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Fronteiras entre o direito público e o direito privado

Fronteiras entre o direito público e o direito privado

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A constitucionalização ou publicização do Direito Civil apenas veio a valorizar o Direito Privado, na medida em que propicia soluções de maior operacionalidade, legitimidade e justiça nas relações contenciosas.

Sumário: Introdução - 1. Origem da Dicotomia Direito Público/Direito Privado - 2. A Crescente Publicização do Direito Privado - 3. A Privatização do Direito Público - 4. Novas Técnicas de Compreensão do Direito - 5. O Interesse Social nas Situações Privadas - 5.1. Contrato - 5.2. Propriedade - 5.3. Família - 6. Conclusão - Referências Bibliográficas

Resumo: Abordagem acerca do Direito Privado contemporâneo e suas relações com o Direito Público. Este trabalho discorre sobre as origens e a evolução histórica da dicotomia Direito Público/Direito Privado, encarando o Código Civil a partir da Constituição e das leis especiais. Aborda a constitucionalização do Direito Privado, especialmente do Direito Civil, perquirindo sobre as razões e fundamentos do fenômeno, a fim de apurar quais os limites entre o Direito Público e o Direito Privado.

Palavras-Chave: Classificação do Direito. Publicização do Direito Privado. Constitucionalização do Direito Civil.


Introdução

O Direito Civil está em crise! Esta expressão, largamente empregada pela doutrina hodierna porém pouco compreendida pelo operário do Direito, suscita uma revisita aos institutos básicos do Direito Privado e uma apreciação de sua eficácia social. As profundas transformações que têm ocorrido no mundo ao longo das últimas décadas, notadamente a derrocada dos regimes de esquerda e o fenômeno da globalização, impuseram uma nova ordem, baseada predominantemente no fator produção de riquezas/consumo. Com isso, o poder econômico passa a exercer influência ainda maior nas estruturas sociais, exigindo do cientista social e político a busca de mecanismos de atenuação do poder.

A intervenção do Estado no domínio econômico e a imposição de limites à vontade do homem são fenômenos presentes desde a segunda metade do Século XIX. Todavia, uma vez que o Código de 1916 inspirou-se no modelo napoleônico de 1804, em que predominavam a autonomia da vontade e o absolutismo do direito de propriedade, há não muito tempo vivíamos sob esse paradigma. A situação só começaria a sofrer alterações mais profundas nas duas últimas décadas, com a edição do Texto de 1988 e o enfoque doutrinário sobre as inter-relações entre Direito Público/Direito Privado. Tal postura, diga-se por amor à verdade, já se encontrava em alguns textos doutrinários, porém de forma ainda incipiente e com baixa receptividade.

A presença de um conteúdo social nas relações privadas é hoje tema de vivo debate nos meios jurídicos. Chegam alguns autores a pressagiar a morte do Direito Civil, que, impregnado de uma funcionalização social, já não poderia existir como disciplina autônoma. Outros sustentam a abolição da dicotomia Direito Público/Direito Privado, ao argumento de que suas inter-relações chegaram a um ponto onde não é possível divisar com clareza os limites entre um e outro.

É fato que o Direito Privado está se impregnando de um conteúdo social, posto que o egoísmo, o individualismo e a patrimonialização, idéias presentes nas raízes do Direito Privado, estão cedendo espaço para novas tendências, dentre as quais se destacam a repersonalização e a funcionalização dos institutos privados. Esse novo modelo, fundado na valorização da pessoa, postula a aplicação de uma principiologia, parte presente no sistema privado, parte gravitando na órbita constitucional. No mundo contemporâneo, a Constituição não tem mais aplicação residual às situações privadas; agora, ela é a fonte em que se abebera o aplicador do Direito.

Não quer isso dizer, porém, tenha o Direito Privado decrescido de importância ou perdido sua principiologia. A chamada constitucionalização ou publicização do Direito Civil apenas veio a valorizar o Direito Privado, na medida em que propicia soluções de maior operacionalidade, legitimidade e justiça nas relações contenciosas. Ao mesmo tempo, vê-se fenômeno inverso, a privatização ou civilização do Direito Público, idéia ainda não sedimentada entre nós porém uma realidade cada vez mais tangível.

O Direito Privado convive com o Direito Público. Pode-se dizer que suas fronteiras não sejam tão claras como outrora. Um e outro ramo se inter-relacionam e um empresta ao outro meios para a valoração das situações jurídicas. O Direito Privado socorre-se do Estado para funcionalizar seus institutos; o Estado vale-se da norma civil para executar suas atribuições. Mas cada um se mantém como um sistema de normas e princípios, um e outro conservando seu sítio natural.


1. Origem da Dicotomia Direito Público/Direito Privado

O ordenamento jurídico destina-se ao resguardo dos valores eleitos pela sociedade. Disso decorre a asserção, aceita pela filosofia, de que o fim último da norma é a realização de um determinado interesse, entendidos como tais os bens e as situações de fato úteis ao homem e à sociedade. Assim, a norma que coíbe o esbulho protege o valor posse, a regra que permite a execução dos bens do devedor assegura o valor crédito e a proibição de infidelidade no casamento resguarda o valor representado pela honra do cônjuge. De igual sorte, a norma que obriga o poder público a licitar nas compras visa ao resguardo do patrimônio público. A norma jurídica, portanto, quer provenha do Estado (lei) quer se forme no seio da sociedade (costumes), dirige-se à consecução dos objetivos eleitos pelo tecido social.

A clássica divisão do Direito em dois grandes ramos, o Direito Público e o Direito Privado, tem origem romana e está assentada na natureza daqueles valores. Segundo conhecida passagem do Digesto (533 d.C), publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod ad singolorum utilitatem. Ou seja, direito público é aquele que diz respeito ao estado ou coisa romana; privado, às utilidades dos particulares. O acento distintivo repousa, pois, na natureza dos valores: de um lado, o Direito protege os valores que interessam à comunidade abstratamente considerada; doutro, tutela os interesses dos particulares.

Discorrendo sobre o tema e inspirado nas idéias de HANNAH ARENDT, TÉRCIO FERRAZ JR. explica as origens da dicotomia Direito Público/Direito Privado, vinculando-a à estrutura sócio-econômica da civilização romana. Segundo o renomado professor, os romanos conheceram dois campos de poder: a esfera privada e a esfera pública. A primeira compreendia o terreno das necessidades e envolvia a atividade do homem voltada para sua sobrevivência, como a produção de alimentos v.g. Tal atividade era o labor e se exercia na própria casa. Ao lado dessa atividade, o homem livre, cidadão, exercia uma outra, chamada ação, que consistia no encontro com outros homens, na discussão de temas relevantes, troca de experiências e adoção de estratégias comuns. Essa atividade se exercia na polis ou cidade, donde a expressão animal político [01].

Partindo de tais premissas, afirma-se que aquela passagem do Digesto, ao estremar uma e outra esferas de interesse, tenha reputado como privadas as relações que se estabeleciam no seio doméstico, como as referentes à família, às sucessões e à propriedade. Todas essas situações compreendem-se no terreno da pessoa natural. O vocábulo privus, designando aquilo que é próprio, vai aplicar-se às relações travadas pela pessoa em seu âmbito de poder. Logo, o Direito Privado é aquele que regulamenta o papel da pessoa nessas relações.

O Direito Privado romano, com efeito, está centrado na família, na propriedade, no contrato e nas sucessões. Todos esses fenômenos, minudentemente regulamentados após a codificação de Justiniano, fundam-se no princípio da autonomia da vontade, de que se extrai a idéia de liberdade e a regra da não ingerência do poder público. De fato, o individualismo foi uma constante entre os romanos. Em relação à família, destaca-se o poder absoluto do pater, senhor de vida e morte sobre a mulher e os filhos. A propriedade, de seu turno, nasce do altar doméstico e das sepulturas, ao redor dos quais o romano passa a exercer poderes exclusivos, perpétuos e absolutos, inderrogáveis ao arbítrio do Estado. No âmbito dos contratos impera, além da autonomia das vontades e do pacta sunt servanda, a regra da intangibilidade das condições avençadas. E, finalmente, nas sucessões, vigem normas como a que permite a livre deserdação.

Igual fenômeno não se passa com o Direito Público daqueles tempos. Aqui já não se fala em liberdade, autonomia ou poder individual. Cuida-se, antes, do jus imperii, da esfera de poder do governo ou da polis, cuja vontade é capaz de se impor ao interesse particular. É o que se vê, v.g., na lei que veda a autotutela; na norma que impõe o pagamento de tributos e no processo formular, a cuja sentença devem as partes obediência. O princípio fundante de tais situações é o da subordinação, que traz consigo a idéia da prevalência dos interesses de todos sobre a vontade individual. Parte-se da premissa de que as normas impostas ao particular devem ser obedecidas a bem da paz social, valor que, pertencendo a todos indistintamente, é superior ao interesse de um só indivíduo. Disso decorre a regra, constante no Digesto, segundo a qual jus publicum privatorum pactis mutari non potest (não pode o direito público ser alterado pelas convenções particulares).

Se o sistema romano percebia com certa clareza a distinção entre a esfera pública e o domínio particular, igual nitidez não se verificará no período medievo. As incursões bárbaras forjarão uma nova condição política, cujo reflexo mais forte se dará na estrutura de produção. Isso é particularmente evidente na propriedade imobiliária, que, na prática, desaparece e dá lugar a um sistema baseado na idéia das concessões. Ninguém, senão o rei, é agora senhor das terras. Mas o rei pode conceder sua exploração a um duque, que a concederá a um marquês, que, por sua vez, a entregará a um conde, até chegar no senhor feudal, à semelhança de uma enfiteuse. Essa superposição de propriedades já não permite diferençar com segurança o público do particular. Essa situação é agravada pela absoluta incapacidade do rei de debelar os invasores, o que forçará as várias camadas sociais a defender-se por sua própria conta.

A Revolução Francesa é que fará ressurgir com vigor a dicotomia. Insurgindo-se contra o absolutismo, a classe burguesa retoma de certa forma o modelo romano ao estremar a esfera pública e o terreno privado. Essa época assinala o predomínio da liberdade de iniciativa, o princípio da igualdade formal de todos os homens e a idéia da não ingerência do Estado nos negócios particulares. O receio de um retrocesso à condição anterior faz plasmar um sistema em que o poder público não intervém senão em hipótese restritas, como para assegurar a paz social, por exemplo. É o triunfo da ideologia liberalista e do laissez faire. Contratos, família e propriedade, disciplinados no Código Napoleão de 1804, constituem o tríplice objeto de incidência do Direito Privado, agora sustentado no binômio igualdade/liberdade: uma vez que todos os homens nascem livres e iguais, então cada um é dotado de igual talento para buscar o que é melhor para si. Respeite-se, pois, a vontade de cada um.

O modelo napoleônico constitui a fonte em que se abeberaram os sistemas romano-germânicos, como é o caso dos Estados da Europa continental e das nações latino-americanas. Esses sistemas procuraram, de um lado, garantir ampla esfera de ação ao particular e, de outro, limitar o raio de ingerência do Estado. No caso do Brasil, o direito privado dos Séculos XIX e XX compreendeu, basicamente, a família, a propriedade, os contratos e a empresa, disciplinas marcadas por forte matiz individualista e despidas de qualquer comprometimento social. No que toca à legislação civil, vigeu até 2003 o Código de 1916, cujo conteúdo foi concebido nos idos de 1890; a disciplina empresarial, de sua parte, achava-se lastreada no velho Código Comercial de 1850, substancialmente derrogado em 2003, mas ainda em vigor.

A larga vigência temporal daqueles diplomas legislativos suscita a idéia de que o Código Civil, assim como a lei comercial, constituiriam os sistemas em torno dos quais orbitaria o direito privado. Essa noção implica em insular os Códigos, imunizando-os à incidência dos princípios de Direito Público. Esse raciocínio esteve entre nós no passado, mas hoje já não se sustenta, pois as fronteiras entre um e outro ramo do direito apresentam-se permeáveis o bastante para afastar a propalada completude dos estatutos privados. Nem os códigos são auto-suficientes nem a norma pública, notadamente a constitucional, deve ser afastada da interpretação das situações particulares.

Hoje não é possível nem razoável conceber a idéia de antagonismo entre Direito Público e Direito Privado, compartimentalizando-os. A classificação ainda permanece e se justifica. O Direito é uma ciência e, como tal, precisa ser estudado em suas várias manifestações. Para PAULO NADER, a distinção entre o Direito Público e o Direito Privado é útil no plano didático e benéfica do ponto de vista prático, pois favorece a pesquisa, o aperfeiçoamento e a sistematização de princípios de um gênero e outro [02]. Assim, é válido buscar critérios de distinção, mas essa tarefa, advirta-se, deve ser empreendida afastando-se duas falsas premissas: a idéia da contraposição entre aqueles ramos do direito e a noção de completude do Código Civil.

Segundo MIGUEL REALE, existem dois fatores a distinguir o Direito Público do Direito Privado. O primeiro leva em conta o conteúdo da norma; o outro atenta ao aspecto formal da relação jurídica. Logo, considerando seu conteúdo, as normas privadas são aquelas que regulamentam interesses particulares, enquanto as públicas são aquelas que visam ao interesse geral. No tocante ao aspecto formal, se a relação é de coordenação [03], tem-se Direito Privado; se a relação é de subordinação, trata-se do Direito Público [04]. A norma civil pertence ao ramo do Direito Privado, pois, em relação ao contrato, prevalece o interesse das partes e a relação se estabelece sem grau de subordinação entre elas. Já a norma tributária pertence ao Direito Público, não só porque tutela um interesse geral, consistente na arrecadação e distribuição de riquezas para a coletividade, como também porque implica uma relação de subordinação entre o poder público e o particular, consistente no imperium.

Sem embargo de tais distinções e da validade de estremar um e outro ramo do direito, é certo que o Direito Público vem ganhando espaço no âmbito das relações privadas, a ponto de hoje falar-se no fenômeno da publicização do Direito Civil. O fenômeno ocorre da inserção, no plano da norma constitucional, de situações antes restringidas à órbita da lei ordinária, como se dava com o contrato, a família, a propriedade e a empresa. Tais institutos não deixaram seu sítio natural, porque conservam um conteúdo predominantemente privatista, porém vêm sendo gradativamente atraídos pela norma constitucional. Trata-se de uma tendência visível em nível mundial e saber por que e como isso tem ocorrido é tarefa que se impõe ao estudioso do direito.


2. A Crescente Publicização do Direito Privado

A idéia de completude, como virtude inerente às codificações em geral, mostrou-se uma inviabilidade histórica. Sabe-se que a era das codificações, que sucedeu à queda dos regimes ditatoriais na Europa, assinala uma evolução no campo da técnica jurídica, pois representa uma forma de delimitação ao arbítrio estatal. A queda desses regimes é marcada pelo advento do constitucionalismo, uma técnica destinada a coligir, num texto político, os direitos fundamentais do homem, máxime a propriedade e o direito de livre contratar, conferindo assim ao indivíduo grande raio de liberdade. Limita-se, desta forma, a atuação do Estado.

Essa técnica não teve outro escopo senão o de impedir o retorno ao regime absolutista. A Revolução Francesa abre o caminho para as codificações, as quais culminaram por impregnar os sistemas ocidentais de preceitos, regras e instrumentos que hoje não têm o menor sentido e aplicabilidade prática, embora assimilados por boa parte da cultura jurídica. As codificações, empreendidas em consonância com o liberalismo, fundam-se nos ideais da igualdade e da liberdade, reservando ao Estado o papel de simples fiscalizador e garantidor da ordem, não sendo outro o sentido da expressão Estado gendarme. Como anota PAULO ADIB CASSEB, segundo essa concepção, a atividade privada é exercida livremente em matéria econômica e a liberdade de indústria e comércio, que só sofrerão restrições oriundas da lei e das normas que garantem os direitos individuais, proíbe o Estado e seus órgãos de intervirem na concorrência industrial e comercial [05].

O Código Austríaco, por exemplo, publicado em 1810, vedava a interpretação não literal de seus enunciados, mostrando-se coerente com o modelo napoleônico de 1804, informado pela regra in claris cessat interpretatio. Um e outro Código pretendiam-se auto-suficientes e centro regulador da vida do ser humano, razão por que valorizaram sobremodo a liberdade, a literalidade e o formalismo. Nesse modelo legislativo egocêntrico, idéias como a da autonomia da vontade, da propriedade absoluta e do casamento dirigido pelo marido são erigidas ao estado de princípios do direito privado e, em nome de uma suposta igualdade entre os homens e de uma pretensa segurança nas relações jurídicas, toleram-se situações iníquas.

Até pouco tempo atrás vigia entre nós o Código Civil publicado em 1916 e elaborado nos estertores do Século XIX. Poucos estatutos jurídicos, é bem verdade, gozaram de vida tão longeva, a ponto de assistirem a duas viradas de século e sobreviverem a seis textos constitucionais. Mas, concebido numa época em que o liberalismo, embora deformado, lavrava infrene na cultura latino-americana, o Código de 1916 foi inspirar-se no modelo napoleônico, centrado no paradigma da completude, segurança jurídica e exegese estreita.

Decorrência disso é que uma abordagem precipitada do sistema civil positivo fez-nos crer no Código como centro do sistema privado, ao redor do qual gravitariam outras normas jurídicas só aplicáveis nos casos de lacuna ou antinomia. Logo, a idéia de que o contrato faz lei entre as partes, o aforismo de que o combinado não é caro, o princípio de que a propriedade é um direito absoluto, levados à condição de dogma, faziam parte do universo cultural de não escassas obras de Direito Civil do Século XX.

A noção do Código como centro nevrálgico do Direito Civil começa a ruir em meados do Século XIX, quando vêm à tona os fenômenos da constitucionalização e da publicização das relações privadas, a teoria do abuso do direito e a concepção social da propriedade. É o que se vê, por exemplo, com a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar, de 1919. Ambas disciplinaram o direito de propriedade, exigindo-lhe uma função social. Essa nova postura rompe com o paradigma anterior, pois, ao qualificar um direito individual, exigindo-lhe uma funcionalização, está a permitir a ingerência do Estado nas situações privadas.

Tal concepção é um sintoma da decadência do Estado burguês. O Século XIX assinala o aparecimento do Estado Social, que nasce da convergência de uma série de fatores políticos, sociais e econômicos. Os estamentos dominantes, ao optarem pelo modelo liberal e conduzirem NAPOLEÃO ao poder, logram assegurar seus interesses, mas fracassam em manter a ordem. A grande massa da população, iludida pelo romantismo de 1789 e sentindo-se traída pelos burgueses, a quem apoiara na queda da Bastilha, clama por reformas e exige a ação do Estado. Delineia-se um quadro preocupante: de um lado, tem-se o aperfeiçoamento dos métodos de produção, com conseqüente aumento da riqueza; doutro, assiste-se à proliferação da miséria.

Para MICHELE GIORGIANNI, um dos principais fatores das transformações por que passou o Direito Privado no Século XIX é o advento da idéia moderna de Estado, segundo a qual a este devem ser atribuídas funções antes deixadas a cargo do particular. De fato, esta evolução corresponde exatamente às idéias filosóficas do Século XIX: o criticismo Kantiano, o idealismo, o romantismo, e o historicismo dão novo valor ao ‘grupo’, à ‘sociedade’, à ‘nação’, ao Estado, acabando por atribuir a este último a função de equilibrar a ‘liberdade’ dos indivíduos com a ‘necessidade’ da sociedade [06].

O Século XIX é, com efeito, particularmente caro ao historiador, dada a multiplicidade de eventos sociais e econômicos que nele se verificam. A Revolução Industrial gera a urbanização e a expansão da economia, mas traz consigo graves problemas, como a concentração de renda. Criam-se postos de trabalho, mas o trabalho é mal remunerado e exige esforços ingentes do operário [07]. Ou seja, a ordem pós-revolucionária satisfaz a burguesia, que enriquece, porém descontenta a grande massa da população, que vive precariamente. Movimentos sociais não tardarão a surgir, como as rebeliões irrompidas no sul da França em 1831, na Inglaterra em 1840 e na Boêmia em 1844.

No âmbito da família, importantes movimentos reclamam maior participação no contexto político e na administração do lar. Em 1840, aparece nos Estados Unidos a Equal Rigths Association. Entidades semelhantes surgem em 1859 na Rússia e em 1865 na Alemanha. Em 1866, STUART MILL, o filósofo, manifesta-se a favor do voto feminino. Digno de nota, porém, em razão da repercussão que obteve, foi a greve das operárias têxteis de Nova Iorque, no ano de 1857, a exigir a igualdade de condições com os operários. O modelo napoleônico, portanto, assentado na família de orientação marital, já não se sustenta senão com pesadas críticas. No Século XIX, Suécia e Nova Zelândia estendem às mulheres o direito de voto.

O modelo liberal está sob xeque. Despontam na Europa teorias como a da comunização, nacionalização, democratização e humanização dos meios de produção, todas elas tendo como pano de fundo a propriedade e defendendo uma mesma idéia: a intervenção do Estado nas relações privadas. Parte-se da constatação de que os conceitos de igualdade e liberdade, tônicas do movimento de 1789, não devem ser vistos em sua acepção literal, como idéias absolutas. Os homens não nascem iguais nem vivem em condições de igualdade. Uns, por possuírem maior inteligência ou recursos materiais, estão em posição privilegiada em relação a outros, dotados de menor tirocínio ou carentes de recursos materiais. Para uns, as oportunidades de crescer são maiores; para outros, escassas. Uns podem investir e especular; outros contentam-se com o papel de meros coadjuvantes na produção de riquezas.

Se os homens são materialmente desiguais, a liberdade nas relações privadas não pode ser levada ao extremo; seu excesso pode gerar iniqüidades, especialmente no contrato, em que uma das partes, materialmente mais forte, aproveita-se da fraqueza e sujeição alheia para captar-lhe a vontade. É razoável, portanto, que o sistema trate as pessoas como desiguais e, nas relações privadas, proteja a parte mais fraca a fim de propiciar uma situação de equilíbrio entre elas e impedir a prevalência de interesses unilaterais. O ente encarregado de impor esse tratamento é o Estado; o instrumento para a consecução desse objetivo é o Direito. A releitura dos conceitos de liberdade e igualdade projeta o Estado Social, mais comprometido com a coletividade, em reação ao Estado Burguês, aparelhado para atender aos interesses de uma minoria.

Como informa PAULO BONAVIDES, o velho liberalismo, na estreiteza de sua formulação habitual, não pôde resolver o problema essencial de ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise. A liberdade política como liberdade restrita era inoperante. Não dava nenhuma solução às contradições sociais, mormente daqueles que se achavam à margem da vida, desapossados de quase todos os bens [08].

Mercê desse fenômeno, ganham força o dirigismo contratual, a função social do contrato e a funcionalização do direito de propriedade. As titularidades jurídicas já não são vistas apenas como bens de interesse individual, porém como detentoras de uma potencialidade social. A propriedade já não é mais direito absoluto e perpétuo; segue como um direito individual, mas sem esquecer os anseios coletivos. O contrato, fundado na autonomia da vontade, segue obrigando as partes, porém submetido ao princípio da supremacia da ordem pública, relatividade e boa-fé. A mulher casada já não é simples coadjutora da administração familiar; passa a exercer papel de maior relevo.

A visão social das relações privadas impõe nova postura do poder público. Se o Estado é agora garantidor do equilíbrio na ordem privada, então alguns institutos básicos do direito particular devem ser disciplinados pela Constituição, que é o instrumento delimitador e regulador das funções estatais. Disso decorre a previsão, em nível constitucional, de situações antes reguladas apenas pelo Direito Privado. Contrato, propriedade e família e, em menor grau, a empresa, são atraídos para a órbita constitucional. O Direito Civil está agora constitucionalizado, o que torna mais tênue os limites entre norma pública e norma privada. Como se viu acima, a norma privada romana destinava-se à disciplina dos interesses individuais. Agora, os mesmos interesses são também disciplinados pela norma pública.

Não se trata de negar o caráter preponderantemente privado das titularidades, como o contrato, a propriedade, a família e a empresa. Todas elas se conservam como institutos de Direito Privado. Mas, levadas à norma constitucional, impregnam-se de caráter público. Sua publicização qualifica-as como portadoras de uma função social, porque o Estado, frente ao enfraquecimento do liberalismo, torna-se um Estado de social-democracia. O egoísmo, o individualismo, o afã de poder e riqueza, cedem diante de um interesse maior, representado pela ordem social. Nascem o que se convencionou chamar direitos de segunda geração, oriundos da intervenção do Estado nas relações sociais.

Não é verdade, ademais, que o Código Civil venha sendo substituído pela Constituição. Pensar assim é desvalorizar um e outro ramo do Direito. O Código conserva seu papel e espaço, disciplinando a essência das relações jurídicas privadas. Mas estas, agora, tornaram-se qualificadas pela norma pública, circunstância que, a rigor, não delimita a vontade, antes a valoriza, emprestando-lhe relevo maior, na medida em cumpre agora dois objetivos: satisfazer os particulares e preservar o interesse social. No passado, o operário trabalhava apenas para pane lucrando; agora, trabalha para preservar a dignidade.

É inegável, porém, tenha o Código perdido sua função de centro nevrálgico do sistema. Fora da Constituição, vêem-se os microssistemas, núcleos normativos sob cuja égide encontram-se várias situações privadas. É o caso do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), da locação de prédios urbanos (Lei 8245/91) e da titularidade intelectual (Lei 9610/98). Recuando no tempo, vê-se a disciplina dos condomínios edilícios (Lei 4591/64). Os microssistemas não afastam o Código Civil, mas com ele convivem, podendo ambos, microssistema e Código Civil, ser chamados a solucionar uma mesma situação jurídica. Como pondera TEPEDINO, configura-se, de um lado, o direito comum, disciplinado pelo Código que regula, sob a velha ótica subjetivista, as situações jurídicas em geral; e, de outro, o direito especial, cada vez mais relevante e robusto, que retrata a intervenção do legislador em uma nova realidade econômica e política [09].

Constituição, Código Civil e microssistema não se excluem; antes, convivem e permitem a unificação do sistema.


3. A Privatização do Direito Público

Se é certo esteja o Direito Privado publicizado ou socializado, estará o Direito Público "privatizado"? É de responder positivamente. O Estado, ao longo do tempo, veio tomando para si as atividades antes deixadas à discrição do particular. No contrato de trabalho, por exemplo, substitui a autonomia da vontade plena para dirigir as condições da avença. Mas, ao mesmo tempo em que "socializa" o Direito Privado, o Estado tem se valido de mecanismos peculiares a esse ramo para executar algumas de suas tarefas, como se vê nos contratos que o poder público entabula com os particulares.

O município que adquire veículos para recompor a frota de ambulâncias pratica um negócio jurídico com o particular, sob a disciplina do contrato de compra e venda (CC, arts. 481 e ss.). Outro exemplo significativo está no contrato de parceria público-privada previsto na Lei 9790/99, que cria as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Aqui, tem-se um caso em que o Estado contrata uma pessoa jurídica de direito privado, associação ou fundação constituída por particular, para a consecução de determinado escopo público (promoção da saúde, educação, patrimônio artístico, meio ambiente etc). Rege-se o negócio, preponderantemente, pela principiologia dos contratos presente no sistema privado.

Agora, tem-se um ente público agindo sob a égide e orientação da lei privada e um ente privado exercendo funções que deveriam ser do Estado. Em síntese, tem-se o poder público agindo na esfera privada e um ente privado exercendo função tipicamente pública.

O particular está consciente de que, no mundo contemporâneo, a responsabilidade não é só do Estado, mas também sua. Esse compartilhar de tarefas repercute na vida particular, de forma que o indivíduo, ao agir por si mesmo, estará a agir para a comunidade em que vive, a fim de não excluí-la do desenvolvimento e garantir-lhe os direitos fundamentais da cidadania. Trata-se de uma nova realidade, fundada na responsabilidade social [10].

Essa questão tem sido pouco discutida no Brasil, embora a doutrina européia há muito a venha percebendo e estudando. A questão parece preocupar mais ao publicista, especialmente do Direito Administrativo, que vê seu terreno ser invadido pelo sistema privado. O campo mais fecundo do fenômeno ocorre na empresa. Vê-se rapidamente a proliferação de empresas geridas pelo Estado com critérios de economia concorrencial; entes públicos que se lançam na atividade empresarial em regime de concorrência e a participação dos entes públicos em sociedades de capitais [11]. O Direito Administrativo já não está infenso à norma privada.

E não é apenas na empresa que o fenômeno ocorre. A responsabilidade civil do Estado, oriunda de dano aos particulares, rege-se também pela norma civil, nela buscando o conceito e a sistemática do ato ilícito e das formas de sua reparação. No Brasil, se o preposto do Estado provoca dano a um particular, a Constituição só será chamada a dizer o fundamento da responsabilidade, no caso responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º.). Tudo o mais, como a apuração do ilícito (autoria, dano e nexo causal) e a extensão e reparação do dano (dano emergente, lucros cessantes e dano moral), será ditado pela norma civil (CC, arts. 186 e 944 e ss.).

A publicização do Direito Civil e a atividade de direito privado exercida pela administração pública (contratação e responsabilidade civil) tornam mais tênue e permeável as fronteiras na summa divisio do Direito. A asserção de que o Direito Privado estaria sendo absorvido pelo Direito Público ou a afirmação segundo a qual a divisão entre os dois ramos já não se justificaria, uma e outra idéia soçobram diante daquela constatação. Classificar o Direito, dividindo-o em ramos, é tarefa da qual não se pode furtar o jurista, que é, antes de tudo, um cientista. Não quer isso implicar o estancamento das várias disciplinas jurídicas, afinal todas elas concorrem para um mesmo fim: a dignidade da pessoa humana e o ideal da justiça.


4. Novas Técnicas de Compreensão do Direito

Mais recentemente, novas técnicas permitem uma melhor visão do sistema jurídico. Dentre elas destacam-se o estudo interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar dos ramos científicos. Sob essas novas angulações, capta-se o direito privado a partir da ótica constitucional, entendida a Constituição como fator aglutinador da sociedade, a cujos objetivos, fundamentos e princípios preside. Antes, o Texto só era chamado em situações especiais; agora, figura como fundamento material do direito privado.

O Direito Civil deixou de constituir um sistema fechado e agora interroga outras disciplinas, mesmo metajurídicas, para oferecer a melhor solução ao caso concreto. Exemplo palpitante encontra-se no biodireito, em que o jurista é obrigado a socorrer-se do biólogo para solucionar o problema do embrião e das células-tronco. No futuro, as relações entre Direito e Biologia tornar-se-ão ainda mais estreitas, na medida em que o ser humano se aproxima da clonagem de si mesmo, evento do qual não está muito distante, pois a especulação científica jamais reverenciou a ética.

Assiste-se ao fenômeno da repersonalização do direito privado. O sujeito, não o patrimônio, passa a ser o centro de preocupação e o fator de interesse da norma privada. Como pondera MARIA CELINA BODIN DE MORAES, enquanto o Código dá prevalência e precedência às situações patrimoniais, no novo sistema de Direito Civil fundado na Constituição a prevalência é de ser atribuída às situações existenciais, ou não patrimoniais, porque à pessoa deve o ordenamento jurídico inteiro, e o ordenamento jurídico particular, dar a garantia e a tutela prioritárias [12].

Disso decorre que a abordagem do Direito Privado, especialmente no tocante aos contratos, mas sem excluir a propriedade e a família, não pode ver o Código como uma ilha, mas como parte integrante de um sistema complexo, um polissistema, presidido por uma base comum, a Constituição.

Logo, falar sobre os contratos, a propriedade, a família ou a empresa é tarefa a ser empreendida à luz da Constituição da República e de alguns outros sistemas, como o consumerista. Não há negar, nos tempos atuais, que o contrato, assim como a propriedade e a família, vistos desde a concepção oitocentista até agora, vêm ganhando uma conotação cada vez mais publicista. Sua principiologia, seus contornos, limites e conteúdo ora se embebem dispositivos privados ora vão socorrer-se da norma de Direito Público. Cuida-se de uma simbiose característica dos sistemas jurídicos contemporâneos.


5. O Interesse Social nas Situações Privadas

5.1. Contrato

O direito de livre contratar é expressão maior do ideário burguês pós-revolucionário, constituindo um princípio vinculado à noção de liberdade e igualdade presente na decantada Declaração de Direitos. É um dos pilares do Código de 1804 e está presente em todos os sistemas do mundo ocidental. Mercê desse cânone, à pessoa humana, enquanto ser dotado de personalidade e como cidadão livre, é dado pactuar nas condições que julgar adequadas, contratando como, com quem e o que desejar. Trata-se da faculdade de dispor cláusulas, firmando o conteúdo da avença e criando, inclusive, movas modalidades, vale dizer, os contratos atípicos.

Há uma explicação histórica para essa liberdade. Livre das peias do absolutismo, a sociedade pós-revolucionária pode interagir e buscar o que há de melhor para si, cumprindo ao Estado intervir apenas para assegurar a execução do contrato não cumprido, ou seja, para fazer valer a palavra empenhada e não honrada. A essa esfera de poderes, que impede a ingerência do Estado, abrindo espaço para a movimentação do particular, costuma-se chamar direitos de primeira geração.

A plena liberdade na contratação parte da premissa de que a vontade de ambos os contratantes tem o mesmo peso e que a contratação é lícita e legítima pelo só fato de respeitar-lhes a vontade. Disso resultaram aforismos caros à burguesia, como o contrato faz lei entre as partes e o combinado não é caro. Essa premissa permitiu, por exemplo, que trabalhadores europeus, no auge da Revolução Industrial, fossem contratados para laborar mais de doze horas por dia em troca de um salário de fome e sem qualquer assistência social, conforme referido no item 2 retro.

A ambição burguesa leva ao extremo o papel da vontade, firmando uma falsa idéia: a de que, sendo os homens naturalmente livres e iguais, a vontade do contratante, sendo livre e igual à do outro, é suficiente para legitimar a convenção. Tal raciocínio seria verdadeiro se os homens fossem naturalmente livres e iguais, mas não o são nem o poderiam ser. Os textos pós-revolucionários estabelecem o primado da liberdade e igualdade para todos, mas isso não vai além do formalismo. Igualdade material, que pressupõe tratamento desigual para situações desiguais, é algo não cogitado ou propositadamente esquecido no script burguês.

HOBBES, no Leviatã, via no homem um lobo na relação com o semelhante. ROUSSEAU, em seu Contrato Social e com a teoria do bom selvagem, dizia ser o homem bom por natureza, porém corruptível na vida gregária. Não se trata de uma visão pessimista do gênero humano; é uma visão realista. Nos últimos anos do Século XIX e primeiros do Século XX, o governo brasileiro estimulou a vinda de braços europeus para trabalhar nas fazendas de café do Sudeste. Aqui chegando, enfrentaram ambiente hostil e salário miserável e muitos se queixavam, trabalhando contrariados. Não entendia o barão do café, em sua mentalidade misoneísta, como alguém podia se queixar de cumprir a palavra empenhada, afinal o combinado não é caro. Que alternativa restava ao infeliz imigrante senão submeter-se aos desígnios do empregador? Por isso, tanto o governo alemão como o italiano, ainda no Século XIX, proibiram a emigração para o Brasil, decisão revista só revista décadas mais tarde.

Chegou um tempo em que o Estado interveio no campo dos contratos. Primeiro, fê-lo na locação de serviços, disciplinando o contrato de trabalho para o fim de delimitar a jornada diária, estabelecer o direito a férias, ao salário mínimo, à assistência previdenciária, dentre outros benefícios. Mais recentemente, na disciplina consumerista, reconheceu a condição de inferioridade do consumidor, assegurando-lhe direitos até recentemente impensáveis, como a facilitação do acesso à justiça com a inversão do ônus da prova e, especialmente, na disciplina dos contratos de adesão.

Num e noutro caso percebe-se a tentativa do Estado de preservar o equilíbrio contratual impondo um contrapeso na balança. As partes (empregador e empregado, fornecedor e consumidor) são materialmente desiguais; a vontade de uma, detentora da riqueza, prepondera sobre a da outra, carente da riqueza (o consumidor precisa do produto; o empregado não pode prescindir do salário). Logo, do poder público se exigem providências para manter o equilíbrio, seja pelo dirigismo contratual seja pela delimitação da vontade, seja, finalmente, pela criação de mecanismos facilitadores de direitos à parte em desvantagem. Como atesta LORENZETTI, a ordem jurídica atual não deixa em mãos dos particulares a faculdade de criar ordenamentos contratuais, equiparáveis ao jurídico, sem um interventor [13]. No caso, ao Estado reserva-se o papel de fiel da balança.

O princípio da autonomia da vontade continua válido e informa todo o sistema contratual, mas não subsiste senão interagindo com outros princípios. Ao seu lado, convivem outras regras, como o da função social e o da boa-fé, aos quais se somam a possibilidade de revisão por fato imprevisto e a relatividade. É o que claramente se vê dos arts. 421, 422, 478 e outros do Código de 2002. No âmbito do consumidor, vêem-se os arts. 46 e ss. da Lei 8078/90 como mecanismos de controle da relação contratual [14].

A funcionalização do contrato, como fator de resguardo do interesse coletivo, é tema recorrente na doutrina e ideal perseguido pelos sistemas jurídicos. Precisar a amplitude do interesse público, porém, não é tarefa tão fácil quanto parece. Em relação à propriedade, o tema encontra-se sedimentado, pois sua função social está positivada no sistema desde 1934. Mas a função social do contrato, como norma positivada, era cânone desconhecido da legislação anterior a 2002. Às vezes têm-se critérios seguros para apurar a funcionalização das convenções: não haverá função social quando ilícito ou impossível seu objeto, como no exemplo do transporte de entorpecentes (ilicitude) ou no caso de alienação de coisa fora de comércio (impossibilidade). No primeiro caso, o ato refoge à ordem social, que conhece os males provocados pela droga; no segundo, não existe circulação de riquezas. Nenhum dos contratos interessa à sociedade, porque ambos lhe são hostis.

Mas, diante de numerosos casos, o intérprete se vê na dúvida e a ausência de preceito expresso não traz segurança para adotar uma solução. A questão repousa em saber qual o limite da vontade e em que caso o interesse público é violado. No exemplo do contrato de trabalho ofensivo à dignidade do operário, parece haver um conflito axiológico, representado pela colisão entre dois valores: o direito à livre iniciativa (autonomia da vontade em submeter-se ao trabalho) e a dignidade do operário (função social). Ninguém há duvidar de que a dignidade do homem constitua um interesse público, pois à sociedade repugna tanto a escravidão quanto o trabalho degradante. Então, a solução para o problema é de hermenêutica, repousando em saber se o trabalho desempenhado é ou não degradante de sua honra.

A exegese de um contrato, já se vê e já se deduz do rumo a que se deu a esta dissertação, às vezes escapa ao campo privatista e alcança o terreno constitucional. Na interpretação de uma convenção privada há de levar em conta, antes de tudo, o rol dos fundamentos e objetivos propostos para a Nação e, entre nós, estão eles no art. 1º. a 4º. do Texto de 1988. Um deles é primaz e jamais será esquecido em qualquer negócio jurídico. Trata-se do princípio da dignidade da pessoa humana, valor para o qual converge todo o sistema privado brasileiro. Por força desse cânone de aplicação plena, o ser passa a desempenhar um papel maior que o ter. A idéia da repersonalização derroga a mentalidade da patrimonialização do contrato.

Logo, o contrato cumpre uma função social quando, respeitando a dignidade do contratante, não viola o interesse da coletividade, à qual não interessam nem a ilicitude do objeto nem a ociosidade das riquezas. Para assegurar a funcionalização das avencas, foi preciso que o Estado interviesse no campo contratual, qualificando seu conteúdo e dando ensejo aos referidos direitos de segunda geração. Há um evidente contraste, pois os direitos de geração anterior eram caracterizados pela ausência do Estado; os direitos oriundos da função social do contrato são marcados pela postura contrária, vale dizer, pela ingerência do poder público no campo privado.

5.2. Propriedade

Tradicionalmente se conceitua a propriedade como um feixe de poderes, distribuído nos direitos de uso, gozo, disposição e reivindicação de uma coisa. A definição corresponde ao modelo romano, centrado nas idéias do jus utendi, fruendi et abutendi. A partir da concepção romana, os textos legislativos e a doutrina do Século XIX procuraram caracterizá-la como um direito absoluto, não no sentido de ser exercível erga omnes, como os direitos reais em geral, mas porque insuscetível de limitação pelo Estado. O Código Napoleão é a expressão da propriedade como poder ilimitado, sendo bastante conhecido seu art. 554, que definia o domínio como o direito de usar uma coisa da maneira "mais absoluta".

Contudo, esse egoísmo que impregna o direito de propriedade começou a ruir já no Século XIX. A teoria da humanização, referida no item 2, ressurge na Europa como tentativa de delimitar o uso da propriedade, de forma a qualificar seu exercício. Tal concepção ganha densidade graças ao esforço do juscivilismo francês. Merece destaque, nesse passo, a obra de LOUIS JOSSERAND. Sua grande contribuição nesse campo repousa na teoria do abuso do direito, exposta em De l’Esprit des droits et de leur relativité e, mais tarde, em Cours de Droit Civil Positif Français. Na visão de JOSSERAND, o direito de propriedade não pode ser exercido à discrição do titular, pois encontra limites no direito de terceiros. A propriedade tende, dessa forma, a encher-se de altruísmo e a converter-se no centro de obrigações positivas, despojando-se de seu caráter absoluto e estático para situar-se como um direito relativo e dinâmico [15].

Reconhecendo na propriedade uma faculdade individual, JOSSERAND entende-a limitada, porque seu exercício há de estar condicionado à observância dos interesses alheios. Exercendo-a contra esses interesses, o titular estaria a praticar o abuso, porque seus atos excederiam os limites pelos quais o direito lhe foi reconhecido pela coletividade. Dentre os abusos, menciona o da extração de água do subsolo, de modo a interromper o fluxo nos imóveis vizinhos [16].

Outra corrente a sustentar a funcionalização da propriedade parte de LÉON DUGUIT, em cuja obra Les Transformations Générales du Droit Privé Français dépuis le Code Napoléon, publicada em 1912, encontram-se as sementes de fundo jurídico que iriam determinar a opção pelo modelo social. Essa obra examina o absolutismo chancelado pelo Código de 1804 em confronto com os movimentos ideológicos que afligem a Europa naquele século, como o liberalismo e o marxismo, para concluir que o domínio, sendo um bem a serviço de todos, não pode ser exercido sem observar os interesses da sociedade.

Segundo a ótica desse autor, anotado do por SERPA LOPES [17], na sociedade moderna, onde impera a consciência da solidariedade entre os entes sociais, a liberdade implica o dever de os indivíduos empregarem sua atividade e talento no desenvolvimento dessa interdependência. Isso também deve ocorrer no exercício da propriedade, que, embora consistindo uma expressão da liberdade do homem, impõe ao detentor da riqueza a obrigação de manter e aumentar a solidariedade no tecido social.

A propriedade assume, nesse contexto, uma importância fundamental, pois é um instrumento destinado à produção de riquezas e à promoção do bem-estar. É que, achando-se as terras nas mãos de uma escassa minoria e constituindo-se elas no elemento natural de sustento do homem, urge conciliar o individualismo do domínio com as expectativas da sociedade. A dependência intersubjetiva, verificável em toda coletividade moderna, impõe restrições ao uso das coisas, notadamente dos bens imóveis, como forma de atender às necessidades coletivas.

Concluindo seu raciocínio, explica DUGUIT, mais uma vez citado por SERPA LOPES [18] que, hoje em dia, os mais ardentes defensores da propriedade individual, os economistas mais ortodoxos, se vêem obrigados a reconhecer que se a afetação de uma coisa à utilidade individual está protegida, deve-se antes de tudo à utilidade social dela resultante. De notar que as palavras de DUGUIT foram escritas dois anos antes da Primeira Grande Guerra, cujas causas não foram outras que não a disputa de terras entre as potências européias.

A teoria de DUGUIT pode ser vista como um marco na evolução do Direito Civil. Mas é passível de crítica quando afirma que o direito de propriedade "é" uma função social. Um direito subjetivo não pode ser uma função, senão metaforicamente. O direito de propriedade é e dificilmente deixará de ser uma faculdade individual. Quando se fala sobre a funcionalização, pretende-se aludir ao uso dos imóveis, quer urbanos quer rurais, segundo as diretrizes traçadas pelo ordenamento jurídico, que determina a política da propriedade sob os postulados da ordem econômica. Assim, a função social pode ser entendida como uma meta a ser seguida pelo titular de um imóvel urbano ou rural, que, ao utilizá-los, deverá fazê-lo segundo os balizamentos de Direito Público relativos à ordem econômica.

Cumpre registrar, contudo, que, quando foram concebidas, as teorias da função social tiveram em conta as riquezas agrárias. Não se detiveram a examinar outras importantes irradiações do domínio, como as relações entre proprietário e trabalhadores e os recursos naturais, assim como não se estenderam à propriedade urbana. Com o correr do tempo, porém, novas limitações foram sendo impostas em favor da coletividade, sendo as mais recentes as relativas ao meio ambiente. Logo, não só a significação do direito de propriedade é fruto de uma lenta transformação, como a própria extensão do princípio da função social vem evoluindo neste século.

De qualquer forma, a funcionalização do direito de propriedade é um dos mais claros sinais da inter-relação entre Direito Público e Direito Privado.

5.3. Família

Os olhos com que hoje se vê família são significativos da interpenetração entre os ramos do Direito. Houve um tempo, não muito distante na verdade, em que a instituição familiar se organizava em torno de duas idéias: a preponderância do marido na administração do lar e o casamento como sua fonte exclusiva. Agora, os textos legislativos não só aboliram a "chefia" da sociedade conjugal, como também prevêem outras organizações familiares, como a convivência e o monoparentesco. Essa nova visão tem duplo significado: primeiro, atende ao princípio da igualdade material entre os cônjuges; segundo, reconhece a afeição, e não o formalismo, como causa justificadora da organização familiar.

O Código de 2002 não se furtou a essas orientações. No tocante à isonomia no lar, observam-se dispositivos como o do art. 5º., I, que permite aos pais, não apenas ao "pai", emancipar o filho; do art. 1567, que prescreve ser direito-dever de ambos os cônjuges a condução da família, tarefa antes exercida pelo "cabeça do casal"; ou ainda do art. 1630, onde se fala em poder familiar, não mais "pátrio poder". No tocante às formas de constituição de família, dignos de realce são os arts. 1723 e ss., que aludem à figura da convivência. Tais disposições afinam-se com a linha de pensamento adotada pelas legislações ocidentais na disciplina da família.

Tais dispositivos fundam-se no princípio da dignidade da pessoa humana, aqui já referido e positivado no art. 1º., III, do Texto de 1988. A família é um núcleo que se organiza a partir da afeição e que se destina à busca de objetivos comuns. Entre o casal se estabelece uma comunhão de interesses, dos quais a criação dos filhos é um dos vértices. Na família, a criança e o adolescente têm sua formação e nela terão as primeiras noções sobre a vida gregária, as noções sobre o certo e o errado, o justo e o injusto, o individual e o coletivo. O ambiente familiar deve ser propício à auto-realização de cada um de seus membros. Marido e mulher, companheiro e companheira, pais e filhos, todos têm na família um espaço para o exercício dos direitos de personalidade. Na ordem anterior, a família, como instituição, era superior aos seus componentes; agora, superiores são seus membros, considerados em sua individualidade.

Como explica SCALISI, a pessoa não é mais o sujeito de direito considerado em termos econômico-produtivos, mas sim o sujeito histórico-real, visto na multiplicidade de suas manifestações e como portador de valores, como a dignidade, a igualdade e a liberdade [19]. A pessoa, destinatária última dos valores perseguidos pela sociedade e pelo sistema jurídico, é o alvo para o qual converge a organização familiar. Numa palavra, disciplina-se a organização familiar para assegurar a auto-realização do indivíduo. No mesmo sentido posiciona-se TEPEDINO, para quem a família, com o Texto de 1988, passa a ser valorada de maneira instrumental, na medida em que se constitui num ambiente de desenvolvimento da personalidade dos filhos e da promoção da dignidade de seus componentes [20].

Quaisquer discriminações estão, destarte, vedadas. A mulher não pode exercer seu verdadeiro papel de mãe e esposa se o Direito a põe numa situação de mera coadjuvante na administração da família; os filhos não encontrarão seu real espaço se tratados desigualmente, como até 1988 ocorria. As crianças de hoje já não crescem ostentando o estigma de "filho ilegítimo", "filho adulterino" ou "filho sacrílego", dentre outras nomenclaturas não menos desairosas e que, em alguns casos, comprometiam gravemente o desenvolvimento de sua personalidade. Também já não se discrimina a união entre homem e mulher não casados, pois, na proteção que se confere à família, não se pode levar em conta sua forma de constituição, mas sim o interesse dos que dela participam. Por isso que a família, na dicção de PERLINGIERI, é formação social, lugar-comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que exprime uma função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes [21].

Essa releitura da disciplina familiar, que tende à repersonalização do instituto, refletirá claramente no tecido social. Ao valorizar o indivíduo e assegurar-lhe um real papel na família, o sistema estará buscando a ordem social. Aqui se enquadra, por exemplo, a figura da adoção. Em Roma, ela se justificou pela necessidade de dar filhos a pessoas que os não podiam ter. Morrer sem herdeiros era, para o romano de priscas eras, um mal maior que a própria morte. Posteriormente, o tema da adoção inverte seu eixo e, agora, a causa reside em dar pais a crianças que, por não os ter, encontram-se em desamparo. Hoje, a adoção é ainda vista como mecanismo de proteção do menor, porém está ela funcionalizada para atender a interesses coletivos. Deixar o menor ao desamparo é atentar contra a paz social e impedir que a criança abandonada de hoje converta-se no criminoso do porvir.

A busca pela ordem social, tendo como um de seus vértices a revaloração da família, confere contornos publicistas ao instituto. Por isso o Estado interveio e, sob a premissa de que a família é merecedora de sua espacial proteção (CF, art. 226, caput), atraiu para si determinadas funções, como a do planejamento familiar gratuito (CF, art, 226, § 7º). Tal como nos contratos e na propriedade, a família agora também pode ser encarada sob a perspectiva do Direito Constitucional, pois, como explica GAMA, em todos os cantos do planeta, o modelo tradicional de família vem perdendo terreno para o surgimento de uma nova família, que é essencial para a própria existência da sociedade e do Estado, mas funcionalizada em seus partícipes [22].


6. Conclusão

A inter-relação entre os principais ramos do Direito não implica, como querem alguns, a absorção do Direito Privado pelo Direito Público. Conquanto seja inegável a crescente constitucionalização do Direito Civil, também não se exclui a aplicação de regras de Direito Privado nas atividades praticadas pelo Estado. É certo que os vários institutos do Direito Privado devam ser interpretados e aplicados à luz do Texto Constitucional, pois neles se contém um interesse que extravasa o simples interesse dos particulares. Tal ocorre particularmente no contrato, na propriedade e na família, institutos históricos da ordem privada.

O exacerbado individualismo com que aqueles institutos foram concebidos e entrevistos ao longo da história não se sustenta diante da visão social do fenômeno jurídico, cada dia mais comprometido com a ordem pública. O Estado interveio nas situações privadas para assegurar o equilíbrio, mas logo percebeu que algumas de suas funções poderiam ser atribuídas ao particular, sob o pálio das normas privadas. Não deve causar perplexidade ao juspublicista o fato de sua disciplina sofrer a incidência da norma privada.

Essa relação de proximidade entre os dois ramos torna permeáveis suas fronteiras, permitindo a ambos acessar o terreno um do outro. Essa possibilidade não desmerece nem um nem outro ramo; antes os valoriza e enriquece, tornando-os mais ágeis na consecução de seus fins. Mais importante do que buscar a delimitação exata entre os campos jurídicos é saber que a indefinição das fronteiras é sintoma salutar, porquanto revela a adequação do Direito às complexas e infindas necessidades sociais.

É lícito afirmar esteja o Direito Civil em crise, mas a isso não se furta nenhuma das disciplinas jurídicas, mesmo as de Direito Público. Afinal, se o Direito é a vontade constante e permanente de dar a cada um o que é seu e se a sociedade é uma estrutura em perene modificação, deverá o Direito conformar-se a essas mudanças. Isso explica a adoção de novos paradigmas e visualizar a norma privada à luz do interesse público, assim como perseguir os escopos do Estado através do sistema privado, faz parte dessa realidade.


7. Referências Bibliográficas

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_________________ A Disciplina Civil-constitucional das Relações Familiares, in Temas de Direito Civil. org. do autor. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 352;


Notas

01 Introdução ao Estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. pp. 133 e ss.

02 Introdução ao Estudo do Direito. 19. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2000. p. 98;

03 Relações de coordenação são aquelas que se estabelecem entre partes posicionadas num plano de igualdade. A idéia baseia-se no princípio da autonomia da vontade, segundo a qual os contratantes, respeitadas as disposições legais, são livres para manifestar sua vontade e criar obrigações jurídicas. Não há prevalência de vontade nem relação de subordinação ou hierarquia entre um e outro contratante. O contrato é entendido como instrumento de realização de interesses, de tal forma que as partes, ao ajustarem, buscam o acesso a um bem da vida. No Direito Público, prevalece a subordinação, dada a preponderância do Estado sobre o particular;

04 Lições Preliminares de Direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 336;

05 Constitucionalização do Direito Privado. Revista da Faculdade de Direito da FMU, São Paulo, 2003, nº. 25, p. 56;

06 O Direito Privado e suas atuais fronteiras. trad. Maria Cristina de Cicco. Revista dos Tribunais, v. 747, jan.1998, p. 42;

07 Veja-se o quadro que se delineia: A Revolução Industrial é um inferno para o ex-artesão ou camponês. Ele perde a independência, é o patrão quem decide o que produzir, como e quando. A jornada de trabalho atinge até 17 horas diárias, seis dias por semana. Só em 1810 uma lei inglesa a reduz, no caso das mulheres e crianças, para dez horas. Não há descanso remunerado, férias, aposentadoria, amparo em caso de doença ou acidente. Os lares operários lembram nossas favelas. A alimentação é a base de batatas, não raro só batatas. O jovem Engels descreve o quadro em "A situação da classe operária na Inglaterra" (1845): nas cidades industriais, metade das crianças morre antes dos cinco anos. Morre também o grêmio corporativo, multissecular forma de organização dos trabalhadores. A perplexidade e o desespero contagiam a classe recém-nascida. Miséria, mendicância, alcoolismo, prostituição, criminalidade e suicídios se alastram (www.vermelho.org.br. Sítio consultado em 18.ago.2004);

08 Do Estado Liberal ao Estado Social. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 188;

09 Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil. in Temas de Direito Civil. 2. ed. Org. TEPEDINO, G. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 8;

10 PINTO, José Emílio Nunes. jus.com.br/revista/doutrina/texto. Sítio consultado em 20.08.2004).

11 GIORGIANNI, Michele, op. cit., p. 52;

12 Uma Década de Constituição 1988- 1998. org. Margarida Maria Lacombe de Camargo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 115;

13 Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 540. trad. Vera Maria Jacob de Fradera;

14 "CONSUMIDOR. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. Mensalidades escolares. Multa moratória de 10% limitada em 2%. Art.52, § 1º, do CDC. Aplicabilidade. Interpretação sistemática e teleológica. Eqüidade. Função social do contrato.- É aplicável aos contratos de prestações de serviços educacionais o limite de 2% para a multa moratória, em harmonia com o disposto no §1º do art. 52, § 1º, do CDC". (STJ, 3ª. Turma, RE 476649-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.11.2003, DJ 25.2.04, p. 169);

15 Derecho Civil. trad. MANTEROLLA, S. C. Buenos Aires: Europa-America, 1952; Tomo I, Volume 3. p. 104;

16 Idem, p. 105;

17 Curso de Direito Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997. p. 243;

18 Idem, p. 243;

19 apud NEVARES, Ana L. M. Entidades Familiares na Constituição: críticas à concepção hierarquizada, in Diálogos sobre Direito Civil: construindo a racionalidade contemporânea. org. RAMOS, Carmem L. S. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 295;

20 TEPEDINO, G. A Disciplina Civil-constitucional das Relações Familiares, in Temas de Direito Civil. org. do autor. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 352;

21 PERLINGIERI, P. Perfis do Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. pp. 178-179. trad. Maria Cristina de Cicco;

22 GAMA, Guilherme C. N. Filiação e Reprodução Assistida (introdução ao tema sob a perspectiva civil-constitucional), in Problemas de Direito Civil-Constitucional, coord. TEPEDINO, G. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. pp. 516-517;


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUESI, Roberto Wagner. Fronteiras entre o direito público e o direito privado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 908, 28 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7788. Acesso em: 23 abr. 2024.