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Tráfico de drogas no Brasil

Tráfico de drogas no Brasil

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O presente artigo traz todo o contexto histórico e social do crime de tráfico de drogas no Brasil.

1 Evolução Histórica

Inicialmente, a fim de contextualizar o avanço das legislações acerca do crime de tráfico de drogas, este tópico do trabalho busca demonstrar alguns momentos importantes para compreender o momento atual, sendo todas as informações retiradas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais[1].

Analisando o desenvolvimento da sociedade em relação às substâncias entorpecentes, é possível perceber que, em um primeiro momento histórico, a proibição era feita por manifestações legislativas, na maior parte das vezes de forma municipal, não havendo nenhum sistema legislativo significativo e efetivo.

A primeira manifestação legislativa surgiu nas Ordenações Filipinas, legislação que foi implementada no período conhecido como União Ibérica, sendo este marcado pela ausência de direitos, portanto, tratava-se de um momento de muita violência e total desordem social. Sendo assim, esta legislação tinha como objetivo controlar a população.

A próxima manifestação adveio na fase do Brasil Império, no ano de 1830, contendo a primeira proibição do uso e venda da substância popularmente conhecida como maconha.

Já em um segundo momento, surgiu o primeiro sistema legislativo, originado de uma convenção internacional em 1915, com o Decreto 11.481, na Conferência Internacional do Ópio, tratado este que possuía o Brasil como um país signatário. Durante esse período, o usuário de droga não era tratado como criminoso, mas sim como alguém que necessitava de tratamentos médicos, que eram impostos de forma obrigatória. Até então, a posse não era considerada ilícita, passando a ser apenas no ano de 1932.

No ano de 1964, o Código Penal trouxe a primeira positivação da proibição acerca das substâncias entorpecentes na legislação brasileira, prevista no antigo artigo 281:

Plantar, importar ou exportar, vender ou expor à venda, fornecer, ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depósito, guardar, ministrar ou, de qualquer maneira, entregar a consumo, substância entorpecente, sem autorização ou em desacôrdo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa de dois a dez mil cruzeiros.

§ 1º Se o agente é farmacêutico, médico ou dentista: Pena - reclusão de dois a oito anos e multa de três a doze mil cruzeiros.

§ 2º Incorre em detenção, de seis meses a dois anos, e multa de quinhentos a cinco mil cruzeiros, o médico ou dentista que prescreve substâncias entorpecentes fora dos casos indicados pela terapêutica ou em dose evidentemente maior do que a necessária, ou com infração de preceito legal regulamentar.

§ 3º As penas do parágrafo anterior são aplicados àquele que:

I - Instiga ou induz alguém a usar entorpecente;

II - Utilizar local, de que tem a propriedade, posse, administração ou vigilância, ou consente que outrem dêle se utilize, ainda que a título gratuito, para uso ou guarda ilegal de entorpecente;

III - Contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso de substância entorpecente

§ 4º As penas aumentam de um têrço, se a substância entorpecente é vendida, aplicada, fornecida ou prescrita a menor de dezoito anos[2].

Vale ressaltar que essa alteração que implementou a criminalização relacionada às substâncias entorpecentes no Código Penal, promulgado em 1940, ocorreu durante o golpe militar, portanto, ela foi criada em um momento histórico caracterizado pela repreensão e total controle social do Estado.

Dentro desse contexto de militarização, o Ato Institucional 5 trouxe a primeira alteração no artigo 281, igualando a conduta do usuário ao do traficante.

Essa equiparação prorrogou-se por alguns anos no Brasil, apenas sofrendo alteração com a Lei 6.368/76, conhecida como Lei de Entorpecentes, que passou a tratar usuário e traficante de forma diversa, apesar de manter a posse de drogas como conduta ilícita.

Posteriormente, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o país passou a viver um momento de maior liberdade, uma vez que a Constituição implementou uma característica maior garantidora de direitos aos cidadãos.

Durante esse período, como havia uma sensação de maior liberdade, houve uma grande discussão da  poplação acerca da descriminalização da posse de drogas para os usuários dentro do Brasil. Contudo, neste mesmo período, com o fim da Guerra Fria, o mundo passou a se globalizar, aumentando significativamente o trânsito de pessoas e de informações. Com isso, consequentemente, ampliou-se a circulação de drogas, crescendo de forma exponencial a venda e o uso. Portanto, o pensamento dos legisladores acabou indo na contramão do pensamento da população, não havendo flexibilização na legislação nesse período.

Sendo assim, as políticas de inibição ao uso e à venda de entorpecentes ganharam forças, principalmente advindas dos Estados Unidos, país que serviu de modelo proibicionista para vários outros, incluindo o Brasil.

A partir da década de 1990, além do fortalecimento das legislações proibicionistas, a mídia passou a tratar as drogas como uma inimiga social, aumentando de forma significativa o clamor da população pela punição severa de qualquer pessoa que esteja envolvida no contexto das drogas, seja usuário ou traficante.

Atualmente, a questão das drogas no Brasil é regida pela Lei 11.343/06. Ao mesmo tempo em que a legislação atual trouxe importantes avanços sociais, como a implementação de políticas públicas de reinserção social de dependentes químicos e a despenalização da conduta de usuário, também causou impactos negativos que fortaleceram a política punitiva, com o aumento da pena mínima do crime de tráfico, por exemplo.

Após 13 anos de vigência da Lei de Drogas, é notório que o fortalecimento da política punitiva é muito mais significativo do que qualquer tentativa de implementação de políticas de caráter social, evidenciado, principalmente, pelo exponencial crescimento carcerário brasileiro em decorrência dos crimes previstos nessa legislação.

2 Política Criminal no Brasil

Conforme apresentado no tópico anterior, o Brasil, ao longo de toda evolução histórica em relação às drogas, apresentou uma política criminal proibicionista e punitiva, principalmente para aquele que vende, mas também para aquele que usa.

Primordialmente, essa política criminal foi baseada nos princípios adotados pelos Estados Unidos, que de forma emblemática adotaram a "Lei Seca" entre os anos de 1920 a 1933. Tal lei consistiu na proibição do uso e da comercialização de bebidas alcoólicas no país, com o objetivo de diminuir o consumo pela população.

Essa medida ficou mundialmente conhecida pelas consequências que gerou, aumentando significativamente o encarceramento pelo descumprimento da lei, e também pelo aumento considerável da violência.

Apesar do notável fracasso da "Lei Seca", os EUA continuaram adotando a política proibicionista e punitiva em relação às drogas, influenciando fortemente a maneira como as coisas se moldaram no Brasil.

Luís Carlos Valois, na obra "O Direito Penal da Guerra às Drogas", trata detalhadamente sobre como essa política criminal adotada causa consequências gravíssimas na sociedade, salientando que o direito penal deixou de ser um instrumento de tranquilidade[3].

Nesse sentido, defende que o proibicionismo relacionado às drogas usado pelo Brasil, e por uma boa parcela do mundo, trouxe uma desproporcionalidade para o Direito Penal, e isso fica evidenciado quando o crime de tráfico de drogas pode ter a pena máxima estipulada em até 25 anos, enquanto um crime de homicídio simples tem a pena máxima em até 20 anos.

Além disso, sustenta que tornar a comercialização de entorpecentes ilegal, fortalece todos os ônus que esse comércio oferece, intensificando a violência e o perigo oferecido àqueles que utilizam dessa droga clandestina e de todas as pessoas que de alguma forma estão inseridas nesse círculo.

Outrossim, o autor não só faz críticas ao legislador, como também ao funcionamento do Poder Judiciário acerca da aplicação da Lei de Drogas, que cada vez mais fortalece a desproporcionalidade e a arbitrariedade das decisões.

Em relação à legislação, pode-se analisar que foi usada a norma penal em branco, ou seja, os dispositivos legais não determinam quais são as substâncias consideradas ilícitas, sendo estas definidas, em suma, pelo Poder Executivo.

Sendo assim, ainda sob a ótica de Luís Carlos Valois, a utilização na norma penal em branco apenas reforça a discricionariedade e o poder punitivo estatal, visto que o Estado possui o poder de criminalizar, a qualquer momento, o uso e o comércio de determinada substância.

Ademais, o crime de tráfico de substancias entorpecentes foi equiparado aos crimes hediondos pela Constituição Federal e posteriormente positivado pela Lei de Crimes Hediondos, aumentando consideravelmente a sua gravidade dentro da esfera legislativa, visto que sofre todas as consequências trazidas pela Lei 8.072/90. Nesse sentido:

Aparentemente, o legislador constituinte agiu baseado no senso comum e na vulgar concepção de que o traficante de drogas é um criminoso violento, sem qualquer reflexão sobre o comércio de drogas e sobre os verdadeiros motivos de esse comércio proporcionar algum nível de violência[4].

No ano de 2006, os EUA implementaram as drugs courts, que tem como objetivo a reabilitação dos dependentes químicos que estão sendo acusados por pequenos delitos relacionados às substâncias entorpecentes. Nesse sentido, juízes, promotores e uma equipe técnica atendem esses acusados na corte especializada, aplicando medidas alternativas de tratamento e de reinserção.

Os Tribunais de Drogas, segundo demonstrou Tara Kunkel, responsável pelo tribunal do estado da Virgínia, em entrevista realizada ao G1, conforme anexo 1, apresentaram grandes avanços para a questão das drogas em relação aos usuários e acusados de pequenos delitos, causando uma significativa redução nos índices de reincidência, consequentemente, reduziram os índices de encarceramento por crimes relacionados às drogas.

No Brasil, também estão sendo implementadas varas especializadas em crimes de tráficos de drogas, conhecidas como varas de combate. Apesar de ser uma iniciativa muito recente, nos casos em que já existem, possuem o objetivo de combater efetivamente os crimes relacionados às drogas, portanto, são aplicadas penas cada vez mais severas, aumentando a distorção que já existe em relação a esses crimes.

Ademais, como visto no tópico anterior, a Lei de Drogas em vigor traz princípios de prevenção ao uso de drogas e de reinserção dos dependentes químicos, contudo, esses princípios são essencialmente teóricos, havendo ínfima aplicação real nos casos concretos.

Dentro desse contexto, é possível perceber há uma tentativa tímida de implementar políticas públicas assistencialistas e alternativas em relação à questão das drogas no Brasil, com a inclusão do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad, por exemplo.

Contudo, o que efetivamente vigora no Brasil é a política criminal proibicionista e punitiva, fortalecida por todos os aspectos trazidos neste tópico, tratando os acusados de crimes envolvendo entorpecentes com o grande rigor estabelecido pelas normas e pela ampla discricionariedade utilizadas pelos aplicadores da lei.

3 Guerra às Drogas

Todo o panorama histórico e social relacionado ao tráfico e ao uso de substancias psicotrópicas no Brasil, além da política criminal adotada, trouxe uma questão de extrema relevância para o Direito Penal e para a sociedade como um todo: a guerra às drogas.

O termo originou-se na década de 1970, pelo presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, que implementou uma política de total repreensão à fabricação e ao uso de drogas.

Atualmente, muito se discute acerca do tema, mas de forma absoluta pode-se afirmar que os maiores afetados pela guerra às drogas são as pessoas que estão à margem da sociedade, ou seja, os negros, os pobres, os jovens e também as mulheres. Sendo assim, atinge diretamente pessoas que já vivem em situação de precariedade e de descaso por parte do Estado.

A partir da análise de Luís Carlos Valois, a polícia, tanto civil como militar, possui grande influência nessa realidade, já que sempre é a primeira instituição que obtém contato com a situação de fato e com o indivíduo que está inserido no contexto das drogas.

Em sua obra foi realizada uma pesquisa em 250 processos, em 5 cidades diferentes, realizando-se uma análise do crime de tráfico de drogas, apresentando resultados importantes para o desenvolvimento deste trabalho, conforme demonstrado a seguir.

Inicialmente, observou-se que em apenas aproximadamente 6% dos casos houve prisão em flagrante decorrente de investigação, portanto, 94% dos acusados foram processados em decorrência apenas da atuação policial, sendo que a maior parte adveio de patrulhamento de rotina e de atitude dita como suspeita.

Outro ponto importante a ser destacado é a questão da ausência de fundamentação nos autos de prisão em flagrante, sendo que na maioria dos casos as únicas testemunhas são os próprios policiais que realizaram a abordagem.

Diante disso, é possível identificar que a maioria esmagadora dos casos de prisões por tráfico de drogas são feitas de forma arbitrária e contrária a princípios do Direito Penal e Processual Penal, como o Devido Processo Legal e a Presunção de Inocência. Ao lavrar um auto de prisão em flagrante, por muitas vezes, a autoridade policial não leva em consideração os reais requisitos para a aplicação desta sanção, observando apenas a versão trazida pelos policiais patrulhantes, que em grande parte das vezes utilizam como fundamento da revista a atitude suspeita do investigado, sendo este um fundamento amplamente passível de discussão, visto que trata-se de algo completamente subjetivo.

Posteriormente, tem-se a atuação do Ministério Público que, na maior parte das vezes, assim como a autoridade policial, vale-se apenas a situação narrada pelos policiais para denunciar e pedir a condenação, ignorando completamente a versão apresentada pelo investigado.

Pois bem, diante desse quadro, e com a ânsia social pelo combate dos crimes relacionados às drogas, é possível perceber que a maioria das condenações por tráfico de drogas são baseadas exclusivamente em provas fracas e altamente contestáveis, colocando em dúvida toda a credibilidade do Poder Judiciário quando trata-se do crime em tela.

Outro ponto importante que fortalece a guerra às drogas e o encarceramento em massa pelo tráfico é a omissão legislativa acerca de quem é o traficante e quem é o usuário. Apesar de serem tratados de forma diferente pela lei, principalmente no quesito da penalização pela conduta,     conforme disposto nos artigos 28 e 33, da lei 11.343/06, não há critério algum estabelecido para diferenciar as duas condutas, e isso faz com que o juízo de diferenciação seja totalmente subjetivo, conforme observa-se no §2º, do artigo 28, abrindo espaço para a discricionariedade da polícia, do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. (...)

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente[5].

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa[6].

Nesse contexto, é notório que inúmeros presos pelo tráfico de drogas, que inclusive comportam grande parte da população carcerária, cerca de 26% dos presos masculinos são em decorrência do crime de tráfico de drogas[7], conforme informação no Ministério da Justiça e Segurança Pública, foram condenados pelo simples critério subjetivo adotado inicialmente pela polícia, sendo totalmente ignorada a verdadeira realidade daquele indivíduo, criando um enorme problema social.

Como já visto anteriormente, a política assistencialista no Brasil é basicamente teórica, não possuindo aparecimento significativo na aplicação dos casos concretos, portanto, existem inúmeros dependentes químicos encarcerados como se fossem verdadeiros traficantes. Essa situação, além de agravar a realidade precária dos presídios brasileiros, agrava ainda mais a questão do tráfico de drogas, visto que os próprios presos são usuários das substâncias entorpecentes ilícitas.

Diante dessa situação, pode-se perceber que a guerra às drogas é um agravante dos problemas sociais disseminados no país, aumentando ainda mais as desigualdades e diminuindo as oportunidades dos jovens negros e pobres que são colocados no sistema penitenciário.

Conforme brilhantemente colocado por Valois, a guerra às drogas reproduz e intensifica um verdadeiro apartheid social, sendo causadora de um desmedido mecanismo de segregação da população que já está marginalizada e abandonada pelo Estado.

4 Da Prisão Como Pena Preferencial

Atualmente, muitos estudiosos do Direito Penal Brasileiro e de sua aplicação na sociedade, entendem que se vive no país um momento de encarceramento em massa, ou seja, o enfoque dos aplicadores da lei e da própria sociedade está em punir quem comete crime, de forma quase que exclusiva, com penas privativas de liberdade.

Essa visão, que vem se fortalecendo ao longo da evolução histórica da legislação, causa grandes impactos sociais, sejam eles para os próprios agentes do crime, que serão prioritariamente encarcerados, como também para todo o convívio social, com o aumento da presença de presídios próximos às cidades, por exemplo, causando por vezes impactos inclusive no saneamento básico com o aumento do fluxo das redes de água e esgoto. Além disso, é notório que a população se sente insegura com a presença de penitenciárias muito próximas às cidades, fato que é inevitável diante do grande aumento da população carcerária brasileira.

Em relação especificamente ao crime de tráfico de drogas, essa realidade é ainda mais forte, visto que as próprias legislações que abordam o tema tratam o crime com uma punição exacerbada, obrigando os juízes encarcerarem, quase que, de forma obrigatória, os agentes desse crime.

Inicialmente, pode-se destacar a implicação do artigo 2º, §1º, da Lei 8.072/90: a pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado[8].

Ou seja, independente da pena efetivamente aplicada nos casos concretos, os juízes devem estabelecer o regime inicial fechado para cumprimento da penal nos crimes de tráfico de drogas, descaracterizando totalmente o escalonamento de regimes definidos pelo Código Penal, dilapidando a intenção de tornar as penas proporcionais à gravidade da infração.

Além disso, a própria lei de drogas estabeleceu a vedação da substituição da pena por restritivas de direitos, vejamos:

§4.º Nos delitos definidos no caput e no §1.º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa[9].

Contudo, de forma coerente e atrelada ao Princípio Constitucional de Individualização da Pena, o Supremo Tribunal Federal declarou parte  do dispositivo citado inconstitucional no julgamento do Habeas corpus 97.256 - Rio Grande do Sul.

Neste julgamento, o relator salientou que, apesar do crime de tráfico de drogas ser mundialmente tratado de forma mais dura, vedar a possibilidade de substituição da pena fere o Princípio da Individualização da Pena, vez que não leva em consideração a realidade e as circunstâncias de cada caso concreto, uniformizando a penalização para todos os agentes do crime. Além disso, evidencia que o benefício tem por objetivo amenizar os efeitos traumáticos e onerosos causados pelo encarceramento, sendo uma alternativa de extrema importância para a prevenção do crime e para ressocialização do criminoso. Sendo assim, declarou incidentalmente inconstitucional a parte do dispositivo que vedava a conversão em penas restritivas de direitos, autorizando a concessão do benefício se o réu preencher os requisitos do artigo 44, do Código Penal.

Ademais, o Superior Tribunal de Justiça também tem aplicado este princípio constitucional acerca do cumprimento de pena ser inicialmente em regime fechado, sob o mesmo entendimento de que as penas devem ser individualizadas, portanto, tem que se levar em consideração os traços do agente e as circunstâncias do crime, podendo ser aplicado regimes menos gravosos para cumprimento inicial da pena.

Não obstante, apesar desses entendimentos estabelecidos pelos tribunais, inúmeros juízes ainda seguem engessados pelo pensamento de que apenas o encarceramento é eficaz na punição do crime de tráfico, sendo este um dos principais fatores para o atual momento de encarceramento em massa e superlotação dos estabelecimentos prisionais, fortalecendo a política criminal proibicionista e punitiva em relação ao tráfico de drogas, além de também estimular a guerra às drogas.


[1] RIBEIRO, M. d. Acesso em 21 de setembro de 2019, disponível em IBCCRIM:https://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/5825-A-evolucao-historica-da-politica-criminal-e-da-legislacao-brasileira-sobre-drogas.

[2]  BRASIL. (4 de Nov de 1964). Lei nº 4.451, de 4 de novembro de 1964. Acesso em 1 de set de 2019, disponível em Altera a redação do artigo 281 do Código Penal: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L4451.htm

[3] VALOIS, Luís C. O Direito Penal da Guerra às Drogas. Belo Horizonte: Editora D'Plácido, 2017, p. 423.

[4]  VALOIS, Luís C. O Direito Penal da Guerra às Drogas. Belo Horizonte: Editora D'Plácido, 2017, p. 439.

[5] BRASIL. Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006.  Vade Mecum Penal Conjugado. São Paulo: Editora Saraiva, 2019, p. 692.

[6] BRASIL. Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006.  Vade Mecum Penal Conjugado. São Paulo: Editora Saraiva, 2019, p. 692.

[7] GOVERNO FEDERAL, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Acesso em 15 de outubro de 2019, disponível em: https://www.justica.gov.br/news/copy_of_collective-nitf-content-26.

[8] BRASIL. Lei 8.072 de 25 de julho de 1990.  Vade Mecum Penal Conjugado. São Paulo: Editora Saraiva, 2019, p. 517.

[9] BRASIL. Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006.  Vade Mecum Penal Conjugado. São Paulo: Editora Saraiva, 2019, p. 692.



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