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A administração judiciária e o planejamento estratégico

A administração judiciária e o planejamento estratégico

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            Estratégia é um termo transportado das aplicações bélicas para a administração que, em sua acepção original está ligada à arte de planejar e executar movimentos e operações visando alcançar ou manter posições relativas. A partir dessa idéia, percebe-se que, inicialmente, faz-se necessário fixar os objetivos para que, a partir destes, sejam definidos os meios para obtê-los (VALERIANO, 2001, p.54-55).

            Porém a definição de estratégia dentro do campo da administração admite, também, outras perspectivas. Além de planejamento, que está relacionado à idéia de futuro, daquilo que a organização pretende ser, o conceito de estratégia também traz em si a idéia de padrão, isto é, a consistência em um comportamento ao longo do tempo, caracterizando a preocupação organizacional com a sua imagem frente à sociedade. Além disso, estratégia pode ser entendida como uma posição, ou seja, a colocação da empresa frente a novos mercados, dado o seu interesse em competir nesse novo campo ou, ainda, como uma perspectiva, traduzida na maneira fundamental de uma organização fazer as coisas. Por fim, podemos definir a estratégia como um truque, isto é, uma manobra específica da organização para enganar um concorrente dentro do mundo globalizado (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.19-21).

            Apesar dessas várias definições, é preciso ficar claro que a estratégia não se confunde com a tática, outro termo trazido para a administração a partir de idéias militares. A tática diz respeito às ações no plano mais imediato, dispondo os meios e conduzindo os processos para alcançar os objetivos do plano estratégico. As decisões estratégicas são diferentes daquelas tomadas em nível tático por serem abrangentes e de alta importância, decorrendo delas todas as ações a serem realizadas, além de aplicarem recursos durante longo tempo e por serem de difícil alteração ou reversão (VALENRIANO, 2001, p. 55).

            Mesmo não sendo fácil definir a estratégia, existem algumas áreas gerais de concordância no que diz respeito à sua natureza:

            - a estratégia está ligada tanto à organização quanto ao ambiente;

            - a essência da estratégia é complexa;

            - a estratégia envolve questões de conteúdo e de processo;

            - a estratégia envolve vários processos de pensamento e é distinta em diferentes níveis corporativos (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.19-21).

            Como a estratégia pode ser distinta dentro dos diversos níveis da organização, é necessário que se defina o gerenciamento ou planejamento estratégico. É esse planejamento que formula, implementa e avalia linhas de ação multidepartamentais, levando a organização a atingir seus objetivos de longo prazo. A não ser que as orientações, mudanças e decisões sejam feitas de forma descoordenada, é possível dizer que muitas organizações tenham um gerenciamento estratégico, ainda que em caráter informal (VALENRIANO, 2001, p. 65).

            É importante que fique claro "que a estratégia é mais do que uma só decisão, mas o padrão global de decisões e ações que posicionam a organização em seu ambiente e tem o objetivo de fazê-la atingir seus objetivos a longo prazo" (SLACK; CHAMBERS; JOHNSTON, 2002, p.87). Esse conceito traz em si as idéias de padrão, planejamento, posição e perspectiva estratégica.

            Reconhecendo que o Judiciário não é um poder uniforme e que não apresenta as mesmas características em todo o território nacional, existindo vários poderes em um só – federal, estadual, trabalhista, eleitoral, juizados especiais, primeira e segunda instâncias, tribunais superiores – (RENAULT, 2004, p.96) é possível que se chegue à conclusão de que é necessária a criação de uma estratégia para a Administração Judiciária, o que certamente levará a um Planejamento Estratégico com vistas a alcançar os objetivos propostos de acordo com os anseios da sociedade.

            A Administração Judiciária deve ser encarada a nível macro e micro, ambos complementando-se e coordenadas entre si. A administração dos tribunais, a nível macro, apresenta dificuldades organizacionais, burocratização e independência dos órgãos judiciais para traçarem seu modo administrativo sem levar em consideração o conjunto, os demais componentes do Poder. A nível micro, o problema está na complexidade das organizações judiciais, em geral com magistrados exercendo duplamente a função de administração da justiça e administração da organização (LEÃO, 2004, p.28).

            É preciso que seja traçado o rumo a ser seguido pela Administração Judiciária brasileira e esse norte deve ser lançado de forma coordenada para que seja alterada a visão de que existem vários judiciários no Brasil. Há que se realizar, para tanto, um trabalho pautado na mudança de cultura na administração, na quebra de paradigmas, exigindo o aprimoramento da área de gestão, vinculada a uma política global do Judiciário (LEÃO, 2004, p.36). Essa política global pode ser traduzida na estratégia do Judiciário, no planejamento e gerenciamento da forma de administrar a prestação jurisdicional.

            Segundo Paulo Roberto MOTTA (1996, p.86), "o Planejamento Estratégico siginifica a conquista da visão de grande escopo e longo prazo na determinação dos propósitos e caminhos organizacionais". Essa conquista tem seu início no nível de mudanças conceituais que resultam em novos modelos de comportamento administrativo, além de novas técnicas e práticas de planejamento, controle e avaliação.

            Vários são os modelos de planejamento estratégico, mas a maior parte pode ser traduzida nas seguintes idéias relacionadas ao modelo SWOT e a fixação de objetivos (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.45).

            O modelo SWOT é um meio bastante difundido para realização do diagnóstico estratégico da empresa. Esse método busca definir as relações existentes entre os pontos fortes (strenghts) e fracos (weaknesses) da empresa com as tendências mais importantes do ambiente organizacional, tanto interno, quanto externo, delimitando as oportunidades (opportunities) e ameaças (threats) para a empresa. "A idéia é que o empresário descubra como, por exemplo, usar suas forças para minimizar as suas fraquezas, aumentar as suas oportunidades e diminuir as ameaças que estão ao seu redor" (CLEMENTE, 2004).

            O Planejamento Estratégico parte da idéia de que o ambiente onde está inserida a organização está em constante mutação e turbulência, exigindo um processo contínuo de formulação e avaliação de objetivos, baseado no fluxo de informações entre ambiente e organização (MOTTA, 1996, p.85).

            Quando tratamos da Administração Judiciária, falar em planejamento estratégico é discutir qual o rumo que esse poder deve tomar, de forma coordenada e controlada, para atingir aquilo que a sociedade demanda. A preocupação do Judiciário não está na concorrência ou no mercado, visto que sua atribuição é exclusiva por força legal, mas em corresponder às expectativas dos cidadãos no que diz respeito à prestação jurisdicional.

            É importante observar que, além da idéia de planejamento, gerenciamento e controle estratégico, existem diversas outras escolas que trabalham a questão da estratégia empresarial sobre os mais variados aspectos. Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000, p.14) apresentam dez escolas estratégicas, agrupadas em três grupos: no primeiro, as escolas de natureza prescritiva; no segundo, as escolas de natureza descritiva e, por fim, um grupo que possui uma única escola: a configuração da estratégia.

            As escolas prescritivas preocupam-se mais em como as estratégias devem ser formuladas, e não com o que elas realmente são. As descritivas por sua vez, pretendem demonstrar como as estratégias são formuladas e não se ocupam da prescrição do comportamento estratégico. A escola de configuração combina as demais, agrupando vários elementos. É importante salientar que tais escolas surgem em diferentes estágios do desenvolvimento da administração estratégica e é importante que a organização avalie qual o seu estágio e a escola que mais se adapta à sua necessidade (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.15).

            A observação do parágrafo anterior se faz oportuna, pois muito se tem falado sobre as modernas idéias de gerenciamento estratégico, sobre as diversas escolas e novos modelos de organização. Ocorre que todos esses elementos devem ser analisados dentro de cada cenário para que se extraia a melhor solução a ser adotada. É preciso que os administradores entendam que qualquer situação pode ter múltiplas interpretações. Um simples aspecto da cultura organizacional pode abranger muitas dimensões: traduzir uma forma mecanicista de organização, refletir a cultura empresarial, explicitar quem exerce o poder no departamento. E todos esses aspectos estão presentes simultaneamente – pense em "estrutura" da organização e terás estrutura, pense em "cultura" empresarial e apareceram todas as dimensões culturais, pense em "política" organizacional e surgirão os aspectos políticos de cada instituição (MORGAN, 2002, p.25).

            O Poder Judiciário apresenta uma estrutura piramidal e uma forma burocrática de administração instalada com todos os seus paradigmas. O modo de atuação do Judiciário, de forma estratificada, com o conhecimento cada vez mais especializado e individualizado, não permite a integração da problemática em termos do todo, mas sim em fragmentos de gestão. Em função da burocratização da Administração Judiciária, tanto no que concerne à atividade meio quanto a atividade fim, reina uma situação de conformismo e estagnação intelectual que dificulta a transformação de qualquer modelo (LEÃO, 2004, p.19).

            Em uma realidade como a descrita no parágrafo anterior, a mudança no modelo de gestão é um processo que tende a ter resistências naturais e deve ser implementado com cuidado, de forma planejada e controlada, por meio de indicadores que apontem o sucesso ou não das atitudes adotadas. Surge a idéia de que, mais do que o simples planejamento, é preciso preocupar-se com a gerência estratégica, ou seja, o estabelecimento de metas e objetivos para organização ajustados às demandas onde a organização está inserida, reforçando as idéias de processo contínuo, inovação e adaptação. É preciso que fique claro que o planejamento racional, centralizado, restrito ao topo da organização não é o mesmo que o planejamento estratégico. Esse último busca incorporar a visão estratégica aos diversos níveis gerenciais, instituindo o processo contínuo e sistemático de tomada de decisão de acordo com alternativas de futuro, criadas a partir de cenários em função das mudanças no ambiente organizacional (MOTTA, 1996, p.88-90).

            Dessa forma, não basta que um ou outro órgão jurisdicional busque atuar de acordo com os anseios e expectativas da sociedade, mas é necessário que o Judiciário atue a partir das idéias definidas como estratégicas para esse Poder, pautadas nos novos princípios da administração pública gerencial.

            Alguns podem pensar que o produto do planejamento estratégico é um plano ou um conjunto de planilhas e tabelas. Muito mais que isso, o produto do planejamento estratégico são os resultados compatíveis com a missão e objetivos organizacionais. A proposta desse tipo de iniciativa é estabelecer um sentido e direção para organização, e não aumentar a burocracia (MOTTA, 1996, p.92).

            É necessário, para que se obtenha sucesso na elaboração de um planejamento estratégico, que se rompam as barreiras das vaidades humanas. O sistema Judiciário não pode ser visto como um emaranhado de órgãos desvinculados entre si, cada qual realizando a prestação jurisdicional a seu modo. Claro que medidas isoladas, quando não se tem uma unidade possível, podem surtir algum efeito. Mas são insignificantes para o todo da população que prescinde dos serviços daquele Poder.

            É preciso que o planejamento estratégico do Judiciário seja desenvolvido a partir do consenso daqueles que detém o poder para decidir sobre os rumos a serem seguidos por todo o poder. E mais que isso, é necessário que esses se preocupem com a questão administrativa do Poder Judiciário, pois mais do que nunca essa administração envolve questões técnicas e políticas e deve ser buscada uma solução que envolva pessoas que conheçam de todos os ramos envolvidos nessa gestão.


referências

            CLEMENTE, A. Sem planejamento estratégico, não há investidor que se arrisque a colocar dinheiro em sua empresa. UniversiaBrasil, São Paulo, out. 2002. Disponível em http://www.universiabrasil.net. Acessado em: 15/11/2004.

            LEÃO, E. A Realidade Vigente na Administração de Tribunais. In: LEÃO, E. (Org.) Qualidade na Justiça. São Paulo: INQJ, 2004.

            MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000.

            MORGAN, G. Imagens da Organização. trad. Geni Goldschmidt. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002.

            MOTTA, P.R.M. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro : Record, 1996.

            RENAULT, S.R.T. O Poder Judiciário e os Rumos da Reforma. Revista do Advogado, São Paulo, n. 75, p. 96-103, abr. 2004.

            SLACK, N.; CHAMBERS, S.; JOHNSTON, R. Administração da Produção. Trad. Maria Teresa Corrêa de Oliveira. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002.

            VALERIANO, D.L. Gerenciamento Estratégico e Administração por Projetos. São Paulo: Makron Books, 2001.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Leonardo Peter da. A administração judiciária e o planejamento estratégico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 874, 24 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7562. Acesso em: 25 abr. 2024.