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Requisitos do contribuinte baixa renda que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência

Requisitos do contribuinte baixa renda que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência

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Análise do regime geral da previdência social brasileira dando ênfase ao segurado facultativo de baixa renda. Busca-se abordar os principais aspectos da Lei 12.470/11, analisando seus objetivos, fundamentos e princípios.

O presente texto terá como foco a contribuição da pessoa de baixa renda que se dedique ao trabalho doméstico em sua residência, conhecida como contribuição da dona de casa.

Tal modalidade foi inserida no sistema jurídico pátrio por meio da Emenda Constitucional nº47 de 2005[1], a qual incluiu, dentre outros, o §12º no art. 201 da Constituição do Brasil de 1988 (CF/88). Tal parágrafo passou a vigorar com a seguinte redação:

§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo.

Mesmo a supracitada Emenda Constitucional tendo entrado em vigor no ano de 2005, foi somente em 2011, com o advento da Lei nº 12.470, de 2011, que esta modalidade de contribuição foi regulamentada e passou a vigorar no Regime Geral da Previdência Social (RGPS)[2].

Com o advento da Lei 12.470/11, foi possibilitado ao contribuinte facultativo contribuir com uma alíquota menor, de 11% do salário-de-contribuição, porém, esta modalidade não possibilita a aposentadoria por tempo de contribuição, nos termos do art.21, §2º, I da Lei 8212/91. Conforme já dito, a Lei 12.470/11 também trouxe em seu bojo a figura do contribuinte de baixa renda que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico em sua residência, criando assim uma “nova” modalidade de contribuinte facultativo.

Diferentemente do que ocorre com o contribuinte facultativo “comum”, o contribuinte doméstico de baixa renda tem uma alíquota diferenciada e bem menor, sendo esta de apenas 5% do salário de contribuição, porém, para poder contribuir nesta modalidade, deve a pessoa atender aos critérios previstos em lei. Assim, não basta a pessoa inscrever-se e pagar as contribuições tempestivamente para usufruir dos benefícios, como ocorre com o segurado facultativo “comum”. É preciso que o segurado doméstico enquadre-se na legislação para que as contribuições sejam validadas pelo INSS.

Necessário esclarecer que a verificação por parte do INSS acerca do preenchimento dos critérios legais ocorre posteriormente aos pagamentos. Deste modo, a validação das contribuições é feita a posteriori, podendo ocorrer de o segurado passar meses pagando as guias de recolhimento nesta modalidade e suas contribuições não serem validadas pela Autarquia. Isso implica na impossibilidade de usufruir dos benefícios da previdência, e muitas vezes o segurado somente vem a ter ciência da invalidação das contribuições justamente no momento de requerimento de algum benefício.

Além disso, sabemos que as informações referentes às regras do RGPS são extremamente insatisfatórias. No geral, as pessoas se informam por notícias veiculadas na imprensa, sendo estas muitas vezes incompletas ou confusas. Assim sendo, em face da falta de orientação aos segurados, diversos são os problemas verificados pelo INSS quando da análise das contribuições, o que acaba por impedir a validação das contribuições. Com a invalidação destas contribuições pela Autarquia, inevitavelmente quase a totalidade destes casos acabam sendo resolvidos na Justiça.

Conforme já apontamos, a Lei 12.470/11 regulamentou o art.201, §§12, 13 da CF/88 instituindo uma nova alíquota para segurados facultativos de baixa renda.

Assim, com o advento da lei, a alíquota passou a ser de 5% do salário mínimo, permitindo com que pessoas de baixa renda ingressassem no RGPS. Tal medida pode ser considerada louvável, pois como já estudados nos capítulos anteriores, a previdência tem como um de seus propósitos a redução da desigualdade social e o atendimento aos mais necessitados.

 Nos termos da Lei12.470/11, para que uma pessoa possa recolher as contribuições com a alíquota de 5%, deve atender a quatro critérios: a) não ter renda própria; b) se dedicar exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência; c)pertencer a família de baixa renda, o que significa, c1)renda familiar até dois salários mínimos, c2)estar inscrita no CadUnico.

Vamos agora analisar cada uma destas exigência, buscando auferir sua conexão com a finalidade deste instituto e também sua harmonia com os objetivo e princípios da Previdência já acima estudados.

Antes disso pontuamos que para aferição da validade das contribuições o INSS é rigoroso em relação aos critérios legais, até mesmo porque, como Autarquia Federal, submete-se ao princípio da legalidade. No entanto, nada impede  edição de atos infralegais para normatização de procedimentos administrativos necessários à aplicação da lei. É o que ocorre com a Instrução Normativa-INSS Nº 77 DE 21.01.2015(IN nº77/15), responsável por regulamentar os procedimentos internos do INSS. Tal Instrução Normativa, junto com a Lei 8212/91 e o Decreto 3.048/99 balizará nossa análise das exigências para validação das contribuições de baixa renda.


1.1 AUSÊNCIA DE RENDA

Inicialmente temos a exigência da ausência de renda. O art.21, II, b é nítido ao prever que o segurado deve ser “sem renda própria”. Assim, supõe-se que a pessoa deve contar com ajuda de terceiros para verter suas contribuições. Tal previsão encontra grande crítica na jurisprudência e é relativizada pelo próprio INSS. Conforme a IN nº77/15 art.55, §1º, XIII, a:

a) o segurado facultativo que auferir renda própria não poderá recolher contribuição na forma prevista no inciso II, b, do art. 21 da Leis n° 8.212, de 1991, salvo se a renda for proveniente, exclusivamente, de auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária e de valores oriundos de programas sociais de transferência de renda;

Verifica-se que o INSS exclui da renda auxílios assistências de natureza eventual e temporária e valores de programas sociais de transferência de renda, como o bolsa-família por exemplo. Tal dedução decorre da necessidade de adequação da lei à realidade fática do país. Parece pouco provável que uma pessoa sobreviva sem absolutamente nenhuma renda. Sabe-se que mesmo aquelas pessoas mais necessitadas, mas com o mínimo de condição de verter contribuições, precisam obter renda de alguma forma. Caso uma pessoa vivesse realmente sem renda alguma, não teria, por óbvio, condições de contribuir com a previdência, motivo pelo qual a lei seria letra morta.

Acerca desta exigência transcrevemos abaixo elucidativa explanação do Juiz Federal Fábio Cordeiro de Lima da Justiça Federal de Sergipe feita no Voto-Ementa do processo: 0500196‐54.2014.4.05.8500:

 13.17. Partindo destas premissas, o contribuinte facultativo de baixa é o “responsável” pelo recolhimento da sua contribuição. Se ele não possuir “renda nenhuma”, como vai contribuir para a Previdência Social? Afinal é preciso retirar renda de algum lugar porque dinheiro não nasce em árvore, ou vai ser de um benefício “pago” pelo governo, ou vai depender de um terceiro(parentes ou não) ou de uma atividade marginal.

13.18. Impor a necessidade de recolher sua contribuição, mas ao mesmo tempo disse que “não deve possuir renda própria” é criar um paradoxo.

13.19. Casos tais expressões sejam levados ao pé da letra (“sem renda própria” e “exclusivamente”) serão criados obstáculos que, na prática, tornará a norma de difícil realização prática com a manutenção de uma realidade de exclusão que o constituinte quis superar. Neste passo, é preciso perquirir melhor o significado de “não ter renda própria”.

13.21. O significado “renda própria” deve ser compreendido como não exercer atividade remunerada que enseje a sua filiação obrigatória ao RGPS. Do contrário, chega se a uma ficção porque, como contribuir para o RGPS, se a pessoa não possui qualquer renda? O próprio INSS entende em seu sítio da internet que a legislação criou o contribuinte facultativo de baixa renda o que não significa “zero renda”.

13.22. Se qualquer renda estiver excluída, deixaria de ser previdência para converter em assistência social, já que o segurado vai depender de terceiro, seja do próprio governo, seja de uma pessoa parente ou não, para recolher a sua contribuição previdenciária. Para tanto, gostaria de apontar algumas situações muito comuns que tem gerado a negativa do benefício, que vem gerar situações de flagrante injustiça e contrária a realidade que visou a regular. (grifos no original)

A controversa existia no fato da autora da ação ter benefício negado pois, segundo o INSS, recebia uma renda de R$140,00 mensais. O magistrado entendeu que a renda recebida não poderia ser óbice a validação das contribuições vertidas pela jurisdicionada, evocando para isso, entre outros argumentos, o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, já tratado no capítulo 2.

O assunto também já foi tratado pela Turma Nacional de Uniformização em 2017 (PEDILEF 05192035020144058300). Como esposado pelo voto-vista acima citado, a TNU entendeu que o termo “sem renda” deve ser interpretado buscando o sentido finalístico da lei, sob pena de criar-se uma situação totalmente contraditória, pois não é possível para alguém sem renda contribuir para a previdência.

Destarte, deve-se CONHECER e DAR PROVIMENTO ao incidente para: (a) Ratificar a tese de que “as expressões “sem renda própria” e “exclusivamente” devem ser interpretadas sistematicamente e teleologicamente, sob pena de criar-se um paradoxo. O contribuinte facultativo de baixa renda é o único responsável pelo recolhimento da sua contribuição. Se não possuir “renda nenhuma”, como poderá contribuir para a Previdência Social? Impor a necessidade de recolher sua contribuição, mas ao mesmo tempo dizer que “não deve possuir renda própria” é criar um paradoxo. O significado “renda própria”, portanto, deve ser compreendido como não exercer atividade remunerada que enseje a sua filiação obrigatória ao RGPS. - A legislação criou o contribuinte facultativo de baixa renda, o que não significa "zero renda". Se qualquer renda estiver excluída, deixaria de ser previdência para converter-se em assistência social, já que o segurado vai depender de terceiro - seja do próprio governo, seja de uma outra pessoa, parente ou não - para recolher a sua contribuição previdenciária. É forçoso reconhecer que não se pode excluir aquele que possui uma “renda marginal” que muitas vezes nem chega a um salário mínimo ou dois salários mínimos. Interpretar a lei desta maneira seria manter o estado de exclusão que o legislador constituinte quis evitar

Tal relativização pela jurisprudência também ocorre com outros benefícios, como o auxílio-reclusão e o Benefício de Prestação Continuada. No caso do auxílio-reclusão, para que os dependentes recebam o benefício, é preciso que o segurado instituidor possua renda máxima conforme o estabelecido em lei (este valor é atualizado anualmente pelo INSS).

No entanto, é firme a jurisprudência no sentido de relativizar o valor estabelecido, caso exista uma pequena diferença:

EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. RENDA SUPERIOR AO LIMITE LEGAL. VALOR IRRISÓRIO. REQUISITOS PREENCHIDOS. RECURSO PROVIDO. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO.

I - A controvérsia nos presentes autos recai sobre a possibilidade de concessão do auxílio-reclusão a dependente de segurado cuja renda ultrapassou o limite máximo previsto em lei.

II - O benefício de auxílio-reclusão encontra-se disciplinado pelo art. 201, incisoIV, da Constituição Federal, com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 20/98, art. 80 da Lei nº 8.213/91 e arts. 116 a 119 do Decreto nº 3.048/99.

III - Pedido analisado em relação à reclusão ocorrida em 26/03/2007.

IV - A autora comprova ser filha do recluso através da certidão de nascimento, sendo dispensável a prova da dependência econômica, que é presumida.

V - O recluso possuía a qualidade de segurado por ocasião da prisão, vez que ostentava vínculo empregatício contemporâneo ao encarceramento.

VI - Em relação ao limite dos rendimentos do segurado, o montante estabelecido pela EC nº 20/98 e pelo artigo 116 do Decreto nº 3.048/99 (R$ 360,00) vem sendo atualizado por meio de Portaria do Ministério da Previdência Social.

VII - Tendo em vista que, ao tempo do recolhimento à prisão, a renda mensal do segurado consistia em R$684,98, conforme indica a declaração do empregador de fls. 24 e o teto previsto pela Portaria nº 119, de 18.04.2006, era de R$ 654,61, a diferença de R$ 30,37 deve ser considerada irrisória, restando comprovado o requisito da baixa renda.

VIII - Comprovado o preenchimento dos requisitos legais para concessão do auxílio-reclusão, o direito que persegue a parte autora merece ser reconhecido.

IX - Embargos infringentes providos. Prevalência do voto vencido que concedeu o benefício.( TRF-3 - EMBARGOS INFRINGENTES : EI 00025059720124036183 SP 0002505-97.2012.4.03.6183 - e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/03/2016)

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO RECLUSÃO. CONDIÇÃO DE BAIXA RENDA DO SEGURADO. ÚLTIMO SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO SUPERIOR EM QUANTIA IRRISÓRIA AO TETO IMPOSTO NA PORTARIA INTERMINISTERIAL. FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO. 1. O auxílio-reclusão é benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado nos termos do artigo 80 da Lei n° 8.213/1991. 2. A renda a ser aferida é a do detento e não a de seus dependentes. (RE 587365, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 08/05/2009). 3. A condição de baixa renda do segurado recluso está comprovada. Tratando-se de diferença de valor irrisório, cabe na hipótese a flexibilização do critério econômico estabelecido para a configuração da baixa renda. Precedente do Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.479.564 - SP, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. 4. Apelação provida. (AC 00064903320164039999, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/06/2016)

No caso do benefício de prestação continuada, o art.20, §3º da Lei nº 8.742/93 previa um critério objetivo para reconhecimento da condição de miserabilidade capaz de gerar direito ao benefício. Para ser considerado incapaz de prover seu próprio sustenta a pessoa com deficiência ou idoso deveria receber valor máximo de ¼ do salário mínimo. Porém, este critério chegou ao Supremo Tribunal Federal que o declarou inconstitucional (Rcl 4.374/PE).

Ficou assentado que o critério de miserabilidade veria ser verificado caso a caso, levando-se em conta aspectos econômicos, sociais e familiares, pois um critério rígido levaria a grandes injustiças. Dentre os argumentos utilizados pelo relator Ministro Gilmar Mendes para a declaração de inconstitucionalidade do referido critério, destacamos o seguinte trecho de seu voto:

A aplicação dos referidos critérios encontrou sérios obstáculos na complexidade e na heterogeneidade dos casos concretos. Se, antes da edição da Lei 8.742/93, o art. 203, inciso V, da Constituição era despido de qualquer eficácia – o que a doutrina especializada costuma denominar de norma constitucional de eficácia limitada –, o advento da legislação regulamentadora não foi suficiente para dotá-lo de plena eficácia. Questionamentos importantes foram suscitados logo no início da aplicação da lei. E, sem dúvida, o mais importante dizia respeito ao critério de mensuração da renda familiar per capita. O requisito financeiro estabelecido pela lei começou a ter sua constitucionalidade contestada, pois, na prática, permitia que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.

Vejamos que situação muito perecida ocorre com o contribuinte baixa-renda. Ao impor uma condição rígida de ausência de renda, cria-se diversos problemas, pois torna-se improvável uma adequação da lei a realidade prática. Deixa claro o Ministro em seu voto que os “benefícios da seguridade social (assistenciais e previdenciários) devem compor um sistema consistente e coerente.”

Nos parece claro que o critério de ausência de renda é por demais rigoroso e pode levar a um cerceamento indevido na validação das contribuições, motivo pelo qual entendemos valorosa a jurisprudência nesta questão.


1.2 DEDICAÇÃO EXCLUSIVA AO TRABALHO DOMÉSTICO NO ÂMBITO DE PRÓPRIA RESIDÊNCIA

Tal requisito não traz grandes discussões como o anterior, mas merece atenção. A inserção deste requisito teve, a nosso ver, duas finalidades, uma política e outra jurídica. O nosso entendimento de função política foi para reforçar o caráter social do Governo e sinalizar amparo para um segmento da sociedade pouco lembrado, qual seja, as donas de casa.[3] Muito embora a PEC não passe pelo crivo presidencial, sendo promulgada diretamente pelas Mesas da Câmara e do Senado, esta PEC foi proposta por uma senadora governista e certamente contou com a articulação  do Governo para sua aprovação.

A função jurídica rela-se como uma necessidade de esclarecer que esta modalidade de contribuição não se estende aos trabalhadores empregados ou demais trabalhadores que exerçam alguma atividade remunerada habitual, ou seja, não se confunde com nenhuma categoria de segurados obrigatórios.

Deste modo, não é possível ao assegurado obrigatório valer-se desta modalidade de contribuição e também não é destinado às empregadas domesticas, sendo estas seguradas obrigatórias por força da lei.

Não encontramos maiores celeumas acerca deste ponto na jurisprudência, apenas ficando claro que os segurados obrigatórios não podem valer-se destra contribuição, pois trata-se obviamente de uma espécie de segurado facultativo.


1.3 INSCRIÇÃO NO CADASTRO ÚNICO PARA PROGRAMAS SOCIAIS DO GOVERNO FEDERAL - CADÚNICO E RENDA MENSAL SEJA DE ATÉ 2 (DOIS) SALÁRIOS MÍNIMOS.  

Ao regulamentar a EC. 45/05 a Lei. 12.470/11 trouxe uma completa inovação, com uma exigência não estava prevista na EC. Isso porque a lei buscou normatizar o que seria contribuinte baixa renda, limitando assim as possíveis interpretações.

A lei definiu o segurado baixa renda da seguinte maneira

§ 4o  Considera-se de baixa renda, para os fins do disposto na alínea b do inciso II do § 2o deste artigo, a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos.  

Como era de se esperar, tais exigências são alvo de intenso debate na jurisprudência, principalmente no que tange a exigência de inscrição no CadÚnico. Deste modo passaremos a analisar cada uma destas exigências separadamente.

1.3.1 INSCRIÇÃO NO CADASTRO ÚNICO PARA PROGRAMAS SOCIAIS DO GOVERNO FEDERAL – CADÚNICO

Muita controversa gira em torno da exigência da inscrição do segurado no CadÚnico como exigência para validação das contribuições como segurado facultativo baixa renda. Porém, antes de adentrarmos na celeuma envolvendo o CadÚnico, necessário de faz um breve comentário sobre sua criação e atribuição.

O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico foi criado por meio do Decreto 6.135/07. Este cadastro foi criado para utilização em programas sociais de baixa renda e tem a função de identificação e caracterização sócio-econômica das famílias brasileiras de baixa renda, nos termos. Determina ainda o art.2º do decreto que o CadÚnico será utilizado obrigatoriamente utilizado na seleção de beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal.

O cadastro é gerido, normatizado e coordenado pelo Governo Federal por meio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e seu preenchimento compete aos municípios (arts.5º e 6º do Decreto 6.135/07). Assim, vê-se que o cadastro é um banco de dados utilizado pela administração direta para políticas assistencialistas e de distribuição de renda voltados para famílias de baixa renda, não havendo nenhuma relação com questões previdenciárias.

Além disso, o §1º do art 1º do Decreto 6.135/07 preve expressamente que “§ 1o  A obrigatoriedade de utilização do CadÚnico não se aplica aos programas administrados pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.” Ora, o próprio decreto criador do cadastro exclui sua obrigatoriedade para programas administrados pelo INSS.

Isso porque o RGPS possui meios próprios de inscrição e filiação. A filiação é a relação jurídica que se estabelece entre as pessoas que contribuem como segurados e a Previdência Social, vínculo este do qual decorrem direitos e obrigações, nos termos do art.20 do Decreto 3.048/99 “art. 20. Filiação é o vínculo que se estabelece entre pessoas que contribuem para a previdência social e esta, do qual decorrem direitos e obrigações.”

Já a inscrição é apenas o cadastro do segurado ou do seu dependente no banco de dados da previdência social. A inscrição é prevista no art. 18 do Decreto 3.048/99 “Considera-se inscrição de segurado para os efeitos da previdência social o ato pelo qual o segurado é cadastrado no Regime Geral de Previdência Social, mediante comprovação dos dados pessoais e de outros elementos necessários e úteis a sua caracterização (...)”

Em relação ao segurado facultativo, considera-se a filiação, um ato volitivo, gerador de efeito somente a partir da inscrição e do primeiro recolhimento, não podendo retroagir e não permitindo o pagamento de contribuições relativas a competências anteriores à data da inscrição. Sendo que para inscrição basta apresentação de documento de identidade e declaração expressa de que não exerce atividade que o enquadre na categoria de segurado obrigatório.

Vê-se que o RGPS possui todo um arcabouço jurídico que vincula o segurado à previdência, de modo que são estes os requisitos para formalização de relação jurídica de direitos e obrigações com o RGPS. Neste sentido, a exigência de cadastro no CadÚnico para validação das contribuições como segurado facultativo não parece encontrar amparo na legislação. Ainda mais quando o próprio Decreto instituidor do cadastro veda tal prática, conforme já visto.

Por este motivo se instaurou grande debate na jurisprudência acerca da necessidade de cadastro no CadÚnico para validação das contribuições do segurado facultativo baixa renda, ainda mais que esta exigência refere-se, pela lei, apenas para aferição do critério de baixa renda.

Verifica-se que a jurisprudência acerca do tema encontra grande controversa. Há nos Tribunais diversos entendimentos exigindo a inscrição no CadÚnico como requisito para validação das contribuições, neste sentido trazemos a seguir julgados do TRF1, TRF3 e TRF5:

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR URBANO. AUSÊNCIA DE PROVA DA CONDIÇÃO DE SEGURADA FACULTATIVA DE BAIXA RENDA. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei 8.213/1991; c) incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias ou, na hipótese da aposentadoria por invalidez, incapacidade (permanente e total) para atividade laboral. 2. A aposentadoria por invalidez será concedida, nos termos do art. 42 da Lei n. 8.213/1991, ao segurado que, estando ou não em gozo do auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será paga enquanto permanecer nessa situação. 3. A Lei n. 8.212/1991 estabelece que a contribuição do segurado facultativo será de 20% e, caso o segurado facultativo opte pela exclusão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, poderá contribuir com o percentual de 11% sobre o salário de contribuição (art. 21 e §§). 4. Em 2011, a Lei n. 12.470 criou a figura do segurado facultativo baixa renda, estabelecendo, entre outras regras, que a contribuição para a previdência social se dê pela alíquota de 5% do salário mínimo. 5. O segurado de baixa renda deve preencher os seguintes requisitos: a) inexistência de renda própria e de trabalho remunerado; b) renda familiar de até dois salários mínimos; c) inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico. 6. No caso dos autos, não ficou comprovada a condição de segurada facultativa de baixa renda da parte autora, ante a não confirmação da sua inscrição no CadÚnico. 7. Parte autora condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 468,00, suspensa a cobrança na forma do art. 12 da Lei n. 1.060/50. 8. Apelação do INSS e remessa oficial, tida por interposta, providas, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido.A Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação e à remessa oficial, tida por interposta.(AC 0054226-42.2017.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:31/01/2018 PAGINA:.)

PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA URBANA. QUALIDADE DE SEGURADA NÃO COMPROVADA. NÃO PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGAIS. - Salário-maternidade é o benefício previdenciário a que faz jus a segurada gestante, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data de ocorrência deste, podendo este prazo ser aumentado em até duas semanas, mediante comprovação médica. - A ação, proposta em 20/06/2016, objetivando o recebimento de salário-maternidade, funda-se em documentos, dos quais destaco a cópia da certidão de nascimento da filha da autora, nascida em 16/01/2016 e a Carta de Exigência do INSS, informando que os recolhimentos efetuados pela autora, como segurada facultativa-baixa renda, de 01/2013 a 12/2015, não foram validados, facultando à requerente a migração para o Plano Simplificado da Previdência Social, efetuando o recolhimento das diferenças de 5%. - A requerente juntou documentos do CNIS, demonstrando recolhimentos, no período de 01/01/2013 a 31/12/2015, como segurada facultativa de baixa renda. - Acerca do recebimento do benefício por segurada facultativa de baixa renda, cumpre destacar o disposto na Lei n.º 12.470/2011, que deu nova redação ao artigo 21, § 2º, inc. II, letra "b" e § 4º, da Lei 8.212/91, possibilitando à dona de casa, nas condições que especifica, efetuar recolhimentos para garantir o recebimento de aposentadoria por idade (mulher aos 60 anos e homem aos 65), aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte e  auxílio-reclusão. - Nos termos do disposto no art § 4º, da Lei 8.212/91, considera-se de baixa renda a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico e cuja renda mensal não seja superior a 2 salários mínimos. - A requerente não demonstrou sua inscrição no CadÚnico, utilizado pelo Governo Federal para identificar os potenciais beneficiários de programas sociais. Também não há informação de que seja beneficiária de programas sociais de transferência de rendas - Programa Bolsa Família do governo federal ou no Programa Renda Cidadã do governo estadual. - As contribuições realizadas como segurado facultativo de baixa renda não podem ser consideradas, visto que não foram preenchidos os requisitos legais a validar os recolhimentos nessa forma legal. - A requerente não comprovou a qualidade de segurada da Previdência Social, a justificar a concessão do benefício de salário-maternidade, por ocasião do nascimento de sua filha, em 16/01/2016. - Apelação do INSS provida.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2310817 0019977-02.2018.4.03.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/10/2018

PREVIDENCIÁRIO. SEGURADA DE BAIXA RENDA. SALÁRIO-MATERNIDADE. REQUISITOS. NÃO COMPROVAÇÃO. DIREITO. AUSÊNCIA. 1. O art. 21, parágrafo 2º, II, da Lei nº 8.213/91, garante alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição de 5% (cinco por cento) ao segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda. 2. De acordo com o parágrafo 4º do supracitado dispositivo, considera-se de baixa renda a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos. 3. Hipótese em que a promovente não tinha cadastro no CadÚnico, conforme prevê o art. 7º do Decreto 6135/2007, devendo assim ter complementado o percentual dos recolhimentos no período em que não foi validado. 4. Apelação desprovida.UNÂNIME (AC - Apelação Civel - 576832 0009490-55.2014.4.05.9999, Desembargadora Federal Joana Carolina Lins Pereira, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::14/01/2015 - Página::49.)

Por outro lado, encontramos jurisprudência dos Tribunais Regionais da 3ª e 4ª  Regiões entendendo que a ausência de inscrição no CadÚnico não impede a validação das contribuições desde que demonstrado pelo segurado que é pessoa de baixa renda.

MENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE TOTAL E DEFINITIVA. COMPROVAÇÃO. CONTRIBUINTE FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. 1. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter definitivo da incapacidade. 2. Hipótese em que restou comprovada a incapacidade laborativa total definitiva para o trabalho. 3. A inexistência de inscrição no CadÚnico não obsta, por si só, o reconhecimento da condição de segurado facultativo de baixa renda, de modo que, estando demonstrado que a família da segurada efetivamente é de baixa renda e que esta não possui renda própria, está caracterizada a sua condição de segurada facultativa de baixa renda. (TRF4, AC 0012502-36.2016.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, D.E. 25/10/2018)

PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO FACULTATIVO. BAIXA RENDA. AUXÍLIO DOENÇA. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA.1. O benefício de auxílio doença é devido ao segurado incapacitado por moléstia que inviabilize temporariamente o exercício de sua profissão.2. Nada impede a concessão do benefício por incapacidade ao segurado que efetua recolhimentos de contribuições na qualidade de segurado facultativo de baixa renda, embora não inscrito no CadUnico, vez que tal procedimento é dispensável nos casos em que resta demonstrado o cumprimento dos demais requisitos do benefício e cuja ausência não pode ser utilizada como impedimento ao reconhecimento do direito.3. Laudo pericial conclusivo pela existência de incapacidade total e temporária para o trabalho.4. Cabível a revisão periódica do benefício, a cargo do INSS, cuja realização decorre da própria Lei (Art. 101, da Lei 8.213/91 c/c Art. 46, Parágrafo único, do Regulamento da Previdência Social), não sendo possível restringir sua realização pela autarquia.5. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.6. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte (AL em EI n. 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante n. 17.7. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.8. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.9. Remessa oficial, havida como submetida, e apelação providas em parte.. (TRF 3ª Região, DÉCIMA TURMA,  Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2169972 - 0020901-81.2016.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL BAPTISTA PEREIRA, julgado em 18/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/07/2017 )

EMENTA RECURSO CÍVEL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE. QUALIDADE DE SEGURADO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS RECOLHIDAS NA CONDIÇÃO DE SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO JUNTO AO CADASTRO ÚNICO DO MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. 1. A parte autora efetuou o recolhimento de contribuições previdenciária na condição de Segurado Facultativo de Baixa Renda, embora não inscrita no CadÚnico. No entanto, a constatação social comprova que se trata de segurada sem renda própria, que se dedica exclusivamente ao trabalho doméstico e pertence à família de baixa renda, sendo a renda mensal de até 2 salários mínimos. 2. A inscrição junto ao Cadastro Único - CadÚnico do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome é dispensável quando provados os demais requisitos, por se tratar de formalidade que não pode ser tomada como impedimento ao reconhecimento do direito. Precedentes da 3ª TR/PR: Recursos Cíveis 5008805-94.2013.404.7001 e 5002040-68.2013.404.7014. 3. Recurso do INSS não provido. ACORDAM os Juízes da 3ª Turma Recursal do Paraná, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do(a) Relator(a).(RECURSO CÍVEL 5015750-66.2014.4.04.7000, FLÁVIA DA SILVA XAVIER, TRF4 - TERCEIRA TURMA RECURSAL DO PR.)

Verifica-se que a jurisprudência acerca do caso é vacilante, e não é possível saber qual tese se consagrará. Porém, em novembro de 2018, ganhou força o entendimento pela imprescindibilidade da inscrição no CadÚnico para validação das contribuições vertidas como contribuinte baixa renda. Isso porque a TNU, ao Julgar pedido de uniformização de interpretação de lei no processo Nº 0000513- 43.2014.4.02.5154/RJ, fixou tese jurídica representativa da controvérsia (TEMA 181) no seguinte sentido:

A prévia inscrição no cadastro único, para programas sociais do governo federal - cadúnico, é requisito essencial para validação das contribuições previdenciárias vertidas na alíquota de 5% (art. 21, § 2º, inciso ii, alínea "b", e § 4º, da lei 8.212/91), e os efeitos dessa inscrição não alcançam as contribuições feitas anteriormente

Neste caso, deve-se ressaltar que o julgamento não foi unanime e o relator saiu-se vencido, pois proferiu voto pela possibilidade de validação das contribuições sem a inscrição no CadÚnico caso o segurado demonstre que é pessoa de baixa renda. Isso porque a inscrição no CadÚnico não tem natureza constitutiva, ou seja, o direito do segurado não nasce com a inscrição no CadÚnico, pois este não institui nova situação jurídica. Elucidativas são as palavras do relator que trazemos abaixo:

20. Insta destacar que o ato de inscrição no referido cadastro não possui natureza constitutiva, uma vez que não institui nova situação jurídica. Sua natureza, em verdade, é meramente declaratória. Nesse sentido, não é obviamente o registro de determinada família no CadÚnico que cria a situação fático-jurídica de "família de baixa renda", para fins de enquadramento na norma do § 12 do art. 201 da Constituição Federal de 1988. Por outro lado, as informações contidas no CadÚnico gozam de presunção relativa de veracidade, de modo que a família inscrita no cadastro em apreço é presumidamente de baixa renda até prova em contrário.

Este é o entendimento que perfilamos. Isso porque, como já dito, o segurado facultativo tem estabelecido seu vínculo com o INSS após a devida inscrição, regulamentada pela lei da previdência. No caso do segurado facultativo, a filiação ocorre da inscrição formalizada com o pagamento da primeira contribuição para o segurado facultativo, nos termos do art.20 do Decreto 3.048/99.

O entendimento consolidado na TNU mostra-se excessivamente formalista e na nossa opinião vai de encontro a outros entendimentos desta Turma. Isso porque sobrepõe uma questão formal visivelmente superável a um direito constitucionalmente previsto, como é o da previdência.

Neste sentido, não podemos deixar de citar a súmula 75 da TNU.

A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).

A referida súmula visa proteger o trabalhador contra qualquer tipo de inconsistência entre os dados da CTPS e o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Ou seja, mesmo que o segurado não esteja nos registros do INSS pode fazer prova de seu tempo de trabalho e conseguir comprovar tempo de serviço para fins previdenciários. Neste caso, a TNU efetivou entendimento visando garantir os direitos do segurado, mesmo que ausente requisitos legais, como o registro das contribuições no CNIS.

Veja-se que muitos dos casos, a ausência dos registros no CNIS decorre de ausência de recolhimento pelo empregador, ou seja, haverá prestação de benefício sem o devido custeio. Porém, a falha ou má-fé do empregador não pode prejudicar o trabalhador, até mesmo porque, muitas vezes este tem descontada sua contribuição previdenciária mas o empregador não a repassa ao INSS.  

Porque então, no caso do segurado facultativo sem inscrição no CadÚnico, haveria de ocorrer a invalidação da contribuição. Ainda mais levando-se em conta que somente o recolhimento realmente foi feito, pois trata-se de segurado facultativo. Não haverá, no caso, ausência de custeio, mas mera ausência de cadastro em banco de dados da administração, cujas informações podem ser facilmente verificadas por outros meios de prova.

Estamos certos que a discussão não teve fim com a fixação da tese pelo TNU, isso porque é perfeitamente possível  a alteração do entendimento, como ocorre de maneira recorrente, ainda mais se houver julgamento da questão pelo Superior tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal.

1.3.2 RENDA MENSAL SEJA DE ATÉ 2 (DOIS) SALÁRIOS MÍNIMOS

Em relação à renda de até dois salários mínimos, não encontramos grandes celeumas na jurisprudência. Acreditamos que tal fato se deva à atual realidade brasileira. Conforme já apontamos, dados do IBGE apontam que a renda nominal mensal domiciliar per capita da população em 2017 era de R$ 1.268. Mostramos também que, em mais de 15 estados, a renda era inferior a R$ 1.000,00.

No mais, como a qualidade de segurado facultativo advém justamente do fato de não ser segurado obrigatório, entende-se que este segurado não possua trabalho regular abarcado pela filiação obrigatória. Sabe-se que, na maioria das vezes, quando os segurados facultativos possuem alguma renda, esta advém de pequenos bicos, justamente para complementar a renda familiar. Ou seja, uma renda familiar de 2 salários mínimos, infelizmente, é mais do que recebe boa parte das famílias brasileiras.


Referências

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BRASIL, Lei nº 8213, de 24 de julho de 1990. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 1990.  Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8212cons.htm>. Acesso em: 27 ago. 2018

BRASIL, Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jul. 2001.  Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8212cons.htm>. Acesso em: 27 ago. 2018

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VIANNA, João E. A. Curso de direito previdenciário. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.


Notas

[1] A EC º47/05 alterou os arts. 37, 40, 195 e 201 da Constituição Federal, e inseriu no art.201 o §12º com a seguinte redação “Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo.”

[2] A Lei 12.470/11 modificou o art.21 da Lei 8212/90, incluindo o §2º o qual prevê a alíquota de 5% para o “segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda”

[3] Muito embora a lei não faça diferenciação de gênero no texto, a contribuição ficou marcada como destinada à dona-de-casa. Este entendimento é corroborado inclusive pela Doutrina “Igual regra é  aplicável ao microempreendedor individual (MEI) e à dona de casa (de baixa renda) que optarem pela contribuição reduzida (5% sobre um salário mínimo mensal) em conformidade com a Lei n. 12.470, de 2011, sendo necessária a complementação de 15% (o equivalente a redução da alíquota cheia) para obterem o direito à aposentadoria por tempo de contribuição. Não pretendermos aqui discorrer  acerca da carga claramente machista que o entendimento explicita, já que tanto o homem como a mulher podem trabalhar como donos de casa. No entanto, inegável que a sociedade brasileira ainda tem muito a evoluir neste ponto, sendo inegável que é admitido pelo senso comum que o papel de dona de casa ainda caiba a mulher.


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