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A nova competência da Justiça do Trabalho

considerações sobre as mudanças implementadas pela Emenda Constitucional nº 45

A nova competência da Justiça do Trabalho: considerações sobre as mudanças implementadas pela Emenda Constitucional nº 45

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A principal repercussão da Emenda Constitucional n° 45/2004 (Reforma do Judiciário) em relação à Justiça do Trabalho foi a significativa ampliação de sua competência.

I. Considerações iniciais:

Após 13 (treze) anos de tramitação e discussões acaloradas, a Emenda Constitucional n.º 45 foi aprovada no dia 17 de novembro de 2004. No dia 08 de dezembro daquele ano, em sessão solene do Congresso Nacional, o texto foi promulgado pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e publicado no Diário Oficial da União dia 31 seguinte.

Fruto de debates e discussões acaloradas, a Emenda Constitucional n.º 45/2004 (PEC n.º 29/2000) representa o início da Reforma do Poder Judiciário. Ainda há em tramitação no Congresso Nacional mais 3 (três) Projetos de Emenda que tratam do mesmo assunto (PEC n.º 29-A/2000, 26/2004 e 27/2004).

Entre as principais inovações implementadas pela Reforma do Poder Judiciário estão a constitucionalização do princípio da celeridade processual (tanto no âmbito judicial quanto no administrativo) e dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, quando aprovados pelo quorum das Emendas Constitucionais; o tão polêmico controle externo da Magistratura e do Ministério Público; a exigência de 3 (três) anos de atividade jurídica para ingresso na Magistratura e no Ministério Público; a instituição da súmula vinculante, restrita ao Supremo Tribunal Federal; o fim das férias coletivas dos Tribunais e a distribuição imediata dos processos em todos os órgãos do Poder Judiciário.

Houve, também, alteração na competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e da Justiça Militar; entretanto, foi a competência da Justiça do Trabalho que sofreu mais alterações. A Emenda Constitucional n.° 45/2004, alterando a redação do art. 114 da Constituição Federal [1], ampliou significativamente a competência da Justiça Laboral.

Em relação à competência da Justiça do Trabalho, verifica-se que a intenção do Constituinte derivado foi no sentido de pacificar questões que até então eram controvertidas nos tribunais, especialmente nos Tribunais Superiores, como, v.g., os conflitos sindicais, o dano moral, o acidente de trabalho, as relações de trabalho (o autônomo, o eventual, o estatutário, o cooperado, etc.), o direito de greve, entre outras. No campo do direito coletivo do trabalho, a Reforma instituiu mais um requisito para os dissídios coletivos, qual seja, a necessidade das partes estarem de comum acordo para o seu ajuizamento.

Apenas para ilustrar a repercussão e a polêmica do texto da Reforma do Poder Judiciário, vale registrar que no dia seguinte ao da promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/2004, dia 09 de dezembro de 2004, antes mesmo da sua publicação, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3367), com pedido de liminar, contra dispositivos da Emenda Constitucional 45/04, que trata da reforma do Judiciário. A entidade questiona especialmente a criação do Conselho Nacional de Justiça. Em seguida foram ajuizadas as ADI n.º 3392, 3395, 3423 e 3431.

No presente trabalho analisaremos as principais mudanças da competência da Justiça do Trabalho implementadas pela Emenda Constitucional n.° 45.


II. Ações decorrentes da relação de trabalho

A principal repercussão da Emenda Constitucional n.° 45/2004 em relação à Justiça do Trabalho foi a significativa ampliação de sua competência. Antes a competência da Justiça do Trabalho era limitada às ações entre "trabalhadores e empregadores", ou seja, decorrentes da "relação de emprego", e, "na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho". O novo texto, visando ampliar a competência da Justiça do Trabalho, fez uso, apenas, da expressão "relação de trabalho", cujo significado, bem mais amplo do que o de "relação de emprego", já é pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

A relação de trabalho, segundo Delgado (2004, p. 285), engloba:

"...todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes o mundo jurídico atual."

Portanto, podemos dizer que Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações cujas causas de pedir e pedidos envolvam relação de trabalho, qualquer que seja ela. Com isso, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para processar e julgar as ações sobre os autônomos, os trabalhadores eventuais, os estatutários, os cooperados, entre outros. A competência, hoje, não é mais limitada apenas àquelas ações relativas às relações de emprego.

II.1. A questão dos servidores públicos estatutários: Justiça do Trabalho x Justiça Comum (Federal e Estadual):

Embora essa matéria ainda não tenha sido analisada pelo Pleno do colendo Supremo Tribunal Federal após o advento da Emenda Constitucional n.º 45/2004, o Presidente daquela Corte, ao apreciar o pedido de liminar formulado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE na ADI n.º 3395, suspendeu, "ad referendum", toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional n.° 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a competência para apreciação das ações ajuizadas pelos servidores públicos estatutários [2].

Verifica-se do teor da decisão que o eminente Ministro Nelson Jobin entende que, mesmo após a Emenda Constitucional n.º 45/2004, a competência para processar e julgar as ações ajuizadas pelos servidores públicos estatutários é da Justiça Comum Federal ou Estadual, conforme se trate de servidores públicos federais ou estaduais e municipais, respectivamente. Para o Ministro, a Emenda não alterou, nesse particular, a competência da Justiça do Trabalho.

Esta não é, ainda, a decisão final do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. Trata-se, apenas, do entendimento do seu Presidente, manifestado em uma decisão monocrática. Entretanto, vale ressaltar, desde já, que como a decisão plenária será tomada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, terá eficácia erga omnes e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta (federal, estadual e municipal).

Assim, seja qual for o entendimento adotado pelo colendo Supremo Tribunal Federal, ele deverá ser seguido. Isso possibilitará o ajuizamento de Reclamação Constitucional na hipótese de inobservância da decisão da excelsa Corte.

No âmbito da Justiça do Trabalho, contudo, o entendimento que tem prevalecido é divergente.

O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região promoveu nos dias 2, 3 e 4 de fevereiro de 2005 o "Seminário sobre a Reforma do Judiciário", especialmente quanto à nova competência material da Justiça do Trabalho de acordo com a Emenda Constitucional n.º 45/2004, ocasião em que foi editada a Carta de Belém. Nesse documento [3] os magistrados daquele Tribunal firmaram o entendimento de que a relação de caráter jurídico-administrativo é espécie de relação de trabalho e insere-se na competência da Justiça do Trabalho.

No 2º Ciclo de Conferências da AMATRA 22, os juízes do trabalho do estado do Piauí chegaram a semelhante conclusão [4], in verbis:

"VI – Servidores públicos: Compete à JT processar e julgar os dissídios de qualquer natureza envolvendo o poder público e os servidores celetistas. Quanto aos servidores públicos submetidos ao regime administrativo, o texto promulgado é claro no sentido de incluí-los na competência da JT. Mas por força de liminar em ADI, encontra-se suspenso este item."

Analisando os argumentos apresentados em defesa de cada uma das teses postas e o teor da redação dada ao art. 114, inciso I, da Constituição Federal, entendemos que a Justiça do Trabalho é, sim, competente para processar e julgar os processos ajuizados por servidores públicos estatutários.

A mudança textual realizada foi significativa. Antes a competência da Justiça do Trabalho era limitada às ações entre "trabalhadores e empregadores", ou seja, decorrentes da "relação de emprego", e, "na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho". O novo texto, visando aumentar a competência da Justiça do Trabalho, fez uso, apenas, da expressão "relação de trabalho", cujo significado é bem mais amplo do que o de "relação de emprego", conforme exposto acima.

A relação firmada entre o servidor público estatutário e a administração pública é, de fato, uma relação de trabalho, embora não seja uma relação de emprego em face da natureza jurídica do vínculo que une as partes (Regime Jurídico Estatutário ou Administrativo, e não a Consolidação das Leis do Trabalho).

Portanto, entendemos que as controvérsias entre os servidores estatutários e os respectivos entes públicos são, a partir da Emenda Constitucional n.º 45/2004, da competência da Justiça do Trabalho.

Outro aspecto que conduz à semelhante conclusão é a mudança feita pelo plenário do Senado Federal no texto do inciso I do art. 114 da Constituição Federal, quando da votação do texto em segundo turno [5].

A redação do art. 114, inciso I, apresentada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, para o segundo turno, da Proposta de Emenda à Constituição nº 29, de 2000 (nº 96, de 1999, na Câmara dos Deputados), texto que deu origem à atual Emenda Constitucional n.º 45/2004, era a seguinte:

"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação;" (destaques acrescidos).

Os senadores, em plenário, suprimiram o trecho destacado, com o que eliminaram a exceção existente no Projeto de Emenda Constitucional n.º 29/2000. Assim, inexistindo a ressalva que excluía da competência da Justiça do Trabalho "os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão", tem-se que eles estão, atualmente, submetidos à Justiça especializada.

Dessa forma, como não há na lei (lato sensu) palavras inúteis, e considerando que o conceito de "relação de trabalho" é pacífico na doutrina e na jurisprudência, conclui-se que o Constituinte derivado pretendeu, sim, incluir na competência da Justiça do Trabalho as ações propostas por servidores públicos estatutários. Contudo, tendo em vista que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, a última palavra sobre a questão analisada será dada pelos seus membros em sessão plenária, possivelmente quando do julgamento da ADI n.º 3395, ajuizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, cuja decisão produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Diante desse quadro, convém, pois, aguardar a palavra final do colendo Supremo Tribunal Federal, cujas últimas manifestações têm sido um tanto imprevisíveis, na medida em que a sua atual composição vem rompendo com a jurisprudência já consolidada na Corte, como ocorreu no caso da taxação dos inativos, recentemente apreciado.


III. Ações que envolvam exercício do direito de greve

Antes da Emenda Constitucional n.° 45 não havia entendimento pacificado sobre a competência para processar e julgar ações envolvendo o exercício do direito de greve, variando conforme a natureza da ação.

Durante a greve nacional dos bancários de 2004 foi prática comum o ajuizamento de ações possessórias (ação de reintegração e de manutenção na posse) pelos bancos, visando evitar o efetivo exercício do direito de greve pelos trabalhadores.

Houve grande divergência nos tribunais sobre a competência para processar e julgar os interditos possessórios: alguns foram julgados pela Justiça Comum Estadual e outros pela Justiça do Trabalho.

O fundamento usado para firmar a competência da Justiça Comum Estadual foi o fato de envolver matéria alheia à competência da Justiça do Trabalho, qual seja, o direito real (possessório).

No entanto, alguns Tribunais Regionais do Trabalho entenderam que, embora envolvesse indiretamente o direito real, a lide dizia respeito diretamente ao exercício do direito de greve (alcance e limites), envolvendo matéria de competência da Justiça do trabalho.

Pacificando questões desse tipo, a Emenda Constitucional n.° 45 estabeleceu que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações que envolvam exercício do direito de greve (art. 114, II, da CF).

Portanto, atualmente é da competência da Justiça do Trabalho toda e qualquer ação que envolva exercício do direito de greve, seja de forma direta ou indireta.


IV. Ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores

Outra questão bastante controvertida era a competência para as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores.

A Emenda Constitucional n.° 45 também cuidou da matéria, atribuindo a competência à Justiça do Trabalho. A opção legislativa foi bastante pertinente, uma vez que essas instituições – os sindicatos – estão intimamente relacionadas com o direito do trabalho.

Assim, compete à Justiça do Trabalho todas as ações que digam respeito aos sindicatos, qualquer que seja a matéria. A competência abrange, inclusive, as ações sobre a constituição e a alteração estatutária, que antes eram da competência da Justiça Comum Estadual.

V. Mandado de segurança, habeas corpus e habeas data

Ao tratar da competência da Justiça do Trabalho, a Constituição Federal, na redação determinada pela Emenda Constitucional n.° 45/2004, passou a estabelecer que:

"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: 

(...)

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;"

O mandado de segurança está previsto no art. 5°, inciso LXIX, da Constituição Federal, nos seguintes termos:

"LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;"

Antes da Emenda Constitucional n.° 45/2004, a jurisprudência assente do c. Tribunal Superior do Trabalho era no sentido de que à Justiça do Trabalho competia, tão-somente, processar e julgar mandado de segurança "impetrado em desfavor de ato praticado por seus próprios agentes, no exercício da função jurisdicional ou administrativa" [6].

Sendo assim, constata-se, de plano, que o mandado de segurança atualmente pode ser impetrado na Justiça do Trabalho quando envolver matéria sujeita à sua jurisdição. Houve, portanto, um significativo aumento das hipóteses de cabimento.

Entre outras hipóteses violadoras de direito líquido e certo quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, cabe mandado de segurança:

- contra liminar deferida em ação cautelar de reintegração no emprego;

- contra liminar deferida em reclamação trabalhista para tornar sem efeito transferência ilegal de empregado;

- contra tutela antecipada em reclamação trabalhista;

- contra decisão interlocutória proferida durante a instrução processual que implica em cerceamento do direito de defesa;

- contra decisão proferida pelo juízo a quo inadmitindo agravo de instrumento, posto que o juízo de admissibilidade compete à instância ad quem.

Quando o mandado de segurança for impetrado contra ato ou decisão de juiz do trabalho, a competência será do respectivo Tribunal Regional; nas demais hipóteses, deverá ser impetrado no primeiro grau de jurisdição. Serão, também, impetrados perante o Tribunal Regional respectivo os mandados de segurança contra atos da comissão do concurso para juiz do trabalho.

Ao tratar do habeas corpus, a Constituição Federal estabelece em seu art. 5° que:

"LXVIII - conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;"

Esse writ, portanto, protege a liberdade de locomoção dos cidadãos, ou seja, a liberdade de ir, vir e ficar. Para a concessão do habeas corpus, segundo o texto constitucional, faz-se necessária ameaça ou coação à liberdade de locomoção, decorrente de ilegalidade ou abuso de poder.

Em face da alteração do texto constitucional, tem-se que não restam dúvidas sobre o cabimento de habeas corpus perante a Justiça do Trabalho. A competência, no caso, decorre da matéria envolvida, conforme o dispositivo.

Entretanto, a regra geral da competência das ações constitucionais, expressamente excetuada na hipótese em análise, é estabelecida pela natureza da autoridade coatora. Há, também, vale registrar, outras exceções no texto constitucional, razão pela qual a regra geral é observada quando não houver disposição específica.

Tendo em vista esses parâmetros, e considerando a nova redação do art. 114 da Constituição Federal, tem-se que pode ser impetrado habeas corpus na Justiça do Trabalho, embora não seja comum, desde que verse sobre matéria trabalhista.

Em face da ampliação da competência da Justiça do Trabalho para contemplar as relações "de trabalho", e não apenas as "de emprego", conclui-se que o habeas corpus pode ser impetrado para ameaça ou coação à liberdade de locomoção, decorrente de ilegalidade ou abuso de poder praticado em face da relação de trabalho.

Antes da Emenda Constitucional n.° 45/2004 a questão era bastante controvertida nos tribunais pátrios, uma vez que o texto constitucional não era expresso sobre a matéria. No próprio c. Tribunal Superior do Trabalho a questão era controvertida.

Entretanto, penso que tanto antes quanto depois da Emenda Constitucional n.° 45/2004 a competência para processar e julgar habeas corpus decorrentes de atos ou decisões de juizes do trabalho era da própria Justiça Laboral, como, v.g., a prisão do depositário infiel. Quanto aos atos praticados por terceiros, tenho que, antes da Reforma do Judiciário, falecia competência ao Judiciário Trabalhista.

Corroboro do entendimento exposto na seguinte decisão do c. Tribunal Superior do Trabalho:

"HABEAS CORPUS – PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL – COMPETÊNCIA DO JUDICIÁRIO DO TRABALHO – O habeas corpus é ação com assento constitucional apta à proteção do direito à liberdade de locomoção, sendo juridicamente desprezível a indagação se o ato violador desse direito decorre de atividade jurisdicional de cunho criminal ou civil, bastando achar-se alguém sob ameaça de violência ou coação em sua liberdade de locomoção, proveniente de ato ilegal ou abusivo de autoridade. Sendo ele admissível contra a decretação da prisão civil de depositário infiel, proveniente de ato de Juiz do Trabalho, cuja competência para tanto é incontrastável, deixa de ter relevância a sua natureza de ação criminal no cotejo com a sua condição de garantia constitucional ativa, a fim de se reconhecer a competência material da Justiça do Trabalho para o processar e o julgar. É que a prisão civil do depositário infiel não se insere na esfera criminal, classificando-se, ao contrário, como punição pelo ilícito civil-processual. Por isso, se ela é decorrência de ato praticado por juízo do trabalho, impõe-se priorizar a competência material desta Justiça em detrimento da competência da Justiça Criminal, na esteira da prodigalidade da norma do artigo 114, da Constituição, segundo a qual cabe ao Judiciário do Trabalho o julgamento dos litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças. PRISÃO CIVIL – ILEGALIDADE CARACTERIZADA – Estando em jogo o direito à liberdade de locomoção, é imperioso conhecer e julgar o habeas corpus a partir da singularidade que o identifica como garantia constitucional ativa, frente à qual são inoponíveis as implicações do trânsito em julgado da ação de depósito. Essa é sabidamente incabível na hipótese de o seu objeto consistir na restituição de dinheiro ou de qualquer outro bem de natureza fungível, uma vez que, de acordo com o art. 1280 do Código Civil, o depósito de coisas fungíveis regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo, pelo que seria admissível mera ação de cobrança e não a ação de depósito, extraindo daí a ilegalidade da prisão civil ali decretada. Recurso a que se nega provimento. (TST – ROHC 709140 – SBDI 2 – Rel. p/o Ac. Min. Antônio José de Barros Levenhagen – DJU 27.09.2002)"

Como já exposto, a Emenda Constitucional n.° 45/2004 atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para o habeas corpus impetrado contra ameaça ou coação à liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder, praticado em face da relação de trabalho. Nesse novo panorama, o habeas corpus pode ser impetrado na Justiça do Trabalho contra atos e/ou decisões dos respectivos juízes, contra atos dos empregadores, atos dos auditores fiscais do trabalho, ou de terceiros, desde que ameace ou cerceie a liberdade de locomoção, decorra de ilegalidade ou abuso de poder e seja praticado em face da relação de trabalho ou tenha relação com a matéria trabalhista.

O habeas data, quando envolver matéria trabalhista, também passou a ser da competência da Justiça do Trabalho.


VI. Ações de indenização por dano moral ou patrimonial

A questão dos danos morais na Justiça do Trabalho, tanto antes quanto depois da Emenda Constitucional n.° 45/2004, sempre foi controvertida, em especial quando decorrente de acidente de trabalho.

A Emenda Constitucional n.° 45/2004, tentando pacificar o entendimento, dispôs que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar "as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho" (inciso VI).

O referido texto constitucional não fez nenhuma restrição com relação ao dano decorrente de acidente de trabalho; entretanto, o c. Supremo Tribunal Federal, apreciando a questão em sede de Recurso Extraordinário, decidiu que o dano moral e material decorrente de acidente de trabalho é da competência da Justiça Estadual, conforme o art. 109 da Constituição Federal.

Encerrado o julgamento, o c. Supremo Tribunal Federal disponibilizou em seu site a seguinte notícia:

"Justiça Comum é competente para julgar ações sobre indenização por acidente do trabalho

(...)

Segundo o relator, a jurisprudência do Supremo orienta-se no sentido de que a competência para acolher ação indenizatória por danos morais decorrentes da relação de emprego é da Justiça trabalhista, ‘pouco importando se a controvérsia deva ser redimida à luz do Direito comum, e não do Direito do trabalho’. Carlos Ayres Britto explicou que o Supremo tem excluído dessa regra as ações de indenização por danos morais fundamentadas em acidentes de trabalho, como no caso do RE.

‘A meu sentir, a norma que se colhe desse dispositivo não autoriza a ilação de que a Justiça Comum estadual possui competência para conhecer das ações reparadoras de danos morais decorrentes de acidente do trabalho propostas pelo empregado contra o seu empregador’, afirmou o ministro durante o voto.

O ministro Cezar Peluso divergiu do relator ressaltando que, na teoria, a ação de indenização baseada na legislação sobre acidente de trabalho é da competência da Justiça estadual. ‘Se nós atribuirmos à Justiça do Trabalho a ação de indenização baseada no Direito comum, mas oriunda do mesmo fato histórico,  temos uma possibilidade grave de contradição’, afirmou o ministro.

Cezar Peluso explicou que um mesmo fato com pretensões e qualificações jurídicas diferentes pode ser julgado de maneiras distintas, e quando for necessário apreciar determinada questão mais de uma vez, o julgamento deve ocorrer pela mesma Justiça para evitar contradição de julgados.

Peluso foi acompanhado pelos ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim. Foram vencidos na votação os ministros Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio."

No c. Tribunal Superior do Trabalho a questão foi polêmica e controvertida.

"Até agora, das cinco Turmas do TST, a Quinta e a Quarta decidiram pela não-competência da Justiça do Trabalho para o exame dessas causas, a Primeira julgou de forma contrária e a Segunda e a Terceira ainda não examinaram a questão. Cabe à Seção de Dissídios Individuais 1 (SDI-1) do TST uniformizar eventuais decisões divergentes de Turmas." [7]

Tenho que as decisões da excelsa Corte e da 4ª e 5ª Turma do TST foram equivocadas.

Em face do novo texto constitucional, ficou evidente que as ações de danos materiais e morais contra o empregador são da competência da justiça do trabalho, mesmo quando versem sobre danos oriundos de acidente de trabalho. Apenas as ações ajuizadas contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (autarquia federal responsável pelo sistema de seguridade social), quem têm como objeto os benefícios e serviços de natureza previdenciária, matéria alheia à responsabilidade civil do empregador, registre-se, é que devem ser da competência da Justiça Estadual.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, modificou seu entendimento ao julgar um conflito de competência em 29 de junho de 2005.

"O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reformulou entendimento anterior e declarou que a competência para julgar ações por dano moral e material decorrentes de acidente de trabalho é da Justiça Trabalhista. A decisão unânime foi tomada  nesta quarta-feira (29),  durante análise do Conflito negativo de Competência (CC 7204) suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho contra o Tribunal de Alçada de Minas Gerais." [8]

O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, comentando a decisão do Supremo Tribunal Federal, destacou que:

"A decisão é importante na medida em que põe fim a uma controvérsia. Com ela, todas as ações desse tipo que estejam tramitando na Justiça Comum serão remetidas à Justiça do Trabalho. No TST, os julgamentos que estavam suspensos, à espera dessa decisão, poderão ser retomados a partir do próximo semestre"

Desse modo, embora só haja uma decisão do Supremo Tribunal Federal nesse sentido, ela foi tomada à unanimidade, pelo que podemos afirmar que esse será o entendimento adotado por aquela Corte nos futuros julgamentos.


VII. Ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho

Pela nova redação do art. 114, inciso VII, também passou a ser da competência da Justiça do Trabalho as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho (inciso VII).

Em conseqüência, os mandados de segurança contra atos desses órgãos passaram a ser da competência da Justiça Laboral, por envolver matéria sujeita à sua jurisdição (inciso IV). Não são mais da competência da Justiça Federal.


VIII. Dissídios coletivos:

A Emenda Constitucional n.° 45/2004 alterou significativamente o regramento do Dissídio Coletivo. Estabelece o art. 114 da Constituição Federal, em sua vigente redação:

"§ 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente."

Portanto, atualmente apenas os sindicatos das categorias envolvidas, e desde que de comum acordo, podem ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica.

Há algumas ações diretas de inconstitucionalidade em trâmite perante o e. Supremo Tribunal Federal argüindo a inconstitucionalidade do dispositivo. Sustenta-se nas ações que o dispositivo, ao exigir o "comum acordo" das partes, viola o disposto no art. 5°, inciso XXXV, da Constituição, que garante que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Resta, portanto, aguardar o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.

Alguns doutrinadores, interpretando o dispositivo, têm sustentado que é necessário que as entidades sindicais subscrevam a petição inicial do dissídio, outros, que basta a ausência de oposição da parte suscitada para que haja o "comum acordo". Para esses, se o suscitado se manifestar contrário à instauração da instância, deve o Tribunal extinguir o dissídio sem julgamento do mérito; se silenciar e não se opuser expressamente, ter-se-á o consentimento, mesmo que tácito, com o que restará configurado o comum acordo.

No caso de greve, estabelece o §3° do art. 114 que:

"§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito."

Assim, havendo greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, além dos sindicatos envolvidos, o Ministério Público do Trabalho também poderá ajuizar o dissídio coletivo.


Referências

DELGADO, Maurício Goldinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004.

Juris síntese IOB: legislação, jurisprudência, jurisprudência comentada, doutrina, prática processual e dicionário latim-português. Porto Alegre: Thomsom-IOB, n. 53, maio-jun/2005. 1 cd-rom.

ANAMATRA 22. INTERNET. Disponível no site <www.anamatra22.org.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.

Imprensa Nacional. INTERNET. Disponível no site <www.in.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.

Presidência da República. INTERNET. Disponível no site <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.

Superior Tribunal de Justiça. INTERNET. Disponível no site <www.stj.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.

Supremo Tribunal Federal. INTERNET. Disponível no site <www.stf.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.

Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. INTERNET. Disponível no site <www.trt8.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.

Tribunal Superior do Trabalho. INTERNET. Disponível no site <www.tst.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.


Notas

  1. "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:  I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II as ações que envolvam exercício do direito de greve; III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. § 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. § 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito ."
  2. Fundamentando a decisão, o Ministro Nelson Jobin destacou que: "Não há que se entender que justiça trabalhista, a partir do texto promulgado, possa analisar questões relativas aos servidores públicos. Essas demandas vinculadas a questões funcionais a eles pertinentes, regidos que são pela Lei 8.112/90 e pelo direito administrativo, são diversas dos contratos de trabalho regidos pela CLT. Leio GILMAR MENDES, há "Oportunidade para interpretação conforme à Constituição ... sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição... Um importante argumento que confere validade à interpretação conforme à Constituição é o princípio da unidade da ordem jurídica..." (Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1998, págs. 222/223). É o caso. A alegação é fortemente plausível. Há risco. Poderá, como afirma a inicial, estabelecerem-se conflitos entre a Justiça Federal e a Justiça Trabalhista, quanto à competência desta ou daquela. Em face dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e ausência de prejuízo, concedo a liminar, com efeito ´ex tunc´. Dou interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/2004. Suspendo, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a "apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo". Decisão publicada no Diário da Justiça n.º 25, edição do dia 04.02.2005, disponível em <www.in.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.
  3. Disponível no site <www.trt8.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.
  4. Disponível no site <www.amatra22.org.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.
  5. Essa alteração sem a posterior ratificação pela Câmara dos Deputados implica na inconstitucionalidade formal da norma; entretanto, como a inconstitucionalidade ainda não foi declarada e o texto legal foi devidamente promulgado e publicado, deve ser observada a redação que foi veiculada no Diário Oficial da União. Vale ressaltar, também, que na decisão monocrática proferida na ADI n.º 3395 o Ministro Nelson Jobim rechaçou a alegação de inconstitucionalidade formal do dispositivo.
  6. TST – RXOF-ROMS 896 – SBDI 2 – Rel. Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes – DJU 27.08.2004.
  7. "Dano moral em acidente de trabalho tem nova decisão no TST". Disponível no site <www.tst.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.
  8. "Ação de indenização por acidente de trabalho deve ser julgada pela Justiça do Trabalho, decide Supremo". Disponível no site <www.stf.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2005.

Autor

  • Adriano Mesquita Dantas

    Adriano Mesquita Dantas

    Juiz Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região/PB, Professor Universitário e Presidente da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pós-Graduado em Direito do Trabalho e em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar (UnP). Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA). Foi Agente Administrativo do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região/RN, Advogado, Advogado da União e Diretor de Prerrogativas e Assuntos Legislativos da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Adriano Mesquita. A nova competência da Justiça do Trabalho: considerações sobre as mudanças implementadas pela Emenda Constitucional nº 45. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 911, 31 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7813. Acesso em: 19 abr. 2024.