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Fatos e negócios jurídicos

Fatos e negócios jurídicos

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O fato jurídico provém do mundo fático, porém nem tudo que o compunha entra, sempre, no mundo jurídico.

I – DOS FATOS JURÍDICOS

Na lição de Ebert Chamoun (Instituições de direito romano, 5ª edição, pág. 77) fatos jurídicos são todas as circunstâncias ou situações a que o direito objetivo atribuiu efeitos jurídicos, não são senão pressupostos da aplicação de uma norma jurídica. Com efeito, para que a norma jurídica se possa aplicar a um caso concreto, é indispensável verificar certos pressupostos de fato que enquadram o caso concreto nas hipóteses abstratas por elas previstas. Os efeitos jurídicos que a norma jurídica estabelece condicionam-se aos fatos jurídicos e produzem-se com sua verificação.

Na lição de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, tomo II, ed. Bookseller, § 159), o fato jurídico provém do mundo fático, porém nem tudo que o compunha entra, sempre, no mundo jurídico. À entrada no mundo do direito, selecionam-se os fatos.

Ainda para Pontes de Miranda (obra citada, pág. 222), são fatos jurídicos quaisquer fatos (suportes fáticos) que entrem no mundo jurídico, portanto, sem qualquer exclusão de fatos contrários a direito; o hábito de se excluírem, no conceito e na enumeração dos fatos jurídicos, os fatos contrários ao direito, principalmente os atos ilícitos, provêm de visão unilateral do mundo jurídico, pois os atos ilícitos, como todos os fatos contrários a direitos, que recebendo a incidência das regras jurídicas, que neles se imprimem, surtem efeitos (direito, pretensão e ação de indenização e até restituição, direito de desforço pessoal, à reedificação etc).

Para Pontes de Miranda, ainda pode-se falar em fatos jurídicos contrários a direito e dos atos (jurídicos) ilícitos.

Os fatos jurídicos são: a) fatos jurídicos stricto sensu; b) fatos jurídicos ilícitos (contrários ao direito), compreendendo fatos ilícitos stricto senso, atos-fatos ilícitos, atos ilícitos (de que os atos ilícitos stricto senso são espécie, como os atos ilícitos caduficantes), ora absolutos, ora relativos; c) os atos-fatos jurídicos, d) atos jurídicos stricto senso; e) negócios jurídicos.

Os fatos jurídicos podem ser positivos e negativos, conforme constam na realização ou em não realização de circunstâncias ou de ato, e simples e complexos, segundo consistem numa única circunstância de fato ou numa pluralidade de circunstâncias. Pode o direito objetivo exigir que todas as circunstâncias de um fato complexo se verifiquem de forma contemporânea para que os efeitos se produzam. Se assim não exige, os efeitos só datam da verificação das últimas circunstâncias, após um estado que os romanos chamam de “pendência” do fato jurídico. Das circunstâncias assim verificadas é possível, então, que surjam efeitos diversos.

Ainda os fatos jurídicos podem ser ainda instantâneos e continuativos. São instantâneos aqueles aos quais o direito atribui efeitos em virtude de simples formação de um estado de fato. Continuativos são os outros aos quais o direito atribui efeitos enquanto perduram as circunstâncias de fato que o constituem.

Os fatos jurídicos podem ainda ser naturais e voluntários, conforme independam da vontade ou consistam em sua atuação; os fatos voluntários classificam-se em atos lícitos e lícitos. Dentre os fatos jurídicos voluntários lícitos sobressaem os atos jurídicos, que são manifestações de vontade destinadas a constituir, modificar ou extinguir um direito subjetivo.

Conforme ensinou Roberto de Ruggiero (Instituições de direito civil, volume I, 3ª edição, 1971, tradução do Dr. Ary dos Santos, pág. 214), os fatos voluntários, como já se disse, também chamados de atos jurídicos, dividem-se em duas classes; ou são simples ações humanas (positivas ou negativas) mediante as quais se opera sobre o mundo externo e se produz uma modificação que tem importância para o direito (semeio no campo alheio; ocupo uma coisa nullius, deixa de guardar o depósito); ou são declarações de vontade que se dirigem a fins que o ordenamento reconhece e protege. As declarações de vontade assim feitas constituem a categoria de negócio jurídico.

Já o ato jurídico, como evidenciado, pode ser ou não conforme o direito objetivo,. Se é conforme e um ato lícito, visto que o ordenamento consente que se faça e lhe atribui efeitos jurídicos; se não é conforme pode ser (sem que o seja necessariamente) um ato ilícito, ou seja; um ato que o ordenamento reprova e reprime , consistindo a não conformidade no fato de ser contrário ao direito. O ato ilícito ou consiste na violação de um preceito da lei pessoal (ferimentos e roubos); e quando origine ao mesmo tempo lesões na esfera jurídica alheia tem consequências jurídicas civis (indenização do dano e reparação da culpa), ou consiste apenas na violação da lei civil (recusa injusta de satisfazer um débito; pacto sobre sucessão ainda não aberta, dolo, culpa, negligência), e dá lugar à nulidade do ato, à obrigação de reparação ou ao restabelecimento da relação perturbada ou ofendida.


II – O NEGÓCIO JURÍDICO

A doutrina entende que o ato jurídico é a manifestação de vontade destinada a constituir, modificar ou extinguir um direito subjetivo, através da objetivação de um fim protegido pelo sistema. Assim são três os requisitos do ato jurídico: a vontade, a sua manifestação mediante uma norma idônea, objeto e o objetivo prático ou causa.

Mas a vontade só é relevante juridicamente se manifestada, isto é, se exteriorizada, de modo que não deixe dúvidas sobre o efeito que pretende atingir. A vontade exclusivamente interna não é considerada pelo sistema jurídico. A vontade manifestada deve, entretanto, corresponder à vontade propriamente dita e nessa correspondência está um dos requisitos da validade do ato jurídico. A vontade deve ainda ser manifestada em vista de um fim atingível segundo o direito, isto é, de um fim (escopo) que o sistema jurídico não repute impossível ou ilícito.

O sistema jurídico exige que a vontade atue através da objetivação de um fim protegido pelo sistema jurídico, mas não se exige que o indivíduo conheça as consequências jurídicas da manifestação da vontade ou que elas sejam diretamente queridas.

Os romanos não constituíram uma teoria geral do ato jurídico. Os juristas do século XIX, e, sobretudo, os Pandectistas, que a formularam. Os romanos viam o ato jurídico mais como uma atividade do que como uma vontade.

Disse Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume I, 1993, pág. 327) que a vontade individual tem o poder tem o poder de instituir resultados ou gerar efeitos jurídicos e, então, à manifestação volitiva do homem com o nome genérico de ato jurídico, enquadra-se entre as fontes criadoras de direitos. É a noção de ato jurídico, lato sensu, que abrange as ações humanas, tanto aquelas que são meramente obedientes à ordem constituída, determinantes de consequências jurídicas ex lege, independentemente de serem ou não queridas como aquelas outras declarações, polarizadas no sentido de uma finalidade, hábeis a produzir efeitos jurídicos queridos.

A esta segunda categoria, constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido da obtenção de um resultado, é que a doutrina tradicional denominava ato jurídico (stricto sensu) e a moderna denomina negócio jurídico.

O negócio jurídico é a declaração de vontade, em que o agente persegue o efeito jurídico; no ato jurídico stricto sensu ocorre manifestação volitiva também, mas os efeitos jurídicos são gerados independentemente de serem perseguidos diretamente pelo agente. Os negócios jurídicos são, portanto, declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente; os atos jurídicos stricto senso são manifestações de vontade,  obedientes à lei, porém geradoras de efeitos que nascem da própria lei.

Para Ruggiero (obra citada, § 25), a definição mais simples e admitida de negócio jurídico “é uma declaração de vontade do indivíduo tendente a um fim protegido pelo ordenamento jurídico”. Com essa definição. Ao passo que a categoria fica amplíssima, abraçando atos das mais diversas naturezas (como o contrato e o testamento, a aceitação de uma herança e a renúncia a um direito, o pagamento de um débito, a sua esfera fica nitidamente diferenciada da categoria dos atos ilícitos que não constituem uma declaração de vontade.

Mas, o momento central e prevalente é a vontade.

Foi a doutrina alemã que elaborou o conceito de negócio jurídico, como se lê de Windscheid, dentre outros. O fundamento e os efeitos do negócio jurídico assentam-se na vontade, não uma vontade qualquer, mas aquela que atua em conformidade com os preceitos ditados pela ordem legal.

Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 329) disse: “Observa-se, então, que se distinguem o “negócio jurídico” e “o ato jurídico”. Aquele é a declaração de vontade, em que o agente persegue o efeito jurídico; no ato jurídico lato sensu ocorre manifestação volitiva também, mas os efeitos jurídicos são gerados independentemente de serem perseguidos diretamente pelo agente.

Observa-se, pois, que todos os negócios jurídicos exigem uma declaração de vontade, mas para alguns a declaração é apenas uma, por ser uma a parte que dá vida ao negócio (negócios jurídicos unilaterais), e para os outros são precisas duas, visto não seram possíveis senão com intervenção das duas partes (bilaterais). O testamento ou a renúncia do direito são atos unilaterais; são bilaterais todos os contratos, onde em face de declaração de uma pessoa está a declaração oposta, mas correspondente de outra pessoa.

O negócio jurídico é filho da vontade humana.

Mas é preciso evidenciar de que forma atua a vontade humana, vontade jurígena.No campo puramente psíquico, distingue-se três momentos: a) o da solicitação, o da deliberação e o da ação. Primeiramente, como acentuou Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 331), os centros celebrais recebem o estímulo do meio exterior; em seguida, mais ou menos rapidamente ponderam nas conveniências, e resolvem como proceder; e finalmente reage a vontade à solicitação, levando ao mundo exterior o resultado deliberado. O primeiro é a atuação exógena sobre o psiquismo; o segundo, a elaboração interior; o terceiro é a exteriorarização do trabalho mental, pela ação.

O negócio jurídico, como fenômeno de índole volitiva, atravessa as mesmas fases. Mas o direito entende cogitar apenas da última; e é por isto que muitos identificam o negócio jurídico como uma declaração de vontade.

Houve debates com relação a apuração do fator volitivo. A primeira corrente, apoiada por Savigny, Windscheid, Dernburg, Oertmann, Enneccerus, via que se deve perquirir a vontade interna do agente, vontade real. A segunda entendia que que não se precisa cogitar do querer interior do agente, bastando a declaração, como afirmou Zittelmann.

Repita-se que o negócio jurídico é uma emissão volitiva dirigida a um determinado fim, destinado a produzir efeitos.

O primeiro elemento ou requisito do negócio jurídico é, sem dúvida, a vontade. Ela pode ser expressa ou tácita. Se é expressa, caso em que se denomina declaração de vontade, resulta de palavras, sejam orais ou por escrito, ou de gestos como sinais, como se via no direito romano (com a cabeça ou com o dedo); se é tácita, resulta de um comportamento que só se possa entender com a exteriorização de um determinado querer.

Podem os negócios jurídicos serem formais ou não formais.

Os negócios jurídicos não formalistas prescindem da manifestação pessoal da vontade. Duas hipóteses são então imaginárias: alguém pode simplesmente comunicar a vontade alheia, atuando como um simples instrumento de transmissão, ou manifestar a própria vontade para realizar um ato em nome e por conta alheios ou em nome próprio e por conta alheia. O primeiro é o caso do nuncius. Os efeitos do ato praticado com auxílio do nuncius atingem diretamente a pessoa que deste se servia e cuja vontade fora apenas comunicada ore sele. O segundo é o caso da representação, que pode ser direta (quando o representante realiza mediante manifestação da própria vontade, um ato em nome e por conta do representado, e indireta, quando o representante atua em nome próprio, mas por conta alheia). O representação pode ser ainda legal e voluntária, geral e especial. Legal é a que resulta de uma norma jurídica, como a representação do tutor; voluntária, a que promana de um contrato (de mandato) ou de uma gestão espontânea de negócios alheios (gestão de negócios). Geral é a representação relativa à administração de um patrimônio; especial, a que se constitui para a prática de um só ato.

O ius civile desconhecia a representação direta.

Passa-se a outro requisito do negócio jurídico: a forma.

A forma do negócio jurídico é o modo pelo qual se efetua uma declaração de vontade.

Essa forma pode ser oral, escrita. No direito quirinário eram exclusivamente orais; as do direito clássico eram sobretudo orais, enquadrando-se, necessariamente nos gesta per aes et libram; na in iure cessio ou na stipulatio, mas, no direito romano, havia formas escritas como a do contrato literal e do testamento pretoriano; no direito pós-clássico desapareceram essas três categorias, e no direito justiniâneo domina o princípio da liberdade de declaração de vontade, sendo pouco frequentes as fórmulas escritas.

Quando a lei impõe uma forma, pode ela ser exigida por diversas razões: ou como elemento essencial do negócio, de modo que a forma é indispensável à própria existência do negócio, que se considera como juridicamente inexistente se não foi observada; ou apenas tendo em atenção a prova, de modo, que o ato que não foi celebrado por escrito, posto que existindo e tendo validade plena, não pode provar-se por todos os meios ordinários. Ad substantiam, por exemplo, exige-se o ato escrito numa alienação de imóveis e o ato pública numa doação; ad probationem nas convenções a que a lei obriga.

Mas o que se tem é que a maior parte dos negócios, consistentes numa ou mais declarações de vontade, tem por fim estabelecer uma relação jurídica atual, ou seja, uma relação que opere na nossa esfera jurídica enquanto vivemos, são os chamados atos inter vivos. Outros destinam-se, pelo contrário, a regular a sorte de um património depois da morte, quando são atos mortis causa.

Fala-se na causa e no objeto como elementos essências do negócio jurídico, além das partes.

Sabe-se que as partes do negócio jurídico procuram atingir um objetivo prático que é precisamente a função econômico-social do negócio que estão praticando. Esse objetivo prática, se socialmente útil, recebe a proteção do direito. Chama-se causa do negócio jurídico. A causa não pode ser impossível nem ilícita. É impossível (pagamento de débito que não existe, enriquecimento que não corresponde ao pagamento de uma obrigação)  quando o resultado prático que a constitui não pode ser conseguido. É ilícita, quando o resultado prático que a constitui não pode ser conseguido, exemplo a alienação da coisa em fraude a credores.

Há uma profunda diferença entre causa e motivo.

A causa que o direito civil considera e protege não é o escopo mediato do ato, vale dizer, a série de considerações, representações ou impulsos que atuam sobre a vontade e que são os motivos dele.

Os motivos impelem a vontade à consecução da causa conservando, porém, o caráter subjetivo; a causa se exterioriza no mundo dos fatos através de um ou de outro ato negócio jurídico, mas sempre consoante um tipo. Na venda de uma coisa, a causa do procedimento é o procedimento do preço do comprador. Esse recebimento teve que se enquadrar num modelo jurídico que é o da compra e venda.

Os motivos, sendo individuais, variam conforme as partes; a causa, sendo objetiva, só varia conforme o tipo de negócio, sendo uma única para cada tipo. A causa é digna de proteção do direito que nela encontra o título justificativo dos direitos aquisitivos, modificativos ou extintivos dos negócios jurídicos, os motivos lhe são irrelevantes, a não ser que se manifestem no negócio sob a forma de cláusula acessória.

Os romanos empregavam a palavra causa, não apenas para designar a verdadeira causa (causa final para os doutrinadores), mas ainda para nomear o motivo (causa impulsiva), o fundamento jurídico de um ato (causa eficiente), o processo, a situação jurídica.

Os romanos, em certos contratos, como na compra e venda e nos inominados, não conseguiram elaborar a noção de causa.

Sempre se deve distinguir-se a causa da motivação, pois que esta, mesmo ilícita, não chega a afetar o negócio, desde que aquela não se possa irrogar a mesma fala.

Fala-se das razões determinantes.

Na pesquisa as razões determinantes do negócio jurídico, Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 344) ensinou que é necessário fazer uma distinção fundamental, que consiste em deslocar a causa do ato, dos motivos que levaram aquele a praticá-lo. Tais motivos se apresentam com uma razão ocasional ou acidental do negócio, e nunca faltam como impulso originário, mas não têm nenhuma importância jurídica, como salientaram Ruggiero e Maroi (Instituzioni, § 29). Para Caio Mário da Silva Pereira o jurista deve relega-los ao plano psicológico, a que seria então afeta a indignação da deliberação consciente. E detém-se apenas na investigação da causa propriamente dita que se deve caracterizar na última das razões determinantes do ato. Na venda, por exemplo, a causa seria a obtenção do dinheiro, e, como esta constitui a prestação do vendedor, pode-se dizer que a causa do negócio jurídico praticado por quem realiza uma venda se situa na obrigação da outra parte, e se configura então como o motivo próximo, determinante dele, desprezada toda a motivação individual ou razão subjetiva. Nos negócios jurídicos bilaterais, esta pesquisa se apresenta com maior simplicidade e é de resultado mais fácil. Mas, às vezes, é menos ostensiva.

A causa tanto pode ser investigada nos negócios jurídicos bilaterais, quanto o pode ser unilateralmente, nos negócios jurídicos unilaterais (nos testamentos, a causa da declaração de vontade do testador é a liberalidade ou o benefício com o legatário).

Mas há negócios jurídicos em que se não cogita da causa que deixa então de integrar a sua etiologia, enquanto que em outros o fim determinante deve concorrer na verificação da validade da emissão de vontade, que se reputa articulada com ele. Para Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 345), consideram-se, portanto, dispensável a indagação causal, quando o fim se situa fora de seus requisitos materiais, e, ao contrário, é fundamental quando os integra.

Os autores distinguem os negócios causais, também chamados materiais, que comportam a investigação sobre a causa, daqueles outros negócios abstratos, também denominados formais, nos quais a declaração de vontade produz suas consequências jurídicas de forma independentemente de se cogitar da razão determinante ou do fim a que visa o agente. Observe-se que os contratos de mera disposição, os de reconhecimento de dívida como a emissão de um título ao portador, a emissão de nota promissória, a aceitação de letra de câmbio, são negócios jurídicos abstratos.

O estudo da causa no negócio jurídico nos leva a pensar na noção dos negócios fiduciários e nos negócios indiretos.

Diverso é o negócio fiduciário, como explicou Gabriela Ponte Carvalho (Contratos simulado, fiduciário e indireto) O negócio fiduciário se caracteriza principalmente pelo fato de que a relação negocial eleita pelas partes extrapola, em seus efeitos, aqueles desejados por elas. Isso tudo acontece com a consciência de ambas as partes de que existe esse excesso no negócio escolhido para a realização de suas vontades.

Ainda há o negócio jurídico indireto.

Na lição do Ministro José Carlos Moreira Alves (Da alienação fiduciária em garantia, 4º edição, pág. 5) o negócio se diz indireto quando as partes recorrem a um negócio jurídico típico, sujeitando-se à sua disciplina formal e substancial, para alcançar um fim prático ulterior ( o escopo de garantia, que é motivo, e não causa), o qual não é o normalmente atingido por meio desse negócio. Assim, a compra e venda tem como causa a troca de coisa por dinheiro, e, como escopo último (motivo) qualquer utilização da coisa pelo comprador como proprietário; já a compra e venda com o fim de garantia (negócio jurídico indireto) é uma compra e venda (negócio jurídico típico) em que a causa é a desta (troca da coisa por dinheiro), mas em que o escopo último (motivo) não é aquele a que normalmente se visa quando se celebra uma compra e venda (qualquer utilização da coisa pelo comprador como proprietário), mas o de a coisa adquirida servir ao seu proprietário como garantia do pagamento do crédito”.

Diante do problema relacionado com a indagação causal, a doutrina se divide. Uns estudiosos dão-lhe grande importância sustentando a sua unidade conceitual, embora admitam a varidade de aspectos que pode revestir. Caio Mário da SIlva Pereira (Instituições de direito civil, volume I, 14ª edição, pág. 346) bem estudou o problema ao dizer: "Outros, porém, negam-lhe a relevância, e ainda outros vão mais longe, desprezando-a, por entenderem que a distinção causal nada mais é do que uma desnecessária duplicação dos elementos integrantes do negócio jurídico. Nos onerosos, argumentam os não-causalistas, se a causa está na contraprestação dada ou prometida ao agente, ela coincide com o objeto do ato,  sendo mera sutileza argumentar que se não confunde propriamente com a prestação da outra parte, porém, prende-se à bilateralidade da obrigação: nos gratuitos, se se situa na liberalidade ou no benefício proporcionado pelo agente, confunde-se então com a sua intenção, e, em última análise, com a própria vontade, não passando de preciosismo sustentar que a causa donandi difere da vontade geradora do contrato."

Realmente essa controvérsia não se resolve no estudo dos escritos que ocupam posição contrária, seja no campo causalista, com Domat, Pothier, Aubry et Rau, Cenzi, Cariota-Ferrara, Ruggiero, Bonfante, Messineo, seja com relação aos chamados anticausalistas como Planiiol Laurent, Demongue, Dabin, Carvalho de Mendonça e Clóvis Beviláqua.

Contra o conceito de causa há objeções e críticas conhecidas na doutrina. Há uma série de escritores que contesta a sua existência como elemento separado e distinto e que, referindo-se aos contratos, afirmou ser inútil a adição de um quarto elemento. A objeção seria baseada na aparente falta de unidade conceitual da causa; se ela é nos negócios onerosos a contraprestação prometida ou recebida, pareceria estranho que, para os gratuitos, onde falta uma contraprestação, a ela se deva recorrer para preencher a lacuna da intenção liberal. Entendem que a causa se identificaria com a vontade, não sendo, pois, um elemento distinto, pelo que vários foram levados a eliminar a causa dos chamados negócios gratuitos, admitindo a sua existência apenas para os onerosos.

A causa do negócio jurídico não se confunde com o objeto.

O objeto pode ser o mais variado possível, mesmo em relação a um único tipo de negócio, mas há de ser possível física e juridicamente, conforme a lei. A impossibilidade física deriva da natureza da atividade.

Como bem lembrou Ebert Chamoun (obra citada, pág. 88), a diferença entre a causa e o objeto manifesta-se ainda na circunstância de uma mesma atividade poder ser objeto de negócios que têm causas diversas. Uma venda, uma doação, certamente, têm causas diversas.


IV – CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Os negócios jurídicos classificam-se de vários modos. Além das distinções entre negócios jurídicos formais ou solenes, não formais ou não solenes, abstratos e concretos, pode-se ainda ter outras.

Do ponto de vista da manifestação de vontade, os negócios jurídicos são unilaterais e bilaterais conforme encerrem manifestação da vontade de um só dos sujeitos, como o testamento, ou de ambos, como o contrato e, no direito romano, a mancipatio. Ao encontro de vontades no negócio jurídico bilateral se dá o nome de consenso, consensus.

O negócio jurídico poderá ser oneroso ou gratuito, segundo imporá a troca de prestações como a compra e venda, ou a aquisição de um direito ou de uma vantagem sem perda corresponde, como a doação.


V – ELEMENTOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Os elementos do negócio jurídico podem ser essenciais, naturais e acidentais.

Na compra e venda um elemento essencial é o preço, pois indispensável à existência do negócio.Naturais são os elementos do negócio jurídico que podem ser afastados pela vontade individual. Na compra e venda, por exemplo, a evicção, os vícios ocultos. 

Acidentais são os elementos do negócio jurídico que podem ser acrescentados pela vontade individual: modo (encargo), termo, condição.

Negócio jurídico (art. 104 até o 184 do CC) é uma manifestação de vontade humana que está de acordo com o ordenamento jurídico que produz efeitos jurídicos "ex voluntate", ou seja, que estão de acordo com a vontade das partes. Aliás, o ato jurídico em sentido estrito, que também está de acordo com o ordenamento jurídico, (strictu sensu) a eficácia é "ex lege", ou seja, a eficácia vem da lei, não produzindo os efeitos da mesma maneira que os negócios jurídicos.

Pontes de Miranda (Tratado de direito privado) estabelecia três planos para o negócio jurídico. Assim, devemos observar se, primeiro o negócio jurídico existe, depois, se ele tem validade e depois se ele possui alguma eficácia.

Assim, com a presença de seus elementos essenciais e acidentais, temos a existência do negocio jurídico; passa-se ao campo da validade, de modo a verificar se há vícios próprios do negócio jurídico, a verificar se há nulidade ou anulabilidade (será o caso de analisar se há incapacidade da parte ou das partes  para o negócio, vício de forma, falta de motivo, de causa, de objeto, de boa fé e ainda  erro,dolo, coação, simulação) e, por fim, há o que se tem como campo da eficácia, num terceiro momento.

 Há elementos essenciais para o negócio jurídico e há elementos acidentais.

A vontade que é manifestação do consentimento das partes para a realização do negócio jurídico é um dos elementos essenciais.

Deve-se verificar a se a vontade foi efetivamente manifestada e se coincide com a vontade real daquele que a declarou.

Ressalta-se que, o Código Civil de 2002, consagra a idéia de que será mais valorizado para a interpretação do negócio jurídico, a intenção daquele que manifestou a vontade, do que seu sentido literal, conforme preceitua o art. 112 do CCB.

Ademais, também servirão de auxílio para a interpretação dos negócios jurídicos a boa- fé (de forma que as intenções maliciosas sejam repudiadas ) e os usos do local da celebração. (art. 113 do CCB).

Outro elemento essencial é que exista um objeto, sobre o qual vai se referir o negócio jurídico.

Por fim o negócio jurídico deve possuir forma, ou seja, se dar mediante acordo escrito ou verbal.

Assim, são elementos essenciais, que tornam possível a existência dos negócios jurídicos, a manifestação de vontade, o objeto e a forma. A esses elementos essenciais devemos incluir a causa.

Por sua vez, são elementos acidentais: condição, termo e encargo ou modo.

Condição: Subordina a eficácia do negócio jurídico a um evento futuro e incerto, somente existe condição quando termos o evento tanto futuro quanto incerto, se faltar um deles a condição não existe.

A condição pode ser suspensiva ou resolutiva.. Ela suspende o exercício e a aquisição do direito, quando implementada a condição suspensiva, as partes terão de volta o exercício e a aquisição dos efeitos do negócio jurídico . Já a condição resolutiva é absolutamente o contrário da suspensiva, nesse caso, a eficácia acaba quando a condição é satisfeita.

De acordo com Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, p. 158-171, ed. 11ª, 2005:

“Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito jurídico a evento futuro e incerto.

 Condição é a cláusula que subordina o efeito do negócio jurídico, oneroso ou gratuito, a evento futuro e incerto.

Requisitos. Para a configuração da condição será preciso a ocorrência dos seguintes requisitos: a) aceitação voluntária, por ser acessória da vontade incorporada a outra, que é a principal por se referir ao negócio que a cláusula condicional se adere com o objetivo de modificar uma ou algumas de suas conseqüências naturais; b) futuridade do evento, visto que exigirá sempre um fato futuro, do qual o efeito do negócio dependerá; e c) incerteza do acontecimento, pois a condição relaciona-se com um acontecimento incerto, que poderá ocorrer ou não.

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Condição lícita. Lícita será a condição quando o evento que a constitui não for contrário à lei, a ordem pública ou aos bons costumes.

Condições proibidas. Estão defesas as condições: a)  perplexas, se privarem ao ato negocial de todo o efeito, como a venda de um prédio sob a condição de não ser ocupado pelo comprador; e b) puramente potestativas, se advindas de mero arbítrio de um dos sujeitos (RT, 678:94, 680:115 e 691:206). P. ex., constituição de uma renda em favor se você vestir tal roupa amanhã ou se ficar de pé durante 24 horas; aposição de cláusula que, em contrato de mútuo, dê ao credor poder unilateral de provocar o vencimento antecipado da dívida, diante de simples circunstância de romper-se o vínculo empregatício entre as partes (RT, 568:180).

Urge lembrar que a condição resolutiva puramente potestativa é admitida juridicamente, pois não subordina o efeito do negócio jurídico ao arbítrio de uma das partes, mas sim sua ineficácia. Sendo tal condição resolutiva, nulidade não há porque existe um vínculo jurídico válido consistente na vontade atual de se obrigar, de cumprir a obrigação assumida, de sorte que, como observa Vicente Ráo, o ato jurídico chega a produzir os seus efeitos, só se resolvendo se a condição, positiva ou negativa, se realizar e quando se realizar.

O art. 122 veda a condição suspensiva puramente potestativa. Logo, são admitidas as simplesmente potestativas, por dependerem da prática de um ato e não de um mero ou puro arbítrio. Além do arbítrio requer uma atuação especial do sujeito. P. ex., doação de uma casa a um jogador de tênis, se ele tiver bom desempenho no torneio de Wimbledon.

Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados:

I – as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;

II – as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;

III – as condições incompreensíveis ou contraditórias.

Condições suspensivas física ou juridicamente impossíveis. As condições fisicamente impossíveis são as que não podem efetivar-se por serem contrárias à natureza. Por exemplo, a doação de uma casa a quem trouxer o mar até a Praça da República da cidade de São Paulo será inválida, visto que a condição suspensiva que subordina a eficácia negocial a evento futuro e incerto é impossível fisicamente.As condições juridicamente impossíveis são as que invalidam os atos negociais a ela subordinados, por serem contrárias à ordem legal, como, p. ex., a outorga de uma vantagem pecuniária sob condição de haver renúncia ao trabalho, o que fere os arts. 193, 6º, 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, que considera o trabalho uma obrigação social ou de realizar a venda que tenha por objeto herança de pessoa viva (CC, art. 426).

Condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita. As condições ilícitas ou as de fazer coisa ilícita são condenadas pela norma jurídica, pela moral e pelos bons costumes e, por isso, invalidam os negócios a que forem apostas. Por exemplo, prometer uma recompensa sob a condição de alguém viver em concubinato impuro (RT, 122:606); dispensar, se casado, os deveres de coabitação e fidelidade mútua; entregar-se à prostituição; furtar certo bem; mudar de religião, ou, ainda, não se casar.

Condições perplexas, incompreensíveis ou contraditórias. Se os negócios contiverem cláusulas que subordinam seus efeitos a evento futuro e incerto, mas eivadas de obscuridades ou incongruências, possibilitando várias interpretações pelas dúvidas que levantam, ou pela incoerência de seus termos tais atos negociais invalidar-se-ão. Por exemplo, constituirei Mário meu herdeiro universal, por ato de última vontade, se Ricardo for meu herdeiro universal. Inválida será tal cláusula, visto que a condição não poderá realizar-se.

Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível.

Condição resolutiva impossível. Se for aposta num negócio condição resolutiva impossível (física ou juridicamente) ou de não fazer coisa impossível, será tida como não escrita; logo, o negócio valerá como ato incondicionado, sendo puro e simples, como se condição alguma se houvesse estabelecido, por ser considerada inexistente.

Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.

Condição suspensiva. Será suspensiva a condição se as partes protelarem, temporariamente, a eficácia do negócio até a realização do acontecimento futuro e incerto (RT, 706:151; JTACSP, 108:156 w 138:93). P. ex., adquirirei seu quadro “X” se ele for aceito numa exposição internacional.

Efeito da condição suspensiva pendente. Pendente a condição suspensiva não se terá direito adquirido, mas, expectativa de direito ou direito eventual. Só se adquire direito após o implemento da condição. A eficácia do ato negocial ficará suspensa até que se realize o evento futuro e incerto. A condição se diz realizada quando o acontecimento previsto se verificar. Ter-se-á, então, o aperfeiçoamento do ato negocial, operando-se ex tunc, ou seja, desde o dia de sua celebração, se inter vivos, e à data da abertura da sucessão, se causa mortis, daí ser retroativo.

Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob a condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem imcompatíveis.Irretroatividade da condição suspensiva nos contratos reais. A retroatividade da condição suspensiva não é aplicável aos contratos reais, uma vez que só há transferência pública devidamente transcrita.

Esclarece Clóvis Beviláqua que o implemento da condição suspensiva não terá efeito retroativo sobre bens fungíveis, móveis adquiridos de boa-fé e imóveis, se não constar do registro hipotecário a inscrição, ou melhor, o assento do título, onde se acha consignada a condição.

Inserção posterior de novas disposições: a norma não veda a possibilidade de, na pendência de uma condição suspensiva, fazer-se novas disposições, que, todavia, não terão validade se, realizada a condição, forem com ela incompatíveis. A esse respeito, bastante esclarecedores são os seguintes exemplos de R. Limongi França: A doa a B um objeto, sob condição suspensiva, mas, enquanto esta pende, vende ou empenha o mesmo objeto a C; nula será a venda ou a garantia real (penhor). A doa a B o usufruto de um objeto, sob condição suspensiva, mas, enquanto esta pende, aliena a C a nua propriedade do mesmo objeto; válida será a alienação, porque não há incompatibilidade entre a nova disposição e a anterior.

Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

Condição resolutiva. A condição resolutiva subordina a ineficácia do negócio a um evento futuro e incerto. Enquanto a condição não se realizar, o negócio jurídico vigorará, podendo exercer-se desde a celebração deste o direito por ele estabelecido, mas, verificada a condição, para todos os efeitos extingue-se o direito a que ela se opõe. Por exemplo, constituo uma renda em seu favor, enquanto você estudar (RT 433:176, (…).

Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme os ditames de boa-fé.

Implemento de condição resolutiva. Se uma condição resolutiva for aposta em um ato negocial, enquanto ela não se der, vigorará o negócio jurídico, mas, ocorrida a condição, operar-se-á a extinção do direito a que ela se opõe, retornando-se ao status quo ante. Mas, se tal negócio for de execução continuada ou periódica (p. ex., uma locação), a efetivação da condição, exceto se houver disposição em contrário, não atingirá os atos já praticados (como pagamento de aluguéis ou de encargos locativos) desde que conformes com a natureza da condição pendente e aos ditames da boa-fé (CC, art. 422).

Acatado está o princípio da irretroatividade da condição resolutiva, quanto às prestações executadas, pois implemento da condição resolutiva terá eficácia ex nunc, preservando os efeitos negociais já produzidos.

Efeitos “ex nunc” e “ex tunc” da condição. Quanto aos atos de administração praticados na pendência da condição, ela não terá efeito retroativo, salvo se a lei expressamente o determinar, de maneira que tais atos serão intocáveis, e os frutos recolhidos não precisarão ser restituídos. Porém, a norma jurídica estabelece que a condição terá efeito retroativo quanto aos atos de disposição, que, com sua ocorrência, serão tidos como nulos.

Outros elementos acidentais são o termo e o encargo.

O termo: cláusula que subordina a eficácia do negócio jurídico à um evento futuro e certo (data- evento futuro e certo)

-Suspensivo: termo inicial- dá início aos efeitos do negócio jurídico. Gera direito adquirido

-Resolutivo: termo final- quando verificado põe fim aos efeitos do negócio jurídico.

Encargo ou modo: prática de uma liberalidade subordinada à um ônus.Por exemplo, a doação de um terreno com o encargo de que nele seja construído uma escola. O encargo deve ser cumprido, caso não seja, a pessoa que praticou a doação poderá pedir a revogação ou o cumprimento do encargo.

A doutrina civilista usa a expressão ato jurídico entendendo que se trata de manifestação de vontade destinada a constituir, modificar ou extinguir um direito subjetivo, através da objetivação de um fim protegido pelo sistema jurídico.


VI – INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

A doutrina diz que a interpretação do negócio jurídico pode ser declaratória, se tiver por fim expressar a intenção dos interessados; integrativa se pretender preencher lacunas contidas no negócio, por meio de normas supletivas, costumes etc. e construtiva, se objetivar reconstruir o ato negocial com o intuito de salvá-la.

Têm-se então alguns princípios interpretativos:

a) Nas declarações de vontade, atender-se-á mais a sua intenção do que ao sentido literal da linguagem, como se lê do artigo 112 do Código Civil. O que importa é a vontade real e não a declarada; daí a importância de se desvendar a intenção consubstanciada na delaração (RT, 781/179, 776/267, 704/171, dentre outros);

b) A transação interpreta-se de forma restrita (CC, artigo 843, primeira parte);

c) A fiança dar-se-á por escrito e não admite interpretação extensiva (CC, artigo 819; RT 476/157);

d) Os contratos benéficos (doações puras) e a renúncia (abandono ou desistência voluntária) interpretar-se-ão estritamente (CC, artigo 114, RT 774/376);

e) Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá o que melhor assegure a observância da vontade do testador (CC, artigo 1899);

f) Os negócios devem ser interpretados conforme a boa-fé objetiva, que deve estar presente nas negociações preliminares, na formação, execução e extinção negocial, e os usos do lugar de sua celebração (CC, artigos 422 e 113, RT 375/226). Na lição de Maria Helena Diniz (obra citada, pág. 431), o princípio da boa-fé objetiva está intimamente ligado não só a interpretação do negócio jurídico, pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes, mas também ao interesse social da segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes devem agir com lealdade, retidão e probidade durante as negociações preliminares, a formação, execução e extinção do ato negocial, e também de conformidade com os usos do local em que o ato negocial foi por elas celebrado.

Deve-se entender o que a doutrina e a jurisprudência têm posto com relação a matéria interpretativa:

a) Em relação aos contratos deve-se ater a boa-fé, às necessidades de crédito e à equidade (RT 145/652, 180/663);

b) Aos negócios causa mortis não se aplicam os princípios pertinentes aos negócios inter vivos, como o de boa-fé, nem mesmo se permitir sua interpretação com dados alheios ao seu texto;

c) Nos contratos que contiverem palavras que admitam dois sentidos, deve-se preferir o que mais convier a sua natureza;

d) Nos contratos de compra e venda, no que concerne à extensão do bem alienado, deve-se interpretar em favor do comprador (RT 158/194);

e) Na compra e venda, todas as dúvidas devem ser interpretadas contra o vendedor (RT 159/173);

f) No caso de ambiguidade interpreta-se de conformidade com o costume do país;

g) No que concerne ao vocábulo contido no final de uma frase, dever-se-á interpretá-la como parte da frase toda e não somente da que a precede imediatamente, desde que compatível, em gênero e número, com a frase;

h) Na interpretação contratual considerar-se-ão as normas jurídicas correspondentes;

i) Nas estipulações obrigacionais dever-se-á interpretar de modo menos oneroso para o devedor;

j) Em relação aos termos de um contrato considerar-se-á que, por mais genéricos que seja, só abrangem os bens sobre os quais os interessados contratarem e não os de que não cogitaram;

k) No conflito de duas cláusulas a antinomia prejudicará o outorgante e não o outorgado (AJ, 105/327);

l) Na cláusula suscetível de dois significados, interpretar-se-á em atenção ao que pode ser exequível;

m) Nas cláusulas duvidosas, prevalecerá o entendimento de que se deve favorecer quem se obriga (RT 142/620; 149/709);

n) Nas cláusulas contratuais que apresentarem modalidades impostas pelos usos locais ou usos do respectivo negócio, examinar-se-á se a clausula duvidosa tem o sentido de qualquer desses usos;

o) No que concerne às cláusulas contratuais, estas deverão ser interpretadas uma pelas outras;

p) Na interpretação de cláusula testamentária que tem várias acepções, prevalecerá a que assegurar a vontade do testador; o mesmo se diga em relação às doações.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Fatos e negócios jurídicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5867, 25 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75508. Acesso em: 23 abr. 2024.