mencionou ainda, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que decidiu em sede de Agravo Regimental que o “Decreto 3.298/99 prevê apenas a surdez bilateral como deficiência auditiva. Candidato pretende que surdez unilateral seja reconhecida como condição apta a qualificá-lo de portador de deficiência (...)” 23 23 AgRg no MS 29.910, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 21.6.2011, Processo Eletrônico, divulgado no DJe 146 em 29.7.2011 e publicado em 1º.8.2011. Por fim, ressalta que, se tratando de controvérsia com relação à laudos médicos, haveria necessidade de dilação probatória, o que é incabível em sede de Mandado de Segurança, espécie de ação judicial escolhida pela Recorrente. Verifica-se que Excelentíssimo Ministro considerou apenas a letra da norma, ratificando que a aplicação taxativa pela Administração Pública não deve ser menosprezada por uma interpretação sistemática, mesmo que, essa interpretação seja conforme os ditames do próprio Decreto ou de Lei Superior (Convenção Internacional). Este voto foi acompanhado pelos Ministros Mauro Campbell Marques, Sidnei Beneti e Raul Araújo, que apenas aderiram ao voto vencedor, bem como:

1) Pelo Ministro Herman Benjamin, o qual acrescentou que, além do fato da inclusão do vocábulo “bilateral” na alteração do Decreto, outro argumento deve ser considerado, visto que a legislação deve proteger os “hipervulneráveis”, sob o risco de causar ferimento no objetivo da legislação, resultando numa “injusta” concorrência: “Quem tem disacusia unilateral – e veja que pode ser parcial –, a se interpretar os fatos à luz da redação anterior, não está concorrendo com os sãos, estará tirando a vaga de quem é absolutamente hipervulnerável, que tem disacusia (seja parcial ou total, seja dupla ou bilateral). Então, não pensemos que estará concorrendo com os que não contam com essa deficiência física, mas que estará subtraindo a vaga dos que mais precisam. Esse foi o espírito, a ratio mesma do legislador constitucional e infraconstitucional”. Este é o voto mais incisivo dentre os votos contra a inclusão, pois se utiliza de uma nova categoria de deficientes e “acusa” uma injustiça na inclusão do deficiente unilateral na lista reservada, considerando a suposta intenção do legislador na alteração da norma. Como já relatado nos capítulos anteriores, a Convenção Internacional não apresenta outras categorias de deficientes, a não ser duas: Mulheres e Crianças com deficiência. Se o raciocínio deste voto for seguido, também seria injusto que portadores de visão monocular concorressem com cegos dos dois olhos, ou ainda, um deficiente paraplégico concorrer com um tetraplégico, e assim por diante. E estas situações foram permitidas pela Lei ou pela Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2) Pelo Ministro João Otávio de Noronha, o qual acrescentou que, exceto se a norma for declarada inconstitucional, não há como se chegar a outro entendimento, reafirmando para isso, o voto do ministro Herman Benjamin quanto à defesa dos “hipervulneráveis”, logo, finaliza, “(...) por si só, a perda auditiva unilateral não é condição apta a qualificar o candidato a concorrer às vagas destinadas aos portadores de deficiência". Este voto sinaliza que não houve a declaração de inconstitucionalidade da norma, o que de fato não houve. Mas não é demais lembrar que o Decreto 3.298/1999 é norma de caráter infralegal, tendo natureza complementar, não podendo restringir o conceito de deficiente delimitado na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (que tem status de norma constitucional). Ademais, J. J. Gomes Canotilho ensina que: “existe um núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias que não pode, em caso algum, ser violado. Mesmo nos casos em que o legislador está constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas, ele permanece vinculado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos ou direitos restringidos”.

 b) - Do Voto vencido (pró inclusão da deficiência) O Relator do Mandado de Segurança, Ministro Castro Meira, decidiu que, a jurisprudência majoritária da Corte Superior (à época), assegura a reserva de vagas aos portadores de deficiência a candidatos com perda auditiva bilateral ou unilateral, sob o fundamento de que o artigo 4º, II, do Decreto Federal 3.298 de 1999, deve ser interpretado em consonância com o artigo 3º do mesmo diploma. Ou seja, a referida deficiência preenche o conceito de deficiência previsto no artigo 3º, pelo qual, considera-se deficiência: “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. Afirmou não parecer razoável que o indivíduo que porte essa deficiência, não seja qualificado como portador de deficiência, pois, a norma (art.4º,II), possibilita a inclusão da perda auditiva bilateral parcial. Finalizou seu voto, invocando a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas Com Deficiência, para fins de exibir a nova definição de deficiência que esta norma introduziu no ordenamento pátrio. Este voto foi acompanhado pela Ministra Laurita Vaz, que apenas aderiu ao entendimento do Ministro Relator, bem como:

1) Pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima, que acrescentou que a Constituição procurou, em muitas hipóteses, trazer a possibilidade de inclusão dos deficientes no mercado de trabalho, sobretudo no serviço público. Acrescentou que o portador da audição unilateral não está em condição de igualdade com os demais, sendo este motivo suficiente para a proteção legal, sendo a situação análoga da deficiência visual monocular: “Uma pessoa que tenha perda auditiva total, mesmo sendo de um ouvido, não tem a mesma condição que aqueles com a audição normal. Por isso mesmo, penso que está em consonância com o objetivo da própria Constituição lhe assegurar o direito de concorrer nas vagas destinadas a deficientes, conforme vários precedentes a respeito. Inclusive, como lembrou a ilustre Procuradora, essa questão não é tão diferente da visão monocular, que o Tribunal editou uma súmula a respeito, assegurando o direito àqueles que têm visão monocular de concorrerem como deficientes nos concursos, dentro das vagas reservadas para tal finalidade. Penso que essa interpretação, com a devida vênia, pois sei que a questão é polêmica, é a que está mais de acordo com o propósito da própria Constituição Federal a respeito, no seu art. 37, VIII”. 53 2) Pelo Ministro Luís Felipe Salomão, que acrescentou que, quanto à norma questionada (art.4º do Decreto Federal 3.298 de 1999), “Insta interpretálo de modo a respeitar as normas atinentes ao assunto, bem como aos princípios constitucionais da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade”. Desta forma, entendeu que a alteração normativa trazida pelo Decreto Federal nº 5.296 de 2004, não tem o condão de restringir o conceito de deficiente auditivo: “(...) para mim não há como interpretar isoladamente, de maneira literal, o art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99, com a redação conferida pelo Decreto n. 5.296/04. A meu ver, a fim de se alcançar o objetivo da norma, fazse necessária a interpretação sistemática do preceptivo legal em alusão, haja vista o teor do art. 3º do mesmo Decreto, bem como os princípios norteadores da isonomia e razoabilidade”.

Observa-se nestes votos, a tendência por continuar considerando aplicável o Decreto Federal, mas de maneira extensiva, interpretando o artigo 3º (que define deficiência) com o artigo 4º (rol das deficiências autorizadoras), esta solução tem por resultado a inclusão do deficiente auditivo unilateral, mas, não apresenta a melhor solução ao caso, pois não há que se falar em utilização do conceito de deficiência do Decreto Federal, quando já existe norma hierarquicamente muito superior que traz novo conceito de deficiência: A Convenção Internacional das Pessoas Com Deficiência, que tem status de Emenda Constitucional. 

9. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Em recente decisão monocrática, o Supremo Tribunal Federal (Ministro Celso de Mello), analisou Recurso Extraordinário (nº 895.197 DF), acerca de acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que utilizou a aplicação da Súmula 552. Observou ao julgar que, a questão é de ordem infraconstitucional e não vislumbra ofensa direta e frontal à Constituição, assim, segundo a Jurisprudência da Corte, inviável o manejo do Recurso Extraordinário, portanto, não permite adentrar o mérito do Recurso. (RE 895197-DF, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 28.09.2017, Processo Eletrônico, divulgado no DJe 225 em 02.10.2017 e publicado em 03.10.2017.) Este tem sido o posicionamento deste Supremo Tribunal (RE 10662538- RS, ARE 983669-SC, ARE 1005079-DF, ARE 1005175-RN, ARE 971294-DF, etc). No entanto, estas decisões têm sido utilizadas com frequência para embasar julgados de outros Tribunais, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento que motivou a Edição da Súmula 552. Naquela oportunidade, a divergência apresenta o julgado do Ministro Gilmar Mendes no Mandado de Segurança 29910-DF, com o fim de demonstrar que houve a validação da alteração da norma pelo STF, ocorre que, este julgamento (ou qualquer outro) do Supremo Tribunal Federal, sequer adentrou ao mérito, seja por inadequação da via eleita (mandado de segurança) ou por óbice na análise de alegação de ofensa reflexa à Constituição, conforme se verifica neste trecho: “No caso, determinar se a surdez apresentada pelo impetrante caracteriza-se como deficiência auditiva a comprometer sua a função física e habilitá-lo a concorrer às vagas destinadas a portadores de necessidades especiais demanda extensa dilação probatória, providência vedada na via do mandado de segurança. É preciso destacar que o mandado de segurança, em razão de não admitir dilação probatória, exige a demonstração incontroversa dos fatos e provas, de forma pré-constituída, para a caracterização do direito líquido e certo (...)”, prosseguindo logo em seguida: “Ante o exposto, na linha da jurisprudência desta Corte, nego seguimento ao mandado de segurança”. (AgRg no MS 29.910, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 21.6.2011, Processo Eletrônico, divulgado no DJe 146 em 29.7.2011 e publicado em 1º.8.2011).

Importante observar que, o STF tem julgado de igual maneira (sem apreciar o mérito), tanto para os recursos de acórdãos do STJ (Súmula 552), quanto do TST (jurisprudência pacifica pela inclusão), ou seja, não há análise quanto ao mérito no Pretório Excelso. Entretanto, em outro caso análogo, cuja portadora de deficiência foi excluída da lista de reserva especial, tendo em vista o encurtamento de 2,73cm na perna direita, o Supremo manifestou entendimento de que deve prevalecer sempre a norma mais favorável quando se tratar de Direitos humanos, ou seja, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos e Proteção à Pessoa Com deficiência, dando Provimento ao Recurso: “(...) se torna relevante observar, para efeito de conferir maior eficácia e preponderância à norma mais favorável à pessoa portadora de deficiência (que é, em essência, um ser integral, não obstante suas necessidades especiais), os vetores definidos no Artigo 3 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos e Proteção às Pessoas portadoras de deficiência ( e aplicáveis ao caso ora em exame), que atribuem plena legitimidade à pretensão jurídica que Lais Pinheiro de Menezes , parte ora agravada, deduziu nesta causa, em pleito por mim inteiramente acolhido , destacando-se, em tal contexto, por expressivos, os princípios referentes (1) à dignidade das pessoas, (2) à sua autonomia individual, (3) à sua plena e efetiva participação e inclusão na sociedade, (4) ao respeito pela alteridade e pela diferença e aceitação das pessoas portadoras de deficiência, sem qualquer discriminação, como valores inerentes à diversidade humana, e (5) à igualdade de oportunidades.” (AgRg no MS 29.910, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 03.06.2014, Processo Eletrônico, divulgado no DJe em 31.07.2014 e publicado em 01.8.2014). 56 57

10. CONCLUSÃO

A pesquisa identificou a legislação aplicável às reservas de vagas em Concursos Públicos. Constatou-se que, para a Administração Pública não basta portar uma deficiência, mas é preciso que a legislação autorize a inclusão dessa deficiência para os fins das vagas reservadas em cargos e empregos públicos. Como a deficiência auditiva unilateral não está autorizada expressamente pela regulamentação da Lei, a Jurisprudência tem sido controversa quanto à sua inclusão, ainda não sendo proferida pelo Supremo Tribunal Federal, uma decisão que coloque fim à questão, o qual, entreato, em outro caso concreto análogo, já decidiu pela aplicação da norma mais benéfica à pessoa com deficiência. Pode-se constatar que a Legislação atual está em evolução para se enquadrar na Convenção Internacional das Pessoas Com Deficiência da ONU, principalmente por reforçar seus termos nas legislações mais recentes (Lei Brasileira de Inclusão, por exemplo), bem como que, logicamente, as normas anteriores à estas (Decreto Federal 3.298 de 1999 e 5.296 de 2004), encontram-se em dissonância com a referida Convenção. Dessa forma, diante de toda pesquisa e fundamentos expostos, a conclusão é de que a deficiência auditiva unilateral preenche o conceito de deficiência da Convenção Internacional das Pessoas Com Deficiência, portanto, é possível ao seu portador concorrer nas vagas reservadas para pessoas com deficiência. Por fim, o resultado desta pacificação quer por regulamentação adequada, ou pelo Judiciário, trará mais segurança jurídica e justiça aos portadores da deficiência auditiva unilateral e aos Concursos Públicos. 

REFERÊNCIAS A FUNDAÇÃO DORINA NOWILL PARA CEGOS; O que é deficiência?. São Paulo, SP: [s.n.], 2016. Disponível em: . Acesso em 25 out. 2017. APARELHOS AUDITIVOS; Deficiência auditiva. [S.l.; s.n.], 2 59 IBGE; População residente, por tipo de deficiência permanente. Brasil: [s.n], 2010. MCKAY, Sarah; GRAVEL, Judith S.; THARPE, Anne Marie; Amplification Considerations for Children With Minimal or Mild Bilateral Hearing Loss and Unilateral Hearing Loss. Rockville Pike, Bethesda MD, USA: Trends Amplif., 2008. MEIRELLES, Hely Lopes; FILHO, José Emmanuel Burle; Direito Administrativo Brasileiro. 42 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016. 975 p. MELLO, Celso Antônio Bandeira de; Curso de Direito Administrativo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2014. 1063 p. MELLO, Celso de Albuquerque; Curso de Direito Internacional Público.15. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. 925 p. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO; Saberes e práticas da inclusão. Brasília, DF: [s.n.], 2006. 118 p. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/alunossurdos.pdf>. Acesso em 30 out. 2017. MONDELLI, Maria Fernanda Capoani Garcia; BEVILACQUA, Maria Cecília; Estudo da deficiência auditiva das crianças do HRAC-USP, Bauru-SP: subsídios para uma política de intervenção. São Paulo: Moreira Jr, 2002. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2008. 824 p. 60 RAMOS, André de Carvalho; Curso de direitos humanos, 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 784 p. SARLET, Ingo Wolfgang; Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. 192 p. SILVA, José Afonso da; Curso de Direito Constitucional Positivo. 39 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. 928 p. UNESC. Deficiência congênita, adquirida, hereditária e doença rara. Criciúma, SC: [s.n.], 2015. Disponível em: . Acesso as 19 out. 2017



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