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A responsabilidade civil do empregador e do estado a partir do reconhecimento do acidente de trabalho equiparado decorrente da insegurança pública

A responsabilidade civil do empregador e do estado a partir do reconhecimento do acidente de trabalho equiparado decorrente da insegurança pública

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A pesquisa, cujo tema é, a fixação da responsabilidade civil do empregador e do Estado a partir do reconhecimento do acidente de trabalho decorrente da insegurança pública .


RESUMO

A pesquisa, cujo tema é, a fixação da responsabilidade civil do empregador e do Estado a partir do reconhecimento do acidente de trabalho decorrente da insegurança pública procurará responder se o Estado é responsável juntamente com o empregador em caso de acidente de trabalho decorrente de insegurança pública. Tem como objetivo geral verificar se o aumento no índice de violência urbana bem como a deficiência do Poder Público em coibir as ações criminosas pode gerar a responsabilidade civil do empregador e do Estado nos casos de acidente do trabalho desencadeado pela insegurança pública. E, de forma, a atingir essa meta, é necessário definir acidente de trabalho e responsabilidade civil; fixar os tipos de responsabilidade; estudar os dados sobre a violência urbana; falar sobre insegurança jurídica, e, ainda, sobre a dignidade da pessoa humana e o dever do Estado de materializar e efetivar essa garantia fundamental.

Palavras-chave: Acidente. Responsabilidade. Segurança Pública.

ABSTRACT

The research, whose subject is, the establishment of civil liability of the employer and the State from the recognition of the work accident arising from public insecurity will seek to answer if the State is responsible together with the employer in case of work accident due to public insecurity . Its general objective is to verify if the increase in the index of urban violence as well as the deficiency of the Public Power in restraining the criminal actions can generate civil liability of the employer and the State in the cases of work accident triggered by the public insecurity. And, in order to reach this goal, it is necessary to define work accidents and civil liability; to establish the types of responsibility; study data on urban violence; talk about legal uncertainty, and also about the dignity of the human person and the duty of the State to materialize and effect this fundamental guarantee.

 

Key-words: Accident. Responsibility. Public security

INTRODUÇÃO

O presente trabalho cujo tema é a fixação da responsabilidade civil do empregador e do Estado a partir do reconhecimento do acidente de trabalho decorrente da insegurança pública, busca demonstrar como a elevação dos índices de violência urbana comprometem não apenas o nível de expectativa de vida nacional, como também afetam a integridade física e mental do obreiro em seu habitat natural, procura responder mais especificamente ao seguinte problema: o empregador é responsável juntamente com o Estado em caso de acidente de trabalho decorrente de insegurança pública?

Esta pesquisa se justifica pela necessidade de demonstrar ao empregador e ao Estado, a atenção que deve ser dispensada à segurança do trabalhador, adotando medidas mínimas de saúde e segurança no ambiente laboral.

O empregador tem sua responsabilidade caracterizada como objetiva, aplicada somente nos casos designados na lei e em circunstâncias que seja exposto naturalmente ao risco o proletário. Podendo ser caracterizado acidente de trabalho quando o proletário é vítima de violência urbana, tendo o fato danoso ocorrido de forma súbita, durante o período laboral, podendo a lesão ser física e/ou psicológica.

O objetivo geral da pesquisa é verificar se o aumento no índice de violência urbana, bem como a deficiência do Poder Público em coibir as ações criminosas podem gerar a responsabilidade civil do empregador e do Estado nos casos de acidente do trabalho desencadeado pela insegurança pública.

Para alcançar o objetivo estabeleceu-se os seguintes critérios específicos: definir responsabilidade civil e acidente de trabalho; analisar a evolução dos acidentes do trabalho; fixar os tipos de responsabilidade; verificar a competência da Justiça do Trabalho; falar sobre insegurança jurídica, e, ainda, sobre a dignidade da pessoa humana e o dever do Estado de materializar e efetivar essa garantia fundamental.

Se a empresa cumpriu as normas de segurança para evitar o acidente de trabalho e este só ocorreu devido a omissão ou deficiência do Poder Público de coibir ações criminosas, a empresa não pode ser a única responsabilizada pelo fato, uma vez que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sendo o Estado também responsável pelo fato danoso, este será também obrigado a indenizar.

1. Da Responsabilidade Civil

 

1.1.Conceito

 

Responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar o dano causado por uma pessoa a terceiros, tanto por fato próprio quanto por fato de pessoas a ela dependentes. O direito irá apontar em que condições a pessoa foi lesada e a responsabilidade por quem causou o dano, mostrando como deverá o prejudicado ser reparado. A lesão pode ocorrer tanto física como contra a honra ou mesmo aos bens da pessoa, e sua reparação é por meio de indenização que na maioria das vezes é paga em dinheiro.

A responsabilidade civil não é uma prestação obrigacional original, mas consequência e sucessão desta obrigação, para proteger os lesados com o comportamento de outras pessoas como pode se ver,

A responsabilidade civil é uma instituição, enquanto assecuratória de direito, e um estuário para onde acorrem os insatisfeitos, os injustiçados e os que danam e se prejudicam por comportamentos dos outros. É o resultado daquilo que se comportou ou não ocorreu secundum ius. É, portanto, uma consequência e não uma obrigação original, considerando que esta constituiu sempre um dever jurídico sucessivo ou consequente.  (STOCO , 2011, p.133)

Diniz (2011) traz em sua obra o conceito de a responsabilidade civil, como sendo a “aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causados a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”, em outras palavras é a maneira com que se obriga a pessoa reparar dano a outrem.

Alguns autores definem responsabilidade civil como a obrigação que se tem de assumir os efeitos resultantes de sua atividade, sendo um dever contínuo a obrigação, assim considerado:

Responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionado) de acordo com os interesses lesados. (GAGLIANO e FILHO, 2012, p.47)     

Desta forma a responsabilidade civil é a consequência jurídica e patrimonial do descumprimento de uma obrigação. Com isso quem responde pela obrigação é o patrimônio de quem ocasionou o dano, cabendo ao lesado requerer ou não a indenização. A responsabilidade civil tem como preceito restabelecer o status quo ante, que é, reparar o lesado até o estado que se encontrava antes da ação/omissão.

1.2. Elementos da responsabilidade

 

Para que se caracterize a responsabilidade civil de acordo com Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012) são necessários alguns elementos indispensáveis como a necessidade de ação ou omissão da pessoa causadora do dano, a lesão moral e/ou patrimonial no lesado e o nexo de causalidade entre os dois anteriores

1.2.1.      Conduta Humana

 

A conduta humana é o ato de uma pessoa, de posse de sua sanidade e faculdade mental, ou de alguém que está sob sua responsabilidade, causar prejuízo a outra, tanto por ação quanto por omissão, podendo este ato ser tanto por dolo, imperícia, imprudência ou negligência.

Sendo assim, a conduta humana é um dos principais elementos da responsabilidade civil, já que é com ela que se tem o evento danoso e que sem o ato contrário ao ordenamento jurídico não há responsabilidade e o nem dever de indenizar, como se pode ver

Não há responsabilidade sem evento danoso. Mas a lesão a bem jurídico cuja existência se verificará no plano normativo da culpa está condicionada à existência, no plano naturalístico da conduta, de uma ação ou omissão que constituiu a base do resultado lesivo. Não há responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica. Ação e omissão constituem, por isso mesmo, tal como no crime, o primeiro momento da responsabilidade civil.  (STOCO, 2011, p. 153)

A conduta humana pode ser de três espécies, ato ilícito, abuso de direito e ato licito. Ato ilícito é o comportamento contrário ao ordenamento jurídico, está previsto no artigo 186 do Código Civil e é duplamente ilícito. É ilícito em seu conteúdo (violação a direito) e também em suas consequências (causa dano a outrem). O abuso de direito é o exercício de direito que excede os limites impostos pelos fins sociais ou econômicos, pela boa-fé ou pelos bons costumes. É lícito em seu conteúdo (a pessoa exerce direito legitimo), mas ilícito em suas consequências (causa dano a outrem). O ato lícito é o exercício de um direito que está de acordo com o ordenamento jurídico. Em regra, o ato lícito é excludente de responsabilidade civil.

A conduta do agente só caracteriza a responsabilidade civil se for comprovado que ocasionou um dano à vítima. O dano decorre de um prejuízo causado, seja ele total ou parcial, tendo isso a vítima o direito de ressarcimento, seja para que o bem atinja a situação que estava anteriormente ao dano ou para que seja indenizado caso não seja possível a reparação.

 

1.2.2. Dano

Para que se tenha o dano, prejuízo a um interesse jurídico, é indispensável para que seja caracterizada a responsabilidade civil, já que é o resultado da ação ou omissão do agente, e é com ele que fica confirmado o prejuízo:

Indispensável a existência de dano ou prejuízo para a configuração da responsabilidade civil. Sem a ocorrência deste elemento não haveria o que indenizar, e, consequentemente responsabilidade. [...] Nesses termos, poderíamos conceituar o dano ou prejuízo como sendo a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não –, causado por ação ou omissão do sujeito infrator. (GAGLIANO e FILHO, 2012, p.81 e 82.)

A violação de direito alheio enseja a reparação do dano daquela advindo e pode ser dividido em três categorias que são: o dano material (toda lesão ao patrimônio de uma pessoa), o dano moral (é toda e qualquer lesão a um direito de personalidade) e o dano estético (é toda lesão a beleza externa do ser humano), e conforme preceitua a Súmula nº 387 do STJ pode haver a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral. Deve a vítima ser indenizada de forma ampla pelos dois danos sofridos.

1.2.3.      Nexo Causal

 

Nexo de causalidade é a forma que se tem de vincular a conduta ao dano, a responsabilidade civil só fica configurada se houver um nexo causal entre o dano causado e o autor do dano, se não houver essa relação fica descaracterizada a responsabilidade e sem ele não há obrigação de indenizar. 

Outro elemento indispensável para que se configure o dever de indenizar é o nexo causal, não havendo uma relação entre o dano e a conduta do agente não há de se falar em dever de indenizar, não importando se a responsabilidade é subjetiva ou objetiva como pode se ver:

A responsabilidade civil, mesmo objetiva, não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Se houver dano sem que a sua causa esteja relacionada com o comportamento do suposto ofensor, inexiste a relação de causalidade, não havendo a obrigação de indenizar. (TARTUCE, 2011, p. 377)

É a relação de causa e efeito entre o comportamento de uma pessoa e o dano causado a outra. Em algumas situações é adotada a teoria da causalidade adequada e em outras a teoria da causalidade direito-imediata.

Na teoria da causalidade há a diferenciação de causa e condição, diversos fatores que levaram ao dano são analisados, mas os que não foram determinantes para o dano não são relevantes, apenas os que causaram interessam. A causa que é abstratamente idônea, o que ocorre para o dano é relevante, e quem vai determinar a abstração é o juiz, ele que ira usar um raciocínio abstrato sob a posse das provas para que o se distinga e retire as causas que se excluídas não provocariam o dano (causa não relevante), e explicitar a que foi direta para o dano.

Na teoria da causalidade direito ou imediata de GAGLIANO E FILHO (2012), a causa seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma consequência sua direita e imediata, como também preceitua o artigo 403 do Código Civil. Para essa teoria o nexo causal só é possível se teve um resultado no momento da ação.

1.3.1.      Responsabilidade civil subjetiva e Responsabilidade civil objetiva

 

Responsabilidade civil subjetiva é aquela que exige a presença de quatro elementos para existir o dever de indenizar: fato, dano, nexo causal e culpa que é exigida apenas na responsabilidade subjetiva.

Já a responsabilidade civil objetiva, exceção do Código Civil, com fundamento no artigo 927, é a que exige apenas a presença de três elementos, quais sejam: fato, dano e nexo causal.

A responsabilidade objetiva ocorre em duas hipóteses, I – nos casos previstos em lei situados nos arts. 34, 50, 187, 931, 932, 936, 937 e 938, que tratam respectivamente sobre contrato de transportes, abuso de direito, responsabilidade pelo fato do produto, reparação civil de terceiro, fato animal, fato de coisa; II – em atividades de risco que é a clausula geral da responsabilidade objetiva, um artifício do Legislativo para uma maior gama de atividades.

A segunda hipótese, presente desde o Código Civil de 2002, abriu aos juízes e doutrinadores um novo leque de opções para enquadrar a responsabilidade objetiva ao conferir poderes para usar a responsabilidade não apenas nas hipóteses expressas em lei, veja:

A cláusula geral de responsabilidade civil objetiva não se limitou apenas a fixar, pontualmente, hipóteses legais de incidência da responsabilidade independente de culpa, mas, antes, conferiu aos juízes e ao doutrinador autorização para apontar novos casos, à luz do critério do risco da atividade no que destoou frontalmente da tradição legislativa até então vigente. (MARANHÃO, 2010, p. 229)

Na responsabilidade civil objetiva não é admitida a discussão quanto à culpa do agente para fins de determinação do dever de indenizar. Entretanto o juiz não está impedido de analisar a culpa do réu para reduzir o valor da indenização, ou para majorar o valor da indenização.

1.3.2.      Responsabilidade civil contratual e Responsabilidade civil extracontratual

 

Responsabilidade civil contratual ou negocial é aquela quando há o descumprimento de uma obrigação prevista em contrato. Existe uma relação jurídica anterior. Parte de um ato ilícito no contrato, no cumprimento de alguma obrigação ou falta de adimplemento, sempre decorre de uma infração em alguma vontade pactuada pelas partes, sendo necessário sempre haver uma obrigação anterior.

Responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana é aquela que surge quando descumprida uma obrigação prevista em lei. Na responsabilidade extracontratual, em regra, deve ser provada a culpa para que o prejudicado consiga a reparação pelos danos sofridos. No entanto a responsabilidade civil pode ser caracterizada pela teoria do risco.

2. Do Acidente Do Trabalho

           

2.1.  Surgimento

A partir do século XIX, com o desenvolvimento industrial, os acidentes do trabalho passaram a ser uma realidade mais constante, visto que as condições de trabalho eram cada vez mais precárias. A saúde do trabalhador não era uma preocupação, razão pela qual, a qualidade de vida no meio ambiente de trabalho era baixa, com mulheres e crianças trabalhando como mão-de-obra barata. A duração do trabalho era levada além do máximo da resistência normal do ser humano e os salários eram baixos, entre outras atribulações por que passava o trabalhador da época.

Nessa linha, acrescenta Miranda (1988), que o surgimento da Revolução Industrial, na Inglaterra, trouxe muitas transformações para a sociedade, principalmente para a classe trabalhadora, transformações estas que repercutiram de forma negativa no que diz respeito ao bem-estar físico e psicológico do trabalhador, sendo o mesmo obrigado a executar longas jornadas de trabalho em ambientes sem segurança, tendo que manusear máquinas tecnologicamente avançadas, com as quais não estavam habituados, gerando assim graves acidentes de trabalho como: mutilação, intoxicação, desgaste físico, etc., o que ocorria principalmente com as mulheres que ocupavam o mercado de trabalho em grande número por serem consideradas mão-de-obra barata.

                   Nesse cenário, com as condições de trabalho descritas, o número de acidentes do trabalho aumentou e ainda continua sendo uma triste realidade, sendo certo que, diante das consequências sociais ocasionadas pelos infortúnios no ambiente do trabalho, o Estado, por meio de normas esparsas, começou a tratar do instituto acidente do trabalho.

O Brasil só passou a se preocupar com o trabalhador, no quesito saúde, com o início de epidemias como a peste, a febre amarela, e a cólera, onde estas mataram diversos trabalhares, gerando uma perda para a economia do período. E foi em meio ao ciclo do café que ocorre a divisão internacional do trabalho, e com isso a saúde pública passou a mostrar preocupação, em especial o sanitarista Osvaldo Cruz, ao combate destas e outras epidemias.

Entretanto, a intervenção da saúde pública nas fábricas é insatisfatória pela falta de condições de trabalho na época. A classe trabalhadora inconformada com tal situação, dá início aos movimentos sociais de luta por seus direitos, organizando-se em grandes greves, como as de 1907, 1912, 1917 e 1920, em decorrência dessas manifestações e da insatisfação da classe, foram surgindo leis objetivando a regulamentação da questão da higiene e segurança do trabalhador em seu ambiente de trabalho, assim como o surgimento do primeiro médico de fábrica, no Brasil.

2.2.Definição

O acidente do trabalho tem seu conceito firmado na legislação. O Decreto Legislativo nº 3.724, de 15 de janeiro de 1919, considerava acidente do trabalho o acidente produzido por uma causa súbita, violenta, externa e involuntária no exercício do trabalho, determinando lesões corporais ou perturbações funcionais, que constituam a causa única da morte ou perda total ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

De lá para cá, outras leis surgiram, delimitando o conceito de acidente do trabalho, a saber, a Lei 5.316, de 14 de setembro de 1967 e a Lei 6.367, de 19 de outubro de 1976. Atualmente, a Lei 8.213/1991, em seu artigo 19, define o acidente do trabalho como aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados especiais, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade de trabalho.

No campo doutrinário, Diniz (2011) conceitua o acidente do trabalho como sendo “aquele que resulta no exercício do trabalho, provocando direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional, ou doença que determine a morte, a perda total ou parcial, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho.”

Para Oliveira (1997, p.02),

acidente do trabalho é um acontecimento relacionado com o trabalho, capaz de determinar a morte, perda ou redução da capacidade de trabalho do empregado, sendo integrantes do conceito de acidente o fato lesivo à saúde física ou mental, o nexo causal entre este e o trabalho e a redução da capacidade laboral, sendo que a lesão é caracterizada pelo dano físico-anatômico ou mesmo psíquico, enquanto que a perturbação funcional implica dano fisiológico ou psíquico, nem sempre aparente, relacionada com órgãos e funções específicas.

2.3.Ampliação legal do conceito de acidente do trabalho

Segundo Cairo Júnior (2008), paralelamente à evolução da teoria da responsabilidade civil que, no caso específico do acidente do trabalho, eliminou o elemento subjetivo, ou seja, a culpa, houve uma ampliação legal do conceito do acidente do trabalho para acolher também, sob o ponto de vista objetivo, além dos casos em que há culpa exclusiva da vítima, as hipóteses de doenças ocupacionais e de acidente de trajeto, este também denominado de acidente in itinere, sendo que a doença ocupacional e o acidente de trajeto são considerados acidente do trabalho por equiparação.

Assim, três são as espécies de acidente do trabalho: o acidente-tipo, a doença ocupacional, e o acidente in itinere. Ademais, são considerados também acidentes do trabalho, embora não exista causalidade direta com a relação de emprego, aquele sofrido pelo empregado no local e no horário do trabalho em consequência de ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; ato de pessoa privada do uso da razão; e desabamento, inundação, incêndio e outros casos, fortuitos ou decorrentes de força maior.

Para a caracterização do acidente-tipo é necessário que o evento provoque lesão corporal ou perturbação funcional, ensejando a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho. Mas, mesmo que os danos produzidos pelo acidente não se enquadrem no conceito legal de acidente do trabalho, deverá o empregador responder pelo evento danoso em sua totalidade, desde que presentes todos os elementos caracterizadores da responsabilidade civil.

Concernente à doença ocupacional, também chamada de ergopatia, ao contrário do que ocorre com o acidente-tipo, constitui um acontecimento lento e gradual, cujas consequências jurídicas são idênticas à deste último. A doença ocupacional é gênero do qual são espécies a doença profissional (tecnopatia) e a doença do trabalho (mesopatia). Importante ressaltar que a Lei 6.367/1976 não fazia nenhuma distinção entre doença profissional e doença do trabalho. Todavia, a Lei 8.213/1991, no seu artigo 20, prescreve que a doença profissional é aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade, enquanto a doença do trabalho seria a doença ocupacional adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relaciona diretamente.

No que se refere ao acidente de trajeto, este é definido como aquele ocorrido fora do estabelecimento da empresa, mas enquanto o empregado percorre o trajeto residência trabalho ou vice-versa, durante o período de descanso ou refeição, ou, ainda, quando se encontra executando serviços externos.

2.4.Acidente de Trabalho e Violência Urbana

 

Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que ocorrem anualmente 270 milhões de acidentes de trabalho em todo mundo, sendo que cerca de 2,2 milhões de trabalhadores morrem, por ano, número que ultrapassa a média anual de mortes em acidentes de trânsito, guerras e doenças infecto-contagiosas.

O Brasil ocupa o 4º lugar em relação ao número de mortes em infortúnios laborais. Segundo informações do Ministério da Previdência e Assistência Social, entre janeiro e outubro de 2011, pelo menos 40.779 trabalhadores foram vítimas de acidentes graves de trabalho, das quais 1.143 morreram, segundo o Ministério da Saúde. O número total é 10% maior do que o de igual período do ano anterior (37.035).

Desse modo, o que se tem notado, muito claramente, nesse cenário de assombrosa evolução de acidentes do trabalho, é que um específico fator externo e qualitativo tem alcançado gradual destaque no campo do meio ambiente laboral: a violência urbana.

Propugna-se que a violência urbana passe a integrar, expressamente, o quadro de agentes psíquicos, não apenas, de forma implícita, como fator acarretador de estresse pós-traumático, como se viu alhures, mas, expressamente mesmo, enquanto fator prévio, independente da ocorrência de assalto, intrinsecamente gerador – por se incorporar às próprias condições em que determinados serviços são prestados – de um nível de pressão tal que, em algumas hipóteses, desponta reconhecidamente agressivo do meio ambiente laboral e da saúde e segurança do trabalhador.

De fato, ressoa inconteste que essa flagrante incúria estatal em prover segurança pública eficiente tem assolado mais diretamente algumas categorias profissionais específicas, tais como aquelas que, de alguma forma, exercem suas atividades laborais em âmbito externo ou realizam sua prestação de serviços em atividades empresariais altamente visadas por meliantes, podendo ser citados os frentistas de postos de gasolina, motoristas, vigilantes, bancários, dentre muitos outros.

Nas hipóteses de assalto a trabalhador, quando imerso em suas atividades laborais, à luz dessas disposições normativas e em ocorrendo a incapacidade laboral, certamente configuram genuíno acidente de trabalho, com todas as repercussões legais pertinentes. Não resta dúvida, portanto, que é plenamente possível o reconhecimento jurídico de acidente de trabalho decorrente da insegurança pública.

 

3. Da Responsabilidade Civil Do Estado

           

É de responsabilidade do Poder Público os danos gerados por seus agentes, caso estes estejam exercendo sua atividade como figura pública no fato danoso. Esta responsabilidade decorre independentemente se o ato danoso foi comissivo ou omissivo, ou seja, independe se resultou de algo que o Estado fez ou de algo que não fez quando era sua obrigação ter feito, e causou prejuízos aos bens de outrem. 

Para Mello (2011), a responsabilidade do Estado está implícita na noção do Estado de Direito, não havendo necessidade de regra expressa para firmar-se isto, posto que no Estado de Direito todas as pessoas, de direito público ou privado, encontram-se sujeitas à obediência das regras de seu ordenamento jurídico. Desta forma, presente também está o dever de responderem pelos comportamentos violadores do direito alheio.

3.1. Caracteres da conduta ensejadora de responsabilidade do Estado

 

A responsabilidade civil do Estado poderá ser proveniente de duas situações distintas, a saber: a) de conduta positiva do Estado, isto é, comissiva, no sentido de que o agente público é o causador imediato do dano; b) de conduta omissiva, em que o Estado não atua diretamente na produção do evento danoso, mas tinha o dever de evitá-lo, como é o caso da falta do serviço nas modalidades em que o serviço não funcionou ou funcionou tardiamente, ou ainda, pela atividade que se cria a situação propiciatória do dano porque expôs alguém a risco.

De acordo com Mello (2011) as várias hipóteses de comportamento estatal comissivo, que lesa juridicamente terceiros; são eles: a) comportamentos lícitos: a.1) atos jurídicos; a.2) atos materiais; b) comportamentos ilícitos: b.1) atos jurídicos, ex. a decisão de apreender, fora do procedimento ou hipóteses legais, a edição de jornal ou revista; b.2) atos materiais, ex. o espancamento de um prisioneiro, causando-lhe lesões definitivas.

3.2. Responsabilidade Civil do Estado por omissão

 

A responsabilidade civil por omissão existirá quando o Estado se comportar de maneira ilícita, já que para se configurar a omissão, deve estar previsto no ordenamento o que deveria ser feito e não foi, ou foi de maneira ineficiente, uma vez que o princípio da legalidade só permite que a administração faça o que está na lei, e sem essa norma não há meios para a atuação do Estado, não sendo responsável por omissão.

Gagliano e Filho (2012) acreditam que a responsabilidade civil do Estado por omissão só se caracteriza se for realmente comprovado que não agiu, pois se agisse teria evitado o dano, como pode se ver: 

[...] além dos três elementos essenciais para a caracterização da responsabilidade civil, prove-se também, para o reconhecimento da omissão do dever de agir, com a demonstração de que, não se omitindo haveria real possibilidade de evitar o dano [...] exigindo-se para a responsabilização do Estado tão somente a prova de que a lesão foi decorrente da atividade pública.

Já Gonçalves (2011) que traz em sua obra o pensamento de José Cretella Junior a caracterização da omissão pode ser tanto por imperícia, imprudência ou negligência, evidenciando que basta que o Estado se omita a fazer algo que é de sua atribuição para que seja confirmada sua responsabilidade, veja:

A omissão configura a culpa ‘in omittendo’ e a culpa ‘in vigilando’. São casos de ‘inércia’, casos de ‘não atos’. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por ‘inércia’ ou ‘incuria’ do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o ‘bonus pater familae’, nem com o ‘bonus administrator’. Foi negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte; imperito se não previu as possibilidades de concretização do evento. Em todos os casos, culpa, ligada à ideia de inação, física ou mental.

Seguindo esse raciocínio pode se dizer que a responsabilidade do Estado por omissão sempre está ligada a um comportamento ilícito, tem-se por consequência de que necessário se faz provar a culpa. Entretanto não há meios de garantir que toda responsabilidade gerada por um comportamento ilícito seja uma responsabilidade subjetiva, contudo, como há a obrigação da comprovação de que o Estado deveria ter agido, ou agido de forma mais eficaz em tal situação, necessário se faz analisar a culpa da administração pública, caracterizando assim a responsabilidade subjetiva. Uma vez que não há como verificar a omissão da administração pública sem apreciar a culpa.

3.3. Responsabilidade Civil Subjetiva do Estado

 

A responsabilidade civil subjetiva está presente no artigo 186 do CC/02 e consiste no elemento culpa, ou seja, o Estado tem que ter agido com culpa ou dolo para que se resulte o evento danoso. No sentido amplo, a culpa pode ser por negligência, imperícia ou imprudência. A prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar.

A Administração Pública é quem tem o dever de provar que trabalhou de maneira eficaz e o dano causado não ocorreu por omissão sua, e se comprovado for que não agiu quando deveria ter agido, a responsabilidade em tela é por ato ilícito, e essencialmente subjetiva, já que o ato ilícito do Estado é sempre precedido de culpa ou dolo, elementos característicos da responsabilidade subjetiva.

Di Pietro (2012, p.709) concorda que a responsabilidade do Estado nos casos de omissão é subjetiva, como pode ser visto:

A responsabilidade no caso de omissão é subjetiva [...] o Estado responde desde que o serviço público (a) não funcione, quando deveria funcionar; (b) funcione atrasado; ou (c) funcione mal [...] enquanto nos casos de atos comissivos a responsabilidade incide nas hipóteses de atos lícitos ou ilícitos, a omissão tem que ser ilícita para acarretar a responsabilidade do Estado.

Para que haja a responsabilidade civil subjetiva do Estado por omissão é necessário que haja o dever de atuar, ele, obrigatoriamente, deveria ter agido em tal situação e como não fez houve o dano.

Compreende-se que para caracterizar a responsabilidade subjetiva por omissão da Administração Pública é imprescindível que se apresente a culpa do Estado para a execução do dano, ficando para este comprovar que não teve tal culpa e agiu conforme a lei regulamenta, tendo eficácia na prestação dos serviços públicos, por conseguinte, não tendo o dano ocorrido de sua falta de agir.

4. INEFICIÊNCIA ESTATAL E REPARAÇÃO DE DANOS

 

Faz algum tempo, que se percebe nos átrios forenses, um considerável crescimento de pleitos judiciais centrados na apreciação de acidentes de trabalho diretamente ligados à violência urbana.

São inúmeras situações de assaltos e sequestros, dentro de empresas ou em plena via pública, que têm trazido nocivas repercussões no meio ambiente de trabalho. É o que se dá, por exemplo, quando determinados trabalhadores, no desempenho de suas atividades profissionais, tornam-se vítimas de ações criminosas. Essa realidade tem suscitado relevantes questionamentos.

 

4.1. Proteção da Pessoa Humana e Garantia de Máxima Tutela da Vítima

No ordenamento jurídico pátrio a dignidade da pessoa humana é verdadeiramente a pedra angular, porquanto erigida à honrosa qualidade de fundamento da República Federativa (CF, artigo 1º, inciso III).

Além disso, nossa Constituição também expressamente adotou o postulado da igualdade substancial (CF, artigo 3º), firmou que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (CF, artigo 5º, § 2º), sublinhou que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (CF, artigo 5º, § 1º) e, ainda, asseverou que a proteção dos direitos há de se dar não apenas quando da lesão, senão que também quando da simples ameaça de lesão (CF, artigo 5º,inciso XXXV).

A crescente objetivação da responsabilidade civil, intimamente ligada ao ocaso científico da culpa, enquanto único fundamento da responsabilidade civil. Para Calixto (2008) "o objetivo de superar o individualismo, que marca a noção de culpa, em favor de uma visão mais solidarista da responsabilidade civil". O efeito direto dessa nova forma de ver as coisas é uma incisiva mudança de ângulo na responsabilidade civil, cujo giro conceitual vai, agora, do ato ilícito para o dano injusto, do lesante para a vítima.

A preocupação, hoje, é evitar ao extremo as fatídicas ocasiões de ausência de reparação, sobressaindo, dessa vigorosa tendência, a crescente autorização quanto à fixação de um precioso vínculo de solidariedade entre os responsáveis pela reparação, elo esse que, sabe-se, reduz sobremaneira as possibilidades da vítima sair irressarcida do infortúnio, em face da maior amplitude de acervo patrimonial reservado ao cumprimento de uma possível tutela ressarcitória de dano. É o que se vê, por exemplo, do disposto no artigo 942 do CC, quando reza que se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Facilmente se observar que o eixo gravitacional dessa mudança tem como epicentro o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III), cujo maior reflexo, no estuário civilista, tem sido a constante humanização de todos os seus institutos, incluindo, como se denota, a própria teoria da responsabilidade civil, cujas características atuais apontam para o desiderato de maximizar a plena reparação da vítima.

 

4.2. Insegurança Pública

 

Segurança pública é a garantia promovida pelo Estado, de uma convivência social isenta de ameaças de violência, de modo a resguardar que todo e qualquer cidadão goze plenamente dos direitos assegurados na Constituição Federal.

No entanto, diante da realidade brasileira, a certeza que fica é a de que o Estado, decididamente, tem sido assaz ineficiente no cumprimento desse seu dever de prover segurança pública, nada obstante seja essa uma incumbência que lhe recai por força de inexorável imperativo constitucional (CF, artigo 144).

A sociedade passa por momentos difíceis. O crescente aumento nos índices de violência nos enclausuram em nossas próprias residências. O sentimento de vulnerabilidade não se desvanece, onde quer que nos encontremos. Bauman (2008), com inteira razão, relata que essa incômoda "ubiquidade do medo" faz com que a sensação de insegurança seja hoje tão profunda e rotineira que, ainda quando ausente qualquer ameaça concreta, nossas reações continuam sendo típicas de quem está mortalmente de frente com o perigo.

O aumento da violência urbana e da criminalidade, em especial nas grandes cidades brasileiras, é uma triste característica do século XXI, marcada pela ocorrência de um desemprego de matiz estrutural, com a maciça presença de tráfico de drogas e de armas, negócios clandestinos, grandes aglomerados populacionais e rígidas autoridades informais, cuja atuação, no mais das vezes, anula o gozo de direitos civis dos mais simples.

 

4.3. Ineficiência Estatal e Reparação de Danos

 

Como é sabido, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (CF, artigo 37, § 6º).

Entendemos, que o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, foi taxativo ao pontuar a responsabilidade objetiva para os danos praticados pelo Estado, em nenhum momento fazendo qualquer distinção entre ato comissivo ou omissivo, mesmo porque a omissão também é uma modalidade de conduta humana plenamente passível de provocar danos.

Por isso, impõe-se verificar se essa omissão estatal não seria meramente genérica, ou seja, dentro de uma postura pública inserida em um patamar razoável de conduta, já que, em se concluindo de outra forma, o Estado surgiria como uma espécie de “segurador universal”, o que decerto inviabilizaria o funcionamento do Poder Público.

Ora, é justamente aqui, na seara da segurança pública, nomeadamente em suas repercussões penais, o campo que mais tem propiciado ao Poder Judiciário momentos de intensa reflexão sobre os contornos da responsabilidade estatal por omissão, a ponto de insuflar, nos últimos tempos, uma importante revisão crítica de pensamento. É o caso das malfadadas "balas perdidas", cuja discussão perdura intensamente acesa, sendo que os julgados, no particular, têm se portado ora premiando a gritante ineficiência estatal, ora tutelando a vítima do injusto prejuízo que lhe acometeu.

Para Tartuce (2011, p. 286)

Ora, se a responsabilidade civil tem um intuito pedagógico – ou punitivo, como querem alguns –, deve trazer impacto àquele que não está fazendo a lição de casa. E pode-se dizer que, no quesito segurança – como também em outros –, o Estado não vem cumprindo as suas obrigações assumidas perante a sociedade. A sua conduta, nessa área, pode ser tida como socialmente reprovável. Desse modo, deve ser imediatamente revista e repensada a aplicação da tese da responsabilidade civil do Estado por omissão, e, portanto, subjetiva e dependente de culpa, nos casos de falta de segurança.

 

Com relação ao detalhe da omissão específica e reiterada no terreno da segurança pública, cuida-se de parâmetro relevante e que a jurisprudência, paulatinamente, vem sedimentando no campo da responsabilização do poder público por danos injustos perpetrados à vítima.

O STF em julgamento em 2008 se manifestou acerca do assunto, afirmando que a omissão estatal permanente e reiterada configura grave ineficiência do poder público no seu dever de prover segurança pública, impondo o ressarcimento da vítima de dano injusto, independentemente de culpa do ente estatal.

 

4.4. Responsabilidade civil do empregador no caso de acidentes do trabalho em razão da insegurança pública

 

Não há de se exigir que o fato se configure acidente de trabalho, tecnicamente falando para se exigir do empregador a reparação de possíveis danos decorrentes de acidente do trabalho, ainda que diretamente ligados à violência urbana e à insegurança pública, bastando que haja tão-somente alguma espécie de prejuízo (CF, artigo 5º, incisos V e X), não importando a qualidade (material ou imaterial) ou a extensão (atingindo a capacidade laborativa ou não).

Todavia, o reconhecimento de responsabilidade do empregador pela reparação de danos materiais e morais diretamente jungidos à violência urbana ainda é assunto pouco debatido na doutrina, circunstância que se reflete no campo jurisprudencial, onde vigora acirrada polêmica.

A ocorrência do infortúnio nas circunstâncias de risco laboral, em razão da natureza do trabalho ou das condições especiais da prestação do serviço ocasionadas pela insegurança pública, suscita o implacável reconhecimento da responsabilidade objetiva fixada no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, sendo que a existência do nexo de causalidade entre o risco da atividade e o evento lesivo é suficiente para originar o dever reparatório do empregador pelo dano sofrido pelo obreiro, de modo a ter que emitir a CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho), como também reparar civilmente o empregado, independente da natureza da conduta (lícita ou ilícita).

 

4.5. Responsabilidade Civil do Estado no caso de acidentes de trabalho

 

O dano ocorrido de uma ação defeituosa ou pela falta dessa ação do Estado, ele é que passa a ser o responsável, já que conforme previsto na Carta Magna, no art. 144, o Estado é quem tem o dever, a responsabilidade, e os meios suficientes para garantir a segurança pública, e sendo o acidente de trabalho gerado em virtude de uma omissão do Estado o dever de responsabilizar fica a seu cargo.

Sobre a responsabilidade civil do Estado nos acidentes de trabalho Francisco Milton preceitua que a administração pública é culpada nos casos de omissão, já que ela é que tem o dever e os meios necessários para a proteção da população e dos trabalhadores, veja:

... a presunção jus tantum da culpa da administração pública nos casos de dano decorrente da omissão do Estado em razão do serviço não ter funcionado, funcionado tardiamente ou ineficiente, é plenamente aplicável ao Processo do Trabalho nos casos de reconhecimento da responsabilidade civil do Estado proveniente de acidente do laboral desencadeado pela insegurança pública, haja vista que a administração pública possui os mecanismos necessários para demonstrar no processo que tomou os cuidados possíveis e necessários para coibir a ação de criminosos no local de trabalho do obreiro, consoante estabelece o princípio da aptidão para a prova.

Como o Estado é quem tem o dever de segurança pública, e prega em sua Constituição Federal, que os trabalhadores devem ter os riscos inerentes a segurança do trabalho reduzidos, ele é quem deve ser o responsável por acidentes de trabalho provindos de sua administração falha ou inexistência de atos que combatam a insegurança pública, já que o Poder Público é o único, tanto responsável pela segurança pública, como também quem possui os meios para evitar tais acidentes trabalhistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo essencial para o desenvolvimento da sociedade. Abrange instrumentos de prevenção, vigilância, repressão, reparação, garantia de liberdades individuais e defesa de direitos sociais, devendo estar articulada com ações sociais priorizando a prevenção e buscando atingir as causas que levam à violência, sem abrir mão das estratégias de ordenamento social.

A responsabilidade civil é um campo jurídico em permanente construção, de modo que faz crer que o alcance de uma justa dogmática da reparação de danos sempre representará, no fundo, uma silenciosa luta cotidiana.

Nessa luta, a motivação que nos compele reside na ideia de um contínuo fomento a construções jurídicas que busquem proteger, ao máximo, a vítima de danos. Justamente à luz dessa premissa, propugna-se a responsabilização do Estado por danos decorrentes de acidentes laborais diretamente vinculados à insegurança pública.

A população, em determinados casos, já não mais se reconhece no aparelho estatal que a governa, bastante para, viabilizar uma excepcional interferência judicial no sistema, tendente a pressionar a que o agente estatal volte a níveis básicos de eficiência, em prol do bem comum.

No campo da segurança pública, impõe-se que o Poder Judiciário assuma postura diferenciada, essencialmente pró-ativa, na árdua defesa do direito social à segurança pública, mais particularmente, no contexto, na busca de sua máxima concretização no âmbito da realidade jus laboral.

Não se busca, com isso, que o Judiciário assuma a função de protagonista absoluto, o que se espera é que o Judiciário equilibre as funções dos demais poderes, a partir dos direitos fundamentais dos cidadãos.

 No tocante a essa específica discussão, é preciso ter coragem para avançar. O que se busca é não apenas imputar à empresa reclamada a responsabilização pelos danos ocorridos, enquanto agente que se beneficia dos riscos que sua atividade naturalmente impõe ao obreiro, como também ao Estado, que da mesma forma expõe o mesmo cidadão-trabalhador a um diferenciado grau de vulnerabilidade, porquanto se vê forçado a enfrentar, cotidianamente, a omissão estatal em garantir segurança por certo há de ser considerada como causa necessária e eficiente para a ocorrência do evento lesivo e para a reparação do dano perpetrado.

Afinal de contas, se a sociedade pós-moderna é uma sociedade de riscos, incumbe aos agentes o controle do gerenciamento do risco. Agravado este além do limite aceitável pela comunidade, a conduta se torna passível de ser atribuída como causadora do dano pela agravação do risco.

Portanto, exsurge patente, não só a responsabilização patronal, em face dos riscos da atividade, mas também a responsabilização estatal, decorrente da omissão específica e reiterada em cumprir seu dever constitucional de garantir segurança pública minimamente eficiente, cuja incúria, infelizmente, vem ceifando a vida ou maculando a saúde mental de inúmeros trabalhadores, em pleno habitat laboral.

Pode então concluir com o trabalho que o Estado é responsável por manter a segurança pública e que as empresas não têm a obrigação nem os meios suficientes para combater a violência, entretanto ela pode criar mecanismos para diminuir a facilidade com que os empregadores são submetidos a trabalhos perigosos, criando meios especiais para fazê-lo.

Com isso tem-se a resposta ao problema questionado no inicial do trabalho, de que a empresa é responsável nos casos em que ela não forneceu ao empregado condições básicas de segurança, e o acidente ocorreu em virtude dessa falha, enquanto o Estado é responsável se o acidente ocorreu mesmo a empresa tendo tomada todas as providencias necessárias, sendo o acidente só possível por um fato de terceiro. Não havendo, no entanto, responsabilidade solidária entre o Estado e o empregador, ou a responsabilidade será do Estado ou ela será da empresa.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2008.

CAIRO JUNIOR, José. O Acidente do Trabalho e a Responsabilidade Civil do Empregador. 4. ed. São Paulo. LTr, 2008.

CALIXTO, Marcelo Junqueira. A Culpa na Responsabilidade Civil: Estrutura e Função. Rio de Janeiro. Renovar, 2008.

DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo. Editora Atlas, 2012. p.709.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 25ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2011. vol. 7

GAGLIANO. Pablo Stolze; FILHO. Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 10 Ed. São Paulo. Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 6ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2011. vol. 4

 

 

JUNIOR, Francisco Milton Araújo. A fixação da responsabilidade civil do empregador e do Estado a partir do reconhecimento do acidente do trabalho decorrente da insegurança pública. São Paulo. LTr – Revista Jurídica, ano 74, nº10, 2010.

 

 

MARANHÃO. Ney Stany Morais. Responsabilidade Civil Objetiva pelo Risco da Atividade: Uma Perspectiva Civil-Constitucional. Rio de Janeiro. Método, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 Ed. São Paulo. Malheiros Editores, 2011.

MIRANDA, Carlos Alberto. Introdução à Saúde do Trabalhador. São Paulo. Atheneu, 1998.

OLIVEIRA, José de. Acidentes do Trabalho. 3. Ed. São Paulo. Saraiva, 1997.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 8ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2011

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo. Método, 2011.


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