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Da (im)plausibilidade do divórcio impositivo no ordenamento jurídico brasileiro

Da (im)plausibilidade do divórcio impositivo no ordenamento jurídico brasileiro

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Tendo como norte a desburocratização da máquina judiciária a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco editou norma administrativa, nº. 06/2019, no qual permite que o divórcio seja realizado em Cartório de Registro Civil.

RESUMO

Tendo como norte a desburocratização da máquina judiciária e o a possibilidade de se dirimir conflitos extrajudicialmente, a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco editou norma administrativa, nº. 06/2019, no qual permite que o divórcio – que diga-se de passagem com viés litigioso – seja realizado em Cartório de Registro Civil. Este instituto foi denominado de divórcio unilateral ou impositivo. Todavia, tal provimento tem gerado controvérsias a ponto do Conselho Nacional de Justiça se manifestar sobre o assunto. Isto posto, questiona-se a sua (in)aplicabilidade no ordenamento jurídico pátrio. Metodologicamente, tem-se que a pesquisa a ser realizada será classificada como estudo exploratório, visto que, o objetivo é proporcionar maior conhecimento sobre a questão. Pretende-se realizar uma revisão bibliográfica sobre o Direito Constitucional, Direito de Família, além dos regramentos federias específicos e os seus desdobramentos práticos.

PALAVRAS-CHAVE:

Direito de Família. Dissolução do Casamento. Divórcio Extrajudicial. Divórcio Impositivo.

INTRODUÇÃO

Em face do novo conceito de família inaugurado pela Constituição Federal de 1988 - família plúrima e eudemonista -, não se justifica mais a imposição de uma série de restrições à dissolução do matrimônio, como consta atualmente no Código Civil de 2002, afinal de contas, o ente familiar somente deve ser mantido enquanto cumprir a sua função constitucional de promoção da dignidade de cada um dos seus membros. Em não sendo mais verificada tal função no seio familiar, não há qualquer interesse público na manutenção inócua do mero vínculo jurídico, deixando as questões relacionadas a estes feitos a cargo da autonomia privada dos cônjuges, tendo em vista que é um direito potestativo extintivo, exceto quando existir interesse de incapaz em jogo.

A tendência à desjudicialização, por sua vez, é evidenciada na atribuição de poderes para que certos órgãos extrajudiciais possam solucionar questões nas quais se verifica o consenso e a disponibilidade dos direitos das partes, no sentido de contribuir para a efetividade do direito.

São exemplos dessa tendência institutos como, por exemplo, o divórcio e o inventário extrajudiciais (Lei nº. 11.441/07) e, mais recentemente, a figura do divórcio impositivo.

Diante de uma sadia tendência de desburocratização e de extrajudicialização –, a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco editou norma administrativa, elaborada pelo Desembargador Jones Figueiredo Alves, no sentido de permitir o divórcio diretamente no Cartório de Registro Civil, no que se denomina divórcio unilateral ou impositivo (Provimento 06/2019). A medida acabou por ser reproduzida pela Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Maranhão. Entretanto, tal instituto tem gerado controvérsias e já chegou a sofrer suspensão perante o Conselho Nacional de Justiça. Isto posto, questiona-se é possível a sua aplicabilidade e nosso ordenamento jurídico?

A pesquisa a ser realizada no presente trabalho será classificada como estudo exploratório, visto que, o objetivo do trabalho é proporcionar maior conhecimento e tornar o esclarecimento da tese mais explicita. Para atingir os objetivos deste estudo, pretende-se primeiramente realizar uma revisão bibliográfica sobre o Direito Constitucional, Direito de Família como também análise do processual civil e os seus desdobramentos práticos.

Quanto aos seus objetivos, a pesquisa será apresentada baseada nos métodos de abordagem analítico-descritivo, além do método histórico, pois, a pesquisa submergirá o estudo e a avaliação de informações disponíveis para explicar o presente, além de uma contextualização histórica do divórcio até as perspectivas do divórcio impositivo. Os dados coletados, como técnica utilizada para resolução do tema e do problema, far-se-á a resolução do problema e melhoradas através da descrição e análise de observação objetiva.

1. AS PECULIARIDADES DA DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO POR MEIO DO DIVÓRCIO.

O casamento, dentro do moderno direito de família, e nos novos moldes familiares após a Constituição Federal de 1988, é pautado no afeto, na autonomia da vontade das partes e na mínima intervenção do Estado. E de tal forma, a dissolução do casamento, para algumas pessoas que vinheram de uma família conservadora, significaria o fim de uma série de sonhos frustrados. Todavia, para tantos outros, significa o recomeço, abrindo-se para uma nova etapa da vida. Assim, cumpre-se destacar que o estudo do fim da sociedade conjugal ganhou novo rumos, incontestavelmente, a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº. 66/2010, conhecida, corriqueiramente, como a Emenda do Divórcio.

Os moldes do Código Civil de 1916 trazia o casamento como uma união indissolúvel, pois era associado, exclusivamente, a ideia de sacramento religioso, e que vigorou até meados dos anos de 1977 com o desquite. Por conseguinte, com o avanço social, surgiu a chamada Luta pelo Divórcio, encabeçada pelo Senador Nelson Carneiro, o que anos mais tarde, foi concebido tal direito ao divórcio direto a partir da Constituição Federal de 1988. Atualmente, como supracitado, a Emenda Constitucional nº. 66/2010 representa uma verdadeira revolução para o Direito de Família brasileiro.

Conquanto, tem-se que a visualização concreta de seus impactos somente é possível com a devida confrontação com o sistema introduzido pelo Código Civil de 2002, como também é necessário confrontar a Emenda do Divórcio com as particularidades do Código de Processo Civil de 2015. Portanto, pode-se constatar que houve apenas no texto constitucional, sem qualquer modificação ou revogação de dispositivos do Código Civil ou de leis específicas, cabendo à doutrina e à jurisprudência apontar quais construções jurídicas devem ser atribuídas ao tema. Indiscutível são os desafios para os profissionais da área, como também para a sociedade.

O divórcio, tema explorado pela Emenda Constitucional nº. 66/2010, pode-se desdobrar-se em: a) judicial litigioso; b) judicial consensual; c) extrajudicial consensual. Cumpre-se esclarecer que em todos estas hipóteses elencadas a cima, exige-se apenas a exibição da certidão de casamento. As questão correlatas podem ser objeto de discussão e contestação sem prejudicar a decretação do divórcio. Ademais, não existe mais a discussão sobre a causa ou culpa pelo fim ou fracasso do casamento, tendo em vista que apenas retardaria a decretação do divórcio.

O instituto estudado pode ser requerido apenas por um dos cônjuges, também chamado de divórcio litigioso. O divórcio litigioso é aquele em que uma ou ambas as partes não concordam sobre um ou mais termos da dissolução do casamento, havendo, portanto, necessidade de que um juiz, seguindo as regras legalmente estabelecidas, resolva o conflito. E deve seguir o procedimento ordinário, como aduz o art. 40, parágrafo 3º, da Lei de Divórcio, o art. 693 e o art. 699 ambos do CPC/2015, caso se dê na via judicial. E, de tal forma, cumpre-se salientar que em nada obsta a iniciativa por aquele que deu causa ao rompimento da convivência familiar como explanado alhures.

A modalidade de divórcio consensual de dará de duas formas: judicial ou extrajudicial. Àquela tem-se que o desde 2007, com a Lei nº 11.441, o divórcio consensual na via judicial só permanecia obrigatório quando existiam filhos menores ou incapazes, impossibilitando aos cônjuges o recurso à via administrativa, situação que se manteve com o CPC/2015, com

o acréscimo da referência ao nascituro. O divórcio extrajudicial, por sua vez, deve ser realizado de forma consensual. O procedimento a ser seguido estar disposto no art. 731 e nas normas do art. 733 do CPC/2015.

2. DO DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAL

O divórcio coloca fim ao casamento válido, encerrando também a sociedade conjugal estabelecida entre os cônjuges, conforme enuncia o art. 1.571 do Código Civil. Tal sistemática não foi alterada com a Emenda do Divórcio, o que mantém a regra segundo a qual o divórcio não modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos (art. 1.579, caput, do CC). Além disso, havendo eventual novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, esse novo enlace não pode importar em restrições aos direitos e deveres dos cônjuges em relação aos filhos (art. 1.579, parágrafo único, do CC).

Além do divórcio judicial, previsto nesse dispositivo, a Lei nº. 11.441/2007 possibilitou o divórcio extrajudicial, por escritura pública, no Tabelionato de Notas, o que foi confirmado pelo art. 733 do Novo CPC, desde que inexistam filhos menores, incapazes ou nascituros e as partes estejam em acordo. A alteração legislativa restringiu a intervenção do Estado na vida privada das pessoas, na medida em que possibilitou que os divórcios consensuais não necessitassem mais se submeter à tutela prévia do Poder Judiciário, já combalido e assoberbado com tantas demandas judiciais. Assim, tem-se que:

“[...]A desjudicialização dos conflitos e a promoção do sistema multiportas de acesso à justiça deve ser francamente incentivada, estimulando-se a adoção da solução consensual, dos métodos autocompositivos e do uso dos mecanismos adequados de solução das controvérsias, tendo como base a capacidade que possuem as partes de livremente convencionar e dispor sobre os seus bens, direitos e destinos” (STJ, REsp 1.623.475/PR, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17.04.2018, DJe 20.04.2018).

Se não se exige prévia intervenção judicial para o casamento, por que razão haver-se-ia de exigir tal intervenção para a dissolução do vínculo conjugal. Tanto a constituição do vínculo como o seu desfazimento são atos de autonomia privada e como tal devem ser respeitados, reservando-se a tutela estatal apenas para hipóteses excepcionais1.

À vista disso, no CPC/2015, a matéria encontra-se prevista, de maneira sucinta, no art. 733, que estabelece:

Art. 733 - O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.

§ 1º - A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§ 2º - O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial".

Noutra senda, tem-se que a Lei nº. 11.441/07 facilitou a vida do cidadão e desburocratizou os procedimentos de divórcio e de separação consensuais ao permitir a realização desses atos em cartório de forma rápida, simples e segura. Além disso, o casal não pode ter filhos menores ou incapazes e se a mulher estiver grávida. Todavia, se devidamente for comprovada a prévia resolução judicial de todas as questões referentes aos filhos menores (guarda, visitação e alimentos), poderá ser realizado o divórcio em cartório.

Nada obsta a realização do divórcio extrajudicial, relegando-se a partilha de bens para depois2, ou seja, tais conteúdos não são obrigatórios, mas facultativos das partes.

É consabido, também, que a escritura de separação ou divórcio não depende de homologação judicial e deve ser averbada no Cartório de Registro Civil para alteração do estado civil das partes. E de tal forma, mesmo havendo processo judicial em andamento, os interessados podem, a qualquer momento, desistir do processo e optar pela separação ou divórcio consensual em cartório, desde que preenchidos os requisitos legais.

O art. 8.º da Resolução n. 35 do CNJ, por sua vez, confirma a necessidade da presença de advogado ou defensor público, devidamente identificado, quando da lavratura do ato. É

vedada ao tabelião a indicação de advogado às partes, que deverão comparecer para o ato notarial acompanhadas de profissional de sua confiança (art. 9.º da Resolução). Ademais, o tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial (art. 733, § 2.º, do CPC/2015).

Ainda de acordo com o último preceito, se as partes não dispuserem de condições econômicas para contratar advogado, o tabelião deverá recomendar-lhes a Defensoria Pública, onde houver, ou, na sua falta, a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, onde exista a prestação da assistência jurídica gratuita por advogados.

A Resolução estabelece, em seu art. 33, os documentos fundamentais para a lavratura da escritura pública de divórcio, a saber: a) certidão de casamento; b) documento de identidade oficial e CPF/MF; c) pacto antenupcial, se houver; d)certidão de nascimento ou outro documento de identidade oficial dos filhos absolutamente capazes, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; e f) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e de direitos, se houver3.

Quando houver transmissão de bem imóvel de um cônjuge para o outro, a título oneroso, sobre a parte excedente à meação, incide o imposto municipal ITBI. A título gratuito, sobre a parte excedente à meação, incide o imposto estadual ITCMD. Embora a lei faculte a partilha para momento futuro, é possível que os interessados resolvam as questões patrimoniais no mesmo ato. Cumpre-se dizer que os custos para a realização de tal ato no cartório é tabelado em todo território nacional.

A escolha do Cartório de Notas para lavratura da escritura, independe do domicílio das partes ou do local do casamento. Quanto à Resolução n. 35 do CNJ, merece relevo, inicialmente, a ausência de competência territorial para a lavratura da escritura de divórcio, enunciando o seu art. 1.º que “para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei n.º 11.441/2007, é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil”. Além disso, a via extrajudicial não é obrigatória, mas facultativa.

3. DO DIVÓRCIO IMPOSITIVO

O denominado divórcio impositivo surge no meio jurídico através do provimento nº. 06 do TJ/PE publicado em 14 de maio de 2019, tratando-se de uma inovação que permite a dissolução do vínculo conjugal, casamento, de forma unilateral no cartório de registro civil onde se deu o casamento.

Entretanto, em decisão prolatada em pedido de providências instaurado de ofício, no final de maio deste ano de 2019, o corregedor-Geral do Conselho Nacional de Justiça decidiu suspender as medidas administrativas, recomendando que os Tribunais Estaduais não editem normas no mesmo sentido. Segundo o Ministro Humberto Martins, existiriam dois óbices jurídicos no provimento do Estado de Pernambuco (CNJ, Pedido de Providências n. 0003491-78.2019.2.00.0000).

Não é desnecessário recordar que, para além dos requisitos de consenso e autocomposição, o legislador federal ainda estabeleceu o destinatário da competência de fazer separação e divórcio extrajudicial, bem como o procedimento por meio do qual deverá ser efetuado, a saber, o tabelião de notas e a escritura pública.

Por outro lado, o divórcio impositivo suprime o equilíbrio entre os cônjuges almejado pelo uso das técnicas de autocomposição, na medida em que ignora uma série de pretensões, vejamos: nos termos do parágrafo único do artigo 731 do Código de Processo Civil, só poderá ser dispensada a partilha de bens no divórcio extrajudicial se os cônjuges manifestarem que não desejam resolver esta questão por ocasião do divórcio: “Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658”.

Esse pedido de divórcio unilateral será subscrito pelo interessado e também por advogado ou Defensor Público, constando a qualificação e a assinatura do cônjuge do pedido e da averbação levada a efeito. Sucessivamente, o cônjuge não anuente será notificado pessoalmente, para fins de prévio conhecimento da averbação pretendida. Na hipótese de não ser encontrado o cônjuge notificando, ocorrerá a sua notificação por edital, após insuficientes as buscas de endereços constantes das bases de dados disponibilizadas ao sistema do Poder Judiciário.

Conquanto, depois de efetivada a notificação pessoal ou por edital, o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais procederá, em cinco dias, à averbação do divórcio unilateral. Se for o caso, em havendo no pedido de averbação do divórcio cláusula relativa à alteração do nome do cônjuge requerente, com a retomada do uso do seu nome de solteiro,

o Oficial de Registro Civil que averbar o ato no assento de casamento também anotará a alteração no respectivo assento de nascimento, se de sua unidade, ou, se de outra, comunicará ao Oficial competente para a necessária anotação.

Além dessa possibilidade de alteração do nome, nenhuma outra pretensão poderá ser cumulada ao pedido de divórcio unilateral, especialmente as relativas aos alimentos familiares, ao arrolamento e à partilha de bens, ou mesmo relacionadas a medidas protetivas, que serão tratados pelo juízo competente, ou seja, somente no âmbito do Poder Judiciário. Concretiza-se, assim, a ideia doutrinária segundo a qual o pedido único e isolado de divórcio passou a ser um direito potestativo do cônjuge, notadamente se não estiver cumulado com outros pleitos de natureza subjetiva. Em havendo direito potestativo, não há como haver resistência da outra parte, que se encontra em estado de sujeição.

O divórcio impositivo, nos moldes propostos pelo provimento em questão, viola a regra contida no artigo 733 c/c artigo 731, parágrafo único do Código de Processo Civil, porquanto permita que um dos cônjuges disponha unilateralmente no sentido de postergar a partilha dos bens no âmbito do divórcio extrajudicial. A divergência apenas quanto à partilha de bens não inviabiliza a celebração de escritura de divórcio ou separação, desde que os interessados concordem em relação ao divórcio propriamente dito, ou à separação. Entretanto, a fim de resguardar os direitos dos interessados, deve constar da escritura uma cláusula dispondo que os celebrantes acordaram no sentido de realizar a partilha a posteriori, bem como descrevendo os bens comuns e os bens particulares4.

É preciso observar, por fim, que o divórcio unilateral desjudicializado, por ser exercido sem a presença do outro cônjuge interessado, impossibilita que este venha a formular pretensões que têm de ser conhecidas anteriormente à decisão desconstitutiva do casamento, por serem a ela prejudiciais. No procedimento consensual articulado por meio do um instrumento, ambos os cônjuges devem estar presentes e cabe ao notário dar fé da capacidade de ambos para a prática do ato. Consumado o divórcio unilateralmente perante o registrador civil, corre-se risco sensível de que a condição de vulnerabilidade do cônjuge incapaz seja omitida.

CONCLUSÃO

A tendência à desjudicialização, por sua vez, é evidenciada na atribuição de poderes para que certos órgãos extrajudiciais possam solucionar questões nas quais se verifica o consenso e a disponibilidade dos direitos das partes, no sentido de contribuir para a efetividade do direito. São exemplos dessa tendência institutos como, por exemplo, o divórcio e o inventário extrajudiciais (Lei nº. 11.441/07) e, mais recentemente, a figura do divórcio impositivo.

E sendo assim, o divórcio impositivo, portanto, viola diretamente o regramento previsto no Código de Processo Civil, ao permitir que o cônjuge requerente postergue unilateralmente a partilha de bens para momento posterior ao divórcio extrajudicial. Mais grave é a possibilidade de postergar a definição da pensão alimentícia devida ao outro cônjuge, que não encontra previsão no âmbito do divórcio extrajudicial.

Por todo o exposto no decorrer do trabalho, tem-se que foi demonstrado que o divórcio dito impositivo pode se tornar um instrumento de desrespeito ao devido processo legal, mascarando litígios sob a estrutura de um procedimento extrajudicial e tolhendo indevidamente pretensões legítimas do outro cônjuge.

Ainda, tem-se que além dessa mudança no Código de Processo Civil, é preciso alterar a lei 8.935/1994 (Lei dos Cartórios) e a lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), para que seja introduzida expressamente a competência dos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais para o registro dessa nova modalidade de divórcio unilateral.

Pois bem, diante desses argumentos, que são bem plausíveis e fortes juridicamente, notadamente do ponto de vista formal, o Senador Rodrigo Pacheco propôs um projeto de lei tratando do divórcio unilateral ou impositivo (PLS 3.457/2019). Tal texto foi inspirado na norma administrativa do Tribunal de Pernambuco e, cumpre-se salientar que existe uma correspondência à resilição unilateral prevista para os contratos em geral e tratada pelo art. 473, caput, do Código Civil.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei Ordinária nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-

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BRASIL. Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007. Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa.. . Brasilia, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11441.htm>. Acesso em: 01 set. 2019.

DIDIER Jr, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. • Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017.

Tartuce, Flávio Direito civil : direito de família – v. 5 / Flávio Tartuce. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.

TAVARES, André Ramos. Desjudicialização. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/desjudicializacao/10165. Acesso: 28 de agosto de 2019.

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Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Provimento nº. 06//2019: Regulamenta o procedimento de averbação, nos serviços de registro civil de casamentos, do que se denomina de “ divórcio impositivo ” e que se caracteriza por ato de autonomia de vontade de um dos cônjuges, em pleno exercício do seu direito potestativo, no âmbito do Estado de Pernambuco, e dá outras providências. 2019. Disponível em: <http://www.tjpe.jus.br/web/corregedoria/legislacao/provimentos/2019>. Acesso em: 01 set. 2019.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil - Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves - 10. ed.- Salvador: Ed. JusPodivm, 2018.


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