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Contribuição sindical na reforma trabalhista sob a ótica liberal

Contribuição sindical na reforma trabalhista sob a ótica liberal

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Deve ser facultado ao trabalhador decidir qual sindicato o representa, qual presta os serviços que ele deseja, e não que sindicatos devam receber contribuições compulsórias pré-estabelecidas pelo Estado.

1. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL PRÉ REFORMA

Pela redação anterior à reforma trabalhista de 2017, de acordo com o artigo 579 da Consolidação das Leis do Trabalho “[...] a contribuição sindical é devida por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão [...]”, garantindo assim a obrigatoriedade da contribuição.

Todos os trabalhadores com carteira assinada pagam imposto sindical por desconto direto na folha de pagamento. Tal imposto equivale a um dia de salário e a arrecadação é distribuída entre os sindicatos, federações, confederações, centrais sindicais e o governo. Ao longo de 2016 a arrecadação foi de cerca de R$ 3,5 bilhões.[1]

Historicamente, a contribuição sindical - que anteriormente era denominada imposto sindical - ocorre por consequência do sistema da unicidade sindical, que é a existência de um único sindicato por categoria em cada local. De tal modo se garantia a existência de todos os sindicatos, independentemente do tamanho.


2. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL PÓS REFORMA

A reforma trabalhista altera o artigo 579 da CLT e lhe atribui a seguinte redação:

“Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria”.

Tal alteração, apesar de aparentemente não passar de mero detalhe, traz grandes mudanças em relação ao caixa dos sindicatos, toda a contribuição deverá ser autorizada expressa e previamente pelo contribuinte, sendo que a obrigatoriedade não é bem vista por boa parte deles.

De acordo com o procurador trabalhista Renan Kalil, alguns trechos da legislação trabalhista brasileira tiveram influência fascista, dentre eles a obrigatoriedade da contribuição e o sistema que permite apenas um sindicato em base geográfica.[2] Pode-se alegar que ambos ferem a autonomia do trabalhador, uma grave ofensa ao considerarmos o trabalho como direito fundamental.


3. PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

Sob a ótica do Direito Internacional do Trabalho, a existência da contribuição obrigatória constitui fundamento do regime do sindicato único. Em contrapartida, a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, preconiza a liberdade e a autonomia sindical, o que só se alcança com a liberdade de filiação, como se pode observar no artigo 2º:

“Art. 2. Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas”.

Deve-se ressaltar que a Convenção 87 da OIT é considerada uma das mais importantes convenções, tendo sido ratificada por 108 dos 164 Estados-Membros da Organização. Apesar do Presidente Eurico Gaspar Dutra ter enviado o texto ao Congresso Nacional, não foi possível que houvesse sua aprovação, visto que a CF/46 legitimou o exercício pelos sindicatos de funções delegadas pelo Poder Público, previstas na CLT; essa norma foi mantida e foi explicitado que essas funções incluíam a arrecadação de contribuições instituídas por lei para custeio das atividades sindicais. Pela CF/88 foi imposta a unicidade de representação sindical em todos os níveis e mantida a contribuição compulsória dos integrantes das respectivas categorias para que fosse custeado o sistema.[3]


4 LIBERDADE X OBRIGATORIEDADE DE CONTRIBUIÇÃO

Liberdade sindical trata do direito dos trabalhadores e empregadores se organizarem livremente, sem que sofram qualquer intervenção do Estado. Partindo dessa premissa pode-se determinar que deve ser facultado ao indivíduo aderir ou não a um sindicato, contribuir ou não e também que deve haver a faculdade de fundar um sindicato.

Dados do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que existem cerca de 15 mil sindicatos. A reforma poderá acabar com sindicatos cujos trabalhadores não se sentem representados e existem somente para a benesse de seus organizadores, porém o número expressivo de sindicatos também nos remete a quantidade de pessoas que possuem relações de emprego com as entidades sindicais, tais pessoas serão diretamente afetadas pelo corte das receitas.

A extinção da obrigatoriedade da contribuição sindical afetará, sem dúvida, os compromissos financeiros que hoje têm as entidades sindicais, permitindo supor, pela mudança brusca, considerável número de desempregados, diante da inexistência de recursos para pagamento de salários.[4]

É notório que a contribuição sindical, apesar de ser um elemento importante para a organização das entidades de defesa dos trabalhadores, acaba por permitir a criação de sindicatos que não atendem ao interesse dos seus associados. A extinção da obrigatoriedade pode fortalecer sindicatos realmente representativos, visto que estes sobreviverão às novas regras. Além da liberdade do trabalhador em optar por não contribuir com o sindicato caso não se sinta representado.

Tal medida também acabará com sindicados de fachada, existente apenas para não receber o recurso proveniente da contribuição, vale ressaltar que o dinheiro oriundo do imposto sindical não tem fiscalização do Tribunal de Contas da União.

Em estudo do Ipea publicado em dezembro de 2016, o pesquisador André Gambier Campos afirma que muitos sindicatos no Brasil hoje não têm condições adequadas para “promover novas formas de regulação do trabalho. Na média, os sindicatos têm poucos trabalhadores em sua base e um baixo nível de sindicalização, entre os empregados assalariados, 16,9% são filiados voluntariamente a sindicatos.

Ainda de acordo com a pesquisa, o pagamento compulsório estimula a proliferação de sindicatos sem que haja uma base de trabalhadores robusta, “devido a disputas envolvendo os recursos financeiros da contribuição obrigatória”. Para Campos, modificar o financiamento obrigatório e a exclusividade de sua organização em um território poderia ajudar a criar sindicatos “mais fortes e atuantes”.[5]

Há vasta literatura, com evidências empíricas, alegando a força dos sindicados que ao longo de décadas foram extremamente relevantes e capazes de promover grandes acordos relevantes na negociação coletiva.[6]

O sindicato médio ainda parece ter poucos trabalhadores em sua base social e menos se formos contabilizar os sindicalizados. Ainda devido aos números elevados de sindicatos, o médio parece ter uma base restrita a municípios e recursos insuficientes para organização e mobilização, resultando no uso ineficiente de recursos. Resta claro que sindicatos enfrentam problemas organizacionais e para resolver este problema, ao que tudo indica é necessário transformar a estrutura sindical.[7]

A fim de obter sindicatos realmente representativos e atuantes pode ser de suma importância modificar o custeio compulsório, bem como modificar a exclusividade organizacional do território. Nota-se que ambas as premissas são motivos por trás do excessivo número de sindicatos no Brasil.[8]


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em âmbito mundial, a tendência é que a imposição do Estado pelo sistema de unicidade não deve mais ser tolerada. Há vasta literatura científica demonstrando prejuízos da unicidade e da contribuição compulsória, fica demonstrada a necessidade de transição para um novo modelo.

O pluralismo sindical é compatível com os conceitos de liberdade sindical e contribuição acessória, também é possível defender que tal modelo não é capaz de enfraquecer organizações sindicais, ao passo em que sindicatos que prestam melhores serviços terão mais associados.

Deve ser facultado ao trabalhador decidir qual sindicato o representa, qual presta os serviços que ele deseja, e não que sindicatos devem receber contribuições compulsórias pré-estabelecidas pelo Estado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Dados obtidos através do Ministério do Trabalho e Emprego, disponível em http://acesso.mte.gov.br/cont_sindical/arrecadacao-da-contribuicao-sindical-2.htm. ↑
  2. Em entrevista para o jornal NEXO, disponível em https://www.nexojornal.com.br /expresso/2017/02/12 /Como-funcionam-os-sindicatos-no-Brasil-e-qual-a-rela %C3%A7%C3%A3o-deles-com-a-reforma-trabalhista. ↑
  3. SUSSEKIND, Arnaldo. “Convenções da OIT”, 2ª edição, 1998. Pag. 338. ↑
  4. MANUS, Pedro Paulo. “A contribuição sindical segundo a nova reforma trabalhista”, Conjur, 2017. ↑
  5. GAMBIER CAMPOS, André. “Sindicatos no Brasil: o que esperar no futuro próximo?”, IPEA, 2016. ↑
  6. DIEESE – DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. As negociações coletivas na década de 2000. In: DIEESE (Org.). A situação do trabalho no Brasil na primeira década dos anos 2000. 1. ed. São Paulo: Dieese, 2012. p. 291-309 ↑
  7. RAMALHO, J. R. Novas configurações do sindicalismo no Brasil? Uma análise a partir do perfil dos trabalhadores sindicalizados. Contemporânea - Revista de sociologia da UFSCar, v. 4, n. 2, p. 381-403, 2014. ↑
  8. FILGUEIRAS, V. A. Explicando a desunião: a pulverização sindical no Brasil após a promulgação da Constituição de 1988. 2008. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. ↑


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