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A mordida do Leão na Previdência Social

os novos rumos da legislação previdenciária

A mordida do Leão na Previdência Social: os novos rumos da legislação previdenciária

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1.Intróito

            A criação do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social pela Lei nº. 8.029, de 12 de abril de 1990, operou uma fusão dos antigos INPS e IAPAS, responsáveis, respectivamente, pela concessão de benefícios e arrecadação das contribuições previdenciárias. O novo órgão, uma autarquia federal, passou, pois, a cumular a função de ambos.

            Desde então, competia ao INSS não apenas a manutenção dos benefícios e serviços previdenciários, mas também a arrecadação e fiscalização das contribuições previdenciárias, ou seja, era o INSS o órgão competente para conceder e gerir as prestações previdenciárias e para fiscalizar e arrecadar as contribuições previstas na aliena ‘a’, do inciso I, e inciso II do art. 195 da Constituição da República.

            A receptividade ao novo órgão foi maciça. Os resultados acima do esperado. Tanto que são de fácil confusão os conceitos de INSS e Previdência Social.

            Contudo, recentemente foi editada a MP 222/04, convertida na Lei n° 11.098, de 2005, que retirou a competência desta autarquia repassando-a diretamente à União, através da Secretaria da Receita Federal.

            Tal medida é reflexo da sagacidade do Governo Federal, que não tendo como majorar impostos, em virtude de um forte movimento social contrário, tenta agora abocanhar a Previdência Social.


2.Da destinação constitucional das contribuições previdenciárias

            A Constituição Federal, no inciso XI, do art. 167, estabelece que é vedada "a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201".

            Em outras palavras, a Constituição Federal determina a utilização dos recursos provenientes das contribuições previdenciárias exclusivamente para realização das despesas com pagamento dos benefícios previdenciários do RGPS. Com isto se busca preservar a saúde do sistema previdenciário brasileiro.

            Note-se que a destinação de tais recursos não é para a Seguridade Social, mas apenas para a Previdência, de forma que esta possa arcar com as despesas decorrentes dos pagamentos de benefícios previdenciários.

            Ora, e como as despesas com benefícios previdenciários são suportadas pelo INSS, órgão que representa a Previdência Social no sistema positivo brasileiro, é este o ente que, por conseqüência, deveria ter competência para arrecadar estas contribuições. Tanto que a própria Constituição Federal, no inciso III do art. 165, prevê um orçamento próprio da Seguridade Social independente do orçamento fiscal. [01]

            Contudo, com a edição da MP 222/04 o Governo Federal dá início a uma série de medidas para retirar as contribuições previdenciárias do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, abocanhando uma receita constitucionalmente destinada à Previdência Social.

            Trata a espécie de manobra engendrada pela União para apropriar-se ilegalmente dos recursos da Previdência Social, que, em análise ontológica, é uma conquista de todos e patrimônio do povo.


3.Da inconstitucionalidade do repasse das contribuições previdenciárias do INSS para a União

            O INSS é o órgão responsável pela concessão e manutenção dos benefícios e serviços previdenciários do Regime Geral de Previdência Social, devendo ser também de sua a competência a arrecadação e fiscalização do cumprimento das contribuições previdenciárias, em virtude do disposto no art. 167, XI, da Carta Magna.

            A MP 222/04, convertida na Lei n°. 11.098/05, embora não tenha alterado, a princípio, tal situação, atribuiu ao Ministério da Previdência Social a competência para arrecadar, fiscalizar, lançar e normatizar o recolhimento das contribuições sociais, em nome do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

            Também estabeleceu a referida medida provisória, em seu art. 8°, a possibilidade de se criar no âmbito do Ministério da Previdência Social a Secretaria da Receita Previdenciária, órgão este que acumularia as funções de arrecadação das contribuições previdenciárias.

            Em um primeiro momento, a Medida Provisória 222 não alterou a destinação das contribuições previdenciárias, as quais são arrecadadas e fiscalizadas pela União, através do Ministério da Previdência (Secretaria da Receita Previdenciária), em nome do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social.

            Contudo, esta é apenas a primeira de uma série de medidas que será adotada pelo Governo Federal, o qual pretende repassar as contribuições previdenciárias para a União, aumentando, por conseqüência, sua arrecadação. Tanto que, mesmo depois de rejeitada pelo Senado Federal medida provisória com esta finalidade, já se encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei unificando as Secretarias da Receita Federal e Previdenciária, de forma a se promover a junção dos órgãos de arrecadação federais, retirando-se, de vez, as contribuições previdenciárias do INSS, repassando-as, pois, à União.

            Ora, tal medida viola frontalmente o inciso XI do art. 167 da Constituição Federal, pois o dinheiro arrecadado a título de contribuições previdenciárias deixaria de cumprir sua função constitucional passando a integrar o caixa da União. A Previdência passaria a depender de repasses do Governo Federal para sua sobrevivência, como o filho depende da mesada do pai.


4.Conclusão

            Como visto, a Previdência Social não se resume à manutenção de benefícios e serviços. Estes são seus objetivos, mas para tanto é necessária a respectiva fonte de custeio, porque o próprio texto constitucional determina que "nenhum benefício ou serviço da seguridade social pode ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total".

            O dinheiro arrecadado com as contribuições previdenciárias destina-se ao pagamento dos benefícios e serviços previdenciários (art. 167, XI, CF), pertencendo, pois, por comando constitucional, ao INSS, ente que representa a Previdência Social pública.

            Desviar este dinheiro, além de afrontar o texto constitucional, desguarnece a Previdência Social, enfraquecendo a Instituição, que é o único ente federal que se preocupa com a realização de justiça social.

            É neste contexto que a Previdência Social pede socorro e clama por justiça!


Nota

            01 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direito Previdenciário Avançado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 391.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. A mordida do Leão na Previdência Social: os novos rumos da legislação previdenciária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 915, 4 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7777. Acesso em: 26 abr. 2024.